sábado, 31 de maio de 2025

Riscos do populismo judicial

Judiciário compromissado com a Constituição é essencial para o funcionamento da democracia

Propaganda eleitoral na Cidade do México - Henry Romero/Reuters

Neste domingo (1°), os mexicanos irão às urnas para eleger cerca de 900 juízes federais, 1.800 estaduais e locais, além dos nove membros da Suprema Corte. Essa é a primeira fase de um processo que busca substituir todos os atuais magistrados mexicanos por juízes eleitos.

Esse experimento inusitado é decorrência de uma ampla reforma constitucional promovida pelo então presidente López Obrador, sob o argumento de que o Judiciário mexicano era elitista, corrupto, inoperante e cercado de privilégios, sendo necessário democratizá-lo.

É inevitável olhar para esse processo dentro do contexto mais amplo da ascensão de populistas ao poder. Embora a literatura esteja correta ao apontar para a multiplicidade de populismos —mais ou menos inclusivos, mais ou menos autoritários, mais à esquerda ou à direita—, o fato é que governos e líderes populistas, que se apresentam como única e autêntica expressão da vontade popular, têm demonstrado enorme dificuldade de lidar com os limites que lhe são impostos pelo sistema de Justiça.

Duas mulheres descem uma escada com corrimão verde. Na escada, há um grande banner rosa com a inscrição "1 de Junho" e a palavra "¡Chila!". Ao fundo, é possível ver uma rua com um carro passando e árvores ao redor.

O caso do México não é diferente. Após ver frustradas pela Supremo Corte suas intenções de militarizar a segurança pública, fragilizar a autoridade eleitoral autônoma e subordinar a Justiça, Lopéz Obrador conseguiu maioria expressiva no Parlamento, dominado por seu partido, para aprovar o seu modelo de Justiça democrática.

Na cartilha do neopopulismo, subjugar o Judiciário é uma condição necessária para que as demais reformas possam se realizar sem resistências ou solavancos. Tem sido assim em todos os países onde a democracia constitucional entrou em processo de erosão.

Os métodos de subordinação variam. Na Turquia, cerca de 2.700 juízes e promotores foram presos pelas forças de Erdogan em 2016. No mais das vezes o método de subordinação é mais cirúrgico, com a intimidação ou afastamento exemplar de alguns membros de cortes superiores ou restrições de suas competências.

As tentativas de silenciamento judicial, no entanto, normalmente são precedidas de processos de demonização e deslegitimação. Basta olhar para a reação de membros do governo norte-americano às decisões judiciais suspendendo inúmeras medidas de constitucionalidade duvidosa; ou, no Brasil, os ataques ao Supremo, que culminaram na invasão e depredação de sua sede.

Um homem está carregando várias placas brancas com a inscrição "EL VOTO ES LIBRE Y SECRETO". Ele usa óculos e uma camisa de manga longa com padrão xadrez. Ao fundo, há uma área verde e uma colina. O céu está claro e a cena parece ser ao ar livre.

O que surpreende no caso mexicano é a radicalidade do modelo adotado. Há, em primeiro lugar, um temor real da prevalência de candidatos apoiados pelo partido de Obrador, bem como pelos cartéis de drogas, que dominam diversas regiões do país. De outro lado, há o risco de que um Judiciário populista seja mais fiel ao clamor popular do que à lei e à Constituição.

Em muitos países, como o Brasil, o Judiciário também tem enormes problemas. Quando não se emendam, tornam-se presas fáceis de populistas. Daí a necessidade de reformas que aumentem a imparcialidade, a eficiência e a transparência na aplicação da lei, assim como reformas que aumentem a diversidade e reduzam privilégios inaceitáveis do estamento judicial.

Um Judiciário independente e compromissado com a Constituição e a lei é uma peça essencial para o bom funcionamento da democracia, a paz social e o próprio desenvolvimento econômico. O exemplo do México é um alerta para a necessidade de qualificação dos sistemas de Justiça, pois, como diz o ditado, nada é tão ruim que não possa piorar.

..................................

Escrevo essa coluna em memória do grande editor e amigo Pedro Paulo Poppovic.

..................................

Oscar Vilhena Vieira, o autor deste artigo, é Professor da Fundação GetúlioVargas (FGV Direito SP), mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023). Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 31.05.25

Nenhum comentário: