quinta-feira, 23 de junho de 2022

Waack: Bolsonaro entrou em modo desespero e Lula não indica se entendeu o que vem em 2023

Neste momento político da corrida eleitoral os horizontes dos dois líderes se distanciaram bastante. O de Lula já está em 2023. O de Bolsonaro se reduziu aos próximos 101 dias (2 de outubro é a data do primeiro turno).

Waack: 'Os horizontes dos dois líderes se distanciaram bastante neste momento político da corrida eleitoral' Foto: Werther Santana/Estadão e Anderson Riedel/PR

O presidente se envolveu numa custosa operação política de curtíssimo prazo para o tamanho do objetivo, que é baixar na marra o preço dos combustíveis. Até aqui não conseguiu, nem colocou de pé a ajuda para quem não tem como pagar gás e diesel. Sendo a mesma coisa as políticas de governo e a eleitoral, nenhuma está funcionando.

Tampouco estão ajudando “imponderáveis” para a campanha dele, como a prisão do ex-ministro da Educação, por quem disse que poria a cara no fogo. Ao eleitorado cativo pouco importa, pois populistas como Bolsonaro não dependem de coerência entre palavras e ações. Em situações adversas desse tipo, tornam-se “traídos” – mas é uma “vitimização” que não acrescenta votos.

Visivelmente confortável na liderança das pesquisas, Lula não indica em público se tem noção exata do desastre político – para um chefe de Executivo – que herdaria de Bolsonaro. Pode até parecer “confortável” para um agrupamento político como o PT o recente assalto ensaiado pelo Centrão às instâncias que protegem estatais de interferências políticas, mas a questão é mais abrangente.

Não se trata simplesmente de colocar a Petrobras de joelhos e voltar a lotear as diretorias de estatais, algo que o PT e seus aliados (como o MDB) praticaram com os conhecidos resultados. A volta triunfante do clientelismo vem acompanhada agora de instrumentos inéditos de poder por parte do Legislativo.

Em termos brutais, se o “mensalão” de uns 20 anos atrás foi ferramenta para assegurar maiorias, esse instrumento hoje nem sequer existe. As emendas do relator permitem às lideranças parlamentares administrar seu próprio “mensalão” de forma perfeitamente legal.

Lula está enganado se pensa que se entender com o Centrão é questão de habilidade política. Teria de lidar em 2023 com uma massa relativamente atomizada de parlamentares sem dispor de espaço fiscal ou ferramentas para exercer controle – teria os votos para não ser impichado, mas não as maiorias para implementar qualquer matéria de longo alcance.

E isto tudo é só a política. Estão se adensando os sinais de uma recessão em algumas das principais economias lá fora, com inevitáveis consequências para o Brasil. Vencendo, Lula assume num momento global de contração e não de expansão, como aconteceu em seu primeiro mandato. Se entendeu o que vem em 2023, ainda não foi ao microfone avisar a todos nós a bordo: “brace for impact”.

William Waack, o autor deste artigo,  é Jornalista e apresentador do programa WW, da CNNN. Publicado originalmente n´O Estado de S. Paulo, em 23.06.22

Mais uma lorota petista

Trocando um adjetivo aqui, um verbo acolá, ‘novas’ diretrizes para programa de governo do PT, supostamente como aceno ao centro, seguem mesma lógica do atraso de sua versão anterior

O primeiro rascunho do plano de governo do PT deu o que falar. Para quem se arvora em líder de uma formidável coalizão em defesa da democracia e contra o autoritarismo, Lula da Silva constrangeu até líderes de partidos aliados ao impor sua agenda na elaboração do documento. Os eleitores moderados, grupo que o petista precisa conquistar, necessariamente, para se eleger presidente pela terceira vez, viram naquelas diretrizes programáticas o velho PT que há alguns anos vinham rejeitando. Algo precisava mudar.

Pois o PT, para evitar “novos atritos” com partidos coligados e com esses potenciais eleitores mais ao centro do espectro político, propôs uma nova versão das tais diretrizes. Substituindo um adjetivo aqui e um verbo acolá, às vezes nem isso, é tudo mais do mesmo. O documento vendido aos incautos como “recuo” não passa de mais uma lorota petista.

Tome-se, por exemplo, um dos temas que mais repercutiram negativamente quando da divulgação da primeira versão dessa espécie de pré-programa de governo: a reforma trabalhista. O termo “revogação” foi suprimido da nova versão. Mas isso não quer dizer, em absoluto, que os avanços para o mercado de trabalho trazidos pela aprovação da reforma durante o governo do presidente Michel Temer não estejam ameaçados caso Lula seja eleito em outubro. A equipe que coordena a pré-campanha do petista fala agora em propor “uma extensa proteção social”, com atenção especial a autônomos e trabalhadores que usam aplicativos, “revogando os marcos regressivos da atual legislação trabalhista, agravados pela última reforma e restabelecendo o acesso gratuito à Justiça do Trabalho”, diz novo trecho do documento.

Qualquer pessoa alfabetizada lê o que vai acima e entende que, sim, o partido proporá mudanças na legislação trabalhista de modo a restaurar, no todo ou em parte, o arcaico arcabouço legal vigente até a sanção da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017. Afinal, não se sabe, e o documento não diz, o que o PT considera como “marcos regressivos” da reforma trabalhista – mas intui-se, a julgar pelos raivosos discursos lulopetistas, que sobraria pouca coisa da modernização das relações de trabalho.

A revogação do teto de gastos é outro ponto sensível para o País que foi mantido nas diretrizes programáticas do PT. O partido tem o direito de defender a agenda que bem entender, até rematados retrocessos, como o fim do teto de gastos sem indicar uma nova âncora fiscal, e submetê-la a escrutínio público. Só não é honesto dizer que recuou ou moderou seu discurso quando, a bem da verdade, o que houve foi uma manipulação de meia dúzia de palavras.

Em que pese a inclusão de um tópico no documento condenando ataques à imprensa e a jornalistas – a rigor, uma obviedade para qualquer um que se apresente como democrata –, a pauta da “regulação dos meios de comunicação”, um eufemismo para o controle estatal do jornalismo profissional e independente, segue entre as diretrizes programáticas do PT. Mas, agora, singelamente chamada de “democratização dos meios de comunicação”.

Permanece também o plano de “abrasileirar” os preços dos combustíveis, o que é uma forma adocicada de defender a intervenção do governo na política de preços da Petrobras. Aqui, Lula e o presidente Jair Bolsonaro andam de braços dados.

Assim, com alterações mais ou menos acentuadas no que concerne à linguagem, mas não ao espírito, o plano petista para governar o Brasil segue repleto de propostas perigosas, como o alto intervencionismo estatal na economia, o descontrole dos gastos públicos e a revogação da reforma trabalhista. Se aplicada, essa plataforma eleitoral não só não tem o condão de apresentar soluções duradouras para os atuais problemas do País, como pode criar outros, tão graves que nem sequer podem ser mensurados neste momento.

Mas pode vir coisa ainda pior por aí, caso Lula seja eleito. Afinal, para o chefão petista, “é melhor colocar menos propostas no papel e executar mais”. Conhecendo o histórico do PT, isso soa menos como promessa e mais como ameaça.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S. Paulo, em 23.06.22

A putrefação do governo Bolsonaro

Escândalo do MEC não é de longe o único indício de podridão num governo que pouco faz no combate à roubalheira e muito se empenha em manietar órgãos de fiscalização e controle

A operação policial que prendeu preventivamente o pastor e ex-ministro da Educação Milton Ribeiro deve ter surpreendido só alguns bolsonaristas que ainda acreditam no discurso do presidente Jair Bolsonaro segundo o qual não existe corrupção em seu governo. Já a maioria dos brasileiros sabe muito bem, e há tempos, que algo não cheira bem na Presidência de Jair Bolsonaro.

O papel de Milton Ribeiro no escândalo do Ministério da Educação, que envolve a ação de pastores evangélicos que atuavam como lobistas, ainda está por ser inteiramente esclarecido. Mas são muitos os indícios de que malfeitos cabeludos foram cometidos no MEC sob as bênçãos de Milton Ribeiro e sob as barbas de Jair Bolsonaro. 

Os pastores lobistas, que não tinham função pública e, conforme revelou o Estadão, pediam propina em troca de acesso de prefeitos a recursos do Ministério, estiveram nada menos que 35 vezes no Palácio do Planalto. Havia uma evidente proximidade. Diante da abundância de evidências, a Justiça autorizou a deflagração de uma operação para investigar indícios de crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência no MEC.

Mas o caso do MEC não é nem de longe o único indício de podridão no governo Bolsonaro. Há pouco tempo, o País ficou estupefato ao tomar conhecimento, na CPI da Pandemia, que o Ministério da Saúde foi envolvido em negócios esquisitos com vacinas e medicamentos. Em outro caso, um ministro do Meio Ambiente foi demitido por suspeita de ligação com um esquema de exportação de madeira ilegal. Mas o estado da arte do cupinzeiro bolsonarista é o orçamento secreto – esquema de distribuição obscura de recursos públicos a aliados para obras e compras eleitoreiras, naturalmente superfaturadas.

Considerando a notória opacidade do governo Bolsonaro, que viola sistematicamente as leis de transparência da administração pública, é muito provável que esses casos sejam apenas alguns entre tantos que ainda não se deram a conhecer. Não fosse o trabalho da imprensa, tão vilipendiada por Bolsonaro, o País não saberia da missa a metade.

