sábado, 13 de dezembro de 2025

Código de conduta é antídoto contra fragilização do Judiciário

Medida contribui para preservar a confiança dos cidadãos nos juízes e tribunais. Edson Fachin acerta ao buscar fortalecer independência, imparcialidade e integridade da Justiça

Deputados da direita fotografam painel de votação do PL da Dosimetria - Pedro Ladeira - 9.dez.25/Folhapress

A Justiça brasileira se beneficiaria muito com a adoção de um código de conduta. A autoridade da Justiça deriva de sua capacidade de aplicar a lei com independência, imparcialidade, consistência, integridade e em prazo razoável. Quando o comportamento dos magistrados compromete a reputação dos tribunais, a autoridade da Justiça declina e cresce a disposição para desrespeitar suas decisões ou mesmo afrontá-las.

A Justiça brasileira desempenhou e desempenha um papel fundamental na defesa da democracia. Num mundo marcado por crescentes ataques às instituições constitucionais, a postura do Judiciário brasileiro tem se demonstrado um indispensável ativo democrático. Mas isso não é suficiente para garantir sua autoridade.

As diversas vulnerabilidades apresentadas pelos tribunais e por alguns de seus membros abrem espaços para atos de retaliação por parte dos inimigos da democracia. A aprovação do PL da redução das penas aos golpistas; a recusa pela Câmara em cassar a deputada Carla Zambelli, condenada criminalmente; a aprovação da PEC do marco temporal. Tudo isso são exemplos de retaliação da maioria parlamentar à autoridade judicial.

A falta de compromisso dessas facções parlamentares com as regras do jogo democrático é conhecida. Mas sua capacidade de retaliar o Judiciário cresce num contexto em que este se demonstra mais vulnerável do ponto de vista reputacional. Os supersalários, o compadrio, a falta de consistência, o excesso de decisões monocráticas, a suspeita de parcialidade e o próprio esvaziamento dos plenários deixam os tribunais mais vulneráveis a ataques à sua independência ou mesmo à captura por interesses poderosos.

Tribunais ao redor do mundo têm sido alvo de investidas. É inegável que os tribunais brasileiros, em especial o Supremo, são muito poderosos e detêm uma grande capacidade de resistir e mesmo de negociar com aqueles que os ameaçam. Mas isso inevitavelmente afetará a sua independência e confiabilidade, quando não os obrigar a realizar concessões no campo dos direitos de grupos vulnerareis. A erosão dos direitos indígenas e trabalhistas no Brasil talvez seja um exemplo.

Acerta, portanto, o ministro Edson Fachin ao propor uma série de medidas voltadas ao fortalecimento da independência, imparcialidade e integridade da Justiça brasileira. Acerta ao propor a adoção de um código de conduta para a magistratura e outro específico para os tribunais superiores, de acordo com suas especificidades.

O ministro Edson Fachin na sessão de posse como presidente do STF - Pedro Ladeira - 29.set.25/Folhapress

Os códigos de conduta, já adotados na Alemanha, na França, em Portugal ou nos Estados Unidos, têm por função fundamental contribuir para a preservação da confiança dos cidadãos em seus juízes e tribunais.

Impõem aos membros desses tribunais agir de forma íntegra e imparcial. Mais do que isso, alertam para a importância do comportamento dos magistrados, dentro e fora dos tribunais, para preservar a reputação da Justiça. Há, portanto, dois grupos de bens protegidos por esses códigos: a imparcialidade e a integridade, de um lado, e a reputação e a confiança, de outro.

Vivemos tempos bicudos, não apenas no Brasil. A democracia liberal (e social) está sob ataque e, com ela, a própria ideia de independência do Judiciário. O desarranjo entre os Poderes no Brasil aponta para um agravamento da crise institucional na próxima legislatura.

É imperativo que o Judiciário brasileiro se torne menos vulnerável. A adoção de um código de conduta seria um excelente antídoto contra aquilo que mais o fragiliza.

Oscar Vilhena Vieira, o autor deste artigo, é Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023).  Publicado originalmente na Folha de S. Paulo,em 13.12.25

Eileen Higgins, “a gringa” que devolveu Miami aos democratas após três décadas.

A prefeita eleita, que tomará posse em 18 de dezembro, focou sua campanha na acessibilidade financeira e nos direitos dos imigrantes, apresentando-se como um antídoto a Trump em uma cidade predominantemente latina.

Eileen Higgins em Miami, no dia 8 de dezembro. (Foto: Lynne Sladky (AP)

O DNA político de Eileen Higgins, prefeita eleita de Miami , é profundamente democrata. Sua agenda, seu histórico e suas alianças cívicas apontam para uma visão de mundo alinhada com a ideologia progressista do partido, que celebrou sua vitória como se fosse sua. Não apenas como um triunfo local contra um candidato apoiado pelo presidente Donald Trump em uma cidade que não tinha um prefeito democrata há três décadas, mas também como um sinal de que o partido continua relevante um ano após sua derrota na eleição presidencial de 2024. E que ele pode se reconectar com os eleitores com uma agenda focada em acessibilidade, imigração e justiça social.

“Quando você tem um ótimo candidato focado nos problemas e soluções das pessoas, juntamente com um partido organizado que realiza trabalho de base o ano todo, comparecendo consistentemente às comunidades e tendo os recursos para se comunicar com os eleitores, isso produz vitórias”, diz Nikki Fried, presidente do Partido Democrata da Flórida. “Este será um ótimo exemplo, não apenas do que pode acontecer no sul da Flórida, mas do que pode acontecer em todo o estado”, acrescenta.

A prefeitura de Miami é um cargo não partidário — sem filiação política formal na cédula eleitoral — mas a disputa foi vista como mais uma batalha pelo futuro do Partido Democrata, neste caso porque o condado de Miami-Dade — um reduto democrata por décadas — votou no Partido Republicano na última eleição .

A disputa se intensificou no mês passado, quando Trump apoiou o ex-administrador municipal Emilio Gonzalez, um republicano. O presidente declarou seu apoio ao candidato após importantes vitórias democratas em Nova York, Virgínia e Nova Jersey, que foram interpretadas como uma rejeição às suas políticas. O Comitê Nacional Democrata, por sua vez, apoiou Higgins — uma atitude incomum em nível municipal — transformando a disputa local em uma batalha de apoios e um termômetro nacional.

Higgins venceu na terça-feira com quase 60% dos votos, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo de prefeita de Miami e a primeira democrata — e alguém que não é de ascendência cubana ou cubano-americana — a chegar à prefeitura em 28 anos. Ela assumirá o cargo em 18 de dezembro.

Ken Martin, presidente do Comitê Nacional Democrata, saudou a vitória como “mais um sinal de alerta para os republicanos”. “Os eleitores estão cansados ​​de uma agenda desconectada da realidade que está encarecendo a vida das famílias trabalhadoras em todo o país”, disse ele ao EL PAÍS.

Uma trajetória incomum

A trajetória pessoal e profissional de Higgins, de 61 anos, é incomum na política local de Miami. Nascida em Dayton, Ohio, ela cresceu em Albuquerque, Novo México, onde estudou engenharia mecânica. Trabalhou como engenheira em fábricas e, posteriormente, obteve um mestrado em administração de empresas pela Universidade Cornell, em Nova York. Também atuou por um período como executiva de marketing no setor privado.

Em 2006, ela foi diretora do Corpo da Paz em Belize — um programa internacional de voluntariado dos EUA para países em desenvolvimento — e atuou como diplomata do Departamento de Estado dos EUA no México e na África do Sul. Essa experiência internacional precedeu sua entrada na política local quando se mudou para Miami, onde se envolveu com organizações ligadas a causas historicamente progressistas, como o controle de armas, a justiça social e a ação climática .

Higins começou a quebrar paradigmas em Miami em 2018, quando foi eleita comissária do Distrito 5 de Miami-Dade — onde 70% dos residentes são hispânicos e que inclui bairros como Little Havana — e recebeu o apelido de “La Gringa”. A partir dessa posição periférica, ela construiu sua agenda política.

Como comissária, ela defendeu uma maior intervenção governamental para enfrentar a crise habitacional e afirma ter contribuído para a criação de cerca de 7.000 unidades habitacionais acessíveis. Ela também promoveu políticas para proteger contra despejos, agilizar a emissão de alvarás e ampliar os incentivos à aquisição de imóveis.

A lógica permaneceu a mesma após a pandemia. Após a COVID-19, Higgins defendeu o uso de fundos federais do Plano de Resgate Americano (ARPA) do governo Biden para uma iniciativa de apoio a pequenas empresas chamada Elevate District 5.

O senador da Flórida, Shervin Jones, de Miami Gardens, amigo de Higgins há anos e que morou no mesmo prédio, acredita que ela sempre foi “consistente”. “Ela não é o tipo de líder que diz uma coisa e depois não cumpre. Ela acredita no que diz e coloca em prática”, explica.

Em suas redes sociais, Higgins apresenta uma imagem cuidadosamente equilibrada entre o pessoal e o profissional, compartilhando fotos da família e de viagens à Europa, bem como encontros com políticos democratas em eventos e comícios de campanha. Em seu blog, no entanto, ela oferece um vislumbre mais íntimo de alguém que valoriza profundamente sua família e comunidade, compartilhando citações inspiradoras sobre aproveitar a vida, da poetisa Mary Oliver e da escritora chilena Isabel Allende, além de elogiar o romance Memórias de um Casamento , de Louis Begley — uma história "anti-Gatsby" que questiona a busca idealizada pelo Sonho Americano, riqueza e status social, em favor de uma vida de integridade, humildade e discrição.

Como política, ela menciona frequentemente equidade, justiça social e inclusão em seus discursos, usando termos como "lacunas de equidade", "comunidades carentes", "trabalhadores de baixa renda" e a comunidade LGBTQ+. Ela também enfatiza consistentemente a proteção ambiental — desde as águas do condado até a resposta à elevação do nível do mar — e o uso do transporte público.

Higgins minimiza o fato de ser mulher. “Minha carreira começou na indústria, onde muitas vezes eu era a única mulher. Então, quando me candidatei, nunca me passou pela cabeça que eu seria a primeira prefeita”, disse ela em entrevista ao EL PAÍS dias antes de ser eleita. “No entanto, será uma verdadeira honra liderar uma cidade que foi fundada por uma mulher há mais de 125 anos.” Higgins escolheu o Miami Women's Club, um local repleto de simbolismo sobre o papel das mulheres no desenvolvimento da cidade, para celebrar sua vitória na noite da eleição.

A prefeita eleita não apenas focou seu discurso em questões locais, mas também articulou uma crítica moral à política de imigração do governo Trump . Higgins se apresentou como o antídoto para a ofensiva contra imigrantes que deixou milhares de famílias separadas e centenas de milhares de pessoas em risco de deportação, incluindo muitos moradores de Miami-Dade. Em entrevista a este jornal, ela acusou autoridades governamentais de falarem sobre imigrantes “como se fossem menos que humanos” e reafirmou que “eles não são criminosos, fazem parte desta comunidade”.

Durante a campanha, ele defendeu o respeito pelos moradores desta cidade de imigrantes e criticou abertamente o que chamou de política "cruel". O arrependimento daqueles que votaram em Trump e agora se veem perseguidos serviu de impulso para sua candidatura.

Na segunda-feira anterior à eleição, a presidente do Partido Democrata da Flórida disse que perguntou a ela o que estava ouvindo das pessoas da comunidade quando ia de porta em porta. “E ela me disse duas coisas. Primeiro, a falta de condições de vida acessíveis. Que as pessoas não conseguem morar aqui, não têm dinheiro, não conseguem formar uma família, não conseguem comprar uma casa, não conseguem pagar o aluguel ou o custo de vida em geral. E segundo, que as pessoas têm medo. Em uma cidade com uma porcentagem tão alta de hispânicos, as pessoas andam por aí com seus passaportes, suas carteiras de motorista, tentando comprovar sua residência e sua cidadania. E isso não é qualidade de vida”, destaca Fried. “Ela deixou claro para mim em nossas conversas que essa era uma parte fundamental, que as pessoas realmente sentiam que ela iria defender seus vizinhos.”

“Ao vermos as políticas anti-americanas que estão sendo implementadas pelo governo Trump, destruindo famílias, comunidades e empresas, o que nós, como partido, podemos fazer é defender nossa comunidade”, acrescenta Fried.

Abel Fernández, oautor desta matéria, é colaborador do EL PAÍS em Miami, onde cobre assuntos relacionados à diáspora, imigração e comunidade hispânica. Trabalhou como repórter e editor para o El Nuevo Herald, Miami Herald e Voice of America. Foi Diretor de Mídias Digitais e Sociais do Martí Noticias. Formou-se em Jornalismo e possui mestrado em Comunicação pela FIU. Publicado originalmente no EL PAÍS,em 13.12.25

Rússia envia crianças ucranianas raptadas à Coreia do Norte

Transferência de crianças para acampamento recreativo norte-coreano é tomada como por organizações de direitos humanos como parte de doutrinação russa e tentativa de usar ucranianos para "diplomacia infantil".

Segundo a Ucrânia, quase 20 mil crianças foram sequestradas pela Rússia desde o início da guerra (Foto: Hannibal Hanschke/AP Photo/picture alliance)

Duas crianças ucranianas capturadas pela Rússia foram enviadas a um acampamento recreativo para filhos da elite norte-coreana, segundo depoimento da especialista jurídica do Centro Regional de Direitos Humanos da Ucrânia (RCHR), Kateryna Rashevska, coletado por um subcomitê do Congresso dos EUA.

Segundo o RCHR, a dupla – identificada como Misha, de 12 anos, da região ucraniana de Donetsk ocupada pela Rússia, e Liza, de 16 anos, da capital da Crimeia, Simferopol – foi levada ao acampamento norte-coreano de Songdowon junto a um grupo de crianças russas.

Fundado em 1960, o acampamento de férias foi originalmente concebido para receber crianças de outros estados do bloco comunista, permitindo-lhes usar um parque aquático, um campo de futebol, academia, aquário e outras atividades, enquanto permanecem em dormitórios no local. Segundo especialistas, hoje o objetivo recreativo se soma a uma propagação de símbolos do regime de Kim Jong-un.

Para Rashevska, as duas crianças são vítimas de crimes de guerra e usadas como parte da propaganda russa. Segundo Kiev, a Rússia sequestrou mais de 19,5 mil crianças ucranianas desde o início da guerra. Esse número inclui casos que a Ucrânia diz terem sido verificados.

A cifra real, porém, pode ser maior. Misha e Liza, por exemplo, provavelmente não estão incluídas nesses números, já que informações sobre elas foram coletadas recentemente, pontua Rashevska.

"Há atualmente evidências insuficientes para confirmar elementos de deportação ilegal neste caso, tornando inadequado classificá-las prematuramente como crianças sequestradas nesse sentido", disse ela.

Contudo, segundo Rashevska, a viagem à Coreia do Norte envolve outras violações dos direitos das crianças, incluindo doutrinação política, elementos de militarização e uso em propaganda russa – proibidos pelo Artigo 50 da Quarta Convenção de Genebra – além de violações da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, como identidade, descanso e lazer e o princípio do interesse superior da criança.

Além do acampamento norte-coreano, o RCHR documentou outros 165 alojamentos montados por Moscou para crianças, em sua maioria localizados na Rússia e em Belarus.

Acampamento norte-coreano recebe filhos da elite do país (foto: DW/P.Depont)

Ativista de direitos humanos condena movimento de 'propaganda'

Moscou e Pyongyang aprofundam sua aliança desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Como parte dessa nova amizade, a Coreia do Norte forneceu munições e tropas para a guerra na Ucrânia, enquanto a Rússia retribuiu com alimentos, combustível e tecnologia militar.

Rashevska disse à DW que as duas crianças que ficaram no Acampamento Internacional Infantil de Songdowon, perto da cidade portuária oriental de Wonsan, na Coreia do Norte, foram posteriormente devolvidas à Ucrânia ocupada pela Rússia.

"Por que isso importa?", perguntou. "Porque, nesse caso, a Rússia está essencialmente explorando nossas crianças ucranianas para sua propaganda. Elas são apresentadas como uma espécie de 'embaixadores russos' da diplomacia infantil e juvenil."

"Estão usando nossas crianças para construir parcerias estratégicas com um país que os EUA designaram como patrocinador estatal do terrorismo e que, de fato, é cúmplice no crime de agressão contra a pátria dessas crianças, contra a Ucrânia. Isso é absolutamente inaceitável."

Após a queda da União Soviética, o acampamento se tornou um local para filhos de altos funcionários norte-coreanos, embora tenha aberto as portas a crianças estrangeiras desde que Moscou e Pyongyang reavivaram sua amizade.

Casos de crianças ucranianas raptadas pela Rússia chegaram ao Parlamento Europeu (Foto: EP/European Union 2025)  / Jovem ucraniano é recebido do Parlamento Europeu.

Acampamento é 'rito de passagem'

"É um pouco como um acampamento de escoteiros, mas com a família Kim como foco", disse Dan Pinkston, professor de relações internacionais no campus de Seul da Troy University, que pôde visitar a instalação durante uma viagem à Coreia do Norte em 2013.

"Para crianças norte-coreanas, o acampamento é quase um rito de passagem, onde podem fazer todo tipo de atividades recreativas, mas com fortes doses de propaganda e doutrinação. Havia pôsteres, placas e slogans sobre os males do imperialismo."

"Mas o que é revelador é que isso mostra como Coreia do Norte e Rússia estão cada vez mais cooperando e organizando visitas de turistas, empresários e agora estudantes", acrescentou.

Pinkston acredita que as duas crianças ucranianas enviadas à Coreia do Norte podem ter feito parte de um teste para observar os efeitos de maior doutrinação, vinculada à sensação de que estavam sendo "recompensadas" por bom comportamento.

"Tudo faz parte da 'russificação' dessas crianças e acredito que veremos ver mais viagens desse tipo no futuro", disse ele.

Outros analistas veem o movimento apenas como parte da propaganda russa. Andrei Lankov, professor russo de história e relações internacionais na Universidade Kookmin de Seul, descreveu a visita como "uma peça bastante descarada de manipulação".

'Tratamento desumano'

Seja qual for a motivação do líder norte-coreano e do presidente russo Vladimir Putin, Rashevska é categórica ao afirmar que a comunidade internacional precisa fazer mais para proteger jovens ucranianos.

"Para o regime de Kim Jong Un, esta é uma forma suave, socialmente aceitável de aprofundar a 'parceria estratégica' com a Rússia por meio da 'diplomacia infantil'", disse ela.

"Para a Rússia, é útil porque as crianças veem um país onde os direitos humanos e as liberdades são ainda piores do que na própria Rússia: sem internet, sem telefones celulares, sem possibilidade de manter contato."

