sexta-feira, 11 de julho de 2025

Truculência de Trump faz renascer o nacionalismo brasileiro

Nessa loucura tarifária do governo Trump, o Brasil foi o único caso em que se alegou questão política. Na prática, igualam o Brasil às sanções impostas ao Irã, Venezuela e Cuba.


Charge do cartunista Latuff foi censurada pela Justiça durante uma exposição em Porto Alegre, em 2019

Estão em jogo dois pontos essenciais para o projeto Trump. O primeiro, a tentativa de substituir os poderes nacionais pelo poder das big techs. E o Brasil, graças ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministro Alexandre Moraes, transformou-se na principal cidadela global contra o poder absoluto das grandes plataformas. O segundo motivo são os Brics e o papel central do Brasil nas articulações geopolíticas.

A truculência de Trump vai provocar problemas imediatos. Mas, a médio prazo, levará cada vez mais os países a saírem da órbita de uma potência errática — os Estados Unidos — em direção a outra potência, que defende o multilateralismo e a colaboração entre nações.

Internamente, ficam caracterizados os crimes de lesa-pátria da família Bolsonaro e exposta a submissão vergonhosa do governador Tarcísio de Freitas ao Make America Great Again.

Indignação

Politicamente, a truculência de Trump conseguiu o feito inédito da montagem da grande feita midiática em favor do Brasil. O nacionalismo poderá se converter em uma grande bandeira, a ser empunhada por Lula.

O Estadão antecipou seu editorial para, com o título “Coisa de mafiosos”, proclamar que “o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump. E que aqueles que são verdadeiramente brasileiros não se permitam ser sabujos de um presidente americano que envergonha a democracia”. O Jornal Nacional se redimiu de edições recentes com reportagens expressando a indignação ante a truculência de Trump.

Haverá desafios pela frente. Um deles é a definição de estratégias para os produtos brasileiros a serem taxados pelos Estados Unidos.

As principais exportações brasileiras são de insumos industriais elaborados, categoria que engloba aço laminado, alumínio refinado, polietileno, solventes industriais, resinas plásticas, PVC, placas de circuito impresso etc.

É o único setor em que o mercado norte-americano é dominante para o Brasil.

Em 2024, o Brasil exportou aproximadamente 4,08 milhões de toneladas de produtos siderúrgicos para os Estados Unidos, representando cerca de 42,6% do total das exportações brasileiras desse setor. Em valor, essas exportações corresponderam a cerca de US$ 2,99 bilhões, dos quais US$ 2,3 bilhões foram referentes a produtos semielaborados (como placas de aço).

Dados oficiais do governo brasileiro (ministério e Aço Brasil) indicam que, entre janeiro e março de 2025, o volume exportado para os EUA cresceu 40% em relação ao mesmo período do ano anterior, atingindo 661,1 mil toneladas em março, e acumulando um aumento de 34% no trimestre.

O volume de carne bovina exportada pelo Brasil para os Estados Unidos em 2024 foi de aproximadamente 229 000 toneladas, gerando uma receita de cerca de US$ 1,35 bilhão.

Esse volume dos EUA representou cerca de 7,9% do total das exportações brasileiras de carne bovina em 2024, considerando que o volume total foi de 2,89 milhões de toneladas .

Com a ajuda da inteligência artificial, há as seguintes alternativas de mercado:

1. Produtos siderúrgicos

Mercado atual (EUA): ~42% das exportações brasileiras.

Alternativas principais:

México – já é comprador relevante, tem acordo com Mercosul.

União Europeia – demanda por aço verde pode favorecer o Brasil, mas barreiras ambientais são crescentes.

Turquia – importante polo de reexportação e transformação.

Sudeste Asiático (Vietnã, Indonésia, Tailândia) – em expansão industrial.

China – mais difícil, pois é autossuficiente, mas pode importar semiacabados.

2. Carnes (bovina, suína e de frango)

Mercado atual (EUA): ~8% da carne bovina brasileira.

Alternativas principais:

China e Hong Kong – principais compradores (carne bovina e frango).

Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita – carnes halal, crescente demanda.

Egito e Irã – forte demanda por carne bovina congelada.

Indonésia, Filipinas e Malásia – mercado em expansão.

Chile e Egito – para carne suína.

Mas há uma alternativa melhor. O governo poderia conceder isenção aos produtores, mais financiamento do BNDES, para direcionarem a carne para o Bolsa Família.

3. Petróleo bruto e derivados

Mercado atual (EUA): relevante para petróleo leve brasileiro.

Alternativas principais:

China e Índia – principais compradores.

Países europeus – após sanções à Rússia, buscam diversificar fontes.

Chile e Argentina – para derivados.

4. Celulose e papel

Mercado atual (EUA): importante, mas não dominante.

Alternativas principais:

China e União Europeia – principais destinos.

Índia e Indonésia – setor industrial em crescimento.

5. Produtos químicos e fertilizantes (quando aplicável)

Mercado atual (EUA): importante para químicos finos.

Alternativas principais:

América Latina – crescente demanda por químicos industriais.

África Subsaariana – emergente para fertilizantes.

Ásia (Índia, Vietnã) – uso agrícola e industrial crescente.

Já as importações dos Estados Unidos concentram-se mais em motores e máquinas, aeronaves e demais produtos da indústria de transformação.

Luís Nassif, o autor deste artigo, é jornalista. Foi colunista e membro do conselho editorial da Folha de S. Paulo. Desde 2013 mantém o Jornal GGN e faz parte do ICL Notícias. Publicado originalmente pelo Consultor Jurídico, em 11.07.25

Bolsonaristas 'traidores' x 'vexame' de Lula: as reações à nova tarifa de Trump contra Brasil

Além de impacto na economia, a nova taxa de 50% sobre produtos brasileiros anunciada pelo presidente americano, Donald Trump, também repercutiu imediatamente no mundo político e institucional brasileiro.

Eduardo Bolsonaro (com bandeira americano no fundo) se  mudou para EUA para pressionar governo americano por medidas envolvendo o Brasil.

Em tom duro, a carta de Trump diz que a decisão é uma resposta à perseguição que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria sofrendo no Brasil, devido ao processo criminal que enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado.

Deputados e senadores alinhados ao governo e à oposição repercutiram a decisão de Trump. Do lado dos bolsonaristas, o tom geral foi o de culpar a suposta perseguição a Bolsonaro e o governo Lula pela nova taxa de Trump. Já os governistas argumentam que os bolsonaristas agem para prejudicar o Brasil.

Diante da decisão de Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou uma reunião de emergência com sua equipe de ministros.

Nas redes sociais, Lula declarou que "o processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais".

No texto, Lula também refutou que a relação comercial seja desfavorável aos EUA e defendeu que a liberdade de expressão no Brasil "não se confunde com agressão ou práticas violentas".

"Qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica. A soberania, o respeito e a defesa intransigente dos interesses do povo brasileiro são os valores que orientam a nossa relação com o mundo", finalizou o presidente brasileiro.

No X, Bolsonaro publicou uma indireta com um versículo bíblico: "Quando os justos governam, o povo se alegra. Mas quando os perversos estão no poder, o povo geme", escreveu citando Provérbios.

Confira a seguir o que disseram autoridades e analistas sobre a medida de Trump.

Flávio Bolsonaro (PL-RJ), senador

Primeiro da família Bolsonaro a se manifestar, o senador escreveu no X que Lula "conseguiu ferrar o Brasil".

"Depois de tantas ações provocando a maior democracia do mundo, tá aí o resultado do vexame da sua política internacional ideologizada", escreveu Flávio.

Para o senador, a taxa de 50% de Trump "é a mesma coisa" que Lula tem feito com os brasileiros, "que não aguentam mais pagar tantos impostos".

Flávio, porém, não creditou o anúncio de Trump à atuação de seu irmão, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se licenciou do cargo e se mudou para os EUA dizendo que se dedicaria a convencer o governo Trump a atuar pela anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de janeiro no Brasil e para obter sanções ao ministro do STF Alexandre de Moraes.

Eduardo Bolsonaro é atualmente alvo de um inquérito no STF pelos crimes de coação, obstrução de investigação e abolição violenta do Estado Democrático de Direito por sua atuação nos EUA, acusações que ele rejeita.

Eduardo Bolsonaro (PL-SP), deputado federal licenciado

Em nota assinada junto com o jornalista Paulo Figueiredo, o filho de Bolsonaro disse que "nos últimos meses, temos mantido intenso diálogo com autoridades do governo do presidente Trump — sempre com o objetivo de apresentar, com precisão, a realidade que o Brasil vive hoje".

"A carta do presidente dos Estados Unidos apenas confirma o sucesso na transmissão daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade."

Os dois dizem que o STF e Alexandre de Moraes colecionaram "violações de direitos humanos contra jornalistas, contra cidadãos e residentes dos Estados Unidos" e também avançaram "sobre líder maior da oposição, o ex-presidente Jair Bolsonaro, negando-lhe garantias mínimas de legalidade, defesa e presunção de inocência na forma da farsa de um julgamento quase sumário em um tribunal de exceção".

A carta segue dizendo que a dupla agiu "buscando evitar o pior", com foco em aplicar sanções a Moraes.

"No entanto, recentemente, o presidente Trump, corretamente, entendeu que Alexandre de Moraes só pode agir com o respaldo de um establishment político, empresarial e institucional que compactua com sua escalada autoritária. O presidente americano entendeu que esse establishment também precisa arcar com o custo desta aventura."

Flávio Dino, ministro do STF

Sem citar diretamente o anúncio de Trump, o ministro do STF Flávio Dino fez um post logo após a publicação da carta do presidente americano a Lula.

"Uma honra integrar o Supremo Tribunal Federal, que exerce com seriedade a função de proteger a soberania nacional, a democracia, os direitos e as liberdades, tudo nos termos da Constituição do Brasil e das nossas leis", escreveu Dino, ao lado de uma foto do prédio do STF iluminado com as cores do Brasil.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Em entrevista coletiva a veículos de imprensa de esquerda, Haddad disse que a decisão de Trump é "eminentemente política", em que não há "racionalidade econômica", citando dados da balança comercial positiva dos EUA em relação ao Brasil.

O ministro também fez críticas à atuação da família Bolsonaro junto ao governo americano pelas medidas e disse que o ex-presidente e seu filho, Eduardo, atuam para prejudicar o país, visando benefício próprio.

