terça-feira, 14 de junho de 2022

Zelenski diz que Ucrânia vai recuperar o Donbass e a Crimeia

Presidente ucraniano afirma que a ofensiva russa no leste começou a perder força e que as tropas do seu país vão recuperar todo o território perdido para Moscou.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, afirmou nesta segunda-feira (14/06) que a ofensiva russa no Donbass começou a perder força e que as tropas ucranianas vão recuperar não só a região como também a península da Crimeia.

"Diga a todos os habitantes da região do Donbass que ainda são forçados a ver bandeiras russas em nossa terra ucraniana. Diga a eles que o Exército ucraniano os libertará", prometeu o presidente.

Em seu habitual discurso noturno em vídeo, ele enfatizou que "é claro que eles também libertarão a Crimeia", acrescentando: "A bandeira ucraniana voará mais uma vez sobre Yalta e Sudak, sobre Dzhankoi e Yevpatoria. E que todos os funcionários russos que apreenderam terras preciosas na Crimeia se lembrem: nesta terra eles não terão paz."

Os militares russos ocuparam a península do Mar Negro em 2014, quando a Ucrânia estava enfraquecida após uma mudança de poder e não conseguiu oferecer resistência. Depois, foi realizado um referendo, que não é internacionalmente reconhecido, e a Crimeia foi anexada à Rússia. Zelenski sempre defendeu o retorno da península a seu país, mas raramente afirmou isso com tanta ênfase como um objetivo de guerra.

Zelenski também frisou que "dúzias de tentativas de ataque do Exército russo já foram frustradas ali mesmo, no sul. E graças à contraofensiva, algumas comunidades da região de Kherson já foram libertadas".

O presidente ucraniano afirmou ainda que "nas batalhas no Donbass, o Exército ucraniano e a inteligência ucraniana continuam a derrotar taticamente os militares russos".

Apelo a Scholz 

Em entrevista também nesta segunda-feira ao canal estatal de TV alemão ZDF, Zelenski descartou a realização de negociações de paz com a Rússia até que Moscou "esteja pronta para acabar com a guerra".

"Não temos tempo para conversas que não funcionam", explicou. "Estamos em nosso território. Esta é a nossa cidade", disse ele, antes de acrescentar que "tudo estará perdido se a guerra contra a Rússia for perdida".

O presidente ucraniano pediu que o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, não mantenha "uma equidistância entre a Ucrânia e a Rússia" e pediu "uma postura mais dura" em relação a Moscou, "mesmo que prejudique a economia alemã".

Ele também defendeu a possibilidade de Scholz fazer uma visita oficial à Ucrânia e sublinhou que os Estados Unidos, o Reino Unido, a Eslováquia e a Polônia "foram os primeiros países a dar ajuda", enquanto a França e a Alemanha deram apoio retórico e político, sem inicialmente entregar armas. "No início da guerra não precisávamos de política, precisávamos de ajuda", concluiu Zelenski.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 14.06.22 - md/lf (DPA, EFE)

Artigo de Sarney: a Casa, o Bem de Família

Faltou aos deputados a sensibilidade de imaginar as repercussões para os mais pobres, sobretudo num momento tão difícil para nosso País.

Ao longo da História da Humanidade a casa — o espaço pessoal de uma família, fosse de pedra ou de couro, fixo ou móvel — sempre teve um caráter de refúgio, desde para o visitante, acolhido com o que se tinha de melhor, até à garantia de sua inviolabilidade. A Constituição acolheu esse princípio, estabelecendo que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador”.

O que me levou a fazer política foi a ideia de que a sociedade só se sustenta — o Estado só é viável — se houver justiça social. Para isso eu sabia que tinha que conhecer a vida das pessoas mais humildes; e, graças a Deus, nunca me afastei delas. Testemunhei pessoalmente os seus problemas, desde a falta de trabalho para ter o pão de cada dia, até o problema de como sobreviver sem ele, o pão nosso — e é como um golpe no peito que ouço que 33 milhões de brasileiros estão passando fome.

Vi assim como era importante para os que tinham uma casa, muitas vezes minúscula, a segurança de ali poderem viver, se refugiar, se reunir, ser feliz ou sofrer junto aos seus. E a tragédia que era quando a perdiam, muitas vezes postos fora por dívidas reais ou presumidas.

Então, quando Presidente da República, instituí a regra da impenhorabilidade da casa própria, da residência da família. Acrescentei ainda como impenhoráveis salários, bens de trabalho e as pequenas propriedades autossustentáveis — uma lembrança dos Homestead Acts, que Lincoln e outros líderes americanos fizeram a partir de 1841, que subsistem hoje como um modo de vida em cumplicidade com a natureza.

Perdi a conta do número de vezes que alguém me agradeceu por ter evitado assim que perdesse seu bem de família. Tendo me mantido na política ainda por muitos anos, tive ocasião de defender o princípio com as armas da ação parlamentar, levantando a voz para evitar qualquer tentativa de regredirmos ao capitalismo selvagem.

Foi com enorme surpresa, por isso, que vi a notícia de que a Câmara dos Deputados aprovou, silenciosamente e de maneira inacreditável, projeto de lei — o PL 4188/21 — criando um “marco legal de garantia de empréstimos”, isto é, protegendo os que têm dinheiro para emprestar em detrimento dos que precisam do dinheiro para viver. Faltou aos deputados a sensibilidade de imaginar as repercussões para os mais pobres, sobretudo num momento tão difícil para nosso País.

Para tomar a casa das pessoas, o governo propôs que sejam criadas umas tais de “IGGs”, instituições gestoras de garantias, aumentando o difícil caminho para se chegar aos empréstimos sob o pretexto de dar maior segurança aos credores. A notícia da Agência Câmara descreve singelamente uma coisa tão feia: “Quanto ao único imóvel da família, o texto aprovado muda a lei sobre a impenhorabilidade de imóvel (Lei 8.009/90) para permitir essa penhora em qualquer situação na qual o imóvel foi dado como garantia real, independentemente da obrigação garantida ou da destinação dos recursos obtidos, mesmo quando a dívida for de terceiro (um pai garantindo uma dívida do filho com o único imóvel que possui).”

Debatendo uma dessas tentativas de acabar com a impenhorabilidade da casa própria, há alguns anos, lembrei o Sermão dos Peixes, feito pelo Padre Vieira. Ele diz aos peixes que eles têm um grande defeito, que é os peixes grandes comerem os pequenos. Se os pequenos comessem os grandes, bastava um grande para alimentar muitos pequenos. Mas, como o grande come os pequenos, milhares e milhares de pequenos são devorados pelos grandes.

Assim seria com essa lei, se fosse aprovada: com ela se beneficiariam os que penhoram casas, aqueles peixes grandes que comem os peixes pequenos. Tendo sido senador por 40 anos, apelo ao Senado que examine a gravidade do assunto, com confiança de que jamais deixará passar esse projeto, tão prejudicial ao nosso povo.

José Sarney, o autor deste artigo, foi Deputado Federal, Governador do Maranhão, Senador e Presidente da República. 

Saída à francesa?

A alta rejeição à polarização Lula-Bolsonaro pode gerar surpresas nas eleições de 2022


No Brasil, partidos fora da polarização Lula-Bolsonaro montaram uma chapa liderada pela senadora Simone Tebet, que mostra potencial de crescimento nas pesquisas Foto: JF Diorio/Estadão

Há cinco anos, um candidato desconhecido conseguiu surpreender o mundo ao vencer as eleições para a presidência da França. Esse candidato nunca havia sido eleito para qualquer cargo eletivo, não dispunha de um aparato partidário e lançou sua candidatura apenas quatro meses antes das eleições, o que fazia dele um azarão e improvável vencedor.

O mercado eleitoral já estava muito congestionado, com pelo menos quatro candidaturas aparentemente mais competitivas. O “Parti Socialiste” havia escolhido Benoît Hamon com uma plataforma considerada de esquerda radical. Ainda mais à esquerda, havia a candidatura de Jean-Luc Mélenchon, pelo movimento “La France Insoumise”. A centro-direita havia escolhido o ex-primeiro ministro François Fillon pelo partido “Les Républicains”. Já a extrema-direita foi ocupada por Marine Le Pen pelo então “Ressemblement Nacional”.

Embora Emmanuel Macron tivesse sido ministro da economia do governo socialista de François Hollande, ele concorreu pelo movimento de centro, “En Marche”, que ele mesmo definia como não sendo nem de esquerda nem de direita, em alternativa à intensa polarização política na França. Macron foi eleito em segundo turno com uma esmagadora vitória, alcançando 66,1% dos votos contra 33,90% de Le Pen.

No Brasil, partidos fora da polarização Lula-Bolsonaro montaram uma chapa liderada pela senadora Simone Tebet, que mostra potencial de crescimento nas pesquisas

No Brasil, partidos fora da polarização Lula-Bolsonaro montaram uma chapa liderada pela senadora Simone Tebet, que mostra potencial de crescimento nas pesquisas Foto: JF Diorio/Estadão

No Brasil, os partidos do chamado “centro democrático” finalmente conseguiram se coordenar e montar uma chapa liderada pelos senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) para disputar a presidência como alternativa às candidaturas afetivamente polares de Lula e de Bolsonaro.

De acordo com a última pesquisa do Ipespe (01/06/22), o potencial de voto de Simone seria de 32%: a soma dos 7% dos eleitores que indicaram que votariam nela com certeza e 25% que sinalizaram que poderiam votar na senadora. Além do mais, a sua rejeição é consideravelmente menor (31%) quando comparada com os 43%, 59% e 40% que não votariam de jeito nenhum em Lula, Bolsonaro e Ciro, respectivamente. A pesquisa também indica que 36% dos eleitores não conhecem Simone o suficiente, o que sugere um potencial de crescimento.

Pesquisa Genial/Quaest de junho/2022 indica que 42% dos eleitores ainda estão indecisos sobre em quem votar e que 35% de eleitores podem ainda mudar seu voto (23% em Lula, 71% nem Lula nem Bolsonaro e 28% em Bolsonaro). Simone é a segunda opção de voto entre 26% dos eleitores de Lula, 9% dos de Bolsonaro, 19% de Ciro e 14% de indecisos.

