quinta-feira, 29 de maio de 2025

É isto o Senado?

Ao tentar humilhar Marina Silva, senadores revelam incivilidade e desconhecimento diante de uma ministra altiva e preparada para enfrentá-los mesmo sem o apoio do governo Lula da Silva

O espetáculo ultrajante a que a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi submetida na terça-feira passada na Comissão de Serviços de Infraestrutura certamente entrará para os anais como um dos momentos mais abjetos da história do Senado. Arquitetada para humilhar a ministra, a audiência pública expôs a incivilidade e o despreparo dos senadores acuados pelas respostas fundamentadas de Marina e a covardia do governo Lula da Silva, que a deixou sozinha em uma cova de leões.

Quem teve estômago para assistir às mais de três horas da reunião pôde conferir a altivez que a ministra demonstrou perante os senadores. Pouco se falou sobre a criação de unidades de conservação na Margem Equatorial, oficialmente o motivo pelo qual Marina foi convidada a comparecer à comissão. A intenção, como ficou claro, era atribuir-lhe toda a culpa pelo subdesenvolvimento dos Estados da Região Norte do País.

Autor do requerimento para ouvir a ministra, o senador Lucas Barreto (PSD-AP) queria saber se as quatro unidades de conservação que serão criadas na região iriam inviabilizar a exploração de petróleo no local. De maneira clara, a ministra respondeu que o processo de criação dessas reservas remonta a 2005, ou seja, não é um pretexto para impedir a Petrobras de atuar na região.

“Pois eu posso lhe dizer que, no processo de criação, já está estabelecido que oleoduto, gasoduto, portos, o que tiver que fazer, já está dito no próprio processo, e isso não será impeditivo”, explicou Marina, ressalvando que esses empreendimentos, como qualquer outro em qualquer região do País, precisam de licença ambiental.

Dúvida esclarecida, a ministra permaneceu à disposição da comissão para debater outros temas, e foi aí que os senadores rasgaram a fantasia. Vendo que Marina respondia a cada pergunta dos senadores munida de informações e dados, o presidente da comissão, Marcos Rogério (PL-RO), mudou a dinâmica para privilegiar o bate-boca. Era previsível que um empedernido bolsonarista fosse fazer de tudo para interditar um debate civilizado, mas é surpreendente que senadores da base do governo tenham compactuado com o ardil.

Agindo como um inquisidor, o mais vocal deles, senador Omar Aziz (PSD-AM), tentou imputar à ministra a responsabilidade pela falta de pavimentação de um trecho da BR-319, entre Manaus e Porto Velho. Sem vestir a carapuça, a ministra lembrou que deixou a pasta em 2008 e voltou a assumi-la somente em 2023, intervalo mais que suficiente para asfaltar a rodovia se o único impedimento à obra fosse a ministra. “Por que não fizeram?”, questionou.

Sem resposta a um fato incontestável, Aziz perdeu a razão e acusou a ministra de estar “atrapalhando o desenvolvimento do País”. Mas tão ou mais eloquente quanto o agastado senador amazonense foram a inação do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a ausência do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e o silêncio do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), coroados pela ligação envergonhada de Lula da Silva em solidariedade à ministra.

De fato, a cereja do bolo foi a declaração do senador Plínio Valério (PSDB-AM), que, antes de fazer qualquer pergunta, disse respeitar apenas a mulher, e não a ministra, agregando machismo e misoginia a uma sessão que já primava pela infâmia. Mas o grand finale foi protagonizado pelo senador Marcos Rogério, que já havia silenciado o microfone da ministra a pretexto de impedi-la de fazer “discurso” e ainda teve a audácia de cobrar de Marina que se pusesse “em seu lugar”. Como nada estava em seu lugar, fez bem a ministra ao levantar-se e deixar a sessão.

Não é segredo para ninguém que a maioria dos senadores, inclusive governistas, discorda da visão de Marina sobre a importância da proteção do meio ambiente para o desenvolvimento do País, mas isso não é desculpa para emboscar covardemente uma ministra de Estado. Quem precisa se colocar “em seu lugar” é o Senado, que nasceu para ser a Casa da estabilidade na República e que hoje corre o risco de se transformar em valhacouto de arruaceiros.

Editorial \ Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 29.05.25

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