"Mesmo que apenas uma criança seja afetada. Mesmo que apenas duas crianças sejam afetadas. Porque são nossas crianças. Crianças não são estatísticas. Crianças não são ferramentas para chocar pessoas", disse Rashevska.

Vladimir Putin e Maria Lvova-Belova, comissária para direitos das crianças da Rússia

TPI responsabilizou Putin por deportação ilegal de criançasFoto: Mikhail Klimentyev/Sputnik Moscow/imago images

Assembleia da ONU pede que Rússia devolva crianças ucranianas cativas

Na semana passada, a Assembleia Geral da ONU pediu o retorno imediato e incondicional de crianças ucranianas "transferidas à força" para a Rússia.

A assembleia adotou uma resolução não vinculativa exigindo "que a Federação Russa assegure o retorno imediato, seguro e incondicional de todas as crianças ucranianas que foram transferidas ou deportadas à força".

Também pede a Moscou que "cesse, sem demora, qualquer prática adicional de transferência forçada, deportação, separação de famílias e tutores legais, alteração de status pessoal, incluindo por cidadania, adoção ou colocação em famílias adotivas, e doutrinação de crianças ucranianas".

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse que a resolução "profere declarações ultrajantes contra a Rússia, acusando-a do que chama de deportação de crianças ucranianas, falando sobre sua 'adoção forçada' e apagamento de identidade".

"A Rússia enfatiza mais uma vez que quaisquer acusações de deportação de crianças ucranianas são totalmente infundadas e enganosas", segundo comunicado do ministério.

"Isso foi exclusivamente uma questão de evacuar de zonas de combate menores cujas vidas estavam em risco."

Anastasia Shepeleva e Julian Ryall, jornalistas,originalmente, para a Deutsche Welle (a voz da Alemanha),em 13.12.25

há 13 horashá 13 horas

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Governo Trump retira sanções contra Alexandre de Moraes e esposa pela lei Magnitsky

O governo dos Estados Unidos retirou nesta sexta-feira (12/12) o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e sua esposa, Viviane Barci de Moraes, da lista de sancionados pela Lei Magnitsky.

Montagem de fotos mostra Donald Trump e Alexandre de Moraes (Crédito,Getty Images)

Publicada no site do Tesouro Americano, a decisão representa mais uma desescalada nas tensões entre EUA e Brasil, após a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Aprovada durante o governo de Barack Obama, em 2012, a Lei Magnitsky é uma das mais severas disponíveis para Washington punir estrangeiros que considera autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.

As sanções contra Alexandre de Moraes haviam sido impostas em julho, em meio às pressões do governo de Donald Trump para tentar influenciar o julgamento de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.

Em setembro, o ex-presidente foi condenado pelo STF a 27 anos e três meses de prisão por golpe de Estado e mais quatro crimes, pena que ele começou a cumprir em novembro.

Viviane Barci de Moraes, por sua vez, foi alvo das sanções pela Lei Magnitisky em setembro. À época, também foi sancionado o Lex - Instituto de Estudos Jurídicos, empresa mantida por Viviane e os três filhos do casal: Gabriela, Alexandre e Giuliana Barci de Moraes, com sede em São Paulo.

Nesta sexta-feira, o instituto também foi retirado da lista de sanções.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que atuou junto ao governo americano para a imposição de sanções ao Brasil e a Moraes, lamentou a decisão.

Thais Carrança e Iara Diniz, jornalistas, originalmente de S. Paulo - SP para a BBC News Brasil, em 12.12.25


Câmara entra em terreno perigoso

Ao preservar o mandato de Zambelli, criminosa condenada e presa, Câmara afronta a Constituição, o STF e o bom senso, e leva a atual crispação institucional a um patamar desconhecido

Na madrugada de ontem, o plenário da Câmara dos Deputados, em afronta à Constituição, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao bom senso, decidiu não cassar o mandato da deputada Carla Zambelli (PLSP). A parlamentar, como se sabe, é uma criminosa condenada pelo STF a 10 anos de prisão em regime inicialmente fechado por ter se associado a um hacker para invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça entre agosto de 2022 e janeiro de 2023 e forjar um mandado de prisão contra o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes. A decisão judicial transitou em julgado – isto é, não cabem mais recursos.

A cassação da sra. Zambelli, convém sublinhar, não era objeto de deliberação política – era uma imposição constitucional. O art. 55 da Constituição está escrito em português cristalino: “perderá o mandato” o parlamentar que “sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”. É precisamente o caso da deputada, assim como o de Alexandre Ramagem (PL-RJ), seu parceiro no rol dos culpados mais recentes.

Portanto, não há espaço para criatividade hermenêutica ou casuísmos. A perda do mandato, em tal hipótese, não é um ato discricionário das Casas do Congresso, mas um comando a ser obedecido. Ao rebelar-se, a Câmara não só pisoteou a Lei Maior, como, indevidamente, arvorou-se em instância revisora do Supremo.

Diante dessa flagrante inconstitucionalidade, não tardou para que o STF interviesse para restabelecer a ordem. No mesmo dia, Moraes anulou a decisão da Câmara e determinou que o presidente da Casa, Hugo Motta (RepublicanosPB), dê posse ao suplente de Zambelli em até 48 horas. O ministro destacou na decisão que ao Congresso cabe apenas “declarar a perda do mandato”, ou seja, “editar ato administrativo” vinculado à sentença transitada em julgado.

A preservação do mandato de Zambelli colidia com um precedente explícito. Em 2013, vale lembrar, quando o plenário da Câmara rejeitou a cassação do deputado Natan Donadon (MDB-RO), também condenado criminalmente com trânsito em julgado, o então ministro do STF Luís Roberto Barroso acolhera pedido do PSDB para suspender os efeitos da sessão. Se a pena imposta é em regime inicial fechado por tempo superior ao restante do mandato, decidiu Barroso, a cassação é automática. A razão é óbvia: como alguém impossibilitado fisicamente de representar seus eleitores, pelo singelo fato de estar atrás das grades, pode seguir parlamentar? Zambelli está presa em Roma, mas a realidade factual não sensibilizou o plenário.

O que se viu, mais uma vez, foi a supremacia do espírito de corpo. Lamentável figura, Zambelli é uma indigente política tratada como pária até entre os bolsonaristas mais empedernidos, a começar pelo próprio Jair Bolsonaro. Com o destino político nas mãos de seus pares, não foi mais do que um instrumento útil na guerra que parte expressiva do Congresso trava contra o STF. Nessa rixa, o interesse público e a moralidade pública não têm lugar. Por isso, a decisão de preservar o mandato da deputada se prestava a enviar um recado ao STF.

Para piorar, a tibieza da Câmara ainda causou um grave prejuízo político ao Estado de São Paulo, que, sem a substituição de Zambelli por suplente que efetivamente possa representar os eleitores paulistas, restará ainda mais sub-representado no Legislativo federal.

A Câmara foi institucionalmente irresponsável. Ao desafiar abertamente uma decisão judicial definitiva e reinterpretar a Constituição segundo suas conveniências de ocasião, a Casa abre precedente que põe em risco o amadurecimento institucional do País. Se cada Casa Legislativa puder decidir, caso a caso, se cumpre ou não a Constituição ao lidar com parlamentares que se bandearam para o crime, o Estado de Direito torna-se mero ornamento retórico.

A guarida dada a uma criminosa condenada revela o quão baixo a Câmara está disposta a ir em sua disputa por poder com o STF. Não se pode perder de vista que é na Corte que está a grande chance de moralização da representação política popular: o fim da malversação de bilhões de reais em emendas parlamentares. 

Editorial / Notas e Informações, O  Estado de S. Paulo,em 12.12.25

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Pacificação só virá com moralidade nos Três Poderes e não com acordões como o do PL da Dosimetria

Guerra política é fruto de descaso das autoridades com regras básicas de conduta e as criações puramente eleitorais só tendem a incendiar ainda mais o País


Câmara dos Deputados aprova, durante a madrugada de quarta-feira, o PL da Dosimetria Foto: Wilton Júnior/Estadão

É uma falácia a ideia de que a aprovação do PL da Dosimetria, por ter sido combinada daqui e dali, vai promover a pacificação no País. A própria sessão em que o texto foi analisado madrugada adentro é uma prova inconteste de que o efeito não será alcançado. A pacificação passa muito mais por uma necessidade de que os representantes da população nos Três Poderes, nos mais diversos níveis, atuem sob os princípios da moralidade.

As ideias e ações extremas no País são derivadas da irresponsabilidade de nossos políticos no Executivo e no Legislativo e pelos desatinos de integrantes do Judiciário. À direita ou à esquerda, são alimentadas pela sensação de que há um sistema conspirando contra o povo e que precisa ser enfrentado. Esse sistema pode ser representado por quaisquer autoridades das quais não gostamos. E explode quando elas erram em sequência.

A indignação que se transforma em intolerância ganha força quando ministros do STF viajam em jatinhos de partes, são patrocinados por eles em eventos, têm familiares advogando para réus, colocam processos sob sigilo, mudam a regra conforme a ocasião, por blindagem ou para livrar os que com eles convivem melhor, ou quando a alta elite do funcionalismo acumula privilégios e penduricalhos.