É difícil prever se o Brasil terá um fenômeno Macron em 2022. Mas, se tiver, tudo indica que será uma mulher.

 Carlos Pereira, o autor deste artigo, é cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 13.06.22.

Simone Tebet: ‘Eu e Ciro estamos no mesmo lado da história’

Pré-candidata à Presidência pelo MDB diz que pretende abrir diálogo com demais nomes do centro político e afirma que é contrária à privatização da Petrobras

Reunião do PSDB que selou apoio a Simone Tebet; Tasso deve ser vice em chapa  

Após consolidar seu nome no MDB e conseguir o apoio do PSDB e do Cidadania para sua pré-candidatura presidencial, a senadora Simone Tebet (MS), de 52 anos, pretende agora abrir canais de diálogo com os demais nomes do centro político. A senadora emedebista vê espaço para uma aproximação com Ciro Gomes, pré-candidato do PDT. “No momento certo essa conversa tem que acontecer e vai acontecer. Estamos no mesmo lado da história. Essa conversa é necessária”, afirmou em entrevista ao Estadão.

Simone se diz ciente do desafio de tornar seu nome conhecido do eleitorado. Ela minimiza as resistências regionais no MDB a seu nome – em vários Estados, os candidatos locais devem se alinhar às candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL) – diz confiar numa decisão tardia do eleitorado.

“Não quero palanque exclusivo. Quero espaço de fala”, afirmou. “Essa é uma eleição de dois rejeitados e que tem uma franja muito grande de eleitores que buscam alternativa.”

Simone disse ainda que, se for eleita, um dos primeiros atos de seu governo será, por decreto, “rever qualquer avanço de porte de armas”. Além disso, a senadora se diz contrária à privatização da Petrobras e afirma que o governo tenta intervir de forma equivocada na empresa. “Tem muitas outras estatais para serem privatizadas.” A seguir os principais trechos da entrevista:

Acredita que é possível concentrar mais o centro? Pretende procurar os outros pré-candidatos desse campo?

Na segunda-feira (dia 13) os presidentes dos partidos vão se reunir para discutir essa agenda. Agora não falo mais só pelo MDB, mas sou também o PSDB e o Cidadania. Sou o centro democrático. Os presidentes dos partidos têm autonomia para conversar com os partidos que não têm pré-candidato e em seguida com os que têm.

Mas acha possível reduzir o número de candidaturas e concentrar forças em uma só?

Acredito que sim. As convenções estão distantes, só começam no dia 20 de julho. São 45 dias. Em menos de 15 dias um pré-candidato mudou de partido, outro abriu mão e o meu nome foi escolhido no centro democrático. Saímos de três pré-candidaturas fortes, com Sérgio Moro, João Doria e Simone, e hoje temos uma.

Pretende abrir um canal de diálogo com Ciro Gomes (PDT) na campanha?

Da minha parte, sem dúvida estou aberta para conversar com o Ciro. Nós dois sempre nos falamos por zap. Me dou muito bem com o irmão dele (o senador Cid Gomes) também. No momento certo essa conversa tem que acontecer e vai acontecer. Estamos no mesmo lado da história. Essa conversa é necessária. Em que sentido, o tempo vai dizer. Hoje o centro democrático tem candidatura própria. Respeito o Ciro, que não abre mão da candidatura. Mas política é diálogo.

Por que sra. coloca a sua candidatura como sendo o ‘centro democrático’? E os demais nomes desse campo?

O União Brasil estava, mas achou melhor caminhar paralelo, e eu respeito. No centro, nós temos três partidos, e não quaisquer partidos. Eu pertenço ao maior partido do Brasil. O PSDB já governou o País e sempre esteve no caminho do centro democrático. O centro democrático está apresentando através do meu nome. E o Cidadania, com a história do Roberto Freire.

A sra. vai tolerar traições políticas na campanha nos Estados onde o MDB é alinhado com Lula ou Bolsonaro?

O MDB sempre respeitou os palanques regionais. O PSDB, como um partido democrático que é, também entende que é preciso respeitar. Essa é uma eleição em que o apoio do partido, com o tempo de rádio e TV e a estrutura, nos dá capacidade de crescer. O MDB tem 2 milhões de filiados, e eles estão às margens dos palanques regionais. O crescimento vai fazer com que a gente atraia os palanques. A democracia é a liberdade de escolha. Não quero palanque exclusivo. Quero espaço de fala. Sempre tive que empurrar portas. As coisas não me vieram fácil para eu achar que alguém pode me carregar. Não vou prejudicar qualquer projeto de companheiros. A política é uma via de duas mãos. Em alguns Estados terei dois palanques, em outros vou ter que dividir com outros pré-candidatos.

Mas em muitos casos o palanque local vem acompanhado da retaguarda da máquina do governo…

Que expectativa tem em relação ao seu desempenho nas pesquisas?

O crescimento será proporcional à queda do desconhecimento em relação ao meu nome. Essa é uma eleição de dois rejeitados e que tem uma franja muito grande de eleitores que buscam alternativa. Não é questão de quando, ou se é antes ou depois da convenção. (O crescimento nas pesquisas) pode acontecer antes ou depois. Vai haver um crescimento rápido a partir do momento em que as pessoas se interessarem pela eleição.

As pesquisas mostram que grande parte do eleitorado decide o voto mais tarde. Em 2018 foram 46%, segundo dados de pesquisa da época. A sra. conta com esse ‘voto volátil’ na reta final?

É muito mais fácil romper essa barreira e alcançar esse eleitor. Ele não está decidido pelo sim, mas pelo não. Esse é o diferencial dessa eleição que me dá certeza que posso chegar ao 2° turno.

O horário eleitoral na TV nesta eleição será decisivo?

Será muito importante. Engana-se quem pensa que a população não está preocupada com a eleição.

Luciano Huck publicou um artigo no ‘Estadão’ no qual apresentou propostas para o Brasil elaboradas pelo grupo dele e defendeu o diálogo. Esse diálogo já existe?

Existe. Eu tenho um carinho muito grande pelo Luciano Huck. Estivemos juntos em algumas ocasiões. Ele tem um compromisso social muito forte. Li a matéria e concordo com grande parte das propostas apresentadas. Não é muito diferente dos programas que estão no nosso plano de governo. Nossa candidatura vai ganhar musculatura porque tem a capacidade de ouvir. Não vamos entregar o prato pronto.

O alinhamento da terceira via é possível no 2° turno, caso se confirme a polarização?

O meu calendário político só tem uma data: o 1° turno. Estou convicta de que temos condições de chegar ao 2° turno, apesar do tempo estar ficando menor. Há sete ou oito meses eram oito pré-candidatos, hoje são praticamente dois. Não tem porque discutir segundo turno.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) será seu candidato a vice?

Nós confiamos demais no PSDB e sabemos que ele vai entregar o melhor nome para o centro democrático. O PSDB tem valorosos nomes. Minha ligação com o Tasso é umbilical. Tenho uma história de vida com ele. Começou com meu pai e depois fomos colegas no Senado por sete anos. Mas a escolha é do PSDB.

Minha ligação com o Tasso é umbilical. Tenho uma história de vida com ele. Começou com meu pai e depois fomos colegas no Senado por sete anos. Mas a escolha (do vice) é do PSDB.”

O teto de gastos foi criticado por Lula. Como a sra vai tratar esse tema se for eleita?

É um grande equívoco (criticar o teto de gastos) de quem não está entendendo a realidade do Brasil. Se você não tem limite para a gastança pública, o dinheiro do povo será usado para benefícios próprios. Se não fosse o teto de gastos, de quanto seria o orçamento secreto no Brasil? Quanto seria a conta para se pagar no ano que vem nos currais eleitorais?

E a reforma trabalhista, qual será a sua posição caso seja eleita?

Não podemos retroceder na reforma trabalhista, mas pactuar com algumas categorias. Não dá para olhar para trás. É hora de falar de reforma tributária e uma reforma administrativa que seja a favor do serviço público.

A sra. mudaria a legislação sobre o porte de armas, que é uma bandeira do bolsonarismo?

Se eu for eleita, um dos primeiros atos será por decreto rever qualquer avanço de porte de armas. Determinados temas são tão complexos que não pode prevalecer a vontade pessoal de um único governante. Sou contra o porte de armas no Brasil. Votei a favor do porte de armas na zona rural, pelas mulheres. A mulher fica sozinha na sede enquanto o marido vai trabalhar e não tem como proteger seu filho.

A sra. vai reduzir o espaço das Forças Armadas no governo se for eleita?

Isso é besteira. Não é esse o problema do Brasil. As Forças Armadas são uma instituição tão importante para a democracia quanto o Congresso Nacional. O problema não está na militarização da política. Os militares nos ajudam a governar como sempre ajudaram. O problema está na politização da polícia.

O que acha da ideia de privatizar a Petrobras? O que deve ser privatizado no Brasil?

Sou a favor das privatizações desde que elas tenham um fim social. Houve um momento em que se privatizou para pagar dívida. Isso passou. Temos mais 40 estatais. Mas sou contra a privatização da Petrobras. Podem haver subsidiárias e setores da Petrobras privatizados, como já tem. Mas neste momento em que mesmo estatal ela não consegue conter a alta, se não fizermos o dever de casa em relação ao refino, não dá para falar em privatizar uma estatal que está dando lucro. Vamos com calma. Tem muitas outras estatais para serem privatizadas. São critérios básicos: entre as deficitárias quais não são estratégicas?

Houve um momento em que se privatizou para pagar dívida. Isso passou. Temos mais 40 estatais. Mas sou contra a privatização da Petrobras.”

Se a sra. fosse presidente hoje, faria alguma intervenção na Petrobras para conter a alta dos combustíveis?