"É uma agressão que vai ficar marcada como uma coisa inaceitável e inexplicável. Um governo entrar na onda de um político extremista local para atacar um país, 215 milhões de habitantes", disse Haddad, acusando Bolsonaro de conspirar contra o Brasil.

Haddad avaliou a nova tarifa como "insustentável", do ponto de vista político e econômico, e disse acreditar que a diplomacia brasileira reverterá a situação. "Acredito que o tiro sairá pela culatra", declarou.

Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), governador de São Paulo

O governador de São Paulo afirmou, nas redes sociais, que Lula colocou sua "ideologia acima da economia".

"Tiveram tempo para prestigiar ditaduras, defender a censura e agredir o maior investidor direto no Brasil. Outros países buscaram a negociação. Não adianta se esconder atrás do Bolsonaro. A responsabilidade é de quem governa. Narrativas não resolverão o problema", escreveu no X.

Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), governador de Goiás

Também cotado para a disputa presidencial, Caiado disse que Lula atacou o presidente dos Estados Unidos, "país que sempre foi nosso aliado".

"Com as medidas tomadas pelo governo americano, Lula e sua entourage tentam vender a tese da invasão da soberania do Brasil. Mas Lula não representa o sentimento patriótico do nosso povo, e muito menos tem credenciais para defender a soberania brasileira", publicou o governador de Goiás.

Romeu Zema (Novo-MG), governador de Minas Gerais

Zema foi outro governador presidenciável que se pronunciou. "As empresas e os trabalhadores brasileiros vão pagar, mais uma vez, a conta do Lula, da Janja e do STF", afirmou no X.

"Ignorar a boa diplomacia, promover perseguições, censura e ainda fazer provocações baratas vai custar caro para Minas e para o Brasil."

Jerônimo Rodrigues (PT), governador da Bahia

Em tom duro, o governador petista disse que o "o Brasil não é quintal de ninguém" e que o país não aceitará "chantagem nem tutela de lugar nenhum".

"O presidente dos EUA, com essa decisão, taxa e castiga o setor produtivo brasileiro, que gera empregos e já tinha contratos fechados. Enquanto Lula trabalha para taxar as grandes fortunas, há quem jogue contra e prefira taxar o Brasil", escreveu Rodrigues no X, ressoando uma mensagem que tem sido propagada pela base de Lula.



Ian Bremmer, cientista político

O cientista político americano e fundador da consultoria de risco Eurasia analisou em um post que os "Estados Unidos intervêm na política interna do Brasil, à medida que o presidente Trump anuncia tarifas de 50%, 'em parte devido aos ataques insidiosos do Brasil' contra Jair Bolsonaro".

Em seu texto, Bremmer avalia que "seria intolerável para os líderes políticos americanos (republicanos e democratas) se outro país tentasse fazer o mesmo com os Estados Unidos".

Paul Krugman, Nobel de Economia

Para o Nobel de Economia Paul Krugman, tarifas de Trump são um 'programa de proteção a ditadores' (Crédito,Getty Images)

O economista americano destacou em texto intitulado "O programa de proteção de ditador de Trump" que o presidente americano "nem finge que há uma justificativa econômica". "É tudo sobre punir o Brasil por julgar Bolsonaro."

Esta não é a primeira vez que os Estados Unidos usam tarifas para fins políticos, destaca Krugman, mas, "agora, Trump tenta usar tarifas para ajudar um candidato a ditador", em referência à acusação de tentativa de golpe contra Bolsonaro.

O economista ressalta que o gesto de Trump é "maligno" e "megalomaníaco" e mais um passo dos EUA na "espiral descendente" do país.

Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)

O grupo, que reúne deputados e senadores ligados às questões do agronegócio, manifestou "preocupação" e defendeu "cautela e diplomacia".

Segundo eles, a medida anunciada por Trump "representa um alerta ao equilíbrio das relações comerciais e políticas entre os dois países".

"A nova alíquota produz reflexos diretos e atinge o agronegócio nacional, com impactos no câmbio, no consequente aumento do custo de insumos importados e na competitividade das exportações brasileiras", diz uma nota publicada no site da FPA.

A frente defende "uma resposta firme e estratégica"

"A FPA reitera a importância de fortalecer as tratativas bilaterais, sem isolar o Brasil perante as negociações. A diplomacia é o caminho mais estratégico para a retomada das tratativas."

Confederação Nacional da Indústria (CNI)

Para a entidade, não existe um "fato econômico que justifique a medida anunciada pelos EUA" e há necessidade de intensificar negociações para preservar a relação com "um dos maiores parceiros comerciais do Brasil".

"Os impactos dessas tarifas podem ser graves para a nossa indústria, que é muito interligada ao sistema produtivo americano. Uma quebra nessa relação traria muitos prejuízos à nossa economia. Por isso, para o setor produtivo, o mais importante agora é intensificar as negociações e o diálogo para reverter essa decisão", destacou Ricardo Alban, presidente do CNI, em comunicado divulgado à imprensa.

"Sempre defendemos o diálogo como o caminho mais eficaz para resolver divergências e buscar soluções que favoreçam ambos os países. É por meio da cooperação que construiremos uma relação comercial mais equilibrada, complementar e benéfica entre o Brasil e os Estados Unidos", acrescentou ele.

Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec)

A entidade defendeu que "questões geopolíticas não se transformem em barreiras ao abastecimento global e à garantia da segurança alimentar, especialmente em um cenário que exige cooperação e estabilidade entre os países".

A Abiec ainda sugeriu a "retomada das negociações".

"Estamos dispostos ao diálogo, de modo que medidas dessa natureza não gerem impactos para os setores produtivos brasileiros nem para os consumidores americanos, que recebem nossos produtos com qualidade, regularidade e preços acessíveis", declarou a associação.

Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB)

A entidade diz ter recebido as notícias da tarifa "com surpresa e indignação".

"É, certamente, uma das maiores taxações a que um país já foi submetido na história do comércio internacional, só aplicada aos piores inimigos, o que nunca foi o caso do Brasil", observou José Augusto de Castro, presidente da AEB..

"Além das dificuldades de comércio com os Estados Unidos, o anúncio da Casa Branca pode criar uma imagem negativa do Brasil e gerar medo em importadores de outros países de fechar negócios com as nossas empresas, afinal, quem vai querer se indispor com o presidente Trump?", questionou ele.

Davi Alcolumbre (presidente do Senado) e Hugo Motta (presidente da Câmara)

Em nota conjunta, os presidentes das casas legislativas defenderam a soberania brasileira, mas também o diálogo com os EUA nos campos diplomático e comercial.

"A decisão dos Estados Unidos de impor novas taxações sobre setores estratégicos da economia brasileira deve ser respondida com diálogo nos campos diplomático e comercial.

O Congresso Nacional acompanhará de perto os desdobramentos. Com muita responsabilidade, este Parlamento aprovou a Lei da Reciprocidade Econômica. Um mecanismo que dá condições ao nosso país, ao nosso povo, de proteger a nossa soberania.

Estaremos prontos para agir com equilíbrio e firmeza em defesa da nossa economia, do nosso setor produtivo e da proteção dos empregos dos brasileiros."

Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT na Câmara

O deputado federal petista disse que a taxa é algo "gravíssimo".

"Os vira-latas bolsonaristas conseguiram. Penso que Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Tarcísio [governador de São Paulo] devem estar muito felizes em prejudicar o Brasil, nossa economia e nossos empregos. Nós defendemos o Brasil e nossa soberania. Eles são uns traidores!", declarou Farias.

Humberto Costa (PT-PE), senador

O petista escreveu que Bolsonaro "bate continência para a bandeira dos EUA e, junto com a sua turma, veste o boné de Trump, o cara que prejudica o Brasil com sobretaxas exorbitantes."

"Isso é o bolsonarismo: jogar e torcer contra o Brasil", disse Costa.

Jaques Wagner (PT-BA), senador

O senador pediu "respeito ao Brasil"e disse que a taxa ocorre após "pedido da família Bolsonaro".

"O presidente norte-americano está confundindo a quem está se dirigindo. O Brasil não será quintal do país de ninguém. Quem decide a nossa vida somos nós. Que fique claro: o Brasil é dos brasileiros e não de capachos", escreveu Wagner.

Nikolas Ferreira (PL-MG), deputado federal

O deputado federal focou em dizer que "a culpa é do Lula" diante da nova taxa.

"Basta Lula ter diplomacia, parar de perseguir e o STF ficar no seu lugar, que a taxa não incidirá mais no Brasil", escreveu Ferreira.

Fábio Wajngarten, advogado de Bolsonaro

O advogado e ex-secretário de comunicação de Bolsonaro atribuiu o anúncio de Trump ao fato de que o governo americano teria "visto com maus olhos" o encontro dos Brics no Brasil, em que a declaração final do bloco criticou políticas americanas, embora tenha evitado falar diretamente contra o presidente americano.

"O governo brasileiro por conta de sua patética e risível chancelaria teima em alinhar-se a países que tradicionalmente são inimigos ou no mínimo distantes dos EUA", disse Wajngarten.


"Por fim, o alinhamento com grupos terroristas, que deveriam ser absolutamente combatidos e banidos por parte do governo brasileiro também contribui para referida decisão. Utilizar os Brics como teto também para a Venezuela em nada ajuda a melhorar a relação com os EUA. Não criem fantasmas e nem busquem terceirizar culpas."

Filipe Barros (PL-PR), deputado federal

Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Barros escreveu que a "culpa" pela sanção de Trump é de "todos os que perseguiram a direita".

"Eles traíram a nossa nação, entregaram nosso destino a interesses estrangeiros, venderam a soberania nacional e nos colocaram na lista das nações menos democráticas do mundo", declarou Barros.

Gleisi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais

A petista fez crítica direta ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e apoiadores de Bolsonaro por "aplaudirem o tarifaço de Trump contra o Brasil";

"Pensam apenas no proveito político que esperam tirar da chantagem do presidente dos EUA, porque nunca se importaram de verdade com o país e o povo. Estamos diante do maior ataque já feito ao Brasil em tempos de paz, visando a atingir não apenas nossa economia, mas a soberania nacional e a própria democracia", escreveu Gleisi no X.

"É a continuação do golpe pelo qual Bolsonaro responde no STF, agora usando tarifas de um país estrangeiro para impor seu projeto ditatorial."