A revolta grassa quando parlamentares se blindam e mudam regras para se salvar e até os seus presos e foragidos continuam com mandatos por meses, com seus gabinetes torrando dinheiro público sem produzir nada, apenas por serem chamados de excelências por colegas. Quando há aumento do fundo partidário, abuso nas emendas via orçamento secreto, presidente e ministros esbanjando em viagens internacionais e os derrotados nas eleições não aceitando o resultado e tentando virar a mesa na marra.

Tem muito a ver com o PL da Dosimetria, que sob pretexto de salvar pobres coitados usados como massa de manobra, mira pura e unicamente em um interesse eleitoral. O de aliviar a vida de Bolsonaro, acalmando a família e tentando abrir espaço para um nome que o Centrão deseja.

Não há nada de pacificação aí. Ao contrário. Isso tomará conta da disputa de 2026 e do debate político no Brasil. A guerra em plenário não foi por acaso, amplificada pela estratégia inábil de Hugo Motta de envolver matéria demasiadamente polêmica com a cassação de deputados por motivos absolutamente diversos.

Na direita, nem mesmo a dosimetria tinha sido aprovada e já havia parlamentares na tribuna enfatizando que continuarão agora a batalha pela anistia. A dosimetria não os calará. Como não calará os parlamentares e a militância de esquerda tomados por um sentimento de revolta com o benefício a militares e ministros que tentaram implementar um golpe de Estado. A guerra aumentará.

Há um enorme erro no cálculo de que o fato de ter havido alinhamento entre Poderes para uma solução intermediária pacifica o País como um todo. O Brasil não precisa exatamente de reconciliação entre os Poderes, como se apregoa ao defender o PL da Dosimetria. Os conflitos dos freios e contrapesos são saudáveis.

A reconciliação, ao contrário, deve ser dar entre representantes e representados. Com moralidade, código de Ética e de conduta. Com autoridades seguindo a Constituição, as regras e o bom senso e não dispostos a tudo para acomodar interesses. E à luz da transparência e não nas trevas da censura e dos acordos por baixo dos panos como se viu na Casa do povo na terça-feira.

Ricardo Corrêa,  o autor deste artigo, é Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. É jornalista formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora e bacharel em Direito pela ESDHC. Escreve às quintas. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 11.12.25

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Lula acelera a demagogia

O presidente promete que os eleitores vão trabalhar menos e andar de graça em ônibus, como se um Estado cronicamente deficitário fosse capaz de absorver toda a irresponsabilidade petista

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou da equipe econômica que conclua de uma vez os cálculos sobre o programa tarifa zero no transporte de ônibus urbanos. A pressa não é tanto para colocar a medida em prática já no ano que vem, mesmo porque ainda existe uma lei eleitoral em vigor que restringe o lançamento desse tipo de proposta a meses do pleito, mas para garantir sua apresentação a tempo de que ela possa se tornar uma promessa de campanha do petista em 2026.

Estudo da Universidade de Brasília (UnB) aponta um custo mínimo de R$ 80 bilhões anuais. Para a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), seriam ao menos R$ 90 bilhões por ano, e para a Confederação Nacional de Municípios (CNM), R$ 200 bilhões. A verdade é que ninguém sabe, ao certo, quanto a tarifa zero vai custar, mas todas as estimativas apontam para custos incompatíveis com qualquer âncora fiscal e inviáveis para um país com a extensão territorial e a população do Brasil.

O governo, espertamente, já tem resposta para quem o critica por prometer o que não pode cumprir. Afinal, a mesma coisa se dizia sobre o compromisso de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para quem ganha até R$ 5 mil mensais. O correto seria ter corrigido a tabela para todos os contribuintes, mas isso ficaria caro demais até mesmo para os padrões petistas.

A alternativa, portanto, foi criar um puxadinho tributário para garantir o benefício ao eleitorado que Lula queria reconquistar. E se já era improvável que as perdas de arrecadação geradas por essa benesse seriam compensadas pela taxação da alta renda, a corrida das empresas para antecipar o pagamento de dividendos a pessoas físicas até o fim deste ano é uma prévia do rombo com o qual o País terá de lidar a partir do ano que vem, quando a medida entrar em vigor.

A redução da jornada de trabalho sem redução de salários e o fim da escala 6x1, que Lula resolveu encampar, se insere nesse mesmo contexto. A premissa para fazer esse movimento sem prejuízo à atividade econômica é que haja um aumento da produtividade – ou seja, produzir mais com menos. A produtividade, por sua vez, só cresce quando há investimentos em inovação, tecnologia, qualificação profissional e melhoria do ambiente de negócios.

Reduzir a jornada sem aumento da produtividade é fazer o caminho oposto. O resultado é alta no custo por hora trabalhada, desindustrialização, desequilíbrio na balança comercial, avanço do desemprego e socorro público ao setor privado. Antes fosse mero pessimismo. Basta analisar o que aconteceu na França, que adotou a medida há mais de 20 anos. Com o agravante de que, no Brasil, a produtividade da economia cai há décadas.

Mas, para Lula, nada disso importa. Como o presidente jamais desceu do palanque e sempre se comportou como candidato, quanto mais inexequível a proposta, melhor. No caso da tarifa zero, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que se orgulha de não dizer não aos pedidos do chefe, certamente encontrará alguma maneira capenga de colocar essas propostas de pé a tempo de incluí-las na campanha e pautar o debate eleitoral, obrigando os adversários a também se comprometerem com elas.

Ao Estadão, o deputado Jilmar Tatto (PT-SP), que lançou um livro sobre o tema no mês passado cujo prefácio foi escrito por ninguém menos que o próprio Haddad, disse duvidar de que alguém tenha coragem de se opor à tarifa zero às vésperas da eleição. “Ninguém é contra, nem o Centrão, nem a direita”, afirmou.

De fato, ninguém que disputará o voto dos eleitores ousará questionar a pertinência de impor um custo dessa monta a um Orçamento já deficitário e que não tem receitas suficientes para arcar nem mesmo com as políticas públicas que já lhe cabem nas áreas de saúde e educação – o que dirá para o transporte público urbano.

Daí se vê a diferença entre uma estratégia eleitoral inconsequente, pensada para angariar o maior número de votos possível, como é a de Lula, e um programa de governo consistente e capaz de conduzir o País ao crescimento econômico.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 10.12.25

Senado vota hoje (10) na CCJ novas regras para impeachment de ministros do STF; veja as mudanças

Relator do projeto, Weverton Rocha prevê que OAB, PGR, partidos políticos e cidadãos em abaixo-assinado com 1% do eleitorado podem propor impedimento

Presidente da Casa, Davi Alcolumbre, decidiu acelerar proposta para dar resposta a liminar de Gilmar Mendes que endureceu as regras para dificultar saída de ministros

O ministro Gilmar Mendes na sessão de posse do ministro Edson Fachin como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do ministro Alexandre de Moraes como vice-presidente - Pedro Ladeira/Folhapress

O senador Otto Alencar pautou para a quarta (10) a votação do projeto que atualiza as regras para o impeachment. "Será o primeiro item da pauta", disse o parlamentar à coluna.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, decidiu acelerar a tramitação da matéria depois que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes endureceu as regras de impedimento de ministros da Corte por meio de uma liminar.

O senador Weverton Rocha (PDT-MA), relator do projeto, afirma que ele já foi finalizado e será apresentado ainda hoje aos principais líderes do Senado.

Ele antecipou à coluna as mudanças que vai propor nas regras, que valeriam não apenas para os magistrados da Suprema Corte, mas também para autoridades de outros poderes, inclusive o presidente da República.

Em primeiro lugar, diz ele, haverá uma "reorganização da legitimidade de quem pode apresentar o pedido de impeachment".

Hoje, qualquer cidadão pode bater às portas do Senado e pedir o impedimento de um ministro do STF, por exemplo.

Com as novas regras, isso muda. Apenas entidades e órgãos como a OAB, a PGR (Procuradoria-Geral da República) e partidos políticos com representação no Congresso poderão apresentar o pedido.

Os cidadãos também poderiam fazê-lo, desde que por meio de um abaixo-assinado endossado por 1% do eleitorado.

"Isso qualifica o ato, não deixa que seja feito de forma solta, injuriosa ou dolosa, apenas para manifestar divergência com a autoridade", diz ele. "Não se pode usar instrumento de exceção como meio de atuação política, para manifestar descontentamento ou divergência com a autoridade", afirma ainda o parlamentar.

Uma segunda mudança: o presidente do Senado, a quem cabe arquivar ou dar seguimento ao pedido de impeachment, teria um prazo de 15 dias úteis para analisá-lo e tomar uma decisão.Hoje, esse prazo é indefinido, e o comandante da Casa pode simplesmente deixá-lo na gaveta, sem qualquer decisão.

Pela nova proposta, caso ele arquive o pedido, o plenário teria o poder de desarquivá-lo, também no prazo de 15 dias.

O quórum para isso, no entanto, seria de 2/3 dos parlamentares. Nas regras anteriores, era necessário o apoio da maioria simples de 41 senadores presentes no plenário — ou seja, de 21 deles — para que o processo de impeachment fosse aberto.

Pela nova regra proposta pelo senador Weverton seriam necessários ainda os votos de 2/3 dos 81 senadores para que, ao fim do julgamento, um ministro fosse enfim expelido da Suprema Corte.

Após a votação na CCJ, que deve ocorrer na quarta (10) se nenhum senador pedir vista para melhor análise da proposta, ela segue para o plenário do Senado. Aprovada, será enviada à Câmara para análise dos deputados.