Primeiro é preciso ter um presidente da Petrobras com autonomia e capacidade de dialogar com os acionistas. Ele precisa dizer que sim, vocês podem ter lucro, afinal é uma S.A. Ninguém discute isso. Mas a Petrobras tem um fim social. Com esse diálogo é possível fazer uma política nacional estratégica para fazer com que a Petrobras seja autossuficiente na produção e no refino. O governo tenta intervir na Petrobras de forma totalmente equivocada. A gente tem que respeitar a Petrobras como ela é, uma sociedade de economia mista com um função social estratégica para o Brasil. É possível conciliar os dois.

Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo, em 11.06.22

Golpe transformará Bolsonaro em fantoche dos militares

Presidente e o vice general vão às eleições com as mãos sujas do sangue de Dom e Bruno


Os comandantes das Forças Armadas em março de 2021; o almirante Almir Garnier, o ministro Braga Netto, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e o brigadeiro Almeida Baptista Jr. - Pedro Ladeira/Folhapres

O que diz o ministro da Defesa, tão preocupado com as urnas eletrônicas, sobre a nova tentativa de golpe programada para Sete de Setembro —a 26 dias das eleições? Paulo Sérgio Nogueira sente-se prestigiado a participar de ataques aos ministros do STF e TSE? O general mandará às ruas tanques fumacentos? Comandará a retirada de oxigênio da população para manter a liberdade fardada?

Havendo golpe para invalidar a votação desfavorável a Bolsonaro, será um movimento militar. O presidente se transformará num mito banal. Um ditador de mentira (tudo a ver, para quem sempre viveu mentindo), que poderá ser descartado a qualquer momento. Para a eventualidade, haverá um vice-presidente que é general, óbvio. Na chapa que concorre com as bênçãos do centrão e as mãos manchadas com o sangue de Dom Phillips e Bruno Pereira, o escolhido é Walter Braga Netto, que deixou o cargo de ministro da Defesa.

A articulação golpista abrange um plano com a presença de militares no governo até 2035. Se valer o primeiro mandato de Bolsonaro, serão 16 anos. Um tempo até modesto, levando-se em conta que o Golpe de 64 produziu uma ditadura de 21 anos.

A busca por informações falsas sobre as urnas vem desde 2019 —quando já havia sinais de rejeição ao governo e de que Lula, fora da prisão, voltaria ao páreo— e envolve os generais Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria da Presidência, e Augusto Heleno, que controla o Gabinete de Segurança Institucional e a Abin. Na época, Bolsonaro começou a desferir ataques ao sistema eleitoral. A partir da live-bomba de 2021 —investigada no inquérito das fake news—, eles foram intensificados.

Sem qualquer pudor, Bolsonaro se compara a Jeanine Áñez, que se autodeclarou presidente da Bolívia com uma Bíblia na mão e foi condenada a dez anos de prisão por tramar um golpe de Estado. Só para constar: também foram condenados o ex-comandante das Forças Armadas e o ex-chefe da polícia.

Alvaro Costa e Silva, o autor deste artigo, é Jornalista. Atuou como repórter e editor na Folha de S. Paulo. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro". Publicado originalmente na edição impressa, em 13.06.22.

Dá para responsabilizar Bolsonaro por tragédia no Vale do Javari?

O presidente é ruim na parte do governo e deplorável no papel de bússola moral

Presidente Jair Bolsonaro (PL) em encontro com apoiadores em Orlando, nos Estados Unidos, após participar da Cúpula das Américas, em Los Angeles - Gregg Newton - 11.jun.22/AFP

Ao que tudo indica, Bruno Pereira e Dom Phillips foram mesmo assassinados. Suas mortes são mais uma mácula que o Brasil coletivamente terá de carregar, ao lado das de Chico Mendes, Dorothy Stang e tantos outros. Mas será que dá para apontar o dedo para Jair Bolsonaro e responsabilizá-lo por essa tragédia?

No plano das causas proximais, que são as que importam para o direito, o presidente é obviamente inocente. Até onde sabemos, Bolsonaro não mandou matar a dupla nem tem vínculos diretos com pessoas ou grupos que possam estar envolvidos no crime. Um dos problemas da região é a virtual ausência de Estado, o que torna difícil para o poder público prevenir homicídios. Mendes foi morto sob a gestão de José Sarney; Stang, quando Lula estava no comando.

Bolsonaro, porém, sai mais abalroado do episódio do que seus antecessores. Para início de conversa, ele patrocinou uma política para a Amazônia que deu força a garimpeiros ilegais, madeireiros, grileiros e outros grupos que impõem seus interesses na marra, sem levar em conta direitos de terceiros. O assassinato é um caso extremo dessa lógica.

Mas Bolsonaro também perde por não ter a menor noção de como comportar-se à frente do principal cargo político do país. Presidentes têm dupla função. Precisam ser capazes de montar um governo que funcione e também de liderar o povo, dando exemplos e se posicionando do lado moralmente correto diante das grandes questões. Isso significa que o presidente, por mais que flerte com o populismo, tem de seguir certos roteiros pré-estabelecidos. Numa pandemia, ele deve ser o primeiro a vacinar-se. Se ocorre um desastre natural, ele deve visitar a área afetada e mostrar sua solidariedade. Se um cidadão se vê envolvido num evento com potencial de tragédia, o presidente não pode em nenhum momento tentar culpar a vítima.

Bolsonaro é ruim na parte do governo e deplorável no papel de bússola moral.

Hélio Schwartsman, o autor deste artigo, é Jornalista. Autor de "Pensando Bem..." Foi editor de Opinião da Folha de S. Paulo. Publicado originalmente na edição impressa, em 13.06.22

Defesa e ataque

Fachin evita embate após pasta dar mostra preocupante de alinhamento a Bolsonaro


O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira - Marcos Corrêa - 25.ago.21/PR

Capitão reformado que deixou o Exército devido ao comportamento indisciplinado, Jair Bolsonaro (PL) sempre procurou associar-se ao estamento fardado, ora em busca de legitimidade, ora como instrumento de intimidação.

Ao longo de seu embate com as instituições, que chegou ao paroxismo no Sete de Setembro passado e está colocado como uma variável central da eleição de outubro, o presidente sempre buscou usar as Forças Armadas em seu favor.

Bolsonaro azeitou seu esforço com benesses, como cargos e reformas previdenciária e de carreira próprias. Porém houve atritos, como na crise que derrubou toda a cúpula militar e também o ministro da Defesa, em março de 2021.

Já o titular seguinte da pasta, general Walter Braga Netto, adaptou-se tão bem que hoje é o favorito a ocupar a vaga de vice na chapa presidencial de Bolsonaro.

Ele foi substituído pelo ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que agora reforça a recorrente carga bolsonarista contra o sistema eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral tentou desarmar o presidente da República ao chamar no ano passado os militares para participar de uma comissão sobre a transparência do pleito deste 2022.

O ministro Oliveira retirou o Exército, representado na comissão por um general, do embate —e avocou a si a interlocução. Àquela altura, o estrago estava feito: 88 perguntas haviam sido enviadas pelos fardados, boa parte delas em tom conspiratório descabido.

O TSE tentou dar o assunto por encerrado, tendo acatado uma dezena de sugestões dos militares. Não deu certo: na sexta (10), a Defesa retomou o ataque com um ofício à corte eivado de insinuações sobre os rumos da eleição e com uma reclamação de desprestígio.

"Até o momento, não houve a discussão técnica mencionada, não por parte das Forças Armadas, mas pelo TSE ter sinalizado que não pretende aprofundar a discussão", dizia o texto tortuoso.

A pasta não fala por toda a caserna, mas o ruído de lá emanado não deixa de causar desconforto. O ministério se rebaixa ao servir de linha auxiliar da estratégia bolsonarista de espalhar suspeitas sobre as urnas eletrônicas, mesmo sem dispor de uma mísera evidência.

O presidente do TSE, ministro Edson Fachin, preferiu contemporizar. Evitou o embate com as Forças Armadas, que tratou como uma das entidades habilitadas a acompanhar as eleições, e enalteceu o "diálogo interinstitucional".

O mesmo equilíbrio é esperado de Oliveira, ocupante de um posto fundamental da administração pública que não deveria estar envolvido na aventura do chefe que teme a derrota em outubro.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 14.06.22 (edição impressa).  editoriais@grupofolha.com.br 

sábado, 11 de junho de 2022

Lula quer imprensa encabrestada

Candidato petista defende que veículos de comunicação não sejam livres para publicar o que bem entendem. A isso ele dá o nome de ‘democratização dos meios’

O PT é obcecado pela ideia de uma imprensa encabrestada. O partido jamais lidou bem com a liberdade – assegurada pela Constituição – que permitiu ao jornalismo profissional e independente revelar ao País os muitos erros administrativos e os crimes cometidos por seus próceres e apaniguados ao longo dos 14 anos em que esteve no poder. Se durante todo esse tempo o PT não conseguiu moldar a imprensa à sua maneira, que fique claro que não foi por convicção democrática, mas sim por falta de apoio na sociedade e no Congresso. Fosse a imprensa “regulada” àquela época, talvez os brasileiros não tivessem tomado conhecimento de esquemas como o mensalão e o petrolão, apenas para citar dois grandes marcos da passagem do PT pela administração federal. Ao menos não com a extensão e a riqueza de detalhes com que esses escândalos ganharam a luz do dia.

A campanha eleitoral de 2022 trouxe o tema novamente ao debate público. Em entrevista ao portal Metrópoles, no dia 8 passado, Lula da Silva, atual líder nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, tornou a ameaçar o País com um projeto de “regulação da mídia” caso vença a eleição em outubro. Todo mundo sabe muito bem do que se trata quando o ex-presidente fala em “regulação da mídia”: um eufemismo pouco sutil para a sujeição dos meios de comunicação ao tacão estatal.

“Ninguém quer censura”, disse Lula. “O que a gente quer”, prosseguiu o petista, “é que os meios de comunicação sejam efetivamente democratizados, que as pessoas possam ouvir a oposição, que tenha sempre o outro lado falando. Não pode ser um meio de comunicação que fala só um lado.”