Hoje, está claro que só acredita na pureza do governo quem ainda dá crédito às garantias de Bolsonaro. É bom lembrar que, quando estourou o escândalo do MEC, o presidente foi às redes sociais para jurar que o então ministro Milton Ribeiro era inocente. “Eu boto minha cara no fogo pelo Milton. Minha cara toda no fogo pelo Milton”, desafiou Bolsonaro. Ontem, chamuscado pela prisão do ex-ministro, o presidente jogou o pastor na fogueira: “Ele que responda pelos atos dele”.

Fiel a seu estilo pusilânime, e obviamente ciente do prejuízo eleitoral que o escândalo pode lhe causar, Bolsonaro tratou de fugir da responsabilidade: “Eu tenho 23 ministros, mais uma centena de secretários, mais de 20 mil cargos comissionados. Se alguém faz algo de errado, pô, vai botar a culpa em mim?”. Bolsonaro pode até não ter tido participação direta no caso, mas é muito estranho que seu governo tenha determinado sigilo de 100 anos sobre as dezenas de visitas dos pastores lobistas ao Palácio do Planalto.

É esse apego ao segredo que gera um ambiente extremamente propício para a corrupção, pois há certeza da proteção oficial, garantida também pelo aparelhamento dos órgãos de fiscalização e controle. Não é por outro motivo que o Brasil caiu da sexta para a décima posição, entre países da América Latina, no Índice de Combate à Corrupção mensurado pela Americas Society/Council of the Americas em parceria com a empresa Control Risks. Segundo o estudo, recentemente divulgado, “Bolsonaro procurou consolidar o controle sobre os órgãos que investigam supostos casos de corrupção envolvendo seus aliados”.

Desse modo, com Bolsonaro na Presidência, o Estado brasileiro ficou menos independente para prevenir, detectar e punir a corrupção no âmbito federal. Desrespeitar a Lei de Acesso à Informação, encabrestar a Procuradoria-Geral da República e desvirtuar os órgãos de fiscalização e controle, como faz o governo, têm consequências. É preparar o terreno para a roubalheira. 

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S. Paulo, em 23.06.22

O ataque dos cupins da República

Por imperativos eleitoreiros, Bolsonaro e seus aliados intensificam investida contra leis e dispositivos que dificultam a pilhagem do Estado e a destruição das contas públicas

O presidente Jair Bolsonaro e seus aliados no Congresso intensificaram sua ofensiva contra o conjunto de leis e dispositivos que dificultam a pilhagem do Estado e a destruição das contas públicas. Para os propósitos eleitoreiros dos bolsonaristas, essa cidadela republicana, responsável pela estabilidade da economia e pela redução da corrupção, tem de ser arruinada. O motivo é óbvio: onde há regras que limitam gastos públicos e que impõem boa governança em estatais, há pouco espaço para gastança populista e para o aparelhamento corrupto de empresas que devem servir ao País, e não ao grupo que está temporariamente no poder.

O alvo mais recente dessa ofensiva é a Lei das Estatais, um dos maiores marcos aprovados pelo Legislativo dos últimos anos. Meses após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o Congresso conseguiu elaborar um conjunto de normas que representaram o resgate da moralidade e estabeleceram padrões civilizados de governança nas empresas públicas. O texto, sancionado em junho de 2016, consolidou princípios de transparência, eficiência e boa gestão para as empresas públicas e sociedades de economia mista. A lei estabeleceu regras para a escolha de diretores e conselheiros, proibiu a indicação de dirigentes partidários, ministros, sindicalistas e parlamentares e passou a exigir comprovação de experiência prévia dos candidatos a cargos executivos.

Muito se fala sobre a elaboração de políticas públicas baseadas em evidências e na necessidade de avaliação constante de seus resultados. No caso das estatais, talvez não haja prova maior do sucesso dessa legislação do que os balanços financeiros. A Petrobras, principal vítima do intervencionismo estatal nos governos petistas, conseguiu rapidamente reverter uma trajetória de perdas bilionárias e obteve lucros expressivos. Surpreendentemente, isso se tornou um problema para a classe política e tem servido como desculpa para questionar a jovem Lei das Estatais. 

Bolsonaro, por exemplo, acusou a Petrobras de registrar um lucro “absurdo” e sugeriu que o comando da empresa atua contra o País. Por isso, quer colocar na direção da Petrobras um obediente apaniguado, embora esse indicado não tenha experiência na área de petróleo, como exige a Lei das Estatais. Ato contínuo, o presidente da Câmara, Arthur Lira, sugeriu ao Executivo que envie uma Medida Provisória, com força de lei desde a data de sua publicação, para alterar a Lei das Estatais.

Bolsonaro elegeu a Petrobras como inimiga do País com o objetivo de mobilizar sua base e, principalmente, desviar o foco do fracasso de seu governo. Para o Centrão, no entanto, trata-se de uma imperdível oportunidade para retomar o poder que o grupo tinha nas empresas públicas. Descoberto nos governos petistas, o petrolão contou com a participação direta de partidos como o PP de Lira. O presidente da Câmara afirmou que a mudança na lei seria uma forma a assegurar “maior sinergia entre as estatais e o governo do momento”, o que é a senha para a submissão das empresas aos interesses políticos do governo, o exato oposto do que preconiza a Lei das Estatais.

Assim como o teto do ICMS para bens essenciais, mudar a Lei das Estatais não derrubará os preços dos combustíveis, mas aumentará as chances de a Petrobras voltar a ser saqueada pelo governo de turno e seus aliados. Essa estratégia diversionista começa a ficar repetitiva – elevar os benefícios do Auxílio Brasil para vulneráveis foi a desculpa para destruir o teto de gastos e violar a Lei de Responsabilidade Fiscal, dar calote nos precatórios da União, garantir recursos para o fundo eleitoral e manter o pagamento integral das emendas de relator. Destruir os pilares macroeconômicos teve resultados imediatos na bolsa, nos juros e no valor da moeda, mas também para a população, ampliando a corrosão do poder de compra das famílias. A intervenção na Petrobras também terá efeitos trágicos – e já se sabe quais são eles. Se não for impedido, o governo Bolsonaro deixará como legado a destruição do aparato de proteção do Estado contra os cupins da República. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 22.06.22

sábado, 18 de junho de 2022

Bolsonaro, Lira e a política do grito

Ataques violentos do governo e seus aliados aos executivos da Petrobras não têm outro objetivo senão o de fazer da estatal o bode expiatório da inflação

A virulenta reação do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados no Congresso ao reajuste dos combustíveis anunciado pela Petrobras é despropositada sob qualquer aspecto que se observe – menos, é claro, o eleitoral.

Há 99 dias segurando os preços da gasolina, mesmo diante da forte alta no mercado internacional, a companhia anunciou um aumento de 5,2%. Para o diesel, congelado há 39 dias, o reajuste foi de 14,2%. Nos dois casos, os índices foram inferiores ao necessário para alinhar os preços internos aos praticados no exterior.

Do ponto de vista da estatal, era a coisa certa a fazer, pois, por determinação estatutária e legal, a empresa não pode deliberadamente represar seus preços se isso significar perdas aos acionistas – entre os quais, recorde-se, está a União, que é majoritária. Ademais, o adiamento do reajuste poderia levar a desabastecimento, uma vez que cerca de um terço do diesel consumido no Brasil é importado – e, por razões óbvias, os importadores se recusam a comprar combustível para vendê-lo com prejuízo no mercado interno.

Nenhum desses argumentos racionais, contudo, impediu a ofensiva de Bolsonaro e do presidente da Câmara, Arthur Lira, contra a Petrobras. O mais recente ataque começou na quinta-feira, quando o governo pressionou o Conselho de Administração a não aprovar o reajuste. Nesse mesmo dia, Bolsonaro disse que um aumento logo após a aprovação do teto do ICMS pelo Congresso – elaborado e aprovado a toque de caixa por irresistível pressão bolsonarista, a despeito dos imensos danos que causará aos Estados – não teria justificativa a não ser um “interesse político” para atingir o governo. 

Ontem, numa interferência absolutamente descabida, Arthur Lira admitiu ter telefonado para o presidente da Petrobras, José Mauro Ferreira Coelho, para advogar contra o reajuste. Além disso, o presidente da Câmara cobrou a renúncia imediata de Ferreira Coelho: “Saia daí, saia já! Esse lugar não é seu. É do Brasil”, escreveu Lira no Twitter. O diversionismo chegou a ponto de incluir a ameaça de instauração de uma CPI para investigar os conselheiros e executivos da Petrobras – que, em um processo quase kafkiano, estão sendo acusados de fazer precisamente o trabalho para o qual foram contratados.

Na narrativa mambembe que o governo tenta emplacar, o motivo do mais novo aumento dos combustíveis seria uma “retaliação” de Ferreira Coelho e de membros do Conselho de Administração da Petrobras contra a decisão de Bolsonaro de substituí-los. No mundo real, contudo, as commodities minerais e agrícolas continuam a ser influenciadas pela guerra entre Rússia e Ucrânia, e o aumento dos preços dos combustíveis era mais do que previsível. Ademais, já se sabia que o teto para o ICMS seria meramente paliativo e provavelmente inútil, anulado à medida que novos reajustes fossem anunciados.

Nenhuma dessas considerações refreou o ímpeto demagógico de Bolsonaro e Arthur Lira, concentrados exclusivamente nas eleições de outubro. Pouco importa se isso significar a ruína da Petrobras, exatamente como aconteceu no desastroso governo de Dilma Rousseff, que, igualmente por imperativos eleitorais, impôs controle de preços sobre os combustíveis, causando rombo de mais de R$ 100 bilhões à estatal.