Mônica Bergamo, a autora deste texto, é jornalista e colunista da Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 10.12.25 (edição online).

Projeto reduz pena, mas prisão em regime fechado só cai de 7 para 2 anos se Bolsonaro trabalhar e estudar

Relator fala em prisão por 2 anos e 4 meses em regime fechado, mas período dependerá de trabalho, estudo e de interpretação pelo STF.

 Proposta proíbe somatória de crimes e diminui punição de quem atuou em contexto de multidão; ex-presidente seguiria condenado a mais de 20 anos

Bolsonaro acompanha sua mulher, Michelle, à porta da PF de Brasília, onde está preso - Gabriela Biló - 23.nov.2025/Folhapress

O novo parecer do projeto de lei de redução de penas para os condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, protocolado nesta terça-feira (9) pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), pode diminuir o tempo de prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em regime fechado para 2 anos e 4 meses, segundo o relator e parlamentares de oposição.

A depender da interpretação, porém, o texto pode levar a uma redução menor, para algo entre 3 anos e 4 meses e 4 anos e 2 meses em regime fechado. Eventual redução para o patamar esperado pela oposição dependerá da remição da pena, ou seja, de Bolsonaro reduzir seu tempo preso por meio de trabalho ou estudo.

Com a condenação atual, o tempo em regime fechado é estimado entre 6 anos e 10 meses a pouco mais de 8 anos. Em dezembro, a Vara de Execução Penal estimou que o ex-presidente deve passar para o regime semiaberto em 23 de abril de 2033 –após quase 8 anos.

A proposta teve sua votação prevista para esta terça no plenário da Câmara dos Deputados, conforme anúncio do presidente Hugo Motta (Republicanos-PB). O parecer foi protocolado em seguida, após meses de negociação. A oposição desistiu de propor uma emenda ao projeto para anistiar de forma ampla e irrestrita todos os condenados pelos atos golpistas, em troca do apoio do centrão à redução de penas.

Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por cinco crimes, como líder da trama golpista. Outros sete réus foram condenados a penas que vão de 2 a 26 anos de reclusão. Além deles, centenas de pessoas foram punidas pelos atos do 8 de Janeiro.

O parecer protocolado por Paulinho impede que sejam somadas as penas dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, quando ocorrerem no mesmo contexto, aplicando apenas a pena daquele que é maior. Com isso, no caso de Bolsonaro, seria descartado o crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito (6 anos e 6 meses de prisão). Restariam ainda 20 anos e 9 meses de prisão.

A legislação prevê a possibilidade de progressão de regime, para que o condenado com bom comportamento possa migrar para o semiaberto ou aberto após um tempo. O projeto fixa que, nesses casos, o regime de progressão será após o cumprimento de um sexto da pena, não mais um quarto.

Com as mudanças feitas pelo projeto, a progressão ocorreria após 3 anos e cerca de 4 meses.

O relator, no entanto, diz que a redução será maior. "Dá mais de 3 anos, mas depois tem a remição de penas, e cai para 2 [anos e] 4 [meses", disse Paulinho à Folha, sem detalhar como ocorrerá. O projeto determina que a remição poderá ocorrer mesmo em regime domiciliar, o que atualmente não é permitido.

Crimes Pela lei atual Pelo projeto de Paulinho

Organização criminosa 7 anos e 7 meses 7 anos e 7 meses

Golpe de Estado 8 anos e 2 meses 8 anos e 2 meses

Abolição violenta do Estado democrático de Direito 6 anos e 6 meses _

Dano qualificado 2 anos e 6 meses 2 anos e 6 meses

Deterioração do patrimônio tombado 2 anos e 6 meses 2 anos e 6 meses

Pena total 27 anos e 3 meses 20 anos e 9 meses

Progressão de regime 6 anos e 10 meses (25%) 3 anos e 4 meses (16%)

Progressão com remição de pena Sem previsão legal Abate-se 1 dia a cada 6 dias de leitura e abate-se 1 dia a cada 3 dias de trabalho: progressão em 2 anos e 4 meses

Fonte: Paulinho da Força (Solidariedade-SP), relator do projeto de redução de penas da trama golpista

Advogados, no entanto, apontam que a redução pode ser menor, já que o texto pode ser interpretado de forma a ampliar a pena por golpe de Estado entre um sexto e dois terços, a depender da interpretação do juiz –neste caso, o STF.

Com isso, o tempo de prisão iria para algo entre 21 anos e 10 meses e 25 anos e 1 mês. Com a progressão, o regime fechado poderia chegar a 4 anos e 2 meses antes de Bolsonaro migrar para o semiaberto.

O projeto pode ter efeito maior sobre outros condenados pela trama golpista. Além de impedir a somatória das penas e o tempo para progressão de regime, o texto permite a redução das penas entre um terço e dois terços quando os crimes forem praticados "em contexto de multidão", como foi o caso das centenas de condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, que depredaram as sedes dos três Poderes.

Para esta redução de penas, no entanto, o condenado ou réu não pode ter praticado ato de financiamento ou exercido papel de liderança para a tentativa de golpe de Estado.

Com a aprovação do projeto, o centrão afirma que ficará mais fácil de convencer Bolsonaro a apoiar a candidatura presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Na sexta (5), o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) se colocou como candidato, mas depois sinalizou que seu "preço" seria a aprovação da anistia. Em entrevista à Folha, ele recuou e disse que sua candidatura é "irreversível".

O projeto, caso aprovado pela Câmara, ainda precisa passar pelo Senado Federal e depois ter o aval do presidente Lula (PT), que pode vetá-lo. Deputados de esquerda se insurgiram contra a proposta e defenderão que o petista vete o texto.

Raphael Di Cunto e Carolina Linhares, repórteres, de Brasília - DF, originalmente, para a Folha de S. Paulo, em 09.12.25

Câmara aprova projeto de redução de penas que beneficia Bolsonaro com aval do PL e protesto do governo

Paulinho da Força transformou texto de anistia em proposta para livrar ex-presidente mais cedo da prisão. Deputados de esquerda apontaram que proposta pode beneficiar criminosos violentos, o que relator nega

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), com o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que relata o projeto de redução de penas - Pedro Ladeira/Folhapress

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (10), o projeto que substituiu a anistia ampla e prevê apenas a redução de penas para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os demais presos por participação nos ataques às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023.

O projeto, relatado pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), ainda tem que passar pelo Senado. O presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (União-AP), disse que a matéria deve ser votada ainda neste ano.

Foram 291 votos a favor ante 148 contrários. Os destaques que poderiam alterar o texto foram rejeitados, em sessão que terminou às 3h56.

Quando a urgência do projeto foi aprovada, em setembro, houve 311 votos favoráveis e 163 contrários (com 7 abstenções).

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), com o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que relata o projeto de redução de penas

O PL de Bolsonaro votou a favor e aceitou a redução de penas, embora tenham insistido por meses no perdão completo. Já o governo Lula (PT) votou contra, seguindo orientação da ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais). Deputados governistas apresentaram uma série de questões de ordem para atrasar a votação.

A votação ocorreu na madrugada, após um dia de confusão na Câmara com a expulsão à força do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) do plenário —ele ocupou a Mesa em protesto contra seu processo de cassação. Houve agressões e cerceamento à imprensa por parte da polícia legislativa.

Como mostrou a Folha, o projeto terá impacto também sobre outros criminosos, com uma progressão mais rápida de regime para pessoas consideradas culpadas por coação no curso do processo, incêndio doloso e resistência contra agentes públicos, entre outros crimes, de acordo com estudo técnico de três partidos.

Deputados de esquerda usaram o argumento de que o texto beneficiaria o crime organizado para tentar derrotá-lo. No plenário, Paulinho negou: "O projeto trata apenas do 8 de Janeiro, não tem nenhuma possibilidade de esse texto beneficiar crime comum".

A aprovação ocorre dias após o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) pressionar pela anistia ao dizer que poderia desistir de ser candidato à Presidência em troca do perdão ao seu pai. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), no entanto, disse que pautou o tema por vontade própria e não para atender a pedido de ninguém.

O texto pode diminuir o tempo de prisão de Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão na ação da trama golpista, para 2 anos e 4 meses em regime fechado, segundo o relator e parlamentares de oposição.

A depender da interpretação, porém, o projeto pode levar a uma redução menor, para algo entre 3 anos e 4 meses e 4 anos e 2 meses em regime fechado. O patamar esperado pela oposição dependerá da remição da pena, ou seja, de Bolsonaro reduzir seu tempo preso por meio de trabalho ou estudo.

Com a condenação atual, o tempo em regime fechado é estimado entre 6 anos e 10 meses a pouco mais de 8 anos. Em dezembro, a Vara de Execução Penal estimou que o ex-presidente deve passar para o regime semiaberto em 23 de abril de 2033 —após quase 8 anos.

Reivindicação do bolsonarismo desde o ano passado, o projeto de uma anistia ampla foi transformado em redução de penas por Paulinho após um acordo que envolveu a cúpula da Câmara, controlada pelo centrão, e o STF (Supremo Tribunal Federal). Por um lado, o centrão se opunha ao perdão total, e o relator, que é próximo de Alexandre de Moraes, não queria afrontar o Supremo.

Em seu relatório, Paulinho cita Aristóteles para afirmar que a virtude consiste no meio-termo e que o equilíbrio é a marca de seu texto. Na tribuna, ele fez um discurso pacificador.