Publicado originalmente pela BBC News Brasil, em 09.07.25 (Atualizado 10.07.25)

'Trump se identifica com Bolsonaro, ambos se veem como vítimas de progressistas'

Nos últimos dias, Donald Trump havia dado uma série de declarações de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sinalizava o anúncio de uma taxa contra produtos exportados pelo Brasil.

Trump anunciou tarifas sobre o Brasil que surpreenderam analistas e pesquisadores

Embora especialistas nas relações Brasil-Estados Unidos já esperassem que as tarifas prometidas de fato viriam, muitos deles não imaginavam que a medida anunciada pelo presidente dos Estados Unidos na quarta-feira (9/7), que estipulou uma taxação de 50% sobre bens de nosso país, tivesse essa magnitude.

O valor definido por Trump contra o Brasil é o maior entre todas as taxas anunciadas nesta segunda leva do "tarifaço".

Desde a segunda-feira (7/7), o presidente americano tem enviado cartas a países anunciando as novas tarifas que entram em vigor em agosto. Tirando a taxa aplicada ao Brasil, os valores variam de 20% (para as Filipinas) a 40% (Laos e Mianmar).

Um dos analistas que se surpreendeu foi Christopher Garman, diretor-geral de Américas do Eurasia Group, uma consultoria e empresa de risco político.

"A intensidade da tarifa causou surpresa", admite ele, em entrevista à BBC News Brasil.

"Embora o presidente Trump já estivesse ameaçando os membros do Brics com tarifas adicionais, o Brasil inicialmente estava na lista das nações que tiveram a taxa mínima, de 10%, e é um país que tem déficit na balança comercial com os Estados Unidos", lembra o pesquisador, que é um dos principais especialistas sobre os impactos políticos das decisões macroeconômicas.

O Brics é o bloco inicialmente formado pelas economias emergentes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e que foi ampliado a partir de 2024, com a entrada de seis países — Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã — e que acaba de realizar uma cúpula no Rio de Janeiro.

Mas o que explica este anúncio de Trump?

Para Garman, a grande motivação do presidente americano é política e ideológica.

"A política brasileira é um espelho da política americana. Me parece que Trump se identifica com os desafios que Bolsonaro enfrenta no Brasil", avalia ele.

"Ambos se veem como vítimas de um establishment progressista, que supostamente caminharia para um regime de censura por meio de ataques aos seus oponentes pelas vias judiciais."

Seguindo esse raciocínio, Trump avaliaria que Bolsonaro passa por algo similar ao que ele próprio viveu após perder as eleições de 2020, em que a Presidência dos EUA foi conquistada por Joe Biden.

"Trump parece querer dar um sinal claro contra países que ele acredita não respeitarem a ordem democrática", avalia Garman.

Para o analista, as taxas de 50% sobre o Brasil não têm qualquer justificativa comercial ou econômica.

"Não se trata de um mecanismo para ajustar a relação bilateral, para barrar a entrada de produtos chineses ou para controlar a entrada de imigrantes nos EUA. É um instrumento político e ideológico."

O que os EUA e o Brasil podem ganhar (e perder)

Do ponto de vista de Garman, o anúncio de Trump "enfraquece um governo que está no espectro ideológico oposto".

"Essa também é uma maneira de tentar enfraquecer o próprio Brics, que o presidente dos EUA acredita ser um grupo que se opõe aos interesses americanos", diz ele.

Do ponto de vista econômico, o diretor do Eurasia Group não vê ganhos claros para os Estados Unidos.

"Existem alguns setores no qual a economia americana depende mais de produtos brasileiros. Mas o Brasil representa uma porcentagem pequena do total das importações americanas", pondera ele.

Já para o Brasil, Garman entende que "vários setores serão negativamente impactados".

"É o caso da mineração, da produção de aeronaves e do agro, especialmente os produtores de suco de laranja, café, madeira e celulose", lista ele.

Mas o especialista entende que parte dessas exportações brasileiras que tinham os EUA como destino podem ser vendidas para outros mercados.

"A tendência é que a taxação tenha um impacto modesto no crescimento do Brasil, mas, ainda assim, haverá um impacto", projeta ele.

Christopher Garman (à direita), do Eurasia Group, entende que decisão de Trump ao Taxar o Brasil foi puramente política e ideológica. (Crédito,Getty Images)

Desdobramentos para Lula e Bolsonaro

Na avaliação de Garman, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode enxergar na taxação "uma grande oportunidade para as eleições de 2026".

"O Palácio do Planalto pode entrar num embate com Trump, e passar a mensagem de que a família Bolsonaro faz alianças com um governo estrangeiro, que tira empregos dos brasileiros", antevê o especialista.

"O presidente Lula pode se beneficiar de uma onda nacionalista, criada a partir de uma espécie de bullying internacional feito pelos Estados Unidos."

Diante desse cenário, Garman entende que o presidente Lula tende a "inflar a retórica" contra a taxação — o que dificulta um caminho de negociação e acomodação dos interesses.

"Pode até haver uma negociação específica entre algumas empresas e setores, com trocas e exceções às tarifas", acredita ele.

Já para o ex-presidente Jair Bolsonaro, Garman avalia que será necessário observar se a taxação de Trump representa um fortalecimento do nome de Lula nas urnas.

"Se isso se concretizar, ele pode tentar de alguma maneira pedir uma redução das tarifas americanas diretamente a Trump, para fazer um papel de intermediação", diz ele.

Para Garman, a situação brasileira se difere um pouco do que aconteceu com Canadá, México e outros países, nos quais houve uma acomodação de interesses após o anúncio de tarifas por Trump.

"O Brasil não tem uma economia tão integrada com os EUA, como Canadá e México. Além disso, não há um compartilhamento de raízes ou tradições, como acontece entre esses países", observa ele.

"Embora o Brasil seja um país dividido e polarizado, acho razoável pressupor que Lula pode se beneficiar parcialmente dessa taxação", acredita o analista.

Por fim, o diretor do Eurasia Group projeta que as tarifas de Trump podem enfraquecer os laços de Brasil e EUA, mas fortalecer a relação com outros atores internacionais.

"Pode haver um fortalecimento da relação do Brasil com China, União Europeia e Oriente Médio", cita ele.

"O Brasil vai buscar outros mercados e a tendência é que os laços institucionais com os Estados Unidos fiquem enfraquecidos."

"Mesmo que um acordo parcial seja feito, ainda assim esse relacionamento vai sair arranhado", conclui ele.

André Biernath da BBC News Brasil em Londres, em 10.07.25

quarta-feira, 11 de junho de 2025

“Tenho vergonha do meu país e peço desculpas.”

Michael Douglas, o ator americano pede desculpas pelo "caos global" atribuído ao governo Donald Trump em uma masterclass no Festival de Cinema de Taormina.

Michael Douglas, nesta terça-feira em Taormina. 

Durante a abertura de sua masterclass no Festival de Cinema de Taormina, na Itália, Michael Douglas disse na terça-feira que sente "vergonha" dos Estados Unidos e pediu desculpas pelo "caos global" criado sob a presidência de Donald Trump . "Entendo que grande parte da responsabilidade pelo caos global vem do meu país. Tenho vergonha do meu país e peço desculpas. Peço desculpas aos meus vizinhos no Canadá e no México, e também aos países da União Europeia e da OTAN ", declarou o ator de 80 anos diante de estudantes e profissionais de cinema.

Douglas, vencedor de dois Oscars e quatro Globos de Ouro , recebeu o prêmio pelo conjunto da obra em Taormina, no antigo teatro romano da cidade. Ao longo de sua carreira, combinou seu lado artístico com o compromisso público: desde 1998, serviu como Mensageiro da Paz das Nações Unidas e colaborou com a Iniciativa contra a Ameaça Nuclear , promovendo campanhas internacionais pela abolição das armas nucleares.

Em sua masterclass, o ator criticou o aumento constante dos orçamentos militares , especialmente nos Estados Unidos, e expressou seu espanto com a persistência dos conflitos armados na era da inteligência artificial : "É ridículo que, com toda a tecnologia à nossa disposição, ainda vejamos tantas guerras".

Aos 80 anos — nascido no final da Segunda Guerra Mundial —, Douglas afirmou nunca ter presenciado um período tão turbulento quanto o atual. Ele defendeu a substituição dos investimentos militares por iniciativas de diálogo e cooperação internacional e apelou à diplomacia como única forma de evitar a repetição dos erros do passado.

Publicado originalmente no EL PAÍS, em 10.06.25

sábado, 31 de maio de 2025

Riscos do populismo judicial

Judiciário compromissado com a Constituição é essencial para o funcionamento da democracia

Propaganda eleitoral na Cidade do México - Henry Romero/Reuters

Neste domingo (1°), os mexicanos irão às urnas para eleger cerca de 900 juízes federais, 1.800 estaduais e locais, além dos nove membros da Suprema Corte. Essa é a primeira fase de um processo que busca substituir todos os atuais magistrados mexicanos por juízes eleitos.

Esse experimento inusitado é decorrência de uma ampla reforma constitucional promovida pelo então presidente López Obrador, sob o argumento de que o Judiciário mexicano era elitista, corrupto, inoperante e cercado de privilégios, sendo necessário democratizá-lo.

É inevitável olhar para esse processo dentro do contexto mais amplo da ascensão de populistas ao poder. Embora a literatura esteja correta ao apontar para a multiplicidade de populismos —mais ou menos inclusivos, mais ou menos autoritários, mais à esquerda ou à direita—, o fato é que governos e líderes populistas, que se apresentam como única e autêntica expressão da vontade popular, têm demonstrado enorme dificuldade de lidar com os limites que lhe são impostos pelo sistema de Justiça.

Duas mulheres descem uma escada com corrimão verde. Na escada, há um grande banner rosa com a inscrição "1 de Junho" e a palavra "¡Chila!". Ao fundo, é possível ver uma rua com um carro passando e árvores ao redor.

O caso do México não é diferente. Após ver frustradas pela Supremo Corte suas intenções de militarizar a segurança pública, fragilizar a autoridade eleitoral autônoma e subordinar a Justiça, Lopéz Obrador conseguiu maioria expressiva no Parlamento, dominado por seu partido, para aprovar o seu modelo de Justiça democrática.

Na cartilha do neopopulismo, subjugar o Judiciário é uma condição necessária para que as demais reformas possam se realizar sem resistências ou solavancos. Tem sido assim em todos os países onde a democracia constitucional entrou em processo de erosão.