Em sua cruzada para segurar os preços dos combustíveis na esperança de conter a inflação, que ameaça lhe tirar a reeleição, Bolsonaro já demitiu três presidentes da Petrobras, trocou o ministro das Minas e Energia, mobilizou mundos e (principalmente) fundos para aprovar o teto do ICMS sobre combustíveis e agora quer uma CPI para intimidar os executivos da estatal.

Tudo isso tem sido em vão – e assim continuará a ser, salvo se forem alterados os estatutos e as leis criados justamente para impedir que a Petrobras volte a servir a um projeto de poder, como nos tempos do PT. Afinal, é improvável que algum executivo ou conselheiro da Petrobras em seu juízo perfeito se arrisque a ter problemas na Justiça por permitir que a empresa se dobre aos interesses de Bolsonaro e de seus sócios, causando prejuízo aos acionistas e ao País.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 18.06.22

Amazônia se tornou uma terra sem lei, apontam especialistas

Para entrevistados, assassinato de Phillips e Pereira expõe ausência do Estado na região. Discurso e ações do governo Bolsonaro teriam agravado desmonte da fiscalização e estariam por trás de clima de "liberou geral"

Na avaliação do delegado da PF Alexandre Saraiva, 99% da madeira que sai da Amazônia hoje é ilegalFoto: Getty Images/AFP/R. Alves

O desaparecimento e a revelação posterior dos assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari expuseram ao mundo a realidade de que a Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, é hoje uma terra sem lei, apontam especialistas ouvidos pela DW Brasil.

"As regras que valem ali são as do crime organizado", atesta o delegado da Polícia Federal (PF) Alexandre Saraiva. "Ali atuam organizações criminosas com apoio dos políticos locais, estaduais, e tentáculos até nas altas esferas do governo brasileiro."

Saraiva conhece bem a região. O delegado atuou em diferentes estados da Amazônia por dez anos, entre 2011 e 2021, quando deixou a chefia da Superintendência da PF no Amazonas. Ele foi responsável por comandar a maior apreensão de madeira ilegal da história do Brasil. Em dezembro de 2020, a operação Handroanthus confiscou 226 mil metros cúbicos de toras na divisa do Amazonas com o Pará.

O resultado expressivo da ação não rendeu elogios, mas represálias do governo federal. Após o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ter se deslocado à região para prestar apoio aos madeireiros, o delegado apresentou notícia-crime contra Salles no Supremo Tribunal Federal (STF).

Saraiva foi exonerado e afastado da Amazônia. Atualmente, ele está alocado em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Para o delegado da PF, as ações e discursos do governo sinalizam uma conivência com a atuação de grupos criminosos na região.

"Nós tínhamos o Sistema de Documento de Origem Florestal (SISDOF), que monitorava o trânsito da madeira nativa pelo Brasil, e era público. Em maio do ano passado, foi retirado do ar e nunca mais voltou. É a mesma coisa que tirar da PM a possibilidade de consultar o site do Detran para ver se um carro é furtado ou não. Medidas como esta mostram que não existe nenhuma intenção de combater o crime na Amazônia", afirma Saraiva.

O fim da "indústria da multa"

Após prometer acabar com a "indústria da multa" durante a campanha eleitoral, Bolsonaro desautorizou publicamente ações de combate ao crime ambiental na Amazônia.

Em abril de 2019, primeiro ano de seu governo, o presidente desautorizou uma operação do Ibama em andamento contra o roubo de madeira dentro da Floresta Nacional (Flona) do Jamari, em Rondônia.

"Não é para queimar nada", afirmou Bolsonaro, em referência à destruição de maquinário das atividades criminosas conduzidas por agentes do órgão. A medida, que tem previsão legal, foi repetidamente criticada pelo presidente.

Naquele mesmo ano, Bolsonaro insinuou que poderia repreender agentes que aplicassem esse tipo de pena contra infratores, durante encontro com garimpeiros.

"Quem é o cara do Ibama que está fazendo isso no estado lá?", questionou o presidente. "Se me derem as informações, eu tenho como…", disse, sem completar a frase.

Clima de "liberou geral" na Amazônia

É recorrente ouvir de agentes da fiscalização ambiental que os discursos do presidente da República criaram um clima de "liberou geral" na Amazônia.

"Às vezes, estamos 200 km dentro da mata e tem gente lá dizendo que não deveríamos estar lá porque o presidente falou que iria acabar com a fiscalização", relata Wallace Lopes, diretor da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional).

Na avaliação de Lopes, que é servidor do Ibama desde 2009, o discurso antiambiental do governo é um dos principais motivos para a escalada do desmatamento na Amazônia desde 2019.

"O que o presidente fala não muda a lei, mas as pessoas que estão dentro da floresta não entendem dessa forma. Quando o presidente critica a atuação do Ibama dentro de um garimpo, as pessoas lá dentro sentem que têm apoio do presidente para praticar atividades irregulares. É um incentivo", diz.

Desmatamento e desmonte da fiscalização

Na última sexta-feira (10/06), enquanto Bolsonaro defendia o combate ao desmatamento em seu governo, na Cúpula das Américas, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciou mais um recorde de desmatamento na Amazônia. Nos cinco primeiros meses do ano, uma área de 2.867 km² foi devastada na Amazônia. É o maior valor da série histórica, iniciada em 2016.

As dificuldades impostas em um território coberto por densa floresta tropical tornam a fiscalização da área uma tarefa árdua por essência. Por sua vez, o déficit de pessoal e recursos nos órgãos de fiscalização ambiental é um problema que antecede o governo atual e dificulta ainda mais o combate ao crime na região. O corte de verba sob Bolsonaro reforçou o desmonte da fiscalização ambiental.

Em 2020, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contava com menos de 50% do efetivo previsto para o órgão. A situação também se observa no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e é ocasionada pela falta de reposição para as aposentadorias.

Neste ano, foi realizado um concurso, e cerca de 550 pessoas aguardam convocação. Todavia, desse total, apenas 90 serão alocados na área de fiscalização, mas não apenas na Amazônia, que receberá apenas uma parte desse efetivo.O Ibama teve seu maior efetivo de funcionários em 2012, quando o Brasil registrou o índice de desmatamento mais baixo da série histórica, apresentando queda de 84% na comparação com 2004 — ano em que foi implementado o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia.

Protesto em Brasília cobra informações sobre o paradeiro do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo, desaparecidos em região remota da AmazôniaProtesto em Brasília cobra informações sobre o paradeiro do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo, desaparecidos em região remota da Amazônia

Protesto em Brasília cobra informações sobre o paradeiro de Dom Phillips e Bruno Araújo, desaparecidos em região remota da AmazôniaFoto: Eraldo Peres/AP Photo/picture alliance

Vale do Javari desprotegido

Enquanto essas autarquias foram enfraquecidas, o crime organizado atingiu uma complexidade sem precedentes na Amazônia. É o que se observa na Terra Indígena Vale do Javari, local onde Dom Phillips e Bruno Pereira foram assassinados.

A segunda maior reserva indígena do Brasil se localiza na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, onde cartéis brasileiros e colombianos disputam o controle do acesso ao Rio Amazonas, por onde a cocaína produzida na região é escoada para o mercado europeu.

Nesse contexto, atividades ilegais de extração de madeira, garimpo e caça se associam ao narcotráfico transnacional. O cenário representa enorme risco à fauna e flora locais, aos agentes de fiscalização e, sobretudo, para os cerca de 6 mil indígenas que vivem na região.

O Vale do Javari tem a maior concentração de povos isolados do mundo. São 19 etnias, dentre 26 que habitam a terra indígena. Em 2018, o Ibama fechou o único escritório que mantinha na região, na cidade de Tabatinga (AM), onde dois servidores fixos eram responsáveis por fiscalizar toda a área de 85 mil km² — extensão territorial próxima à de Portugal.

"Este e outros escritórios acabaram fechando pela impossibilidade de mantê-los com poucos servidores, do ponto de vista da segurança dessas pessoas. Mas a causa real é a ineficiência pública, porque se houvesse mais concursos e melhores condições de segurança para os fiscais nessa região, é onde deveriam estar", afirma Wallace Lopes.

O fechamento da unidade tem relação direta com um episódio ocorrido no município de Humaitá (AM), meses antes. Em outubro de 2017, garimpeiros destruíram bases do Ibama e do ICMBio no local, em represália a uma operação do Ibama que apreendeu balsas do garimpo ilegal no Rio Madeira.

Amazônia ainda "tem jeito"?

O cenário de expansão e fortalecimento dos grupos criminosos que atuam na Amazônia pode gerar a impressão de que o Estado não tem mais condições de recuperar esse território. Essa tese, no entanto, é enfaticamente refutada pelos especialistas ouvidos pela DW Brasil.

"A palavra-chave na Amazônia é rastreabilidade", comenta o delegado da PF Alexandre Saraiva. Ele cita o exemplo da operação Korubo, planejada pelo indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Pereira, que levou à destruição de 60 balsas do garimpo ilegal no Vale do Javari, em 2019.

"Hoje, a tecnologia de satélites disponível nos permite ter acesso a imagens do dia anterior. Antes, a busca realizada por aviões afugentava os criminosos, que se precaviam. É possível destruir uma balsa no dia seguinte a ela ter aparecido", diz Saraiva, que destaca a existência de outras tecnologias para o rastreio da origem de mercadorias extraídas ilegalmente, como ouro e madeira.