É um tanto peculiar essa ideia que Lula faz de “democratização” dos meios de comunicação. Ora, nos regimes democráticos as empresas de comunicação são totalmente livres para decidir o que e como publicar, e há múltiplos veículos de comunicação, que, a depender de seus valores e interesses empresariais, abordam os fatos sob diferentes ângulos. A escolha do “lado”, como disse Lula, que essas empresas decidem focalizar, tanto em coberturas jornalísticas como em editoriais ou artigos de opinião, é uma decisão legítima que diz respeito única e exclusivamente ao veículo e à sua audiência, não ao governo de turno. Não é concebível, numa democracia, que um veículo de comunicação tenha que tomar suas decisões editoriais não conforme os padrões jornalísticos, e sim segundo um modelo estatal de “equilíbrio editorial”.

Ademais, já há limites, éticos e legais para o trabalho dos veículos de comunicação profissionais e independentes. Os jornalistas profissionais são responsáveis pelo que publicam, e as empresas jornalísticas podem ser contestadas na Justiça e ter de responder por eventuais erros ou crimes contra a honra cometidos por seus funcionários. Logo, se Lula, de fato, estivesse preocupado com uma “regulação da mídia que interesse à sociedade”, nem deveria pugnar pela proposta. Os interesses da sociedade já são resguardados pelas leis e pela Constituição. O que Lula quer é outra coisa. Quer subjugar veículos para que deixem de publicar o que ele não quer que seja publicado.

O petista ainda afirmou que as mídias sociais digitais não podem “permitir que mentiras, inverdades, grosserias e ofensas façam parte da cultura brasileira”. É legítima a cobrança por maior responsabilização das chamadas big techs, mas Lula não é o mais indicado para encampar essa agenda. Há quem não se lembre, mas foi o PT que alçou a destruição de reputações por meio das redes sociais à categoria de arma política. O 4.º Congresso do PT, em 2011, marcado por ataques à imprensa, decidiu criar um núcleo de treinamento para a militância nas redes sociais, o que ajudou a abrir esse bueiro do qual saíram extremistas que hoje atacam adversários e turvam o debate público por meio de mentiras e distorções da realidade.

No ideal de uma imprensa subserviente e aduladora e na hostilidade que estimulam contra os jornalistas que ousam publicar o que não lhes convém, Lula e o presidente Jair Bolsonaro são irmãos siameses. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 11.06.22

Bolsonaro investe no tumulto

O presidente aproveitou as manobras de seus prepostos no STF para reinvocar ameaças golpistas; por isso é preciso que o Judiciário o deixe falando sozinho

O Supremo Tribunal Federal (STF), através da Segunda Turma, restabeleceu a cassação do deputado Fernando Francischini (União Brasil – PR), determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por divulgação de notícias falsas sobre o sistema eleitoral. A decisão consolida a jurisprudência deixando uma mensagem inequívoca ao universo político: espalhar desinformação com o intuito de semear a desconfiança sobre as eleições não será tolerado e levará, conforme a lei, à cassação dos mandatos. Nem por isso os ministros do STF Kassio Nunes Marques e André Mendonça deixaram de lograr seu intento: lançar lenha na fogueira armada pelo presidente Jair Bolsonaro para tumultuar o processo eleitoral.

Na semana passada, Marques feriu o protocolo institucional ao derrubar monocraticamente, em vez de encaminhar ao plenário do Supremo, a decisão colegiada do TSE em desfavor do citado deputado, não por acaso bolsonarista.

Um mandado de segurança já estava em julgamento em uma sessão extraordinária do pleno, quando o ministro André Mendonça pediu vista. Paralelamente, Marques havia pautado o processo na Segunda Turma, que afinal restaurou a decisão do TSE, por três votos contra os dois – de Marques e Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro.

A derrota era anunciada. Marques e Mendonça só evitaram que fosse acachapante. Mas a senha foi passada ao presidente. Bolsonaro usou um evento denominado “Brasil pela vida e pela família” como palanque para vociferar contra a decisão, retomar ameaças golpistas, atacar o STF e a imprensa, além de confessar o mesmo crime cometido por Francischini.

Francischini afirmou, nas eleições de 2018, que as urnas não estariam aceitando votos para Bolsonaro. Nunca houve um mísero indício disso além de um vídeo flagrantemente fraudulento. Mas, segundo Bolsonaro, “esse deputado não espalhou fake news, porque o que ele falou na live eu também falei”. É mais um exemplo do arbítrio lógico, ou melhor, da lógica do arbítrio característica de Bolsonaro: se ele falou, não pode ser mentira, assim como ele já disse que, se perder as eleições, elas não podem ser limpas.

Vale lembrar que a mesma Procuradoria-Geral da República que recorreu da decisão de Marques classificou as calúnias do presidente ao sistema eleitoral como “liberdade de expressão”.

No Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, Bolsonaro defendeu que a imprensa brasileira fosse fechada por ser “uma fábrica de fake news” e voltou a invocar “centenas de fragilidades” nas urnas apontadas pelas Forças Armadas. Não há qualquer evidência nem de uma coisa nem de outra, mas importa o pretexto para ameaçar as eleições. “Eu sou o chefe das Forças Armadas. Não faremos papel de idiotas. Eu tenho a obrigação de agir”, vociferou o presidente.

Na verdade, tudo não passa de tática eleitoral. Não sabendo nem querendo governar, Bolsonaro faz a única coisa que sabe bem e que lhe garantiu votos em suas mais de três décadas na política: confrontar. Vendo a sua corrida à reeleição fazer água, Bolsonaro busca juntar suas tropas militantes e lança cortinas de fumaça para que o eleitorado esqueça a inflação, a fome, a crise na educação e na saúde e a destruição do meio ambiente.

Tentando provar a sua força, Bolsonaro só comprova seu desespero; tentando conquistar popularidade, só amplia o seu isolamento. As intenções de voto estão estagnadas e os índices de rejeição crescem. As Forças Armadas e os presidentes da Câmara e do Senado já deram sinais claros de que não embarcarão em aventuras golpistas.

Apesar dos desconfortos no Judiciário fabricados por prepostos bolsonaristas, os tribunais vêm fazendo o seu trabalho. Ainda assim, é preciso que os ministros redobrem a precaução para não se deixar levar por provocações do presidente, que certamente ficarão mais frequentes até o desfecho das eleições. A resposta do Judiciário deve ser dada não em bate-bocas que só favorecem os truculentos, e sim em decisões serenas e firmes, como esta que pôs um limite claro à desinformação. Bolsonaro deve ser deixado falando sozinho. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em11.06.22

TSE responde à Defesa e diz que diálogo deve estar pautado na ‘legalidade constitucional’

Tribunal afirma que vai analisar novos questionamentos enviados pelo ministro da Defesa e que a Justiça está preparada para conduzir eleições ‘com paz e segurança’

Após as Forças Armadas reforçarem, em ofício, o pedido de que as urnas eletrônicas sejam auditadas por partidos políticos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) emitiu uma nova resposta. Em nota, a Corte disse que analisará o conteúdo e que preza por um diálogo institucional pelos “valores republicanos e a legalidade constitucional”. O TSE também defendeu que as siglas podem “fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições, bem como o processamento eletrônico da totalização dos resultados”.

“A Justiça Eleitoral está preparada para conduzir as eleições de 2022 com paz e segurança”, completou.

No questionamento, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, pediu que a Corte permita uma fiscalização externa do processo eleitoral. Para os militares, não caberia ao Tribunal promover e também auditar as eleições. Isso, para eles, fortaleceria a confiança no sistema e melhoraria a percepção de segurança e transparência.

“A atuação de empresa especializada de auditoria, contratada por partido político, nos termos da lei eleitoral, completaria um rol de medidas aptas a aumentar a transparência do processo, caracterizando melhor a separação de responsabilidades entre auditor e auditado”, escreveu o ministro da Defesa.

Em Los Angeles, o presidente Jair Bolsonaro disse que o ofício enviado pelo ministério da Defesa com pedido para facilitar a auditagem de urnas eletrônicas é “técnico”. Ele voltou a falar que a Defesa levantou “centenas de vulnerabilidades” sobre a eleição e a criticar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na resposta, o TSE reforçou que as urnas eletrônicas possuem certificação de segurança e que o novo modelo, de 2020, é “mais seguro que os anteriores”. “Cabe reforçar que o software desenvolvido pela Justiça Eleitoral é o mesmo, sendo utilizado em todas as urnas utilizadas na eleição, cujos modelos anteriores foram submetidos a testes públicos de segurança sem nenhum tipo de comprometimento ou ataque bem-sucedido ao sistema”, pontuou.

O Tribunal também disse que a Comissão de Transparência Eleitoral mantém reuniões periódicas e que vai garantir “eleições limpas, justas e seguras, em que o desejo da população, expresso por meio do voto, seja respeitado e cumprido dentro do Estado Democrático de Direito”.

Disputa

O movimento dos militares é parte de uma disputa entre Forças Armadas e a Corte, que trocaram acusações e defesas sobre a lisura do processo eleitoral nos últimos meses. Como mostrou o Estadão, os militares fizeram 88 perguntas em cinco ofícios sobre supostos riscos e fragilidades que, na visão deles, poderiam expor a vulnerabilidade do processo eleitoral. O militares chegaram a propor uma contagem paralela de votos controlada por eles.

No começo de maio, o ministro Edson Fachin, presidente da Corte, respondeu aos questionamentos levantados e, em especial, disse não existir “sala escura” de aprovação de votos, como alegava a tese dos militares e afirmou que “quem trata de eleições são forças desarmadas”.

O Ministério da Defesa (MD) preparou, então, uma nova resposta, em formato de tréplica.

No ofício há, ainda, questionamentos sobre a proposta de Fachin de ampliar a presença de missões de observadores, principalmente internacionais, para respaldar e dar mais legitimidade às eleições de outubro.