Os métodos de subordinação variam. Na Turquia, cerca de 2.700 juízes e promotores foram presos pelas forças de Erdogan em 2016. No mais das vezes o método de subordinação é mais cirúrgico, com a intimidação ou afastamento exemplar de alguns membros de cortes superiores ou restrições de suas competências.

As tentativas de silenciamento judicial, no entanto, normalmente são precedidas de processos de demonização e deslegitimação. Basta olhar para a reação de membros do governo norte-americano às decisões judiciais suspendendo inúmeras medidas de constitucionalidade duvidosa; ou, no Brasil, os ataques ao Supremo, que culminaram na invasão e depredação de sua sede.

Um homem está carregando várias placas brancas com a inscrição "EL VOTO ES LIBRE Y SECRETO". Ele usa óculos e uma camisa de manga longa com padrão xadrez. Ao fundo, há uma área verde e uma colina. O céu está claro e a cena parece ser ao ar livre.

O que surpreende no caso mexicano é a radicalidade do modelo adotado. Há, em primeiro lugar, um temor real da prevalência de candidatos apoiados pelo partido de Obrador, bem como pelos cartéis de drogas, que dominam diversas regiões do país. De outro lado, há o risco de que um Judiciário populista seja mais fiel ao clamor popular do que à lei e à Constituição.

Em muitos países, como o Brasil, o Judiciário também tem enormes problemas. Quando não se emendam, tornam-se presas fáceis de populistas. Daí a necessidade de reformas que aumentem a imparcialidade, a eficiência e a transparência na aplicação da lei, assim como reformas que aumentem a diversidade e reduzam privilégios inaceitáveis do estamento judicial.

Um Judiciário independente e compromissado com a Constituição e a lei é uma peça essencial para o bom funcionamento da democracia, a paz social e o próprio desenvolvimento econômico. O exemplo do México é um alerta para a necessidade de qualificação dos sistemas de Justiça, pois, como diz o ditado, nada é tão ruim que não possa piorar.

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Escrevo essa coluna em memória do grande editor e amigo Pedro Paulo Poppovic.

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Oscar Vilhena Vieira, o autor deste artigo, é Professor da Fundação GetúlioVargas (FGV Direito SP), mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023). Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 31.05.25

Parem com a intimidação de Trump

O tribunal complica as tarifas discricionárias do presidente e expõe a vulnerabilidade de sua estratégia de intimidação.

Trump, quarta-feira no Salão Oval. (Crédito: Chris Kleponis - EFE)

A guerra comercial de Donald Trump está começando a se complicar nos tribunais. Os tribunais dos EUA desferiram um golpe no cerne econômico da agenda de Trump na quinta-feira ao suspender as tarifas gerais e unilaterais de 10% sobre todas as importações, além de tarifas especiais sobre China, Canadá e México. O Tribunal de Comércio Internacional dos EUA considera essas medidas ilegais porque Trump excedeu seus poderes executivos. As leis federais, argumentam os juízes, não concedem ao presidente autoridade ilimitada para impor tarifas quando bem entender; menos ainda apelando à emergência económica. A anulação entraria em vigor imediatamente, mas um tribunal federal de apelações em Washington suspendeu a decisão horas depois, restabeleceu provisoriamente as tarifas e deu às partes um prazo para se manifestarem. A chave para toda a política econômica de Trump fica, portanto, no ar de um dia para o outro.

A reação furiosa da Casa Branca (seu principal conselheiro político falou de "tirania judicial") é igual à profunda acusação que a decisão original e unânime representa para a política de comércio de intimidação de Trump, na qual todas as suas promessas de prosperidade econômica e revitalização industrial se baseiam. A confusão não contribui para reduzir a incerteza no curto prazo. A Casa Branca anunciou sua disposição de apelar à Suprema Corte, argumentando que o presidente tem autoridade para decidir o que constitui uma emergência nacional. A decisão não invalida as tarifas de 25% sobre aço, alumínio e automóveis importados, nem as tarifas planejadas sobre produtos farmacêuticos, semicondutores, cobre e madeira. Os juízes afirmaram que as tarifas que poderiam ser impostas com base no déficit comercial teriam que ser temporárias (150 dias) e limitadas (até um máximo de 15%).

Enquanto se aguarda o resultado do recurso, a decisão deixa os recentes acordos comerciais firmados com a China e o Reino Unido, bem como as negociações em andamento com vários outros países, no limbo. E destaca a vulnerabilidade do governo Trump devido aos fracos fundamentos legais que sustentam suas medidas, que se baseiam em uma espécie de estado de emergência permanente. Quase dois meses após a ridícula apresentação do “Dia da Libertação”, Trump não consegue mostrar nenhum progresso comercial significativo; apenas caos e mercados em permanente estado de nervosismo.

Tarifas generalizadas não são apenas uma ferramenta de negociação para obter todo tipo de concessões. Trump contava com eles para financiar suas promessas de campanha de cortes de impostos, o que sem essa receita adicional poderia aumentar o já elevado déficit fiscal. Se as receitas tarifárias ficarem abaixo das metas esperadas, o déficit poderá aumentar para até 9% do PIB, e os mercados podem levantar preocupações sobre a sustentabilidade fiscal dos EUA. O mercado de títulos já está emitindo alertas nesse sentido. O PIB dos EUA fechou o primeiro trimestre no vermelho devido a todo esse barulho.

A confusão jurídica também fornece uma moeda de troca inesperada para os parceiros comerciais dos EUA contra a pressão de Washington. A estratégia de esperar para ver da UE é subitamente justificada: este é o freio que muitos estavam esperando. Assim como aconteceu com a Universidade, o Judiciário começa a atuar como contrapeso ao Trumpismo: os Estados Unidos são uma democracia complexa na qual os outros poderes parecem, finalmente, dispostos a controlá-la.

Editorial do EL PAÍS, em 30.05.25

De xerife corrupto a membro de gangue violento e ex-congressista: Trump assina uma enxurrada de novos perdões em três dias

A enxurrada de perdões e comutações de penas inclui pessoas que expressaram apoio político ao presidente ou que alegaram, como o próprio republicano, que foram injustamente perseguidas.

Donald Trump na Casa Branca em Washington, 25 de maio.

Os mais barulhentos foram os primeiros. No mesmo dia em que Donald Trump tomou posse como presidente dos Estados Unidos pela segunda vez, ele assinou uma ordem para perdoar ou comutar as sentenças de quase 1.600 pessoas condenadas ou processadas por participação no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Mas esta semana, o republicano surpreendeu novamente, adicionando repentinamente mais 27 nomes a uma lista de perdões presidenciais que agora chega a 70 em apenas alguns meses; E se somarmos a isso o perdão em massa no primeiro dia de sua presidência, ele já é o mais longo da história. O recorde anterior também era seu: em seu primeiro mandato, ele perdoou ou comutou as penas de 237 pessoas, a maioria delas em seus últimos meses na Casa Branca.

Os mais recentes beneficiários dos poderes de clemência do presidente são um grupo improvável, incluindo um xerife condenado por corrupção, um líder de gangue de Chicago cumprindo pena perpétua por vários crimes separados e um ex-congressista de Nova York que se declarou culpado de sonegação fiscal. Além de terem condenações firmes por uma ampla variedade de crimes, os indivíduos perdoados têm em comum o fato de terem expressado apoio político a Trump, alegando, como o próprio republicano, que foram injustamente perseguidos ou que lhe pediram clemência expressamente nos últimos meses.

Já na segunda-feira, Ed Martin, o recém-nomeado promotor de perdões, um fiel aliado de Trump e que defendeu o perdão para os réus de 6 de janeiro antes de assumir oficialmente o cargo, deu uma pista do que aconteceria na semana que vem. “Nenhum MAGA foi deixado para trás”, ele escreveu nas redes sociais.

Em vez de seguir o longo protocolo usual do Departamento de Justiça, o presidente usou seu poder constitucional para conceder perdões e consolidar ou recompensar seus apoiadores e incentivar a lealdade dentro de sua administração. Trump até criou um novo cargo nesta administração: “czar do perdão”. E ele nomeou Alice Marie Johnson para esse cargo, que recebeu um perdão presidencial em 2020 e agora é obrigada a recomendar indivíduos para perdão pelo presidente.

Perfis como o de Scott Jenkins, um ex -xerife da Virgínia de 53 anos que foi condenado no ano passado por fraude federal e suborno. Eleito xerife de um condado no interior do estado em 2011, Jenkins cumpriu 12 anos de pena e foi condenado em 2024 por um júri por aceitar mais de US$ 75.000 em troca da nomeação de vários empresários como delegados do xerife, dando-lhes privilégios como evitar multas de trânsito ou poder portar armas sem permissão. Em março deste ano, ele foi condenado a 10 anos de prisão federal .

De acordo com vários relatos, após sua condenação, Jenkins apelou diretamente ao governo Trump por clemência. Ao que tudo indica, sua solicitação funcionou. Ele não só recebeu o perdão, mas na segunda-feira, em uma postagem no Truth Social, Trump defendeu o xerife , chamando-o de "vítima dos excessos" do Departamento de Justiça durante a presidência de Joe Biden. O presidente também criticou o juiz que supervisiona o caso, alegando que Jenkins foi impedido de apresentar “provas para se sustentar” e foi “silenciado” durante o processo.

Savannah Chrisley, filha do astro de reality show Todd Chrisley, discursa do lado de fora do Campo Prisional Federal, quarta-feira, 28 de maio de 2025, em Pensacola, Flórida. (Crédito: Dan Anderson - AP)

Outro caso bastante divulgado foi o do casal Julie e Todd Chrisley. Depois de se tornarem famosos por estrelar um reality show sobre suas vidas como empreendedores imobiliários de sucesso, em 2022 eles foram condenados por fraude e sonegação fiscal e obrigados a pagar US$ 17,8 milhões em restituição. Julie recebeu uma sentença de sete anos de prisão e Todd recebeu uma sentença de 12 anos.

De acordo com o processo judicial, o casal embolsou até US$ 30 milhões para ganho pessoal ao planejar a obtenção de empréstimos bancários. No memorando de sentença, os promotores disseram que os Chrisleys se envolveram em uma “onda de fraude de 15 anos”. Mas poucos anos depois de ir para a prisão, Trump ligou pessoalmente para a filha do casal, Savannah, que compareceu à Convenção Republicana de 2024 e pediu a ajuda do então candidato na terça-feira para que ela soubesse que ele estava assinando os papéis de perdão para seus pais. Nos poucos dias que se passaram desde então, já foi anunciado que um novo reality show sobre a família está em andamento.