Militares na Amazônia

Entre 2019 e 2021, o governo federal submeteu o Ibama e o ICMBio ao comando do Exército, por meio do Conselho Nacional da Amazônia, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

As três intervenções realizadas pelas Forças Armadas na Amazônia nesse período foram ineficazes no combate ao desmatamento e consumiram R$ 550 milhões dos cofres públicos. Em apenas um mês, a Operação Verde Brasil 2 teve um gasto equivalente ao orçamento anual do Ibama para fiscalização.

"Se esses R$550 milhões tivessem sido investidos no Ibama, para realização de concurso público, reposição dos quadros e investimento dentro da instituição, a gente entregaria em menos de dois anos o desmatamento abaixo dos 5.000 km² por ano, que foi o recorde obtido em 2012", afirma Wallace Lopes.

O diretor da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente reporta que os militares trouxeram uma defasagem para a atuação dos órgãos de fiscalização ambiental, que se baseavam no trabalho de inteligência e uso de tecnologia.

"Eles trouxeram formas de fiscalização que não utilizávamos há 15 anos", diz. "Por exemplo, estávamos fiscalizando estradas para tentar pegar caminhões de madeira. Isso significa que a madeira estava sendo extraída em algum lugar. Eu quero saber onde ela está sendo cortada e impedir que essa área seja desmatada, em vez de ficar na BR-163 esperando para pegar um caminhão", detalha.

Alexandre Saraiva, da PF, critica ainda a frágil atuação das Forças Armadas no policiamento das regiões de fronteira. "A doutrina que prevalece ainda é a do inimigo externo, quando, na verdade, existe um inimigo muito mais poderoso nas barbas das Forças Armadas. Temos verdadeiros heróis na PF, no Ibama, na Funai, mas só o Exército e a Marinha têm estrutura operacional para confrontar essas organizações criminosas", avalia.

Responsabilidade internacional

Ambos os especialistas ouvidos pela DW Brasil ressaltam que a fiscalização constitui um remédio imediato para problemas com causas estruturais. A geração de alternativas econômicas para os povos da floresta é um dos pontos mais enfatizados, uma vez que dificuldades econômicas empurram a população local para atividades criminosas.

Outro aspecto ressaltado é a responsabilidade dos países europeus na implementação de protocolos mais rígidos para fiscalizar a origem dos produtos comercializados a partir da região. Uma vez que os criminosos utilizam fazendas e garimpos legais para "lavar" a produção ilegal, os meios utilizados atualmente para certificar as commodities exportadas pelo Brasil são considerados insuficientes.

É o caso do certificado FSC (Forest Stewardship Council, ou Conselho de Manejo Florestal, em português), selo verde mais conhecido no mundo hoje. A empresa responsável não cobre todas as etapas da produção, especialmente as do transporte e do depósito, justamente as mais sensíveis.

"Isso só serve para o consumidor europeu dormir mais tranquilo, porque não adianta nada", afirma o delegado da PF. "É urgente que a Europa mude o regulamento 995/2010, que trata da importação de madeira, porque é extremamente permissivo para práticas ilegais."

Área desmatada com toras empilhadas na AmazôniaÁrea desmatada com toras empilhadas na Amazônia

Madeira: principal vetor do desmatamento

Embora o cultivo de soja e gado costumem ser tratados como os principais vetores do desmatamento na Amazônia, Saraiva destaca que o comércio de madeira é o principal motor de destruição da floresta.

"É a madeira que financia o resto. Depois, vem o gado? Vem. Vem a soja? Vem. Pode chegar depois até um shopping center, não importa, a floresta já vai estar no chão. Como estratégia de Estado, devemos atacar o que dá dinheiro imediato para a organização criminosa, que é justamente a madeira", afirma.

Na avaliação do delegado, 99% da madeira que sai da Amazônia hoje é ilegal, dada a dificuldade de competir com a produção irregular, baseada em mão de obra análoga à escravidão e furto de energia da rede elétrica.

"Para mudar esse cenário, precisamos do apoio da comunidade internacional. Nós, como humanidade, repudiamos os CFCs [clorofluorcarbonetos] para defender a camada de ozônio. É preciso que agora nós repudiemos a madeira vinda da Amazônia, como forma de salvar a floresta", defende.

João Pedro Soares, o autor desta matéria, é correspondente da Deutsche Welle no Rio de Janeiro. Publicado originalmente em https://www.dw.com/pt-br/amaz%C3%B4nia-se-tornou-uma-terra-sem-lei-apontam-especialistas/a-62121755, 16.06.22.

Jornalistas são 'categoria sob ataque' no Brasil, diz presidente de associação de correspondentes

O Brasil abriga cerca de 60 jornalistas estrangeiros, que fazem coberturas sobre o país para o exterior, de acordo com os cálculos feitos por entidades que reúnem profissionais da área.

Dom Phillips pretendia entrevistar fazendeiros e garimpeiros em seu livro sobre a Amazônia, de acordo com a esposa do britânico (Arquivo Pessoal)

Naturalmente, diante das últimas notícias envolvendo o assassinato do colega britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, muitos dizem estar "em choque e consternados".

'Hoje se inicia nossa busca por justiça': o que disseram os familiares de Bruno Pereira e Dom Phillips

'Capítulo escuro na história sangrenta da Amazônia': como imprensa internacional repercutiu confissão de assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira

Para o jornalista italiano Carlo Cauti, que trabalha no país desde 2012 e é o atual presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo (ACE), as notícias envolvendo Phillips e Pereira tiveram "um impacto muito pesado e muito ruim" na comunidade de profissionais de imprensa de outros países.

"No começo, quando surgiram as primeiras informações sobre o desaparecimento, a gente torcia para que eles tivessem se perdido na floresta e logo fossem encontrados", conta.

"Com o passar do tempo, muitos correspondentes começaram a achar que o pior tinha realmente acontecido", completa.

Jornalistas ameaçados

Cauti, que trabalhava para revistas e agências de notícias da Itália e hoje é editor da Exame, avalia que, entre jornalistas estrangeiros, "o Brasil nunca foi considerado um lugar tranquilo de trabalhar, especialmente em algumas regiões da Amazônia".

Ele também aponta que a repercussão internacional do caso, especialmente na mídia do Reino Unido, vai impactar a forma como os correspondentes atuam no país.

"O Brasil não é um Iraque ou um Afeganistão, mas nunca foi visto como um lugar tranquilo para jornalistas", reforça.

Para sustentar esse ponto de vista, ele lembra da quantidade de profissionais da imprensa brasileiros que são assassinados todos os anos no país.

"Quantos jornalistas morreram e nem viraram notícia? Geralmente, eles trabalham em veículos locais de pequenas cidades e são a única fonte de informação independente", observa.

"Daí eles fazem alguma cobertura que desagrada um mandatário local, ou um cacique político, e acabam mortos."

"O Brasil registra um total de 60 mil homicídios por ano. Muitos jornalistas acabam mortos e Dom Phillips foi um deles. Ele fazia parte de uma categoria inteira que está sob ataque", complementa.

O relatório Ameaças que Silenciam, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) calcula que, entre 2016 e 2020, 14 jornalistas foram assassinados no Brasil.

Isso coloca o país no décimo lugar do ranking de nações com mais assassinatos entre profissionais da imprensa, atrás de México (61 mortos), Afeganistão (51), Síria (34), Iêmen (24), Iraque (23), Paquistão (23), Índia (22), Somália (18) e Filipinas (16).

Além do risco à vida, repórteres e editores que trabalham no Brasil também estão expostos a ameaças e agressões: segundo um levantamento da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), foram registrados 145 casos de violência não letal com profissionais da área somente em 2021.

Os tipos de ataques mais comuns são ofensas (53 casos), agressões (34), intimidações (26), ameaças (12) e atentados (8).

Brasil é o décimo país que mais registrou assassinatos de jornalistas entre 2016 e 2020 (Getty Images)

Para Cauti, existem formas de evitar que novos episódios como o de Dom Phillips aconteçam.

"A primeira coisa que precisa ser feita pelas autoridades é garantir uma punição exemplar aos responsáveis por essa barbárie".

O presidente da ACE considera ser difícil garantir totalmente a segurança dos profissionais de imprensa em todo o país.

"Não é factível pensar em 100% de segurança em áreas tão remotas, onde não existe qualquer possibilidade de contar com policiamento por motivos financeiros, logísticos ou legais", analisa.

"Mas se um caso desses recebe uma punição exemplar, isso se transforma num sinal claro de que algo assim não pode acontecer nunca mais no país", diz.

Choque e consternação

Além da ACE, de São Paulo, existe uma segunda entidade representativa dos jornalistas internacionais que atuam no país: a Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE), sediada no Rio de Janeiro.

Nas redes sociais, o grupo se manifestou logo após os anúncios de quarta-feira (15/6), quando a Polícia Federal confirmou que suspeitos confessaram o assassinato de Phillips e Pereira.

No texto divulgado, os responsáveis pela ACIE afirmam que "toda a comunidade de correspondentes estrangeiros no Brasil se encontra em choque e consternada".

"Embora ainda estejamos aguardando as confirmações definitivas, essa é uma matéria que nunca gostaríamos de escrever. Dom foi da diretoria da ACIE por 4 anos e era amigo pessoal de muitos de nossos associados. Bruno era uma referência para qualquer jornalista internacional que fosse a trabalho para a região do Vale do Javari, no Estado do Amazonas. Os dois eram profissionais muito experientes, competentes e com uma paixão em comum: a floresta amazônica e a defesa dos povos indígenas."