A decisão de Motta de pautar o projeto de redução de penas nesta terça (9) pegou o relator e os líderes partidários de surpresa. A medida estava parada na Câmara em meio a um impasse —o PL insistia na anistia ampla e o Senado não dava sinais de que poderia votar o projeto em seguida, questões que foram superadas.

Houve um acordo para que os parlamentares bolsonaristas não tentassem, durante a votação do plenário, transformar a redução de penas em anistia por meio da apresentação de emendas ou destaques.

Antes da votação, Motta afirmou que a "questão da anistia está superada" e que só caberá a redução de penas. O presidente da Casa disse que queria virar o ano com o assunto definido.

Segundo aliados, Bolsonaro deu aval à redução de penas nesta terça. O ex-presidente afirmou que o projeto não resolveria o problema dele, mas resolveria o de apoiadores.

O líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que o partido seguirá insistindo no perdão completo, mas só no ano que vem.

Sóstenes afirmou que os bolsonaristas não estão satisfeitos, mas resolveram ceder porque o calendário de votações até o fim do ano está apertado e, com a medida, presos pelo 8 de Janeiro poderiam passar o Natal fora da prisão.

"Jamais vamos desistir da anistia, mas o calendário legislativo nos pressiona. É o degrau possível nesse momento para que as famílias possam dignamente passar o Natal em suas casas", disse.

Para o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), Motta foi influenciado por Flávio. O senador, que se lançou à Presidência na semana passada, disse que desistiria se houvesse anistia e a reversão da inelegbilidade para seu pai. Em entrevista à Folha, Flávio voltou atrás e disse que sua candidatura é irreversível.

Força majoritária na Câmara dos Deputados, o centrão reagiu mal à candidatura de Flávio, por preferir Tarcísio de Freitas (Republicanos), e defende a redução de penas em vez da anistia. Por isso, a fala do senador foi vista como chantagem por políticos desse grupo.

Já Sóstenes, na mesma linha de Motta, também negou que a votação tivesse relação com a declaração do senador. "Foi uma decisão pessoal dele [Motta], sem nenhuma outra circunstância. Não tem relação [com Flávio] porque nós não vamos votar a anistia. A condição do senador Flávio foi muito clara: votar a anistia e ter seu pai na urna. O que estamos votando aqui é um remendo."

Carolina Linhares e Raphael Di Cunto, repóteres, originalmente, de Brasília - DF para a Folha de S. Paulo, em 10.12.25.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

De novo a farra eleitoral

Manobra no Orçamento permite ao governo Lula doar cestas básicas e tratores em meio à campanha

Em julho de 2022, quando o mundo político estava prestes a entrar no chamado “defeso eleitoral” – período de três meses anterior ao calendário de votação, quando fica suspensa boa parte da liberação de benesses públicas –, o Congresso aprovou, em votação ágil de 20 minutos, dois projetos que autorizavam o governo de Jair Bolsonaro a distribuir de cestas básicas a tratores em plena campanha e até realocar verbas de um município a outro, dependendo da conveniência. As medidas ampliavam o nível de obscuridade do chamado “orçamento secreto”, escândalo denunciado pelo Estadão, que consistia na liberação de gastos com emendas sem que o nome do parlamentar fosse divulgado ou mesmo o destino dos recursos públicos.

Pois eis que Bolsonaro fez escola e agora, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, medida idêntica foi aprovada pelo Congresso, de forma igualmente sorrateira, em manobra na votação do texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026. Um dos artigos do texto permite ao governo fazer a doação de benefícios, como cestas básicas, ambulâncias, tratores e outras benesses, mesmo no período de campanha, quando a lei eleitoral proíbe esse tipo de prática justamente para garantir a lisura do pleito e impedir o abuso do poder econômico na disputa.

Além de representar uma total desqualificação da Justiça Eleitoral, passando por cima de critérios básicos de equidade de condições entre os candidatos, o tal artigo é mais um drible para garantir a farra de distribuição de recursos públicos em 2026. Soma-se ao inédito calendário elaborado no acordo entre o Executivo e o Congresso para garantir a distribuição de R$ 19 bilhões em emendas parlamentares ainda no primeiro semestre do ano que vem – portanto livre das restrições eleitorais –, ao aumento de cerca de R$ 160 milhões em despesas dos partidos e à previsão de R$ 1 bilhão para o Fundo Partidário e mais R$ 4,9 bilhões para o Fundo Eleitoral em campanhas partidárias.

E todo o tipo de argumento mal fundamentado é suficiente para sustentar o aval de deputados e senadores a uma medida que claramente desrespeita a lei eleitoral que, ao menos em teoria, é o instrumento jurídico que deve prevalecer em qualquer eleição. Ao defender o dispositivo que abre as torneiras das verbas públicas durante a campanha, o relator na matéria, deputado Gervásio Maia (PSB-PB), afirmou ao Estadão que a lei não proíbe inauguração de obras durante a campanha, mas somente a participação de candidatos. Por essa lógica, diz, também não se pode “proibir algo que acontece na administração pública”.

A questão é que isso significa corromper os princípios éticos básicos que garantem a lisura do processo eleitoral, além de ameaçar o compromisso fiscal do Orçamento federal ao abrir espaço para a farta distribuição de máquinas agrícolas, ambulâncias, tratores e outros equipamentos a municípios. Mas, ao que parece, respeito a limites éticos e legais está um tanto démodé em Brasília.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, originalmente, em 09.12.25

Fachin quer código de ética para tribunais inspirado em regra alemã e vai usar CNJ para criá-lo

Presidente do Supremo Tribunal Federal já discutiu a proposta com demais ministros da Corte e presidentes de outros tribunais superiores; código de conduta deve ser fruto do trabalho de observatório do Conselho Nacional de Justiça

Presidente do STF, Edson Fachin, quer implementar código de conduta a tribunais superiores Foto: Wilton Junior/Estadão

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, encampou como um dos objetivos da sua gestão à frente da mais alta instância do sistema de Justiça a criação de um código de ética para disciplinar a conduta de magistrados de tribunais superiores.

A proposta enfrenta resistência interna no STF e em outras Cortes. Conforme apurou o Estadão, o código de conduta deve caminhar em duas frentes: no STF, para disciplinar a conduta dos seus ministros, e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para criar um regramento para os membros dos demais tribunais superiores.

O presidente do STF já conversou com os colegas de Corte e presidentes de outros tribunais superiores. De acordo com um interlocutor de Fachin, ele tem trabalhado na proposta desde o primeiro dia da sua gestão por se tratar de um projeto que sempre defendeu, inclusive antes mesmo de assumir a Presidência. A iniciativa é inspirada em regras do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como é nomeada a Suprema Corte alemã.

A proposta caminhará no CNJ e abarcará todos os tribunais superiores, exceto o Supremo. No Conselho, também presidido por Fachin, o trabalho será feito por meio do Observatório da Integridade e Transparência no Poder Judiciário.

Os integrantes do observatório definiram como foco do plano de trabalho quatro temas centrais que estão relacionados a questões que seriam exploradas num eventual código de ético: transparência da remuneração da magistratura; ética, lobby e conflito de interesses; Transparência de dados; e Sistemas de integridade, aplicação de tecnologia e governança.

Na reunião do Observatório realizada no dia 24 de novembro, Fachin afirmou que o grupo deve se consolidar como uma “instância de produção técnica rigorosa e como catalisador de políticas que reforcem a confiança pública, a integridade e a legitimidade de um Judiciário republicano”.

Ministro aposentado do STF, Celso de Mello afirmou ao Estadão que a proposta de Fachin de criação de um código de ética “merece amplo apoio público”.

“Trata-se de medida moralmente necessária e institucionalmente urgente. Em democracias consolidadas, a confiança na Justiça exige não apenas juízes honestos, mas regras claras, que impeçam qualquer aparência de favorecimento, dependência ou proximidade indevida com interesses privados e governamentais”, afirmou.

“Não basta ser imparcial. É preciso ser imparcial e também parecer imparcial. A Justiça não se sustenta no prestígio pessoal de seus julgadores, mas na confiança pública que inspira”, completou.

“No caso do STF e dos tribunais superiores, um código de conduta não reduz a independência dos ministros; ao contrário, protege-a, afastando suspeitas, prevenindo constrangimentos e fortalecendo a autoridade moral das decisões da Corte”, prosseguiu.

A criação de um código de ética específico para membros de tribunais superiores se faz necessária, na avaliação de alguns magistrados ligados a Fachin, porque o Código de Ética da Magistratura não contempla ministros de Cortes como o STF, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Superior Tribunal Militar (STM).

Porém, os juízes dessas instituições são constantemente convidados para participar e palestrar, com remuneração, em eventos organizados por poderosos atores econômicos. Mesmo quando não há pagamento, é comum que os organizadores paguem a viagem e a acomodação dos ministros, o que também pode provocar conflito de interesse e questões éticas.

Como revelou o Estadão, ministros de tribunais superiores recebem cifras elevadas para palestrar em eventos. Especialistas apontam que essa prática, além de provocar conflitos éticos, cria acesso desigual à Justiça por parte dos agentes econômicos capazes de pagar para ter o ministro no seu evento. A falta de um código de ética impede sanções ou reprimendas a posturas de magistrados.

A decisão de Fachin ocorreu antes da informação de que o ministro do STF Dias Toffoli viajou para assistir a final da Libertadores, em Lima, no Peru, no jatinho de um empresário e na companhia do advogado de um dos diretores do Banco Master, instituição que é investigada em processo relatado pelo magistrado.