Gustavo Queiroz / O Estado de S. Paulo, em 11.06.22

Von der Leyen visita a Ucrânia para tratar de adesão à UE

Presidente da Comissão Europeia se reúne com o presidente Volodimir Zelenski em Kiev. Parecer sobre status de "país candidato" deve ser divulgado na sexta-feira.

Von der Leyen desembarcou na estação de trens de Kiev e foi recebida pela vice-primeira-ministra ucraniana, Olga Stefanischina. 

"Estou de volta a Kiev para me encontrar com o presidente [Volodymyr] Zelenski e o primeiro-ministro [Denys] Shmygal. Faremos um balanço do trabalho conjunto necessário para a reconstrução e o progresso da Ucrânia no caminho para a Europa", disse Von der Leyena a jornalistas que a acompanham na visita.

Na próxima sexta-feira, a Comissão Europeia deve publicar sua avaliação sobre se o país deve receber o status de "candidato" ao bloco europeu.

Kiev solicitou a adesão à UE logo após o início da invasão da Ucrânia pela Rússia. Mesmo que a Comissão Europeia avalie o pedido positivamente, o início das negociações de admissão ainda pode demorar muito, já que todos os estados da UE precisam concordar. Enquanto muitos países, principalmente da Europa Oriental, apoiam a adesão da Ucrânia, alguns como Holanda e Dinamarca são mais reservados. 

Segunda visita à Ucrânia

Esta é a segunda vez que Von der Leyen visita a Ucrânia desde o início da guerra. Em abril, ela esteve Bucha, onde centenas de corpos de civis foram encontrados depois que as tropas russas se retiraram da cidade.

Na ocasião, ela também esteve em Kiev e se encontrou com Zelenski, a quem prometeu um parecer rápido sobre a admissão do país na União Europeia.

"Minha mensagem hoje é que a Ucrânia pertence à família europeia", disse Von der Leyen na época, quando entregou a Zelenski um questionário que serviria de base para as negociações de adesão da Ucrânia ao bloco.

Publicado originalmente por Deusche Welle Brasil, em 11.06.22

"Alemães não percebem dimensão histórica da guerra"

Autor Christoph Brumme, que vive na Ucrânia há muitos anos, descreve o cotidiano da guerra de agressão pela Rússia e analisa a posição da Alemanha em relação ao conflito.

 Prédio destruído por bombardeio na UcrâniaPrédio destruído por bombardeio na Ucrânia

Poltava é uma cidade no leste da Ucrânia, a cerca de 350 quilômetros de Kiev, com uma longa história que remonta à cultura de Tripoli (6000 a 1000 a.C.). O autor alemão Christoph Brumme mora lá. Ele conhece muito bem o Leste: nascido na Alemanha Oriental, em sua juventude pedalou várias vezes de Berlim até o Volga, passando pela Polônia e pela Ucrânia. Ao todo, percorreu cerca de 30 mil quilômetros.

Isso resultou no livro Auf einem blauen Elefanten − 8353 Kilometer mit dem Fahrrad von Berlin an die Wolga und zurück (Sobre um elefante azul − 8.353 quilômetros de bicicleta de Berlim até o Volga e de volta), de 2009. De Poltava, ele escreve para o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, entre outros. Em seu livro atual, Im Schatten der Krieges − Tagebuchaufzeichnungen aus der Ukraine (Na sombra da guerra − Registros diários da Ucrânia), ele descreve de forma sóbria, pessoal, honesta e inequívoca a vida em modo de guerra.

Humor é mais forte que o medo

Na guerra, pode-se pensar, o medo é um companheiro constante. Isso em geral é verdadeiro, mas Brumme mostra o outro lado: o anseio pela liberdade, que é mais forte do que a mais leve sensação de medo, a enorme vontade de ajuda e solidariedade do povo, as esperanças e, sobretudo, o humor dos ucranianos.

"Com Oskar na rua, o sol brilha. Eu canto o refrão de uma canção dos pioneiros: 'Sempre viva o sol / Sempre viva o céu / Sempre viva a mãe / E ainda também eu.' Oskar canta junto em russo. Mas em vez de 'sol' ele canta 'vodka'", escreve Christoph Brumme em seu novo livro e cita algumas piadas em moda após o início da guerra. Assim, sem mais delongas e, claro, com um piscar de olhos, o famoso romance Guerra e paz, de Lev Tolstoi, é rebatizado "Operação militar e paz", já que o uso da palavra "guerra" pode acarretar vários anos de prisão na Rússia.

"O humor é parte da estratégia de sobrevivência, que é uma das características nacionais mais importantes dos ucranianos: rir de si mesmos, fazer piadas sobre seu governo ou sobre a União Europeia", disse Brumme à DW. Segundo ele, é uma expressão de soberania. Na Ucrânia, os cidadãos são livres para criticar todas as autoridades – ao contrário da Rússia, onde prevalece uma cultura completamente sem humor.

Surgiu até uma nova piada ucraniana: "Sabe de uma coisa? Na verdade, agora realmente tenho medo de falar russo na rua! − Por quê? Você tem medo de que os nacionalistas venham e o espanquem? − Não, tenho medo de que Putin venha e me proteja".

Quando não há motivo para rir

Mas há momentos em que o riso dos ucranianos fica preso na garganta − por exemplo, quando veem os debates na Alemanha. "A imagem da Alemanha deteriorou-se muito nos últimos meses de guerra", observa Brumme. Os ucranianos se sentem traídos.

Capa do livro Im Schatten des KriegesCapa do livro Im Schatten des Krieges*

Eles estão esperando para ver se as palavras são finalmente seguidas de ações. Em geral, diz ele, o país é visto com bastante ceticismo. "Em momentos de necessidade, pode-se ver quem está prestando ajuda e quem ainda espera, às escondidas ou abertamente, fazer negócios com a Rússia e sacrificar os ucranianos em caso de necessidade."


Alemães se autoiludem

Quando a guerra eclodiu, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, pediu uma "mudança de paradigma" no Parlamento, mas faltou determinação e a credibilidade sofreu com isso. O chefe de governo  hesitou com a entrega de armas e não se pronunciou a favor de um boicote energético total contra a Rússia.

De acordo com uma pesquisa de opinião realizada pelo instituto Infratest Dimap em abril, apenas uma pequena maioria é a favor do envio de armas pesadas à Ucrânia. "A sociedade alemã está se autoiludindo", diz Brumme. "A crença de que se pode resolver conflitos com Putin e fazer acordos que ele cumprirá, tem caráter paranoico."

Christoph Brumme, autor alemão residente na Ucrânia (Foto: Privar)

Brumme também responsabiliza a mídia, em parte, por essa percepção, e vê com grande ceticismo as reportagens alemãs sobre a Ucrânia. "Em geral, é preciso dizer que a cobertura sobre a Ucrânia foi muito fraca durante anos. As emissoras públicas têm uma obrigação para com o público em geral, mas, em minha opinião, elas não cumprem de forma alguma esta obrigação em relação à Ucrânia."

"O exemplo mais conhecido é a afirmação, repetida 10 mil vezes, de que os separatistas pró-russos vêm lutando no Donbass nos últimos oito anos. Quem está informado sabe que se trata claramente de um projeto russo com liderança e financiamento russos, know-how e tecnologia russos. Assim, durante anos, foi gerada pressão sobre a opinião pública, o que por sua vez leva a decisões políticas que agora são incrivelmente sangrentas para os ucranianos e custam um número inacreditável de vítimas", diz o autor.

Desconhecimento por parte dos alemães

"A 'alma russa' consistia em megalomania, autoaversão e sentimentos de inferioridade em relação ao Ocidente", escreve Brumme em seu livro e fala na entrevista sobre os programas de propaganda na televisão russa.

"Quem vê televisão russa regularmente na Alemanha? Quem entende o que dizem os políticos russos? Se você fizer uma pesquisa com mil pessoas, talvez encontre duas com alguma competência. Na Alemanha, é costume falar sobre coisas das quais nada se sabe. E tudo acaba na premissa da liberdade de expressão".

Esse brutal belicismo russo não foi registrado no Ocidente: "Na Alemanha, a dimensão histórica desta guerra e a relação Ucrânia-Rússia não são percebidas de forma alguma, porque também são completamente desconhecidas."

"Rússia também luta pela sua existência"

O escritor está cético sobre um fim precoce da guerra. A Rússia, diz ele, não aceitou até agora nenhuma responsabilidade legal ou moral pelos assassinatos em massa de ucranianos no século 20. E a propaganda dos últimos oito anos fez o resto.

"A maioria dos russos quer esta guerra, e, quanto mais tempo ela durar, mais fanáticos serão". Uma derrota (temporária) da Rússia só faria crescer ad infinitum o desejo de vingança no país. O fim da guerra só pode vir com o fim do Estado russo em sua forma atual. A Rússia agora também está lutando pela própria existência".

* Im Schatten des Krieges − Tagebuchaufzeichnungen aus der Ukraine, de Christoph D. Brumme foi publicado pela editora S. Hirzel Verlag em 9 de junho de 2022.

Rayna Breuer para a Deutsche Welle Brasil, em 11.06.22

Após encontro com Biden, Bolsonaro expressa empolgação com americano, dizem auxiliares

Apenas duas semanas depois de dizer que o presidente americano Joe Biden "congelou" as relações com o Brasil, de sugerir que o mandatário estivesse senil por tê-lo ignorado em reunião do G-20 e de repetir suspeitas de fraude nas eleições que levaram o democrata à Casa Branca em 2020, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL), deixou seu primeiro encontro com Biden empolgado com o que viu e ouviu.

Bolsonaro se disse 'maravilhado' com o presidente americano, Joe Biden (Itamaraty)

Perguntado sobre suas impressões imediatamente após a conversa entre ambos, que levou um ano e meio pra acontecer, Bolsonaro se disse "maravilhado" com o par e afirmou que o diálogo fora "sensacional", superando as expectativas.

Na manhã desta sexta (10/6), o presidente voltou a elogiar Biden, ao dizer que a conversa foi muito franca e citar que ambos ficaram sentados a menos de um metro de distância, para uma conversa "franca", "olho no olho" e "sem máscaras" — o que contrariou as regras divulgadas pelo evento de que pessoas não vacinadas contra a covid-19 deveriam usar cobertura facial.