Foto publicada nas redes sociais de uma reunião da ACIE em 2015 com a participação de Dom Phillips

Nas redes sociais, a ACIE publicou uma foto de uma reunião da associação de 2015, com a participação de Dom Phillips (ao fundo, de camiseta verde) (Divulgação / ACIE)

A nota ainda diz que os profissionais de imprensa estrangeiros estão "muito apreensivos e cobram providências urgentes das autoridades competentes".

"Pedimos, com muita veemência, que a justiça seja feita."

"Também expressamos nossa indignação diante do crescente aumento da violência contra jornalistas em todas as regiões do Brasil. A liberdade de expressão e de imprensa são garantias constitucionais e devem ser respeitadas no país", finaliza o texto.

Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61827473 (BBC News Brasil, em 16.06.22).

sexta-feira, 17 de junho de 2022

É coveiro, sim

                                O mundo inteiro, agora, sabe quem é Bolsonaro

Em 2020, no auge da Covid, Jair Bolsonaro preferia passear de jet ski a visitar os hospitais abarrotados e solidarizar-se com os profissionais que arriscavam a vida. Enquanto brasileiros morriam por falta de oxigênio, Bolsonaro imitava uma pessoa lutando para respirar. Já então eram-lhe oferecidas vacinas, que ele desprezava em função da cloroquina. E, quando os cemitérios tiveram de abrir covas rasas para comportar milhares, ele celebrou essa tragédia com uma frase: "E daí? Não sou coveiro".

Agora Bolsonaro terá de ser coveiro. Está diante de dois mortos que o mundo não deixará insepultos: o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Queira ou não, são seus mortos, assassinados pelos exploradores, traficantes e pistoleiros a quem ele entregou a Amazônia. Por "ele", leiam-se Bolsonaro ele mesmo, seu cínico vice-presidente Hamilton Mourão, presidente decorativo do Conselho Nacional da Amazônia, e o ex-ministro Ricardo "Boiada" Salles.

Bruno e Dom foram mortos a tiros, esquartejados, possivelmente incendiados e enterrados na floresta. Não se sabe a que se reduziram seus corpos —ou "remanescentes humanos", como foram chamados pelas autoridades. É insuportável imaginar que dois seres humanos, até há pouco na plenitude de suas forças e virtudes, sejam neste momento material de laboratório e, pior ainda, em Brasília, não muito longe do homem que os responsabilizou pela própria morte chamando-os de "aventureiros" e "excursionistas".

Seja o que tiver restado deles, mesmo que uma unha, terá de ser entregue às suas famílias e sepultado

—Bruno, aqui mesmo, e Dom, quem sabe em seu país. Era o que Bolsonaro mais temia: a prova física do crime. A partir de agora, ninguém mais, em qualquer parte, poderá dizer que o desconhece.

Os coveiros da Covid eram heróis. O coveiro da Amazônia pode ser chamado de muita coisa —você escolhe.

Ruy Castro, o autor deste artigo, é Jornalista e escritor. Autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 16.06.22

Mariliz: o Brasil é uma selva

Uma selva habitada por homens desinteressados pelo paradeiro de Dom e Bruno

A imagem mais clichê que se tem do Brasil no exterior não é exagerada. O Brasil é uma selva. Mas em vez de onças, anacondas e jacarés, o animal que coloca em risco a vida das pessoas é o político brasileiro. A letargia do governo em mobilizar esforços para procurar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips é sintoma da selvageria em que vivemos.

Jair Bolsonaro nem tentou fingir alguma preocupação quando questionado sobre o caso. Classificou como "aventura não recomendada" o trabalho dos profissionais. Minimizou a violência à qual a região está exposta, afirmando que os dois podem ter sido vítimas de uma "maldade". Desde quando dois possíveis assassinatos podem ser chamados de "maldade"? No Brasil de Bolsonaro.

Ele, que gosta de dizer que a Amazônia é dos brasileiros, parece ignorar —ou não se importa mesmo— de que já deu no New York Times que a posse foi entregue a traficantes, pistoleiros, invasores de terra e matadores de indígenas. Bolsonaro conseguiu a façanha de mostrar que não são só nossas florestas que estão à mercê da milícia, mas o país inteiro, refém do bolsonarismo sustentado pelo centrão.

Bolsonaro et caterva normalizam fome, desemprego, mortes na pandemia, chacinas em favelas e violência contra ativistas e jornalistas, atacam instituições, incitam violência, ameaçam adversários políticos. O desaparecimento de Bruno e Dom é tratado como vírgula num cotidiano de barbárie, marca deste governo violento.

A imagem de um país exótico em que os macacos andam no meio dos carros é caricata, mas parte da classe política se encaixa nessa descrição de um Brasil subdesenvolvido, habitado por bárbaros que usariam a lei de talião se pudessem. A verdadeira selva brasileira foi projetada por Niemeyer, fica no Planalto Central e é habitada por homens de terno e gravata que não estão interessados no paradeiro de Dom e Bruno e no que isso representa.

Mariliz Pereira Jorge, a autora deste artigo, é Jornalista e roteirista. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 14.06.22

O ecossistema do crime na Amazônia

Enquanto o presidente combate fantasmas, cresce a verdadeira ameaça à soberania da Amazônia: um narcoestado paralelo entrelaçado aos crimes ambientais

   O desaparecimento do indigenista Bruno Araújo e do jornalista Dom Philips despertou o mundo para um mal que atinge a região do Alto Solimões, na fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, mas que se alastra cronicamente por toda a Amazônia. A escalada do narcotráfico está cada vez mais entrelaçada a uma velha rede de ilicitudes, como o garimpo e a extração de madeira, formando um ecossistema do crime. A Amazônia é hoje um barril de pólvora onde se misturam três mazelas que destroem a reputação do Brasil no mundo: a violência, a miséria e a devastação ambiental.

Na última década, o Brasil passou de um mercado consumidor da cocaína latino-americana para um dos principais fornecedores do planeta. Organizações como o PCC, o Comando Vermelho e a Família do Norte passaram a orquestrar o transporte transatlântico de cocaína, seja a da Colômbia e do Peru, passando pela rota amazônica até os portos do Nordeste, seja a da Bolívia, passando pelo interior do Centro-Oeste aos portos do Sudeste. A média de apreensões, que entre 1995 e 2004 era de 6 toneladas ao ano, explodiu nos últimos seis anos para 50 toneladas.

Segundo a ONU, o País responde por 7% das apreensões globais, atrás apenas de Colômbia (34%) e EUA (18%). O Brasil é a quarta maior origem para a Oceania e a primeira para a Ásia e a África, e está se tornando para a Europa o que o México é para os EUA.

Na Amazônia, o narcotráfico se entrelaça com os crimes ambientais. As facções se valem dos carregamentos clandestinos de madeira e manganês para escoar as drogas, e também estão envolvidas na mineração ilegal de ouro e invasão de terras indígenas. “Esses grupos criam empresas, lavam dinheiro e tomam parte no contrabando e no tráfico de armas e drogas”, diagnosticou Aiala Couto, um dos coordenadores da pesquisa Cartografias das Violências na Região Amazônica, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O estudo constata que, entre 1980 e 2019, enquanto no Sudeste os homicídios caíram 19%, no Norte aumentaram 260%. A dinâmica também se diferencia pela acentuada interiorização: enquanto nos municípios rurais do País a violência cai, nos amazônicos, cresce. Para não deixar dúvidas sobre a imbricação entre crimes ambientais, grilagem e as dinâmicas das facções, nos municípios sob pressão do desmatamento, as taxas de homicídios são bem superiores à da Amazônia Legal.

No Alto Solimões, os cartéis de Miami, Medellín e Sinaloa mantêm um grande esquema de transporte de armas e drogas, pistolagem, lavagem de dinheiro e pesca e caça ilegais, que se mescla aos negócios de comerciantes, pescadores, caçadores e políticos locais. A polícia trabalha com a hipótese de que atravessadores tenham assassinado Araújo e Philips por causa dos prejuízos que suas investigações causavam à pesca ilegal.

“A criminalidade à frente das ilicitudes ambientais tem efeitos brutais, incluindo mais insegurança e corrosão da autoridade”, disseram R. Muggah e M. Margolis, do Instituto Igarapé, em artigo para a Reuters. “O Brasil megalopolitano conhece esse roteiro bem demais. Os municípios no caminho da onda de crimes amazônicos devem agora escrever o seu.” 

O mero envio de forças militares é caro e pouco efetivo para enfrentar o ecossistema do crime. “É preciso investir no fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectem esferas federal e estadual, e, em especial, diferentes órgãos e Poderes (Polícias, MP, Defensorias, IBAMA, ICMBio, Judiciário, entre outros)”, aponta o Fórum.

Mas é precisamente essa tessitura de uma rede institucional que tem sido explicitamente desconstruída pela agenda antiambientalista de Jair Bolsonaro. O mesmo presidente que nutre paranoias conspiratórias sobre ameaças à soberania da Amazônia por parte de Estados e ONGs e gosta de desafiar autoridades que poderiam auxiliar o Brasil no combate a organizações criminosas cada vez mais sofisticadas e internacionalizadas faz vista grossa à real e crescente ameaça às vidas, ao desenvolvimento e à soberania da região: o sequestro da Amazônia por um narcoestado paralelo.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 16.06.22

Scholz, Macron e Draghi, visita inédita à Ucrânia

Segundo Macron, trio que representa maiores economias da UE viajou para transmitir "mensagem de unidade europeia aos ucranianos". Em visita a um subúrbio de Kiev, Scholz critica "crueldade" da "guerra russa".

O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, o presidente da França, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, que representam as três maiores economias da UE, chegaram nesta quinta-feira (16/06) à Ucrânia. Segundo Macron, o trio viajou ao país para transmitir "uma mensagem de unidade europeia aos ucranianos" em meio à guerra de agressão da Rússia contra o país do leste europeu.