Casos como esse levaram a Suprema Corte dos Estados Unidos a instituir um código de ética para os seus membros no final de 2023. Dois membros do tribunal – Clarence Thomaz e Samuel Alito – se envolveram em um escândalo revelado pela imprensa americana de relações suspeitas e conflituosas com empresários, como, por exemplo, viagens totalmente custeadas para destinos luxuosos.

Eventos com o Fórum de Lisboa, popularmente conhecido como “Gilmarpalooza”, também são alvos constantes de questionamentos no Brasil sobre os seus limites éticos, tanto pela proximidade com grandes empresários que participam do encontro em Portugal quanto pelo fato de ser organizado pelo instituto de educação de um membro do STF, o decano Gilmar Mendes.

Weslley Galzo, Jornalista, de Brasília - DF para o Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 08.12.25 (edição online)

É hora do voto distrital

Fortalece vínculo entre eleitor e eleito, reduz custos das campanhas e diminui a influência de 'puxadores de votos' e do 'crime organizado'. 

Modernização do sistema é oportunidade de reconectar o Brasil com a política e construir um Parlamento mais responsável e transparente

O relator do projeto do voto distrital misto, deputado Domingos Neto (PSD-CE), ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), durante reunião de líderes - Marina Ramos - 23.out.25/Câmara dos Deputados

"Nada é mais poderoso do que uma ideia quando chegou o tempo certo", escreveu Victor Hugo. A frase descreve bem o momento atual da política brasileira: as pesquisas mostram um afastamento crescente entre eleitos e eleitores.

Levantamento do Datafolha revelou que 64% dos brasileiros não se lembram em quem votaram para deputado federal. Outro estudo, da Quaest, aponta que 66% desaprovam o trabalho desses representantes. Apenas 15% acompanham com regularidade a atuação dos parlamentares.

O relator do projeto do voto distrital misto, deputado Domingos Neto (PSD-CE), ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), durante reunião de líderes

O relator do projeto do voto distrital misto, deputado Domingos Neto (PSD-CE), ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), durante reunião de líderes - Marina Ramos - 23.out.25/Câmara dos Deputados

O resultado é um sistema com baixa responsabilização e pouca transparência. O modelo proporcional ainda cria distorções conhecidas, como a eleição de candidatos com votação mínima puxados por nomes de grande apelo. O caso mais emblemático é o do ex-deputado federal Enéas Carneiro, que em 2002 recebeu 1,5 milhão de votos e elegeu cinco candidatos com ele, um deles com apenas 275 votos.

Esse cenário alimenta a sensação de falta de representatividade e reforça a necessidade de mudanças. Não há soluções mágicas, mas há caminhos possíveis. Um deles é o voto distrital misto, modelo já adotado com sucesso na Alemanha, Reino Unido e EUA.

O sistema dividiria cada estado ou município em distritos equivalentes à metade das vagas a serem preenchidas. São Paulo, por exemplo, teria 35 distritos para suas 70 cadeiras na Câmara dos Deputados. Em cada distrito, cada partido apresenta um candidato, e o mais votado é eleito. A outra metade das vagas é definida pelo voto proporcional, contabilizado para o partido do candidato escolhido no distrito, com listas preordenadas e reserva mínima de um terço para as mulheres.

Os distritos são formados com base em critérios técnicos, utilizando dados do IBGE. O modelo aproxima representantes de suas comunidades, fortalece o vínculo entre eleitor e eleito, reduz os custos das campanhas e diminui a influência de "puxadores de votos" e do "crime organizado", que exploram brechas do sistema atual.

A proposta do voto distrital misto foi aprovada no Senado em 2017 e já teve sua constitucionalidade reconhecida pelo TSE e pelo STF. Desde 2018, aguarda deliberação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Sua implantação não exige mudança na Constituição: basta uma lei complementar.

Recentemente, o Congresso Nacional voltou sua atenção à crise de representatividade, movimento que levou o presidente da Câmara, Hugo Motta, a designar o deputado Domingos Neto como relator do projeto.

A proposta foi então submetida às lideranças partidárias, que prontamente a aprovaram.

Este tema é defendido há anos pelas associações comerciais, entidades municipais formadas pela iniciativa privada, sem recursos públicos e com forte ligação com a vida econômica e social de suas comunidades.

Organizadas nas 27 federações estaduais e reunidas nacionalmente pela CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil), uma rede com cerca de 2.500 entidades, as associações comerciais têm capilaridade e legitimidade para impulsionar esse debate. Acreditam que o voto distrital fortalece as comunidades, melhora a representação e contribui para um país mais eficiente e democrático.

É hora de avançar. A modernização do sistema eleitoral não é apenas um debate institucional, é uma oportunidade de reconectar o Brasil com a política, aproximar cidadãos de seus representantes e construir um Parlamento mais responsável e transparente.

Guilherme Afif Domingos, o autor deste artigo, é Secretário de Projetos Estratégicos do governo do estado de São Paulo e presidente emérito da CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil). Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 08.12.25 (edição impressa).

É sério isso?

Ao ungir Flávio como sucessor político, Bolsonaro tenta prolongar relevância política. Cena foi mal coreografada e ninguém acreditou que candidatura do filho é para valer

O ex-presidente Jair Bolsonaro e seu filho Flávio - Sérgio Lima/AFP - SERGIO LIMA/AFP

Eu até entendo o que Jair Bolsonaro quis fazer ao ungir o filho Flávio como seu substituto na disputa presidencial. O ainda capitão deve ter imaginado que o gesto pacificaria a família, que está em pé de guerra, e prolongaria por mais algum tempo o maior poder político que ainda lhe resta, que é o de influir sobre o campo da direita no primeiro turno da eleição do ano que vem.

O raciocínio se assenta sobre uma assimetria fundamental. Se Bolsonaro der sua bênção a algum candidato da direita sobre o qual não tenha controle total, como Tarcísio de Freitas ou a algum outro governador, ele na prática se condena à irrelevância, pois teria esgotado seu poder derradeiro.

Dois homens em traje formal, o primeiro em primeiro plano desfocado e o segundo ao fundo focado, ambos com expressão séria. Ambiente interno com outras pessoas ao fundo.

E o quadro fica pior, pois o candidato bolsonarista, para ter uma chance de triunfar no segundo turno, em algum momento precisará afastar-se de Bolsonaro e da grande rejeição que vem com ele.

Com Flávio como indicado, o ex-presidente seguiria no controle do processo, até abril, se for trabalhar para que a direita tenha um candidato competitivo, ou até outubro, se opção for por manter o sobrenome Bolsonaro em evidência.

O problema é que a cena foi tão mal coreografada que ninguém acreditou que os Bolsonaros falavam a sério. Com menos de 48 horas de ungido, o próprio Flávio já anunciava que poderia desistir.

O último Datafolha mostra que o bolsonarismo, embora ainda longe de morto, é uma força em decadência. A maioria dos brasileiros (54%) acredita que a condenação de Jair foi justa —é golpista!— e que ele tentou evadir-se —é fujão!. Se o clã esticar demais a corda, poderá vê-la romper-se. O centrão, embora prefira ver a vitória de um presidente de direita em 2026, sobrevive bem em qualquer ambiente. O bloco não deixou de prosperar com Lula à frente do Executivo.

Resta uma boa notícia para a parcela dos brasileiros que acredita que criminosos condenados devem sofrer na cadeia. A prisão acelera o ocaso da influência política do ex-presidente, e a perda de status social acarreta intenso sofrimento psicológico.

Hélio Schwartsman, o autor deste artigo, é jornalista. Foi editor de Opinião da Folha de S.Paulo. Publicado originalmente em 07. 12. 25 (edição impressa).

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

A República? Ora, a república

O problema está justamente no vale-tudo, tudo mesmo, em que prevalece a mistura de interesses pessoais e partidários

Vista aérea do Congresso Nacional. Ao fundo a Praça dos Três Poderes — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/27-12-2023

Claro que é prerrogativa do presidente da República indicar nomes para o Supremo Tribunal Federal. Está na letra da lei. Mas o espírito da lei pede mais. O indicado, além do notório saber jurídico e da reputação ilibada, deve ser capaz de exercer a neutralidade e a independência para julgar até o próprio presidente que o indicou. Ingenuidade, dirão — e com razão, quando se observa a prática política de hoje. O problema está justamente aí, nesse vale-tudo — tudo mesmo — em que prevalece a mistura de interesses pessoais e partidários.

O presidente Lula exerce sua prerrogativa quando indica Jorge Messias, advogado-geral da União, a uma vaga no Supremo. Mas qual a principal credencial do indicado? Ser próximo do presidente, um quadro de sua confiança — como admitem abertamente seus colaboradores. Messias não é um estranho no mundo jurídico. Mas é, antes de tudo, um quadro do PT — tendo participado de várias gestões petistas e assessorado parlamentares do partido.

O presidente do Senado não tem a prerrogativa de indicar nomes ao Supremo. Pode sugerir, como fez, mas não pode reclamar ou ficar irritado quando “seu” nome não é contemplado. Sua função constitucional é, ao contrário, garantir que o indicado do presidente passe por uma sabatina justa e criteriosa, de modo que os senadores possam formar um juízo independente sobre o indicado. 

Ingenuidade de novo, dirão. Mas esse é o espírito que forjou as instituições republicanas. E que passa muito longe de práticas como acelerar ou atrasar a sabatina, em meio a barganhas — perdão, negociações. Além disso, se o indicado é um quadro do PT, por que o presidente do Senado não poderia brigar por um quadro do Senado, um nome mais próximo a ele?