"Até agora está 100%. Até a minha própria conversa com Joe Biden ontem foi muito boa. Ficamos sentados a menos de um metro de distância, olho no olho por 30 minutos e sem máscara. E foi uma conversa bastante franca", disse Bolsonaro.

A conversa, que aconteceu às 16h20 da tarde em Los Angeles, às margens da 9ª Cúpula da Américas das quais os EUA são os anfitriões, começou com um clima de aparente desconforto.

Como disse Bolsonaro, ele usou 7 minutos iniciais "para apresentar" a Biden justificativas para decisões ou declarações políticas nas quais os dois líderes discordavam.

Bolsonaro citou "dificuldades" do Brasil na agenda ambiental, mas reforçou que a Amazônia é um assunto de "soberania" do país, afirmou que embora não desejasse o conflito na Ucrânia, o Brasil tem "dependências" em relação a fertilizantes russos, o que obrigava o país a uma "posição de equilíbrio", em referência à ausência de críticas abertas suas ao mandatário ao russo Vladimir Putin, e voltou a dizer que quer "eleições auditáveis".

O presidente brasileiro tem repetido acusações de fraude e dito que os resultados não são verificáveis, o que o Tribunal Superior Eleitoral desmente.

Biden ouviu tudo mexendo as mãos, com sorrisos irônicos e sem fazer contato visual com o colega brasileiro.

Segundo autoridades brasileiras, o clima do encontro entre Biden e Bolsonaro foi amistoso Itamaraty)

Mas segundo auxiliares de Bolsonaro, depois da saída da imprensa, o clima se tornou cada vez mais amistoso a ponto de o presidente brasileiro se sentir à vontade para pedir que boa parte das equipes de cada um dos mandatários se retirassem e que apenas os chefes das diplomacias e os tradutores ficassem na sala.

Segundo relatos das autoridades brasileiras, até as cadeiras dos dois presidentes foram aproximadas para esse momento, que uma das autoridades brasileiras descreveu como uma troca de "opinião muito franca", com as diferenças expostas em temas difíceis, como a eleição, mas sem que isso degringolasse para uma escalada de tensões.

De acordo com um dos auxiliares de Bolsonaro, foi como se naquele momento os presidentes tivessem se reconhecido como pessoas com a mesma trajetória — ambos políticos com décadas de carreira no Legislativo de seus países — e que essa percepção permitiu um diálogo que "não só quebrou o gelo, mas esquentou a ponto de fazer um chá".

O encontro pessoal era tido pelo governo brasileiro como uma pré-condição para que Bolsonaro comparecesse à Cúpula das Américas, um evento que a diplomacia americana tratava como prioritário diante do contexto internacional de competição com a China e tensão com a Rússia no qual os EUA estão.

Autoridades de alto nível do Brasil disseram reservadamente à BBC News Brasil que Bolsonaro não teria visitado Putin em Moscou, em fevereiro, se Biden não o tivesse ignorado pessoalmente por tanto tempo.

Para Bolsonaro, o evento se mostrou uma oportunidade importante para rebater as críticas de que o presidente brasileiro está isolado no mundo, de que é um "pária", como chegou a dizer o então chanceler Ernesto Araújo.

Para além do encontro com Biden, nas plenárias da Cúpula, ele aproveitou a ocasião e tomou a iniciativa de uma primeira conversa mais aberta com o presidente argentino Alberto Fernández, de quem é crítico público.

Apenas horas antes desse encontro, em Los Angeles, Bolsonaro afirmou que a Argentina está "com problemas econômicos sérios também, a notícia agora é que falta óleo diesel lá. Seria em função da política mais à esquerda do Fernández".

A troca entre os dois líderes latino-americanos foi considerada "surpreendentemente amistosa" por pessoas que presenciaram a cena.

Bolsonaro também teria dando um abraço e risadas com o presidente do Peru, Pedro Castillo, e até mesmo sido "tietado" pela autoridade das Relações Exteriores da Guatemala.

Nesta sexta, Bolsonaro ainda terá encontros bilaterais com Ivan Duque, da Colômbia, e Guillermo Lasso, do Equador. E a diplomacia brasileira teria recusado um pedido de encontro com o líder canadense Justin Trudeau por conflitos de agenda.

Apesar da empolgação, Bolsonaro dispensou ontem um jantar que Biden ofereceu aos líderes, em Los Angeles.

Segundo uma das autoridades brasileiras, "esse tipo de festa não faz o estilo do presidente". Bolsonaro jantou no quarto e foi dormir cedo.

Mariana Sanches, Enviada Especial da BBC News Brasil a Los Angeles, em 10.06.22

Brasil terá que reduzir desmatamento e respeitar democracia para entrar na OCDE, diz plano da organização

Os ministros dos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aprovaram nesta sexta-feira (10/06) o roteiro que detalha as condições e regras que o Brasil precisa cumprir para se tornar membro da entidade.

O desmatamento foi um dos pontos destacados por membros da OCDE ao avaliar possível entrada do Brasil no grupo (Chistina Braga / Greenpeace)

O documento de dezenas de páginas inclui exigências como o respeito à democracia e aos direitos humanos e o fim do desmatamento até 2030.

Para que esse roteiro (chamado de "roadmap") com as modalidades e condições para a adesão do Brasil fosse elaborado e aprovado, o país precisou antes aderir aos valores e prioridades da organização formulados no documento "visão do futuro da OCDE", lançado no 60° aniversário da entidade, em 2020, e nas conclusões da reunião ministerial do ano passado.

"Nós compartilhamos uma comunidade de visões e um engajamento para a preservação das liberdades individuais, os valores da democracia, o estado de direito e a defesa dos direitos humanos", diz o texto sobre a "visão do futuro da OCDE" à qual o Brasil aderiu.

O processo para o ingresso na OCDE "vai servir para confirmar a adesão do Brasil a esses valores, a essa visão e a essas prioridades na prática. Isso é uma condição fundamental para a adesão", diz o documento do roteiro aprovado nesta sexta durante a reunião anual do conselho de ministros da organização.

"Esses valores constituem um elemento central ao longo do processo de adesão, incluindo o último estágio da decisão final de convidar ou não um país candidato a se tornar membro da organização", diz o texto do "roadmap" adotado nesta sexta.

Para alguns economistas, ao entrar para a OCDE, Brasil ganha a chance de atrair investimentos externos (Reuters)

O Brasil formalizou o pedido de adesão à OCDE em 2017. A aprovação do roteiro de condições e regras para o ingresso do Brasil na organização, uma prioridade da política externa brasileira, é uma etapa importante desse processo

O governo brasileiro estima que levará de três a quatro anos para o Brasil cumprir as exigências da organização fixadas no roteiro, segundo o secretário-executivo do ministério da Economia, Marcelo Pacheco dos Guaranys, que representou o ministro Paulo Guedes na reunião da OCDE.

O Brasil já aderiu a 112 dos 257 instrumentos jurídicos da entidade e é o país mais avançado nesse quesito entre os quatro demais candidatos (Peru, Bulgária, Croácia e Romênia).

A candidatura da Argentina está atualmente congelada porque o país ainda não aderiu aos valores e visões da OCDE. O Brasil também tem uma participação ativa em vários comitês da organização há muitos anos.

O "roadmap" para ingressar na OCDE aprovado nesta sexta é o mesmo para o Brasil e os quatro demais candidatos. Há pequenas diferenças envolvendo apenas práticas ligadas à indústria do aço e naval, já que alguns desses países não possuem essas atividades econômicas.

Diferentes comitês da organização vão avaliar as práticas e políticas do Brasil e dos demais candidatos com base nas exigências e regras fixadas no roteiro para a adesão. Os temas vão de confiança nas instituições do país, desmatamento e proteção da biodiversidade à corrupção, investimentos e questões fiscais.

As políticas ambientais têm destaque no documento porque dos 257 instrumentos jurídicos da OCDE, cerca de 40 dizem respeito ao meio ambiente e produtos químicos.

O Brasil precisará comprovar que atua para respeitar os compromissos do Acordo de Paris sobre o clima e alcançar a neutralidade de carbono até 2050, além de respeitar o compromisso sobre florestas firmado na Conferência da ONU em Glasgow, na Escócia, no ano passado, que prevê o fim do desmatamento até 2030.

O roteiro para a adesão prevê que o país aplique políticas "transparentes e focadas para assegurar a preservação da biodiversidade a longo prazo e sua exploração sustentável, notadamente para fazer cessar e inverter o recuo da biodiversidade, o desmatamento e a degradação de terras", agindo de maneira "eficaz" e também fazendo respeitar "os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais."

O respeito à democracia também é destacado entre os itens principais de roteiro (EPA)

O governo brasileiro sabe que a questão ambiental é um tema que causa preocupação internacional e que o país precisará apresentar resultados.

"O Brasil vai ter de mostrar que está comprometido em reduzir o desmatamento. Sabemos que isso vai estar em foco e que ao longo do tempo vamos ter de melhorar os resultados", diz Carlos Márcio Cozendey, embaixador do Brasil junto à OCDE.

"Um ponto que sabemos que tem causado muita preocupação é toda a agenda ambiental, de sustentabilidade, da nossa legislação e fiscalização. Isso nós também vamos ter que apresentar", disse Guaranys em uma coletiva na embaixada brasileira em Paris nesta sexta-feira.

Outro tema que também deve apresentar mais dificuldades e que é "mais sensível do ponto de vista técnico", segundo ele, é o tributário, já que o Brasil ainda não conseguiu realizar uma reforma nessa área.

Segundo o secretário-executivo do Ministério da Economia, o processo de adesão à OCDE "vai ajudar o Brasil" a realizar as reformas necessárias que integram a agenda do governo.

"Quando você faz a revisão da sua política fiscal, tributária, de concorrência, regulação, meio ambiente, você ajuda a melhorar as políticas públicas do país e seu ambiente de negócios", disse Guaranys, acrescentando que são reformas que o Brasil precisa fazer de "qualquer forma."