Entre os perdoados também estão criminosos violentos. Larry Hoover , mais conhecido como King Larry , é um líder de gangue de Chicago que está preso cumprindo pena de prisão perpétua desde a década de 1970 pelo assassinato de um membro de gangue rival. Ele recebeu uma comutação de sua sentença esta semana, embora não pelo assassinato, mas por outras acusações que foram acrescentadas quando promotores federais o acusaram de continuar operando da prisão em 1997, condenando-o por tráfico de drogas, entre várias outras acusações. O perdão desta semana não o livra da prisão perpétua, já que é um crime estadual que o presidente não tem o poder de cancelar, mas significa que ele será libertado da prisão de segurança máxima no Arizona, onde está detido, e transferido para outra prisão estadual em Illinois.

Trump não se esqueceu de aliados políticos, como Michael Grimm e Jeremy Hutchinson. Grimm é um ex-congressista republicano que representou Staten Island e parte do Brooklyn de 2011 a 2015, quando renunciou após ser acusado de não declarar quase US$ 1 milhão em renda e centenas de milhares de dólares em salários de trabalhadores de um restaurante de sua propriedade em Manhattan. Ele se declarou culpado e foi condenado a oito meses de prisão e 200 horas de serviço comunitário, entre outras punições. Desde então, ele apoiou abertamente o presidente Trump e agora recebeu um perdão total.

Hutchinson, por sua vez, é membro de uma importante família política do Arkansas: filho de Tim Hutchinson, ex-senador dos EUA, e sobrinho de Asa Hutchinson, ex-governador do estado, ele próprio foi senador estadual. Em 2023, ele foi condenado a mais de quatro anos de prisão por fraude fiscal e aceitação de propina. No entanto, na carta solicitando o perdão presidencial, seus advogados declararam que "está absolutamente claro que os democratas do Departamento de Justiça e do FBI escolheram processar o caso porque ele era um legislador conservador de alto nível de uma família republicana", ignorando as evidências que levaram à sua condenação. Agora, quase na metade de sua pena, ele poderá sair da prisão sem antecedentes criminais.

A última onda de perdões de Trump é mais um exemplo de como ele está destruindo convenções presidenciais e levando seus próprios poderes ao limite. Não que o que ele fez fosse ilegal, mas rompeu com a ordem estabelecida. O gabinete do promotor de indultos normalmente é chefiado por um funcionário de carreira, não por um político nomeado por sua lealdade ao presidente. E embora os presidentes às vezes ignorem o gabinete do promotor de perdão, como Biden fez quando perdoou membros da família, o Departamento de Justiça geralmente considera uma série de critérios ao analisar um pedido de perdão, incluindo reabilitação e remorso, embora caiba ao presidente decidir se segue ou não a recomendação do perdão.

Além dos perdões desta semana, Trump já perdoou indivíduos como Ross Ulbricht, fundador do mercado ilegal de drogas Silk Road; Ex-governador democrata de Illinois Rod Blagojevich, condenado por acusações federais de corrupção; ou três cofundadores da bolsa de criptomoedas BitMEX, que se declararam culpados em 2022 por violações da Lei de Sigilo Bancário. E no mundo Trump, começam a surgir apelos para que o presidente perdoe Derek Chauvin , o policial de Minneapolis que matou George Floyd em 2020, e Tina Peters, uma funcionária eleitoral do Colorado condenada por permitir acesso não autorizado às máquinas de votação como parte de uma busca por fraude eleitoral na eleição daquele mesmo ano. Ambos são casos que se tornaram gritos de guerra para os apoiadores do presidente, que querem que eles sejam os próximos a serem perdoados.

Nicholas Dale Leal, o autor deste artigo, é Jornalista colombiano-britânico trabalha para o EL PAÍS América desde 2022. Mestre em jornalismo pela Escola UAM-EL PAÍS, onde cobriu Madri e esportes. Depois de atuar na equipe editorial colombiana e fazer parte da equipe que produz a versão em inglês, passou a editor e editor fundador do EL PAÍS US, a edição do jornal para os Estados Unidos. Este artigo foi publicado originalmente no EL PAÍS, em 31.05.25

sexta-feira, 30 de maio de 2025

STF não interferiu nos EUA e Trump age como pretenso 'imperador do mundo', afirma ex-presidente do tribunal

A tentativa do governo americano de interferir no Supremo Tribunal Federal (STF), com ameaças ao ministro Alexandre de Moraes, é resultado de "arrogância desmedida" e de uma pretensa postura de "imperator mundi" (imperador do mundo) do presidente Donald Trump, afirmou à BBC News Brasil o ex-integrante da Corte Celso de Mello.

Ministro Celso de Mello, ex-Presidente do STF Crédito: Agência Brasil)

Para o ministro aposentado e presidente do tribunal entre 1997 e 1999, o STF não tomou qualquer decisão que interfira em assuntos domésticos americanos e a Casa Branca atua para garantir imunidade a suspeitos de crimes cometidos no Brasil.

"No caso brasileiro, não houve, em momento algum, por parte do STF, qualquer determinação que pudesse caracterizar indevida intromissão em assuntos domésticos dos EUA ou interferência no exercício da jurisdição interna desse país."

"Pelo simples fato de que tais matérias (assuntos domésticos e jurisdição interna)  submetem-se ao exclusivo domínio político e jurídico legitimado pela soberania americana!", continuou, em resposta escrita.

O governo Trump mira autoridades em diversos países que têm atuado para regular plataformas digitais ou tomado decisões contra usuários que estariam cometendo crimes em redes sociais .

Nos últimos anos, Moraes suspendeu contas em plataformas ou determinou a prisão de pessoas que teriam proferido discursos antidemocráticos e ameaçado autoridades brasileiras no ambiente virtual, atingindo grandes empresas sediadas nos EUA.

Atualmente, ele é relator de um processo criminal sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, está licenciado do cargo, morando nos Estados Unidos, onde tenta articular uma retaliação do governo Trump a Moraes — o que levou à abertura de um inquérito criminal contra o parlamentar para apurar suposta tentativa de obstrução de Justiça.

Foi nesse contexto que o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou na quarta-feira (28/5) que restrições de visto serão anunciadas contra autoridades estrangeiras que são "cúmplices de censura a americanos", sem citar diretamente o ministro brasileiro.

Na semana anterior, porém, Rubio ameaçou Moraes com possíveis sanções previstas na Lei Global Magnitsky. Essa legislação americana permite outras punições a autoridades estrangeiras acusadas de corrupção ou graves violações de direitos humanos, como a proibição de qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo sancionado.

"Isso está sob análise neste momento, e há uma grande possibilidade de que isso aconteça", disse Rubio ao ser questionado pelo deputado republicano Cory Mills, da Flórida, parlamentar que tem dialogado com Eduardo Bolsonaro.

Em meio às ameaças, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, marcou para a próxima quarta-feira (04/06) a retomada do julgamento do Marco Civil da Internet, que estava suspenso desde dezembro por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro André Mendonça.

Nessa ação, a Corte analisa se plataformas digitais devem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros caso deixem de tomar as providências necessárias para remover postagens com teor criminoso.

À BBC News Brasil, Celso de Mello criticou a movimentação do governo americano e disse que Trump desrespeita "a igualdade soberana dos Estados nacionais", prevista na Carta das Nações Unidas (ONU).

"A tentativa de querer interferir, política e diplomaticamente, em assuntos internos do Brasil, brandindo medidas com o autoritário (e irresponsável) objetivo de pressionar e de influir sobre os rumos de um processo criminal instaurado em nosso País, motivado por gravíssimas acusações, SÓ PODE RESULTAR da arrogância desmedida de quem assim age ou DERIVAR de sua inaceitável (e contraditória) pretensão de agir como verdadeiro "monarca presidencial" (ou inadmissível "imperator mundi")", respondeu o ministro aposentado por escrito.

Para Celso de Mello, o governo Trump busca sustentar uma tese "esdrúxula" de que a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que garante a liberdade de expressão e outros direitos, teria validade fora do território americano e impediria autoridades brasileiras de atuar "mesmo que as ilicitudes cometidas por nacionais americanos ou estrangeiros residentes nos EUA tenham sido perpetradas em território brasileiro".

"Autoridades e agentes públicos brasileiros são pautados, no que concerne ao desempenho de suas funções, pelo que dispõem a Constituição e as leis da (nossa) República!", escreveu ainda à reportagem.

Eduardo Bolsonaro tem se reunido com parlamentares republicanos em Washington, como Cory Mills (Crédito: Reprodução/X)

Não está claro que tipo de medida está sendo cogitada contra Moraes. Para Celso de Mello, uma ação restrita à recusa de visto para entrada no país seria diferente de sanções mais amplas.

"Finalmente, mostra-se diversa, segundo entendo, a situação em que os EUA — tanto quanto o Brasil e qualquer outro Estado estrangeiro — deliberarem impor restrições à concessão de "vistos", porque, nesse específico caso, o controle de movimentação de estrangeiros (ingresso e saída) em seu território tem fundamento no poder soberano de que dispõe qualquer Estado na ordem internacional", explicou.

"Trata-se, na realidade, de poder discricionário fundado na soberania dos Estados nacionais, ressalvado o que tais Estados vierem a pactuar nas convenções internacionais que celebrarem com outros Estados estrangeiros", disse ainda.

O que pode acontecer com Alexandre de Moraes?

Há três consequências principais para quem é colocado dentro da lista de sancionados da Lei Magnitsky:

proibição de viagem aos EUA;

congelamento de bens nos EUA;

proibição de qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo sancionado.

Esse último item é o que costuma causar maiores problemas às pessoas sancionadas pelos EUA, afirma Natalia Kubesch, advogada da Redress — entidade britânica que ajuda vítimas de tortura e abusos de direitos humanos em diversas partes do mundo — em entrevista à BBC News Brasil.

Isso significa, por exemplo, que os cartões de crédito de Moraes podem ser cancelados — mesmo se emitidos por bancos no Brasil — já que as empresas de cartões Visa, MasterCard e American Express são americanas?

Em tese, sim. Mas não necessariamente. Decisões como essa precisariam ser analisadas caso a caso pelas instituições financeiras. Kubesch afirma que há precedentes em que isso aconteceu.