Além dos três líderes europeus, o presidente da Romênia, Klaus Iohannis, também viajou para a Ucrânia. Os quatro se reuniram com o presidente ucraniano Volodimir Zelenski.

[Esta viagem] é uma mensagem de unidade europeia aos ucranianos e ucranianas, de apoio para falar do presente e do futuro, porque sabemos que as próximas semanas serão muito difíceis", assinalou Macron numa breve declaração.

O alemão Olaf Scholz, por sua vez, afirmou, pouco antes da sua chegada a Kiev, que o objetivo da viagem é garantir a solidariedade e a continuidade do apoio à Ucrânia.

"Não só queremos demonstrar solidariedade, como garantir também que a ajuda que estamos organizando - financeira, humanitária, mas também de armamento - continuará. E que continuaremos com ela quanto tempo for necessário para a luta pela independência da Ucrânia", disse Scholz.

No entanto, membros do governo ucraniano expressaram publicamente o temor de que os três líderes possam usar a visita para pressionar o governo ucraniano a aceitar um acordo de paz que seja favorável ao regime do presidente russo Vladimir Putin, como forma de colocar um ponto final no conflito. A Alemanha e a França mantêm relações tumultuadas com Kiev e membros do governo ucraniano regularmente criticam o que chamam de "hesitação" desses dois países em apoiar a Ucrânia com mais armas. 

Recentemente, Macron afirmou que era vital que o Ocidente não "humilhasse" Putin. Atualmente, a Rússia ocupa 20% do território da Ucrânia. Macron e Scholz também foram recentemente criticados pela Polônia, país aliado da Ucrânia, por causa dos contatos frequentes que os líderes da Alemanha e França mantêm com Putin.

Scholz, Macron, Draghi e Iohannis em reunião com Zelenski, em KievFoto: Ludovic Marin/AFP/Getty Images

Viagem

Macron, Scholz e Draghi viajaram juntos durante a de quarta para quinta-feira num trem especial que partiu de uma estação na Polónia - que não foi identificada.

Os líderes viajaram em vagões diferentes, mas realizaram uma reunião de cerca de duas horas para discutir sobre o encontro que vão ter com Zelenski. Os três se deixaram fotografar durante essas conversas.

A imprensa italiana destacou as fortes medidas de segurança que garantiram a passagem do trem como o esquema organizando em Kiev, que vai contar com 300 membros do exército ucraniano.

Draghi, Macron e Scholz durante deslocamento por trem em direção à UcrâniaFoto: Ludovic Marin/AFP

Os três líderes foram recebidos com sirenes de ataque aéreo na capital ucraniana, já que a Rússia continua a atacar alvos em todo o país. Autoridades ucranianas informaram nesta quinta-feira que um foguete russo lançado durante a noite atingiu um subúrbio de Sumy, no norte da Ucrânia, matando quatro pessoas e ferindo seis.

Logo após sua chegada na Ucrânia, os três líderes foram fotografados visitando Irpin, uma cidade a poucos quilômetros de Kiev que foi palco de combates violentos nas​nas primeiras semanas da invasão da Rússia.

No local, Scholz disse que Irpin tornou-se um símbolo da "crueldade" da invasão russa da Ucrânia e sua violência. "Irpin, como Bucha, tornou-se um símbolo da crueldade inimaginável da guerra russa, da violência sem sentido", disse Scholz, mencionando Bucha, cidade ucraniana que foi palco de chacinas atribuídas às forças invasoras russas. "A destruição brutal desta cidade é um aviso: esta guerra deve acabar", completou Scholz.

Já Macron denunciou a "barbárie" que ocorreu na cidade. "É uma cidade heroica, marcada pelos estigmas da barbárie", disse o presidente francês a jornalistas.

A Rússia respondeu com desprezo ao anúncio da visita do trio. Aliado de Putin, o ex-presidente Dimitri Medvedev tuitou uma mensagem repleta de estereótipos sobre a França, Alemanha e Itália. "Os fãs europeus de rãs, salsichas de fígado e espaguete adoram visitar Kiev. Com zero utilidade. Prometem adesão à UE e velhos obuseiro para a Ucrânia, satisfazem-se com gorilka [um tipo de vodca ucraniana] e voltam para casa de trem, como há 100 anos. Tudo está bem. No entanto, isso não traz a Ucrânia mais perto da paz. O relógio está correndo", escreveu o político russo.

Momento delicado

A visita do trio ocorre em um momento delicado, com a Ucrânia intensificando suas queixas sobre a lentidão na entrega de armas pelo Ocidente. Scholz tem sido o principal alvo de reclamações por parte de Kiev. Tem sido comum ver o embaixador ucraniano em Berlim, Andrij Melnyk, reclamar da hesitação alemã e denunciar que as armas prometidas por Berlim não estão sendo entregues. Em abril, as relações entre Berlim e Kiev atingiram um ponto baixo após Kiev rejeitar uma visita do presidente alemão Frank-Walter Steinmeier.

Scholz com o presidente Zelenski. Relações entre a Alemanha e Ucrânia tem sido tumultuadas desde o início da guerraFoto: Sergei Supinsky/AFP/ Getty Images

A primeira visita conjunta dos líderes também ocorre uma semana antes da cúpula da UE, onde os líderes europeus devem discutir sobre o desejo da Ucrânia de ingressar no bloco de 27 países. A Ucrânia não disfarça que espera um gesto simbólico muito forte nessa reunião, como uma declaração de apoio da candidatura do país à UE.

No entanto, as aspirações de Kiev são vistas com reservas por vários países do bloco. O governo francês, por exemplo, insistiu que é preciso encontrar "um equilíbrio entre as aspirações ucranianas" e as de outros países que já negociam suas adesões na UE sem "desestabilizar nem fraturar a UE". Macron também já disse que a adesão de Ucrânia pode "demorar décadas".

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 16.06.22

Líderes europeus apoiam Ucrânia para ser candidata à UE

O chanceler alemão, Olaf Scholz, o presidente francês, Emmanuel Macron, o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, e o presidente romeno, Klaus Iohannis, reuniram-se em Kiev com presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.

O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, que representam as três maiores economias da União Europeia (UE), além do presidente romeno, Klaus Iohannis, reuniram-se em Kiev nesta quinta-feira (16/06) com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, e afirmaram apoiar que a Ucrânia ganhe o status de país candidato à UE.

A Comissão Europeia deve informar na próxima semana se concederá à Ucrânia esse status, que significa o início de um longo processo para tentar aderir ao bloco.

Zelenski tem feito pressão pela rápida admissão da Ucrânia à UE, como uma forma de reduzir a vulnerabilidade geopolítica do seu país, que sofre uma invasão russa desde 24 de fevereiro. Mas autoridades e líderes do bloco advertem que, mesmo com o status oficial de país candidato, o processo de adesão pode levar anos ou mesmo décadas.

Em uma coletiva de imprensa em Kiev, Scholz disse que o governo alemão apoia o pedido de Kiev para ter status de candidato à UE, e Macron afirmou que "nós quatro apoiamos o status imediato de candidato à União Europeia". 

"É um momento importante. É uma mensagem de unidade que estamos enviando aos ucranianos", disse o francês, pouco depois que os líderes chegaram de trem.  

"Estamos em um ponto de inflexão na nossa história. O povo ucraniano defende diariamente os valores da democracia e da liberdade que sustentam o projeto europeu, o nosso projeto. Não podemos esperar. Não podemos atrasar este processo", disse Draghi, ao apoiar o status de candidato para a Ucrânia.

"Estamos prontos para trabalhar para que nosso Estado se torne membro pleno da UE", disse Zelenski. "Os ucranianos já ganharam o direito de seguir por este caminho e obter o status de candidato."

Pedidos de mais armas

Durante a coletiva de imprensa, Macron anunciou que Paris entregará "mais seis howitzers móveis Caesar" à Ucrânia, e Scholz prometeu fornecer apoio militar para a Ucrânia "pelo tempo que for necessário".

A ministra da Defesa alemã, Christine Lambrecht, disse na quarta-feira que Berlim forneceria à Ucrânia três sistemas de lançamento múltiplo de foguetes M270 (conhecidos em alemão como MARS II) – um a menos do que as quatro unidades que o governo alemão havia planejado enviar inicialmente.

Zelenski afirmou durante a coletiva que, quanto mais armas receber, mais rápido poderá retomar o território ocupado pela Rússia. 

"Cada dia de atraso ou de decisões adiadas é uma oportunidade para os militares russos matarem ucranianos ou destruirem nossas cidades", disse Zelenski. "Há uma correlação direta: quanto mais armas poderosas recebermos, mais rápido poderemos libertar nosso povo, nossa terra."   

O presidente romeno, Klaus Iohannis, condenou a "o uso dos grãos como arma" pela Rússia, dizendo que isso estava tendo um impacto global.

Scholz: "Crueldade inimaginável"

Antes da coletiva de imprensa, os líderes europeus observaram a destruição na cidade de Irpin, vizinha a Kiev.

Scholz disse que a cidade havia passado por uma "crueldade inimaginável" e "violência sem sentido". Foram encontradas valas comuns na cidade de Bucha, que também fica perto de Kiev. 

Scholz, Macron e Draghi visitaram a cidade de Irpin, vizinha a Kiev.Foto: Ludovic Marin/AP/picture alliance

Macron condenou a "barbárie" dos ataques russos e elogiou os moradores locais que lutaram contra a tentativa fracassada da Rússia de controlar o território ao redor da capital. 