Segundo um estudo do Ipea, a entrada do Brasil na OCDE teria um impacto de 0,4% no PIB do país.

Em nota conjunta divulgada nesta sexta do ministério das Relações Exteriores, da Casa Civil e da Economia, o governo brasileiro afirma que com a aprovação do "roteiro de acessão" à OCDE, caberá ao Brasil a redação de um memorando inicial com informações sobre a convergência do país aos instrumentos normativos da organização.

Depois disso, começará o exame das políticas e práticas do Brasil pelos diferentes comitês temáticos da OCDE.

O processo de adesão do Brasil à OCDE deve custar 5 milhões de euros (cerca de R$ 26 milhões) por ano, mas o valor ainda está em discussão, segundo Guaranys.

Daniela Fernandes, de Paris para a BBC News Brasil, em 10.06.22

Bolsonaro se comprometeu com Biden a respeitar resultado da eleição, diz Departamento de Estado

A porta-voz do departamento de Estado dos EUA, Kristina Rolases, afirmou nesta sexta (10/6), que o presidente americano, Joe Biden, disse ao brasileiro Jair Bolsonaro em conversa bilateral em Los Angeles que "os Estados Unidos não toleram, nem aceitam intervenção no sistema eleitoral em nenhum lugar" e que o governo americano confia nas instituições eleitorais brasileiras e espera que o resultado eleitoral obtido com esse sistema seja respeitado.

Segundo autoridades brasileiras, o clima do encontro entre Biden e Bolsonaro foi amistoso (Itamaraty)

"A gente entende muito bem que há eleições no Brasil em outubro, nos próximos meses. Entendemos muito a preocupação do povo brasileiro com esse tema. Tanto que na reunião, o próprio presidente Bolsonaro falou que ele respeita a democracia, que vai respeitar o resultado. A gente vai levar a sério essa declaração que foi feita pelo presidente Bolsonaro ontem", afirmou Rosales.

Bolsonaro tem repetido que as urnas eletrônicas não são auditáveis e já sugeriu que pode não aceitar o resultado do pleito em outubro.

Na declaração inicial que fez diante de Biden ontem, na abertura da bilateral, Bolsonaro voltou a dizer que " temos eleições no Brasil, e nós queremos eleições limpas, confiáveis e auditáveis, para que não haja nenhuma dúvida após o pleito".

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desmente as declarações de descrédito eleitoral de Bolsonaro e diz que o sistema é verificável e seguro, e que nunca houve provas de fraudes significativas. Bolsonaro disse ainda que "tenho certeza que serão realizadas (as eleições) neste estilo democrático. Cheguei pela democracia e tenho certeza que quando deixar o governo, também será de forma democrática".

Segundo Rosales, os americanos tomaram essa última declaração como um compromisso de Bolsonaro. "A gente, obviamente, leva a sério as palavras que saem da boca do presidente", disse Rosales.

Ela disse ainda que ao ouvir as declarações de Biden sobre o sistema eleitoral, Bolsonaro "ouviu e respeitou". "Não tem nada sendo dito por trás das costas (de Bolsonaro)", disse Rosales.Bolsonaro se disse "maravilhado" após a conversa bilateral com Biden. Perguntada sobre como o presidente americano se sentiu depois do encontro, Rosales evitou usar o mesmo termo. "Eu diria que o presidente Biden ficou muito satisfeito com a conversa", afirmou Rosales. Segundo ela, o diálogo abre nova fase nas relações EUA-Brasil, mas ainda não há previsão de quais serão os próximos passos.

'Desconfiança'

Após as declarações da porta-voz, no entanto, o presidente voltou a dizer que o TSE precisa avaliar as sugestões das Forças Armadas sobre o processo eleitoral. Nesta sexta, o Ministério da Defesa enviou um ofício ao TSE em que pede que o tribunal facilite a auditagem das urnas por partidos políticos, como quer Bolsonaro.

"Não podemos ter eleições sob o manto da desconfiança. E dá tempo. Não se fala no ofício em voto impresso, questões técnicas apenas, uma muito importante, que foi da sugestão de uma apuração simultânea. Não sei porque não aceitam isso. Se eu sou o presidente do TSE eu aceito todas as sugestões, vamos discutir e chegamos num denominador comum", disse o presidente, um pouco antes de embarcar de Los Angeles para a Flórida, onde encontra com apoiadores neste sábado. 

Questionado sobre as declarações da porta voz do Departamento de Estado, que afirmou que os dois presidentes conversaram sobre o sistema eleitoral e que Bolsonaro havia se comprometido a aceitar os resultados eleitorais, ele disse que "conversei por alto" com Biden sobre isso. "Não estou aqui trazendo problemas do Brasil para cá. Não vou entrar nessa discussão", disse. 

"Todos nós queremos, como a grande parte do TSE quer, eleições limpas, transparentes e auditáveis", acrescentou. Bolsonaro também criticou o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, que havia dito que as eleições não eram assunto para as Forças Armadas.

"Fomos convidados, eu sou o chefe das Forças Armadas, colocamos à disposição da justiça eleitoral o que tinha de melhor lá no comando de defesa cibernética, levantamos centenas de vulnerabilidades, apresentamos novas sugestões, e depois disso o TSE sempre se negou a discutir o corpo técnico dele com o nosso", disse Bolsonaro, que acrescentou.

"Pode ser até que o TSE esteja certo, mas depois o Fachin declarou que eleições se trata com forças desarmadas, não armadas. Então porque nos convidaram?"

Mariana Sanches, Enviada Especial da BBC News Brasil a Los Angeles, em 10.06.22

sexta-feira, 10 de junho de 2022

O cheque sem fundos de Lula

Rascunho de programa econômico confirma que o PT quer reeditar políticas que afundaram o País, mas num cenário muito pior do que quando esteve no poder

Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mantinha evasivo a respeito do plano de governo de sua candidatura. Qualquer manifestação espontânea de sua parte, marca de sua trajetória como dirigente sindical e político, colocava em risco o discurso que pretendia encarnar: o de líder de uma frente ampla em defesa da democracia que deixou as divergências de lado ao se aliar a um antigo adversário político, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Mas se nos eventos em que prega para convertidos Lula já havia deixado escapar suas convicções, o rascunho de seu plano de governo só confirma que o PT não aprendeu nada com o passado.

Depois de um legado de recessão econômica, é inacreditável que o partido continue a insistir nos mesmos erros cometidos em período tão recente da história brasileira. Entre as ideias centrais do documento está a revogação do teto de gastos, fundamental para conter a gastança desenfreada do governo Dilma Rousseff. Outro alvo é a reforma trabalhista de 2017, que assegurou o trabalho a distância durante a pandemia de covid-19 e teve vários de seus dispositivos já reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Cabe então uma pergunta: o que PT e Lula pretendem colocar no lugar? Basta ler o teor do documento para vislumbrar um futuro enraizado em um passado supostamente glorioso. Uma das premissas é “colocar o pobre outra vez no Orçamento” e taxar os mais ricos, mas não há nenhuma explicação sobre o que impediu os petistas, na longa década em que estiveram no poder, de aprovar uma reforma tributária.

No lugar do teto de gastos, o programa propõe um “novo regime fiscal que disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade, que possua flexibilidade e garanta a atuação anticíclica”. Na falta de esclarecimentos sobre o que essa frase significa, é bom lembrar que as medidas anticíclicas petistas foram precisamente a causa da ruína fiscal em que o País se meteu. Economistas são unânimes ao apontar que o ciclo de alta de preços das commodities, que coincidiu com o governo Lula, foi fundamental para garantir o crescimento do PIB e a queda do desemprego ao longo da primeira década de 2000. O problema é que, quando esse período vantajoso para a economia brasileira se encerrou, os governos petistas mantiveram a aposta em políticas caras, mal desenhadas e pouco efetivas.

Mesmo diante de sinais claros de uma economia excessivamente aquecida, a taxa de juros foi mantida em níveis excessivamente baixos. O governo, por sua vez, ampliou o gasto público de maneira imprudente, com o uso de bancos públicos para bancar uma política industrial de empréstimos subsidiados aos “campeões nacionais”, aumento real de servidores, expansão sem critérios do programa de financiamento estudantil Fies, represamento artificial de preços de combustíveis e de energia e investimentos com retornos “patrióticos” assumidos pela Petrobras, Eletrobras e fundos de pensão. São medidas, entre muitas outras iniciativas questionáveis, que contribuíram para empobrecer o País, já devidamente destrinchadas por economistas e convenientemente esquecidas pela classe política.

O PT reitera agora a defesa da recomposição do “papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais” no desenvolvimento e da necessidade de “fortalecimento dos bancos públicos”, e prega que a Petrobras seja “colocada de novo a serviço do povo brasileiro”. Ou seja, é um grande salto para trás. 

Como bem definiu o jornalista argentino Joaquín Morales de Sá, não há populismo que sobreviva sem talão de cheques – isto é, o populismo requer muito dinheiro, inclusive de recursos que pertencem a gerações futuras, e precisa de uma conjuntura muito favorável, como foi o caso do ciclo das commodities, que criou a falsa sensação de uma “era dourada” do petismo. Hoje, com a terrível conjunção de guerra, pandemia e toda a razia bolsonarista que maltratou o País, o único cheque que Lula terá condições de passar, se eleito, provavelmente não terá fundos. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 10.06.22

 PSDB aprova aliança para lançar Simone Tebet como candidata à Presidência, mas enfrenta divisões

Na composição para apoiar o MDB, os tucanos vão indicar o senador Tasso Jereissati para vice da chapa

Por 39 votos a favor, seis contra e uma abstenção, a cúpula do PSDB aprovou ontem uma aliança com o MDB para lançar a senadora Simone Tebet (MS) à sucessão do presidente Jair Bolsonaro (PL). Após mais de seis meses de negociações, a frente que reúne PSDB, MDB e Cidadania põe a terceira via na disputa presidencial, mas ainda enfrenta muitas divergências para a montagem dos palanques nos Estados.