"A American Express anunciou no ano passado que havia encerrado contas de clientes [sancionados pela Lei Magnitsky]. Eles provavelmente tinham ligações com o governo do Irã, então a operadora encerrou completamente essas contas de clientes", diz a advogada.

"Da mesma forma, em 2022, Visa, MasterCard e American Express bloquearam certos bancos russos de suas redes de pagamento após a imposição de sanções."

E as contas de mídias sociais de Alexandre de Moraes? As sanções americanas poderiam forçar empresas baseadas nos EUA — como Google, Meta e X — a cancelarem as contas do juiz brasileiro?

Kubesch afirma que existe uma "zona jurídica cinzenta" quanto a isso.

"Ser sancionado não o proíbe de ter uma conta em uma rede social. E empresas como Twitter e o Facebook não necessariamente violariam as sanções ao permitir que alguém tivesse uma conta", diz a advogada.

Isso porque vetar o acesso de uma pessoa a uma plataforma de comunicação de massa por causa de sanções seria visto por muitos como uma violação do seu direito à liberdade de expressão, diz Kubesch.

"Mas existe uma área cinzenta porque contas em redes sociais podem ser usadas para permitir ou facilitar a potencial proibição de uma sanção, ou podem promover sua agenda específica", diz a advogada.

"Há precedentes em que o Facebook bloqueou em 2017 contas do chefe da República Chechena da Rússia, patrocinado pelo Kremlin, depois que ele foi sancionado", ressalta Kubesch.

"Há precedentes de plataformas de mídia bloquearem contas após a imposição de sanções, mas isso também pode, às vezes, ser uma abordagem proativa [das empresas de mídias sociais], em vez de ser uma violação direta, resultado da qual eles teriam que agir."

A advogada diz que a inclusão de pessoas na lista de sanções pela Lei Magnitsky é "semilegal" e "semipolítico".

"É preciso que a pessoa sancionada esteja envolvida em graves violações de direitos humanos, e esse é um teste legal que precisa ser cumprido. Agora, impor ou não uma sanção, no final das contas, fica a critério das autoridades governamentais relevantes."

No Congresso, Marco Rubio (foto) afirmou que o governo americano está analisando a possibilidade de aplicar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes (Crédito: WILL OLIVER/EPA-EFE/SHUTTERSTOCK)

A especialista diz que o possível enquadramento de Alexandre de Moraes nas sanções pela Lei Magnitsky seria incomum, considerando como a lei costuma ser usada.

"Essa pessoa [Moraes] provavelmente não seria passível de sanções sob as Lei Magnitsky no Reino Unido", diz Kubesch, em referência à lei britânica de mesma natureza — Canadá e União Europeia também têm suas próprias leis Magnitsky.

"No Reino Unido, você só pode ser sancionado e sujeito às sanções Magnitsky se estiver envolvido em uma violação grave do direito à vida, do direito de não ser torturado e do direito de não ser escravizado. E nenhum desses casos se aplica aqui em particular, então ele não seria elegível para as sanções Magnitsky sob a lei do Reino Unido."

Ela aponta que, sob o novo governo de Donald Trump, parece estar havendo mudanças nos critérios de inclusão ou exclusão da lista de sanções americanas.

Recentemente, o governo americano retirou da lista colonos israelenses na Cisjordânia que estavam implicados em abusos de direitos humanos e uma autoridade do governo da Hungria que havia sido sancionada pelo governo do ex-presidente Joe Biden por corrupção.

Mariana Schreiber, de Brasília - DF para a BBC News Brasil, em 30.05.25

quinta-feira, 29 de maio de 2025

É isto o Senado?

Ao tentar humilhar Marina Silva, senadores revelam incivilidade e desconhecimento diante de uma ministra altiva e preparada para enfrentá-los mesmo sem o apoio do governo Lula da Silva

O espetáculo ultrajante a que a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi submetida na terça-feira passada na Comissão de Serviços de Infraestrutura certamente entrará para os anais como um dos momentos mais abjetos da história do Senado. Arquitetada para humilhar a ministra, a audiência pública expôs a incivilidade e o despreparo dos senadores acuados pelas respostas fundamentadas de Marina e a covardia do governo Lula da Silva, que a deixou sozinha em uma cova de leões.

Quem teve estômago para assistir às mais de três horas da reunião pôde conferir a altivez que a ministra demonstrou perante os senadores. Pouco se falou sobre a criação de unidades de conservação na Margem Equatorial, oficialmente o motivo pelo qual Marina foi convidada a comparecer à comissão. A intenção, como ficou claro, era atribuir-lhe toda a culpa pelo subdesenvolvimento dos Estados da Região Norte do País.

Autor do requerimento para ouvir a ministra, o senador Lucas Barreto (PSD-AP) queria saber se as quatro unidades de conservação que serão criadas na região iriam inviabilizar a exploração de petróleo no local. De maneira clara, a ministra respondeu que o processo de criação dessas reservas remonta a 2005, ou seja, não é um pretexto para impedir a Petrobras de atuar na região.

“Pois eu posso lhe dizer que, no processo de criação, já está estabelecido que oleoduto, gasoduto, portos, o que tiver que fazer, já está dito no próprio processo, e isso não será impeditivo”, explicou Marina, ressalvando que esses empreendimentos, como qualquer outro em qualquer região do País, precisam de licença ambiental.

Dúvida esclarecida, a ministra permaneceu à disposição da comissão para debater outros temas, e foi aí que os senadores rasgaram a fantasia. Vendo que Marina respondia a cada pergunta dos senadores munida de informações e dados, o presidente da comissão, Marcos Rogério (PL-RO), mudou a dinâmica para privilegiar o bate-boca. Era previsível que um empedernido bolsonarista fosse fazer de tudo para interditar um debate civilizado, mas é surpreendente que senadores da base do governo tenham compactuado com o ardil.

Agindo como um inquisidor, o mais vocal deles, senador Omar Aziz (PSD-AM), tentou imputar à ministra a responsabilidade pela falta de pavimentação de um trecho da BR-319, entre Manaus e Porto Velho. Sem vestir a carapuça, a ministra lembrou que deixou a pasta em 2008 e voltou a assumi-la somente em 2023, intervalo mais que suficiente para asfaltar a rodovia se o único impedimento à obra fosse a ministra. “Por que não fizeram?”, questionou.

Sem resposta a um fato incontestável, Aziz perdeu a razão e acusou a ministra de estar “atrapalhando o desenvolvimento do País”. Mas tão ou mais eloquente quanto o agastado senador amazonense foram a inação do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a ausência do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e o silêncio do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), coroados pela ligação envergonhada de Lula da Silva em solidariedade à ministra.

De fato, a cereja do bolo foi a declaração do senador Plínio Valério (PSDB-AM), que, antes de fazer qualquer pergunta, disse respeitar apenas a mulher, e não a ministra, agregando machismo e misoginia a uma sessão que já primava pela infâmia. Mas o grand finale foi protagonizado pelo senador Marcos Rogério, que já havia silenciado o microfone da ministra a pretexto de impedi-la de fazer “discurso” e ainda teve a audácia de cobrar de Marina que se pusesse “em seu lugar”. Como nada estava em seu lugar, fez bem a ministra ao levantar-se e deixar a sessão.

Não é segredo para ninguém que a maioria dos senadores, inclusive governistas, discorda da visão de Marina sobre a importância da proteção do meio ambiente para o desenvolvimento do País, mas isso não é desculpa para emboscar covardemente uma ministra de Estado. Quem precisa se colocar “em seu lugar” é o Senado, que nasceu para ser a Casa da estabilidade na República e que hoje corre o risco de se transformar em valhacouto de arruaceiros.

Editorial \ Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 29.05.25

Polícia brasileira desmantela "grupo caçador de comunistas" que se oferecia para espionar e matar por encomenda.

Foram presos vários militares que, segundo documentos apreendidos, tinham como alvo um senador e ministro Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

O juiz Moraes, fotografado durante audiência judicial em março passado, foi um dos altos funcionários visados ​​pelo grupo desarticulado nesta quarta-feira pela Polícia Federal. (Crédito: 

Parecia ser apenas mais uma empresa de segurança privada, mas era um grupo de extermínio. Um grupo formado por militares da ativa e da reserva que estipulavam preços para espionagem e assassinato, inclusive de altos funcionários do Estado brasileiro. O grupo se autodenomina Comando C4, sigla para Comando de Caça a Comunistas, Corruptos e Criminosos, e detalhes de seu modus operandi começaram a vir à tona nesta quarta-feira após uma operação da Polícia Federal.

O juiz responsável pelo caso ordenou que cinco dos detidos fossem mantidos em prisão preventiva e que outros quatro sob investigação recebessem tornozeleiras eletrônicas. Ele também ordenou diversas buscas durante as quais os policiais apreenderam documentação sobre os serviços oferecidos pelo grupo.

Na casa do coronel aposentado do Exército Etevaldo Caçadini, a polícia encontrou documentos lucrativos com tabelas detalhando os preços para espionar ou assassinar autoridades do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. Os preços variavam conforme o objetivo: um juiz do mais alto tribunal judicial, 250.000 reais (44.000 dólares), um senador, 150.000; um deputado, 100.000; e um cidadão comum, 50.000. Considerando os preços, considerados baixos, a polícia acredita que as mesas eram uma referência à espionagem. Matar seria consideravelmente mais caro.

Esta planilha específica do Excel inclui até uma linha dedicada a "custos diversos", que inclui a contratação de prostitutas que supostamente eram usadas para armar armadilhas para os alvos. Os investigadores enfatizam que o Comando C4 operava com alto grau de organização, utilizando táticas militares, métodos de infiltração social e tecnologia de vigilância de ponta, como o uso de drones.

Várias fotos das pessoas espionadas foram encontradas nos celulares dos suspeitos, como prova de que o trabalho estava sendo feito. Vários nomes de possíveis vítimas surgiram nas conversas interceptadas: o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes (inimigo número um do bolsonarismo), seu colega Cristiano Zanin (que anteriormente atuou como advogado que tirou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva da prisão) e o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco. A polícia acredita que a vigilância esteja ligada a planos de possíveis ataques, embora ainda não tenha relatado nenhuma conspiração iminente de assassinato.

A polícia descobriu esse suposto plano de espionagem e assassinato ao seguir um crime específico: em dezembro de 2023, o advogado Roberto Zampieri, de 56 anos, estava sentado em seu carro em frente ao seu escritório em Cuiabá (no estado do Mato Grosso) quando um homem se aproximou da janela e disparou uma dúzia de tiros. Ele morreu instantaneamente.