"Eles destruíram as creches, os parques infantis, e tudo será reconstruído", disse Draghi, prometendo apoio europeu para reerguer a Ucrânia.

Em um post no Twitter, Iohannis escreveu que "não há palavras para descrever a inimaginável tragédia humana e a horrível destruição" em Irpin.

A viagem ocorreu em meio às críticas de que países europeus não estariam fazendo o suficiente para ajudar a Ucrânia a resistir à invasão.

Publicado oriiginalmente por Deutsche Welle Brasil, em 16.06.22.

bl (Reuters, AP, AFP, dpa) 

Autoridades negligenciam papel de indígenas em buscas no Amazonas

Voluntários indígenas tiveram papel fundamental nas buscas por Phillips e Pereira, mas foram excluídos de coletiva de imprensa liderada pela PF. Delegado sequer mencionou indígenas em agradecimentos iniciais.

Autoridades brasileiras trataram com negligência e invisibilizaram o papel de voluntários indígenas nas buscas pelo jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira.

A coletiva de imprensa em Manaus liderada pela Polícia Federal na quarta-feira (15/06), que detalhou as conclusões das investigações, foi marcada pela exclusão completa de representantes dos povos indígenas do Vale do Javari, a região onde Phillips e Pereira foram assassinados. A mesa acabou sendo dominada por representantes uniformizados de forças de segurança do Estado brasileiro.

Na quarta-feira, mais de cem voluntários indígenas de cinco etnias diferentes do Vale do Javari estavam participando das buscas, que se estenderam por dez dias. Indígenas guiaram membros de forças de segurança na mata e também foram responsáveis por localizar objetos das vítimas, ajudando a delimitar com mais precisão a área das buscas pela dupla.

Durante a coletiva de quarta-feira, o superintendente da Polícia Federal do Amazonas (PF-AM), Alexandre Fontes, listou em seus agradecimentos uma série de organizações oficiais do Estado brasileiro – Ministério Público do Amazonas, Corpo de Bombeiros e Forças Armadas, entre outras – por seu papel nas buscas e na elucidação do crime. Fontes, no entanto, não mencionou os indígenas.

O delegado somente abordou o papel dos indígenas após ser questionado sobre a ausência da menção por uma jornalista estrangeira, já na fase de perguntas da coletiva de imprensa.

Ao ser cobrado, Fontes, ladeado por representantes uniformizados da Marinha, Exército e Polícia Militar, finalmente afirmou que foi "um equívoco" não mencionar o "trabalho realizado em parceria com ribeirinhos e indígenas". Antes de corrigir o "equívoco", Fontes havia passado o microfone para os representantes uniformizados, que por sua vez trocaram elogios sobre o papel das suas agências e órgãos oficiais, sem também mencionar os indígenas.

No entanto, Fontes ainda evitou mencionar o papel da União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que deu início às buscas pela dupla ainda no mesmo dia em que Phillips e Pereira foram vistos com vida pela última vez, em 5 de junho.

No dia 11 de junho, voluntários indígenas foram responsáveis por encontrar pertences da dupla numa lona em uma área de igapó, numa região de difícil de acesso. Segundo a Univaja, a descoberta foi comunicada às autoridades, que isolaram o local no dia seguinte. Imagens divulgadas pelo canal de TV britânico Channel 4 mostram o momento em que os objetos foram localizados.

Indígenas também foram responsáveis por encontrar o barco de Amarildo da Costa Oliveira, o "Pelado", que confessou ter assassinado o jornalista e o indigenista. Além disso, eles ajudaram a guiar membros das forças de segurança nas matas.

Nesta quinta-feira (16/06), a postura das autoridades de ignorar as ações dos indígenas prosseguiu. Uma nota de pesar divulgada nesta manhã pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, afirma: "[o ministério] enaltece o trabalho realizado pela Polícia Federal e pelas Forças Armadas, que rapidamente elucidaram o caso" — sem mencionar o papel dos povos do Vale do Javari.

Nos primeiros dias após o desaparecimento da dupla, o governo brasileiro foi alvo de críticas e acusado de lançar uma reposta lenta e de inicialmente se empenhar pouco nas buscas. A Justiça Federal chegou a ser acionada para ordenar que o governo disponibilizasse mais recursos

Para a Univaja, apenas a PM local tratou indígenas como "verdadeiros parceiros na busca"

Em nota divulgada na noite de quarta-feira, a Univaja, organização que representa as etnias Marubo, Matis, Matsés, Kanamari, Korubo, Tsohom-dyapa e povos isolados do Vale do Javari, detalhou seu papel nas buscas.

"Nós, Univaja, participamos ativamente das buscas desde o dia 05/06/22 através da Equipe de Vigilância da Univaja (EVU). Fomos os primeiros a percorrer o rio Itaquaí atrás de Pereira e Phillips ainda no domingo, primeiro dia do desaparecimento dos dois. Desde então, a única instância que esteve ao nosso lado como parceira nas buscas foram os policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM)."

"Fomos nós, indígenas, através da EVU, que encontramos a área que, posteriormente, passou a ser alvo das investigações por parte de outras instâncias, como a Polícia Federal, o Exército, a Marinha, o Corpo de Bombeiros etc. Foi a equipe de vigilância da Univaja que entrou na floresta em busca de Pereira e Phillips para dar uma satisfação aos seus familiares. Foi a equipe de vigilância da Univaja, a EVU, que indicou para as autoridades o perímetro a ser vasculhado em profundidade pelos órgãos estatais", continua a nota.

"Para isso, nós contamos com a colaboração e proteção constante dos policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM): os únicos a nos tratarem como verdadeiros parceiros na busca, valorizando o nosso conhecimento e a nossa sabedoria enquanto povos indígenas, conhecedores do nosso território".

Ainda na nota, a Univaja agradeceu o comandante da PM local e a imprensa nacional e internacional. "Viemos à público prestar agradecimentos ao Coronel Cavalcante, aos policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM) que nos acompanharam nas buscas, e também à imprensa nacional e internacional que foi nossa parceira, nos ajudando a levar para o mundo inteiro ouvir a nossa voz e conhecer o que está acontecendo em nossa região."

Phillips e Pereira desapareceram em 5 de junho. Dez dias depois, investigações apontaram que eles foram asassinadosFoto: Eraldo Peres/AP Photo/picture alliance

Ainda na quarta-feira, o assessor jurídico da Univaja, Eliésio Marubo, criticou durante uma live transmitida no Instagram o que chamou de "soberba" da Polícia Federal. "A PF foi soberba, assumiram para si como se tivessem fazendo todo o trabalho e não foi", disse.

Ainda na nota, a Univaja classificou o assassinato de Pereira e Phillips como "crime político" e alertou que os dois suspeitos presos pelos assassinatos, Amarildo e seu irmão, "fazem parte de um grupo maior". "O que acontecerá conosco? Continuaremos vivendo sob ameaças?", finaliza a nota da Univaja.

Antes de ter sido ignorada na coletiva, a Univaja havia sido alvo em 10 de junho de uma nota agressiva por parte da Fundação Nacional do índio (Funai), órgão federal do Estado brasileiro responsável por promover políticas de proteção aos povos indígenas, mas que, sob o governo Bolsonaro, passou por um processo de desmonte e aparelhamento por militares, ativistas evangélicos e militantes de extrema direita.

Na nota, a Funai acusou a Univaja de divulgar informações "inverídicas" e acusou Pereira e Phillips – naquele momento ainda desaparecidos – de não possuírem autorização para entrar em terras indígenas no Vale do Javari. A Univaja rebateu a Funai e disse que Phillips não entrou nas terras indígenas da região e que Pereira tinha documentação em ordem. A região específica em que os dois desapareceram não é parte da terra indígena. A Funai ainda ameaçou acionar o Ministério Público Federal contra a Univaja.

Após um pedido da Defensoria Pública da União, que acusou a Funai de usar um "tom intimidatório", a Justiça Federal do Amazonas mandou a fundação retirar a nota do seu site.

Até outubro de 2019, Pereira foi o responsável pela Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai, quando foi exonerado por pressão política, já no governo Bolsonaro e quando a Funai estava sob a jurisdição do então ministro da Justiça Sergio Moro. Em seu lugar, foi indicado um delegado da Polícia Federal, apoiado pela bancada ruralista.

Viúva de Phillips diz que inicia "jornada em busca por justiça"

A viúva do jornalista britânico Dom Phillips, que foi assassinado na Amazônia com o indigenista Bruno Pereira, declarou na noite de quarta-feira, em nota, que agora "se inicia" uma "jornada em busca por justiça".

A nota foi divulgada após a PF confirmar que foram encontrados restos mortais na área em que a dupla desapareceu e que um suspeito confessou ter assassinado Phillips e Pereira.

"Embora ainda estejamos aguardando as confirmações definitivas, este desfecho trágico põe um fim à angústia de não saber o paradeiro de Dom e Bruno. Agora podemos levá-los para casa e nos despedir com amor", declarou Sampaio, que vivia com Phillips em Salvador. 

Forças de segurança participando das buscas Phillips e PereiraForças de segurança participando das buscas Phillips e Pereira

Forças de segurança participando das buscas. Agências e órgãos federais não dividiram crédito com indígenasFoto: Bruno Kelly/REUTERS

Jornalista veterano e colaborador do The Guardian, Phillips, de 57 anos, vivia no Brasil há 15 anos. Ao longo da sua carreira, ele também escreveu para vários outros veículos internacionais, incluindo Financial Times, New York Times e Washington Post, além de ter produzido reportagens para o serviço em inglês da Deutsche Welle (DW).