E assim estamos hoje: a quilômetros de distância dos critérios de independência e competência acima de qualquer dúvida. Não é esse o único momento em que a República e o interesse público são maltratados.

Congresso aprova LDO em troca de 65% das emendas antes da eleição e dá aval para governo mirar piso da meta em 2026 e socorrer Correios

Ainda na semana passada, depois de meses de enrolação, o Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2026. Garante o pagamento de 65% das emendas parlamentares no primeiro semestre. É descarado: os atuais deputados e senadores terão milhões à disposição justamente a tempo de irrigar suas campanhas eleitorais. Lula disse que, com as emendas, os parlamentares sequestraram o Orçamento. Tem razão. Mas o governo também não respeita o Orçamento.

Para aprovar a LDO, os governistas trocaram as emendas por “espaço fiscal” — dinheiro para gastar fora da meta. A meta para 2026 é um superávit de R$ 34 bilhões. Mas, se der zero, o governo a terá legalmente cumprido, pois o Orçamento oferece uma margem de tolerância. Na verdade, a mágica vai além: se fizer um déficit de uns R$ 10 bilhões, cumprirá a meta de superávit. É que alguns gastos não entram na contabilidade oficial, como os R$ 10 bilhões que podem ser alocados para tentar salvar os Correios.

O governo gasta o dinheiro efetivamente, gasta mais que arrecada, toma emprestado e, ainda assim, cumpre meta de superávit. Se o Orçamento é assim desmoralizado, por que os parlamentares se preocupariam com isso de equilíbrio fiscal?

No Rio, toda a política foi mais uma vez desmoralizada, com a prisão do presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar. O que ele fazia com R$ 90 mil em dinheiro vivo, que guardava numa mochila?

Para coroar a semana, na sexta passada, na surdina, o Senado aprovou um reajuste salarial para servidores do Tribunal de Contas da União. A remuneração pode chegar a R$ 64 mil mensais, bem acima do teto constitucional de R$ 46.366,19. Esse extrateto, como no caso de milhares de juízes e outros funcionários, é isento de IR. Em 2026, o governo cobrará mais IR dos contribuintes que ganham mais de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil ao mês), para compensar a isenção dos que ganham até R$ 5 mil. Justiça tributária, explicam. Mas não para todos.

Carlos Alberto Sardenberg, o autor deste artigo, é jornalista. Publicado originalmente n'O GLOBO, em 08.12.25. Edição online.

Arsenal dos bandidos ficou mais forte e mais novo após decretos pró-armas de Bolsonaro, diz estudo

Levantamento do Instituto Sou da Paz analisou 255,9 mil apreensões na região Sudeste entre 2018 e 2023; fuzis e 9 mm aumentam. 

Há indícios de que armas recém-compradas migram ao mercado clandestino rapidamente, afirma entidade

A flexibilização promovida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no acesso a armas no Brasil alterou o perfil do armamento apreendido pelas polícias no Sudeste e impulsionou a modernização do arsenal dos criminosos, aponta estudo realizado pelo Instituto Sou da Paz.

Intitulado "Arsenal do Crime: Análise do perfil das armas de fogo apreendidas no Sudeste", o levantamento investigou 255,9 mil apreensões realizadas pelas polícias estaduais e pela Polícia Federal de 2018 a 2023. Os dados foram obtidos por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

A quantidade de armas apreendidas sofre queda contínua desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento, diz o estudo. Houve reversão em 2023, quando a região registrou 37.994 ocorrências do gênero ante 36.370 do ano anterior.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante solenidade de assinatura de decreto presidencial que flexibilizou regras para atiradores esportivos, caçadores e colecionadores de armas - Pedro Ladeira - 7.mai.2019/Folhapress

O ex-presidente está hoje preso na Superintendência da PF em Brasília, condenado no processo da trama golpista.

A flexibilização do acesso a armas no Brasil foi promessa de campanha de Bolsonaro, que historicamente fez críticas ao Estatuto do Desarmamento e alegava que a medida permitia que as famílias se defendessem.

A mudança mais expressiva envolve pistolas 9 mm, cuja compra foi facilitada em norma editada por Bolsonaro em maio de 2019.

Entre todas as apreensões de pistolas na região Sudeste, modelos 9 mm respondiam por 28,5% das ocorrências em 2018, um ano antes da flexibilização, percentual que saltou a 50,5% em 2023. Seu uso até então era restrito às polícias e às Forças Armadas. O presidente Lula (PT) revogou as normas do antecessor ao assumir o Planalto. Na ocasião, o petista chamou as medidas de "criminosos decretos de ampliação do acesso a armas e munições, que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras".

O crescimento redesenha as características do arsenal clandestino, diz a pesquisa. Apreensões de revólveres caíram de 42,2%, em 2018, para 37,6%, em 2023, à medida que as de pistolas foram de 25,1% para 35,9% no mesmo período.

Em São Paulo o padrão se repete. Ocorrências do gênero envolvendo pistolas saíram de 25,6% para 33,4% no primeiro e no último ano, respectivamente, enquanto a apreensão de revólveres caiu de 47,4% para 43,5%.

A participação das armas 9 mm no total de pistolas apreendidas no estado, enquanto isso, escalou de 8,4% para 37,2% no período analisado. Foram 273 apreensões no primeiro ano da série e 1.305 no último.

O levantamento aponta também que as armas apreendidas estão mais novas. Em 2018 houve 170 apreensões de modelos fabricados até dois anos antes da respectiva ocorrência, número que em 2023 chegou a 843 somente em território paulista.

Para o instituto, o aumento "traz um indicativo forte de que armas recém-adquiridas no mercado legal estão migrando rapidamente para o universo criminal".

Fuzis também entram nessa conta: foram 4.444 apreensões no Sudeste, 910 das quais em São Paulo. O estado vem registrando aumento: os fuzis abrangiam 0,9% das apreensões em 2018 e em 2023 corresponderam a 1,5%.

O número de armas artesanais no geral caiu durante período analisado.

O estudo diz que elas representam parte expressiva dos aparatos com maior poder de fogo, a exemplo do que ocorria em Santa Bárbara d'Oeste —onde uma fábrica clandestina foi fechada pela PF em operação que levou 11 pessoas a serem denunciadas neste ano. Investigações apontam que facções se utilizam desse tipo de fábrica para se armar.

Um dos decretos de Bolsonaro permitiu que CACs (Caçadores, Atiradores Desportivos e Colecionadores) comprassem por ano até 5.000 munições para armas de uso liberado e mil para as de uso restrito, como fuzis ou carabinas, por exemplo. O texto também foi revogado.

O que foi o decreto de armas de Bolsonaro revogado por Lula

"Eram quantidades absurdas, fora de qualquer razoabilidade, o que possibilitou esquemas de 'laranjas'", afirma o consultor sênior do Sou da Paz, Bruno Langeani, coordenador da pesquisa sobre o Sudeste.

No ano passado, relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) mostrou que 2.579 pessoas mortas estavam registradas como CACs. Na ocasião, de acordo com o relatório do órgão, 9.387 pessoas com mandados de prisão estavam com o registro ativo para possuir armas. Outros 19.479 tinham processos de execução penal em aberto.

Para Langeani, o levantamento "é um raio-x do mercado criminal" e revela também que as armas ilegais estão mais presentes nas casas dos brasileiros e são usadas tanto por organizações como por cidadãos comuns, em crimes patrimoniais.

Em São Paulo, 31,8% das armas foram apreendidas em ambiente residencial, embora ocorrências em vias públicas sejam as mais frequentes.

O levantamento diz também que "a malha rodoviária é um ponto relevante de apreensões, sugerindo que uma parcela significativa estava em trânsito, inclusive para o Rio de Janeiro ou estados do Nordeste".

A capital paulista lidera as dez cidades paulistas com mais apreensões em números absolutos, com 14.842 armas capturadas de 2018 a 2023, mas não entra no ranking se considerados índices proporcionais, à frente do qual está Guaratinguetá.

Com 121 mil habitantes e 380 armas apreendidas no período, o município registrou 312,2 armas capturadas a cada cem mil habitantes, maior índice do estado, segundo a pesquisa.

A PM concentra 72% das 68.204 apreensões em São Paulo, percentual bastante superior aos 14,9% que registra a Polícia Civil, diferença que mostra fragilidades na política de segurança, diz Langeani.

"O estado não tem nenhuma delegacia especializada para combater tráfico de armas nem um trabalho de fiscalização específico contra grupos vulneráveis."

Ex-presidente alegou defender liberdade

Quando assinou os primeiros decretos flexibilizando as regras para armas, logo ao assumir o governo, Bolsonaro afirmou que a medida devolvia à população a vontade de decidir. "Por muito tempo, coube ao Estado determinar quem tinha ou não direito de defender a si mesmo, à sua família e à sua propriedade", declarou na ocasião.

Mais tarde, afirmou que armar a população poderia evitar golpes de Estado. "Nossa vida tem valor, mas tem algo com muito mais valoroso do que a nossa vida, que é a nossa liberdade. Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para o nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta", disse.

Na campanha de 2022, por sua vez, reafirmou as declarações e disse que armas garantem segurança às famílias e à soberania nacional. O instrumento, declarou, é "a garantia de que a nossa democracia será preservada".

André Fleury Moraes, jornalista, originalmente, para a Folha de S. Paulo, em 07.12.25, edição  online.