Pouco depois, a polícia prendeu o assassino, a mulher que ordenou o crime e o intermediário que facilitou a contratação do assassino. Quem depositou o dinheiro (cerca de US$ 7.000) foi o Coronel Caçadini, que está preso desde janeiro do ano passado. Após o assassinato, a polícia teve acesso ao celular do advogado e encontrou indícios de que ele atuava como intermediário na venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso e no Superior Tribunal de Justiça, a segunda instância máxima do país.

Até agora, Zanin (o juiz responsável pelo caso e um dos que supostamente estão sob vigilância) prendeu cinco dos presos, impôs vigilância eletrônica a outros quatro e impôs outras medidas cautelares, como a apreensão de passaportes.

Apesar de certas semelhanças, este caso não tem relação com a conspiração da Adaga Verde e Amarela, uma conspiração iniciada por oficiais militares de elite da coalizão liderada por Bolsonaro que planejava assassinar vários funcionários do estado, começando por Lula, para impedi-lo de assumir o poder em 2023.

Joan Royo Gual, jornalista, do Rio de Janeiro - RJ para o EL PAÍS, em 29.05.25

"Tenho fé nos Estados Unidos, mas precisamos ter cuidado. A democracia é um ser vivo e pode morrer."

Glória Estefan, A cantora cubano-americana apresenta "Raíces", seu primeiro álbum em espanhol em 18 anos. Em entrevista ao EL PAÍS, a artista fala sobre seu sucesso, Cuba e Miami, sua família e Donald Trump.

Gloria Estefan durante o ensaio fotográfico para o álbum 'Raíces'.

Muito antes da música latina ser ouvida o tempo todo em todos os cantos do planeta, um casal de exilados cubanos deixou sua marca em 1985 com a canção Conga . Um single com o qual Emilio e Gloria Estefan bateram na porta da Sony até sete vezes, sem sorte. Mas a sorte estava do seu lado. Conga foi o primeiro sucesso mundial de Gloria (Havana, 67 anos), seguido por centenas de outros. A artista, que já vendeu mais de cem milhões de discos, apresenta nesta quinta-feira Raíces , seu primeiro álbum em espanhol em 18 anos.

Sete anos depois da Conga , o próprio Emilio era presidente da Sony Latino e o casal começou a criar um império com sede em Miami, de onde moldaram e ajudaram a dar à luz dezenas de artistas latinos, como Shakira e Ricky Martin. Miami é o lugar que eles chamam de lar, assim como milhares de exilados cubanos. Ela chegou à Flórida quando tinha dois anos e nunca mais saiu. Agora, ele acompanha a tendência anti-imigração de Donald Trump com "preocupação e medo ". É por isso que ele acredita que é mais importante do que nunca celebrar as "raízes latinas".

Gloria recebe EL PAÍS nos estúdios da Sony em Nova York dias antes de seu último lançamento. Ela está acompanhada de Emilio, que escreveu várias letras, e está tão feliz como se fosse a primeira vez que ele lançasse um álbum. Enquanto ouvem as músicas no estúdio, eles batem os pés no ritmo e às vezes se olham com certa timidez. “Sim, estamos felizes”, ela dirá mais tarde. Nada menos.


Capa do álbum Raíces

Quais são suas raízes?

- Minhas raízes são asturianas. Meu avô tinha uma família grande em Pola de Siero e foi para Cuba. Os avós da minha avó também eram espanhóis, como a maioria dos cubanos. Fiquei em Cuba apenas dois anos quando nasci, mas é uma raiz muito forte. Minha mãe me incutiu isso, acho que ela engoliu José Martí . Quando chegamos aos Estados Unidos, a ideia era voltar, e era muito importante para ela manter essas raízes cubanas na música, na comida, no seu jeito de ser. E quando ele viu que não voltaríamos, ainda mais. Então na minha casa só se falava espanhol. Cresci ouvindo música cubana: Cachao, Celia Cruz, Olga Guillot, La Lupe... E também pessoas como Nat King Cole, que ia muito a Cuba e minha mãe era fã. Andy Williams, Los Panchos Trio, Javier Solís. Tudo isso são minhas raízes. Também me sinto um pouco libanesa porque convivi com Emilio por mais tempo do que sem ele e pude viver muito perto de seus pais. Então me sinto uma cidadã do mundo, estou confortável onde quer que eu vá.

Você vai pisar em Cuba novamente?

Pisei em Cuba em 1979, com Jimmy Carter. Queríamos levar o irmão do Emilio com seus dois filhos. Foi muito difícil para mim, minha mãe não queria que eu fosse. Ainda não éramos conhecidos, mas era difícil; Isso me deu uma espécie de fobia. Senti o que Emilio chama de castrofobia , em vez de claustrofobia. Comecei a sonhar que não conseguíamos sair. Gostaria de cantar em uma Cuba livre um dia, embora o sonho esteja cada vez mais distante.

O que Miami significa para você?

Miami é minha casa. Morei no exterior por alguns anos quando meu pai estava no exército americano. Os anos mais felizes da minha infância foram na Carolina do Sul, porque minha irmã mais nova, meu pai e minha mãe estavam juntos, até que ele foi para o Vietnã e voltamos para Miami com minha avó. Miami é como estar na Cuba de antigamente e na América Latina ao mesmo tempo que está nos Estados Unidos.

Já faz um tempo que você não canta em espanhol. O que o espanhol oferece que o inglês não oferece?

- É a linguagem do meu coração. Em inglês, você tem que ser mais cuidadoso porque em canções de amor, você é acusado de ser muito meloso ou de ser muito expressivo com emoções. O espanhol me dá liberdade.

Você alcançou sucesso, prêmios e dinheiro. Ele formou uma família que parece unida. Você tem uma vida perfeita?

- Não poderia pedir mais! Somos uma família normal e há coisas em toda família, mas não posso pedir mais porque vivi mais do que qualquer sonho que eu poderia ter. E sim, estamos felizes. Somos uma família que se ama e gosta uns dos outros, o que é a parte difícil.

Emilio disse recentemente ao EL PAÍS que o segredo para estar casado há 47 anos era sempre dizer sim.

- Isso é uma piada. Mas pensando bem... ele nunca disse não a nada que eu propus a ele. Temos muito respeito um pelo outro. Se é algo que tenho que encarar de frente, essa é uma decisão minha. Da mesma forma, se for algo que ele está fazendo com outro artista, a decisão é dele. Compartilhamos qualquer opinião, mas sabemos até onde o gerente irá antes de arruinar a situação do marido. Aprendemos isso ao longo dos anos.

O que significa ser latina nos Estados Unidos?

- É difícil agora e nunca foi difícil para mim. Agora estou um pouco assustado ao ver o que está acontecendo. Tenho medo pelos outros, não por mim. E eu sei pela experiência dos meus pais que você pode pensar que tudo está perfeito e, de repente, de um dia para o outro, tudo pode desmoronar.


Glória Estefan. (Crédito: Gato Rivero)

Fale sobre a experiência cubana.

- Sim, um dia eles tinham tudo e no dia seguinte...

Este é um momento chave para os Estados Unidos?

- Os americanos que vivem aqui há muito tempo não percebem o quão frágil a liberdade é. Porque isso sempre existiu, obviamente dependendo de quem você é, porque a comunidade afro-americana neste país passou e continua passando por muita coisa. E quanto aos latinos, estou acostumado com o fato de que em toda eleição, a última pessoa a entrar no país é quem paga o preço. Mas as coisas que mantiveram este país como ele é sempre estiveram lá, e agora as estamos vendo ruir, como quando alguém ignora uma ordem de um juiz. Então estou rezando muito e não assistindo muita TV.

Isso te deprime?

- Isso me preocupa e me deixa um pouco ansioso. Não gosto de como isso me faz sentir. Obviamente, fechar os olhos não é a coisa certa a fazer, e se chegasse a hora de dizer algo, eu diria.

Você nunca esteve politicamente situada nos Estados Unidos.

- Emilio e eu não somos afiliados . Não somos democratas nem republicanos. Acho que há dois partidos e todos estão no meio. Extremos são sempre o que mais ouvimos, mas a maioria das pessoas não é assim. Tenho fé neste país, tenho fé no sistema judiciário, mas temos que ter cuidado. A democracia é um ser vivo que respira e, se você não lhe der oxigênio, ela pode morrer.

Você diria algo a Trump?

- Se eu tiver algo a dizer a ele, eu direi, mas ele não me ouvirá.

O que seria?

- Meu Deus, nem quero pensar nisso!

Dizem que os Estefans criaram um império. Você é a senhora do império?

- Nenhum dos dois. Emilio ainda se sente um emigrante; toda vez que vamos a um hotel, ele leva seus chinelos. Ele não percebe o que fez, nem pensa sobre isso.

A Sony rejeitou a música Conga sete vezes e sete anos depois Emilio era presidente da Sony Latino. Como você faz isso?

- Bem, nós os convencemos. Tivemos muito sucesso. Emilio começou a fazer discos, levou Ricky Martin ao Grammy e houve uma explosão. Tommy Mottola é um homem muito inteligente e sabia que havia pessoas vindo para Emilio para fazer produções. Shakira chegou com seu primeiro álbum e eu disse a ela: 'Shaki, você pode atravessar o oceano.' E para mostrar a ele como isso poderia funcionar em inglês, escrevi Eyes Like That, You e Inevitable . Shakira é superinteligente e criativa, e ela imediatamente se recompôs, começou a aprender e a compor em inglês.

Shakira, Karol G, Bad Bunny... são eles os pais do boom latino?

- Tenho muito orgulho deles. Obviamente eles têm um estilo de música diferente, mas isso não tem nada a ver: eles são latinos. Quando vi Bad Bunny no Saturday Night Live fiquei muito feliz porque isso não teria acontecido antes.

Você gosta de reggaeton?

- Há algumas que são, há outras que são muito gráficas. Para mim, a música inspira e faz você se sentir feliz, mas existe a liberdade de expressão do artista. Eu venho de um mundo que vivia em duplo sentido, em Cuba tudo era duplo sentido. Falo muito claramente, mas também é preciso haver romance na vida. Tem um reggaeton que eu adoro e que é divertido, mas tem um que é um pouco forte para mim.