O nome de Simone passou pelo crivo da reunião ampliada da Executiva Nacional do PSDB, com a participação das bancadas da Câmara e do Senado. Na composição para apoiar o MDB, os tucanos vão indicar mais adiante o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) para vice da chapa.

Apesar do acerto, tanto o PSDB quanto o MDB já preveem traições. A divisão na seara tucana ficou evidente desde as prévias, em novembro de 2021, quando o então governador de São Paulo João Doria venceu. No mês passado, porém, Doria foi pressionado a desistir da disputa porque a cúpula do PSDB dizia que sua alta rejeição atrapalhava a candidatura do governador Rodrigo Garcia a um novo mandato. Principal colégio eleitoral do País, São Paulo é a “joia da coroa” para o PSDB, que governa o Estado desde 1995.

O deputado Aécio Neves (MG) liderou a ala do partido contra o lançamento de Simone, sob o argumento de que desejava candidatura própria, mas foi derrotado. “Seria uma bênção se a candidatura da senadora Simone pudesse se fortalecer e ocupar esse espaço da terceira via, mas eu vejo que ela está tendo dificuldade no seu próprio partido”, disse ele, que afirmou ter receio de um movimento pelo voto útil.

Comando

Há uma ala do MDB no Nordeste que já faz campanha para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e outra, no Sul, que está mais vinculada a Bolsonaro (PL).

Na noite desta quarta-feira, 9, a pré-candidata à Presidência da República pelo MDB, senadora Simone Tebet, se reuniu virtualmente com os presidentes das Executivas Nacionais do MDB, Baleia Rossi, do PSDB, Bruno Araújo, e do Cidadania, Roberto Freire.

Na noite desta quarta-feira, 9, a pré-candidata à Presidência da República pelo MDB, senadora Simone Tebet, se reuniu virtualmente com os presidentes das Executivas Nacionais do MDB, Baleia Rossi, do PSDB, Bruno Araújo, e do Cidadania, Roberto Freire. 

Aécio defendeu a candidatura própria do tucano Eduardo Leite, ex-governador do Rio Grande do Sul. Nos bastidores, porém, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, chegou a dizer a aliados que Aécio queria mesmo era deixar a porta aberta para Bolsonaro. O deputado sempre negou que tivesse esse plano e já chamou a insinuação de “absurda”. Aécio pretende voltar a comandar o PSDB, em 2023, e é hoje um dos principais adversários de Araújo.

“A alma do PSDB é pela candidatura própria, mas entendemos que o PSDB não existe como fim em si próprio. Existe como fim para permitir o que é melhor para a alternativa dos brasileiros”, afirmou o presidente do PSDB, após a reunião. Simone está com Covid-19, mas na noite de ontem participou de videoconferência com Araújo e com os presidentes do MDB, Baleia Rossi, e do Cidadania, Roberto Freire, para definir os próximos passos da campanha.

O movimento pela terceira via, também batizado pelo grupo de “centro democrático”, foi anunciado em meados do ano passado com o objetivo de quebrar a polarização entre Bolsonaro e Lula, favorito nas pesquisas. Até agora, porém, muitos nomes ficaram pelo caminho, como os do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (União Brasil) e o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD).

Estados

O PSDB e o MDB, porém, ainda se estranham na montagem dos palanques em alguns Estados, como Minas Gerais, Goiás, Pará, Pernambuco e Mato Grosso do Sul. Em Alagoas, por exemplo, uma possível aliança entre os dois partidos também ameaça um acordo feito em São Paulo.

A deputada estadual Jó Pereira (PSDB-AL), prima do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se movimenta para ser candidata a vice na chapa do senador Rodrigo Cunha (União Brasil-AL). Uma ala tucana, porém, negocia apoio à pré-candidatura de Paulo Dantas (MDB), afilhado político do senador Renan Calheiros (MDB-AL), ao governo alagoano.

O presidente do PSDB admitiu divergências nos Estados, mas disse que isso não atrapalha a aliança nacional. “As eleições nacionais não verticalizam todo o processo”, afirmou. “O que vai valer é o conjunto dessa unidade.” Além de Aécio, votaram contra o apoio a Simone os deputados Alexandre Frota (SP), Paulo Abi Ackel (MG), Eduardo Barbosa (MG), Rossoni (PR) e o senador Plínio Valério (AM). O ex-prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan Junior se absteve.

A decisão do PSDB ocorreu um dia depois de o partido acertar um acordo que envolveu o compromisso do apoio dos emedebistas à candidatura de Leite ao governo do Rio Grande do Sul. O deputado estadual Gabriel Souza (MDB) ainda mantém a pré-candidatura ao Palácio Piratini, mas a expectativa é de que ele seja convencido a concorrer como vice do tucano.

Lauriberto Pompeu / O Estado e S. Paulo, em 09.06.22

Realidade e campanha eleitoral

Chega a ser comovente como não se dão conta, governo e aliados do Centrão, da existência de uma crise mais profunda.

Há pouco mais de dez anos, um colunista do The New York Times advertia para a alta dos preços de alimentos e de energia, para a sucessão de eventos extremos no clima, o aumento da população mundial e afirmava: daqui a alguns anos, perguntaremos como não entramos em pânico com indícios tão evidentes de uma crise profunda.

Depois disso, entre outras coisas, aconteceram uma pandemia que matou 6,3 milhões de pessoas e uma guerra no leste europeu envolvendo um grande produtor de petróleo e um grande produtor de alimentos, Rússia e Ucrânia. Era de esperar, com tudo isso, que o preço dos alimentos fosse às alturas, impulsionado também pelo valor dos combustíveis.

Interessante como essa crise profunda não chega, ainda, a acionar o sinal de emergência no planeta e como, de certa forma, ela passa ao largo do Brasil, em plena campanha eleitoral. Naturalmente que não escapam ao governo os seus efeitos imediatos, nem poderiam escapar, porque a reeleição de Bolsonaro depende disso. Daí sua encenação, mal ensaiada, de um esforço para baixar o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha.

Chega a ser comovente como não se dão conta, governo e aliados do Centrão, da existência de uma crise mais profunda. Acham que o preço da energia está um pouco alto e que, com algumas medidas superficiais, tudo voltará ao normal. Não percebem como o mundo mudou nem a própria emergência em que estamos mergulhados. E não creio que ela se resolverá apenas emitindo menos carbono, reduzindo aqui e ali uma prática destrutiva. A própria estrutura do consumo será questionada.

O candidato favorito à Presidência da República promete fazer voltar a felicidade de 20 anos atrás. Mas ela se compunha, também, do estímulo ao consumo de automóveis, algo que talvez não seja mais, passado tanto tempo, um indicador de felicidade.

Quando digo que o consumo terá de ser reavaliado, não me refiro aos itens básicos para uma sobrevivência digna. Portanto, não cabe aqui o argumento de que haja restrição aos pobres. Ao contrário, há margem de avanço nesse campo, mas não um tipo de avanço vivido no passado, uma simples ascensão do consumo da classe média, sem visão crítica de um modelo suicida.

A ideia de Bolsonaro de subvencionar a gasolina, por exemplo, é muito mais do que uma negação da crise. É uma forma de aprofundá-la. Não se fala mais em melhorias no transporte público. No encontro com Elon Musk, por exemplo, ele se interessou mais pelo Twitter do que pela performance de um carro elétrico.

No texto da década passada, os eventos extremos já eram notados. O que diria do Brasil hoje, quando perdemos 233 pessoas em Petrópolis e 129 em Pernambuco?

É como se tudo isso acontecesse num outro planeta. O debate no Brasil é como prosseguir no desenvolvimento, sem nenhuma visão crítica da forma de crescer, como se todos os fatos que se acumulam ao longo dos anos, inclusive a pandemia, fossem apenas um raio em céu azul. A pandemia aconteceu e matou, só no Brasil, até agora, 668 mil pessoas, porém não se associa a doença à relação com os animais e, nem de longe, à proteção da floresta.

Já é sabido como se intensificou o tráfico de animais silvestres na Amazônia e como ele se associa a outras formas de crime, como o garimpo ilegal, a grilagem, o desmatamento. Ainda não se falou em projeto de segurança. Mas a Amazônia é tão controlada por grupos criminosos como os morros do Rio de Janeiro. Que tipo de projeto de segurança pública pode abordar esse problema? Mais da metade do território brasileiro é um espaço de trânsito livre para o crime organizado.

Não creio que essas realidades possam entrar facilmente nas campanhas políticas, condicionadas a prometer crescimento sem uma visão crítica do próprio crescimento. No entanto, elas podem entrar na cogitação dos próprios eleitores. Estamos votando para quê? Vamos continuar apenas colocando um esparadrapo no ferimento ou vamos tratá-lo adequadamente?

Claro que, quando um governo rejeitado pela sua estupidez está em vias de ser derrotado, surge uma grande sensação de alívio. No entanto, é importante vê-lo, também, como uma espécie de bode na sala. A crise profunda que vivemos há algumas décadas foi mantida assim por um processo de negação.

Segundo todos os que estudam o problema, quanto mais a crise se aprofunda, maior a negação. Bolsonaro talvez tenha representado o auge desta tentativa de contornar a realidade: negou a pandemia, nega as mudanças climáticas, acha que pode conter o preço dos combustíveis e subestima a fome que ronda os lares brasileiros. Ele representa o auge da negação.

As eleições brasileiras poderiam ser o início de um encontro com o real. Dificilmente vamos encontrá-lo no modelo de 20 anos atrás. Ele é dinâmico e expressa a necessidade de uma ruptura muito maior do que as clássicas discussões sobre tamanho do Estado, direita e esquerda e toda a atmosfera do século passado.

Talvez, numa campanha política, o eleitor precise mais do que votar num projeto de crescimento econômico, mas compreender que algo se esgotou. Toda a interrogação consequente se volta para a pergunta: que tipo de modelo temos condições de colocar em campo?

Fernando Gabeira, o autor deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 10.06.22