Inés Santaeulalia, a autora e editora desta entrevista, é chefe do escritório do EL PAÍS nos EUA, tendo sido anteriormente responsável pela Colômbia, Venezuela e região andina. Ele começou sua carreira no jornal em 2011, no México, onde fez parte da equipe que fundou o EL PAÍS América. Em Madri, trabalhou nas seções Nacional e Internacional e como artista de capa do site. Texto publicada no EL PAÍS, em 28.05.25 (atualizado em 29.05.25)

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Lula escolhe desembargador Carlos Brandão, do TRF-1, para vaga no STJ

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escolheu nesta terça-feira (27/5) o desembargador Carlos Brandão, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, para ser ministro do Superior Tribunal de Justiça

A escolha será publicada no Diário Oficial da União desta quarta-feira (28/5), mas Brandão terá de se submeter a sabatina no Senado antes de ser nomeado. Se for aprovado pelos senadores, ele vai ocupar a cadeira deixada vaga pela aposentadoria da ministra Assusete Magalhães, em janeiro de 2024.

Brandão se credenciou ao cargo ao integrar uma lista tríplice com membros da Justiça Federal. Ele concorreu com as desembargadoras Daniele Maranhão e Marisa Santos, também do TRF-1.

No STJ, o magistrado pode fazer parte de alguma das turmas criminais — as vagas estão na 5ª e 6ª Turmas, que se dedicam ao tema. Se for aprovado pelo Senado, ele terá o direito de escolha. E, se optar pela 5ª Turma, assumirá a relatoria dos caso da “lava jato” de Curitiba.

Há ainda outra vaga aberta na corte, para a qual Lula não fez sua escolha. Ela decorre da aposentadoria da ministra Laurita Vaz e será ocupada por um membro do Ministério Público.

Os candidatos são: Sammy Barbosa, do Ministério Público do Acre; Marluce Caldas, do MP de Alagoas; e Carlos Frederico, do Ministério Público Federal.

Demora na escolha

Brandão foi escolhido mais de sete meses depois da formação da lista tríplice pelo Pleno do STJ. A demora se deveu a uma série de intercorrências políticas, enquanto os candidatos batalhavam nos bastidores por apoio de autoridades.

O desembargador não é um estranho na corrida por vagas no STJ — em 2022, bateu na trave e quase entrou na lista tríplice. Desta vez, apareceu com força desde o princípio e foi o primeiro escolhido pelo Plenário do STJ.

O fato de Brandão concorrer com duas mulheres foi uma questão relevante no processo de escolha de Lula, que vinha sendo criticado pela escolha recente de homens para vagas no Judiciário e no governo.

Embora a escolha de Brandão dê mais munição para os críticos do presidente, na prática ela não reduz o número de mulheres no STJ porque a ministra Daniela Teixeira, escolhida em 2023, substituiu um homem, o ministro Felix Fischer.

Quem é Carlos Brandão

Natural de Teresina, Carlos Brandão se formou em Engenharia Elétrica pela UFMG (1986) antes de se tornar bacharel em Direito pela UPFI, em 1993. Fez especialização na Universidade Zaragoza (2015), na Espanha, e é doutor em Ciências Jurídicas pela UFPB (2019).

Ele foi advogado da União, promotor de Justiça no Piauí (1996) e ingressou na magistratura federal em 1997. Em 2015, foi empossado desembargador do TRF-1, no qual presidiu a Comissão de Jurisprudência e de Gestão de Precedentes e coordenou os Juizados Especiais Federais.

Publicado originalmente pelo Consultor Juridico, em 27 de maio de 2025, às 20h21

Temos que confrontar os Estados Unidos de Trump

A Europa deve responder decisivamente à guerra comercial, buscar soberania estratégica em defesa e alta tecnologia e estender a mão a países com ideias semelhantes e ao sul global.

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante uma visita a uma base americana em Doha, Catar, na quinta-feira. (Brian Snyder - REUTERS)

Em 2 de maio, o Escritório Federal Alemão para a Proteção da Constituição determinou que a Alternativa para a Alemanha (AfD) atende aos requisitos para classificação como um partido de extrema direita . Em resposta, Marco Rubio (Secretário de Estado do presidente dos EUA, Donald Trump) defendeu a AfD e denunciou a decisão como um ato de "tirania secreta".

Assim como o discurso do vice-presidente dos EUA, JD Vance, em fevereiro, na Conferência de Segurança de Munique e o apoio veemente e repetido de Elon Musk à extrema direita europeia, esses ataques confirmam que os Estados Unidos não são mais um aliado da Europa, mas se tornaram seu adversário.

Trump não apenas sinalizou sua disposição de deixar a Ucrânia à mercê da Rússia, mas também está buscando abertamente destruir o modelo social, ecológico, econômico e democrático da Europa.

O objetivo de Trump é criar uma ordem mundial autoritária e antiliberal. Ele quer desmantelar o estado democrático do seu país; forjar alianças transacionais com os principais regimes iliberais do mundo e criar uma fortaleza americana inexpugnável ao estabelecer a soberania dos EUA sobre o Canadá, a Groenlândia e o Canal do Panamá. E para isso, ele não descarta o uso da força.

A queda da Ucrânia na órbita da Rússia não é problema para ele, porque ele acolhe o retorno a um mundo de grandes potências com "esferas de interesse". Todos esses objetivos representam desafios geopolíticos, econômicos e de segurança para a Europa.

Alguns europeus se apegam à esperança de que essa ruptura nas relações transatlânticas seja temporária e que as eleições legislativas de 2026 ou as eleições presidenciais de 2028 resolverão a situação. Mas seria muito arriscado basear a estratégia europeia nessa ideia.

Qualquer timidez na resposta da Europa à agressão de Trump só o encorajará. Assim como o presidente russo Vladimir Putin, Trump acredita apenas na luta pelo poder e na lei do mais forte.

Além disso, a capacidade de Trump de inclinar permanentemente os Estados Unidos em direção à autocracia (o oposto dos valores europeus) é maior do que muitos pensavam. Na verdade, estamos testemunhando uma rápida putinização da política americana.

O antieuropeísmo do governo Trump não surge do nada. Os Estados Unidos há muito tempo têm os olhos postos na Ásia e vêm tentando se distanciar da Europa. Isso foi demonstrado pelas decisões do presidente Barack Obama de não resistir firmemente à invasão da Crimeia pela Rússia em 2014 e de não impor a "linha vermelha" que ele mesmo havia traçado quando o presidente sírio Bashar al-Assad usou gás venenoso contra os cidadãos de seu país .

Embora o apoio dos EUA à Ucrânia durante a presidência de Joe Biden tenha interrompido essa tendência, foi insuficiente comparado ao que a situação exigia. E estava claro que a desconexão da Europa continuaria depois dele. Muito antes da reeleição de Trump em novembro do ano passado, eu já havia chegado à conclusão de que Biden seria, com toda a probabilidade, o último presidente americano verdadeiramente atlantista. Para muitos americanos, a OTAN é cada vez mais vista como um resquício de tempos passados.

O que a Europa pode fazer? Primeiro, precisamos responder decisivamente à guerra comercial de Trump e não ceder à sua extorsão sobre nossa regulamentação de empresas de megatecnologia. Temos, de fato, uma dependência perigosa dos Estados Unidos quando se trata de tecnologia digital. Isso precisa mudar: precisamos tentar reduzir os riscos, como fazemos com a China. Mas os Estados Unidos também dependem da Europa. A União Europeia ainda é responsável por um quinto do consumo global e está se tornando cada vez mais importante para empresas americanas que enfrentam a perda de acesso ao mercado chinês.

Em segundo lugar, a Europa deve buscar incansavelmente a soberania estratégica nas áreas de defesa e alta tecnologia. Há muitos relatórios sobre o que precisa ser feito. Os investimentos necessários exigirão uma quantidade significativa de recursos e, consequentemente, novas emissões de dívida pan-europeia. (Ao contrário do fundo NextGenerationEU, o pagamento da dívida deve ser garantido com novos recursos de toda a UE.)

Terceiro, precisamos nos aproximar de outros países com ideias semelhantes que sofreram com a agressão de Trump: Japão, Coreia do Sul, Canadá e Austrália. As vitórias de Mark Carney e Anthony Albanese no Canadá e na Austrália , respectivamente, demonstram que o Ocidente não se renderá ao novo iliberalismo. Precisamos criar um G-6 (um G-7 sem os Estados Unidos) e construir uma arquitetura de defesa totalmente europeia que inclua países como o Reino Unido e a Noruega.

Quarto, precisamos nos aproximar do Sul Global para aliviar a pressão de Trump e Putin e preservar o multilateralismo. Mas isso exigirá mudanças significativas. Teremos que nos afastar das políticas migratórias baseadas na ideia de uma Europa fortificada e da permissividade que demonstramos em relação ao governo de extrema direita do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Ao tolerar o intolerável em Gaza, perdemos grande parte da nossa autoridade moral.

É realista declarar a independência da Europa dos Estados Unidos? Após oito décadas de estreita aliança, é compreensível que os europeus tenham dificuldade em se acostumar com um presidente americano que age como um ditador russo. As mudanças necessárias, sem dúvida, encontrarão resistência de alguns países da UE que estão politicamente alinhados com o trumpismo.

Também será difícil para a Comissão Europeia, que nos últimos anos tem demonstrado uma tendência sistemática (e até certo ponto negligente) de se alinhar aos Estados Unidos em todas as questões. Felizmente, as declarações recentes do novo chanceler alemão, Friedrich Merz , sugerem que um dos países mais tradicionalmente atlantistas da Europa entende o novo desafio que enfrentamos.

O Partido Popular Europeu e suas forças nacionais constituintes também devem parar de tentar obter favores de populistas de extrema direita que estão totalmente alinhados com Trump e Putin. Os partidos europeus de centro-direita precisam retornar às alianças tradicionais com os sociais-democratas, os liberais e os verdes para formar uma frente unida contra Trump.

Tornar a Europa independente dos Estados Unidos não será fácil. Mas se não agirmos agora e de forma decisiva, um futuro terrível pairará sobre nosso modelo social e democrático.

Josep Borrell, o autor deste rtigo, foi Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Vice-Presidente da Comissão Europeia, Presidente do Parlamento Europeu e Ministro dos Negócios Estrangeiros da Espanha. Presidente da Cidob. Publicado originalmente por EL PAÍS, em 15.05.25.