"Hoje, se inicia também nossa jornada em busca por justiça. Espero que as investigações esgotem todas as possibilidades e tragam respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais rapidamente possível", completou Sampaio.

A viúva também agradeceu aos indígenas e à Univaja, pelo papel nas buscas por Phillips e Pereira.

"Agradeço o empenho de todos que se envolveram diretamente nas buscas, especialmente os indígenas e a Univaja. Agradeço também a todos aqueles que se mobilizaram mundo afora para cobrar respostas rápidas. Só teremos paz quando as medidas necessárias forem tomadas para que tragédias como esta não se repitam jamais. Presto minha absoluta solidariedade com a Beatriz e toda a família do Bruno", finalizou Sampaio.

Jean-Philip Struck para a Deutsche Welle Brasil, em 16.06.22

'Capítulo escuro na história sangrenta da Amazônia':

Como imprensa internacional repercutiu confissão de assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira. 


Bruno Arújo (à esq.) e Dom Phillips desaparecidos desde 5 de junho

A imprensa internacional repercutiu a informação dada por autoridades brasileiras de que um pescador confessou ter assassinado o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips na Amazônia. Os dois estão desaparecidos desde o dia 5 de junho, e na quarta-feira (15/6) a Polícia Federal disse ter encontrado restos humanos — com "grandes chances" de que esse material seja os corpos da dupla.

O jornal americano New York Times afirmou que os desaparecimentos são "um capítulo escuro na recente história sangrenta da Amazônia".

"Phillips dedicou grande parte de sua carreira a contar as histórias do conflito que devastou a floresta tropical, enquanto Pereira passou anos tentando proteger as tribos indígenas e o meio ambiente em meio a esse conflito. Agora parece que o trabalho se tornou mortal para eles, mostrando até que ponto as pessoas estão dispostas a explorar ilegalmente a floresta tropical", escreveu o jornal americano.

PF diz que suspeito confessou mortes e que 'há grandes chances' de restos mortais serem de Dom Phillips e Bruno Pereira

'Amazônia, sua linda': Dom Phillips escrevia livro sobre como salvar floresta

Treinado na selva, Bruno Pereira superou desconfiança e ganhou respeito de indígenas

O diário destacou a experiência e o profissionalismo do jornalista britânico.

"Phillips era um correspondente experiente que fazia reportagens no Brasil há 15 anos, incluindo um período como escritor freelancer para o Times em 2017. Sua especialidade eram histórias profundas sobre grupos vulneráveis em lugares de difícil acesso na Amazônia, tornando-o particularmente experiente com o tipo de viagem que se tornou a sua última."

O jornal britânico The Guardian, para o qual Dom Phillips escrevia, disse que o "anúncio [da Polícia Federal] pôs um triste fim a uma busca de 10 dias que horrorizou a nação e destacou os crescentes perigos enfrentados por aqueles que ousam defender o meio ambiente e as comunidades indígenas do Brasil, que enfrentam um ataque histórico sob o presidente de extrema direita do país, Jair Bolsonaro".

A publicação também descreveu que na coletiva de imprensa da PF em Manaus "militares e policiais se parabenizaram pelo trabalho realizado, antes de reconhecerem tardiamente o papel desempenhado pelos indígenas que ajudaram a liderar as buscas".

O The Guardian está cobrindo o tema com regularidade, e entre outras publicações, divulgou um perfil de Phillips e Pereira intitulado "O escritor e o ativista: como Dom Phillips e Bruno Pereira se uniram pela Amazônia".

"Era para ser uma das últimas viagens de Dom Phillips à Amazônia, o pontapé inicial de um livro que revelaria toda a exuberante complexidade da maior floresta tropical do mundo. Em vez disso, parece ter sido um capítulo final para Phillips e seu amigo Bruno Pereira, especialista em indígenas e guia", escreveu o jornal, que promove uma campanha de arrecadação de fundos para os familiares dos desaparecidos.

O britânico Financial Times, de notícias financeiras, também destacou as pressões que jornalistas e ambientalistas sofrem na Amazônia.

"Indígenas e funcionários de organizações não governamentais há muito suportam o peso da agressão de grupos que operam ilegalmente na área. Ambientalistas dizem que a situação se deteriorou dramaticamente desde a eleição em 2018 do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, cuja retórica em apoio a garimpeiros e madeireiros ilegais foi tomada como sinal verde para arrasar a floresta tropical", escreveu o FT.

"As agências de fiscalização ambiental do Brasil também foram submetidas a cortes orçamentários, que resultaram em redução de mão de obra e uma crescente sensação de impunidade entre os operadores ilegais da região."

A versão britânica da Bloomberg, canal econômico, repercutiu os desdobramentos mais recentes compartilhando a declaração da esposa de Dom Phillips dizendo que "agora podemos trazê-los para casa e nos despedir com amor".

O jornal espanhol El País também vinha publicando atualizações sobre o caso, e conta hoje com a coluna da jornalista brasileira Eliane Brum sobre o tema, que leva o título "Dom e Bruno são vítimas de guerra."

Em publicações traduzidas para diferentes idiomas, o alemão DW (Deutsche Welle) levantou o questionamento se Dom e Bruno foram vítimas por suas lutas em proteção às terras indígenas e destacou comentários do presidente Jair Bolsonaro que não foram bem recebidos por parte do público.

O americano Washington Post destacou em sua reportagem declarações de Bolsonaro, em que o presidente fala que as reportagens de Phillips desagradavam muitos na Amazônia e sugerindo que o jornalista deveria ter tomado precauções maiores em sua viagem.

"Esse caso tem sido acompanhado de perto no Brasil, onde uma das das questões mais polêmicas é sobre se a floresta amazônica deve ser desenvolvida ou preservada. O presidente Jair Bolsonaro, um forte defensor do desenvolvimento, que já apoiou garimpeiros e desmatadores ilegais, culpou Phillips por seu desaparecimento. Em um comunicado na quarta-feira, ele disse que o jornalista era 'mal-visto na região'."

Mesmo antes da descoberta dos corpos, a imprensa internacional já estava cobrindo intensamente o caso. Em uma carta aberta ao presidente Jair Bolsonaro e aos ministros da Defesa e Relações Exteriores, publicada na semana passada, editores do The Guardian, The New York Times, The Associated Press e vários outros veículos nacionais e estrangeiros haviam expressado "extrema preocupação com a segurança e o paradeiro" dos dois homens.

Os jornalistas pediram por mais esforços nas buscas, em um momento em que as autoridades eram acusadas de empregar poucos recursos.

"Como editores e colegas que trabalharam com Dom, estamos muito preocupados com relatos de que os esforços de busca e resgate até agora têm recursos mínimos, com as autoridades nacionais demorando a oferecer limitada assistência', diz o texto.

Entenda o caso



Indigenista Bruno Araújo Pereira (ao centro), servidor da Funai que sumiu enquanto se deslocava de barco (Crédito - divulgação FUNAI)

Bruno da Cunha de Araújo Pereira é indigenista e servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio). Ele estava licenciado do cargo e trabalhando em um projeto das ONGs WWF-Brasil e União dos Povos Indígenas do Parque do Javari (Univaja) para ensinar indígenas a monitorar suas terras com o uso de tecnologias como drones.

Dom Phillips é jornalista e colaborador de diversos jornais no exterior, entre eles o britânico The Guardian. Phillips mora no Brasil há 15 anos e é casado com uma brasileira. Ele realizou diversas viagens para a Amazônia, onde fez reportagens sobre desmatamento e crimes.

Ele viajou para o extremo oeste da Amazônia acompanhado de Bruno para coletar dados para um livro que estava escrevendo sobre como salvar a floresta.

Mapa da região do Vale do Javari (Crédito UNIJAVA0

No domingo, dia 5 de junho, Bruno e Dom desapareceram a poucos quilômetros do Vale do Javari, que é a segunda maior reserva indígena do Brasil. Eles viajavam de barco pelos mais de 70 km que ligam o lago do Jaburu ao município de Atalaia do Norte. Na última vez que foram vistos, eles pararam na comunidade de São Rafael, às 6h, onde tinham uma reunião marcada com o líder pescador Manoel Vitor Sabino da Costa, conhecido como Churrasco.

Dali, eles seguiram seu caminho pelo rio. A dupla deveria ter chegado a Atalaia do Norte duas horas depois, mas desapareceu. Quem soou o alerta foram os indígenas da Univaja. Segundo a associação, Bruno e Dom viajavam em uma lancha em bom estado e com combustível suficiente para a viagem.

A Univaja disse que às 14h enviou uma equipe "formada por indígenas extremamente conhecedores da região". A equipe teria percorrido inclusive os "furos" do rio Itaquaí, mas nenhum vestígio foi encontrado. Às 16h, dizem os órgãos, "outra equipe de busca saiu de Tabatinga, em uma embarcação maior, retornando ao mesmo local, mas novamente nenhum vestígio foi localizado".

Há relatos de que Bruno Pereira era alvo constante de ameaças feitas por pescadores ilegais, garimpeiros e madeireiros. Além disso, a Univaja também relatou ameaças a seus integrantes — tendo registrado boletim de ocorrência na polícia poucas semanas antes do desaparecimento de Bruno.

Jornalista britânico Dom Phillips mora em Salvador e faz reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos

Jornalista britânico Dom Phillips moravaem Salvador e fazia reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos (Twitter)

Dois dias depois do desaparecimento, em 7 de junho, a polícia prendeu o pescador Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como "Pelado", e o nomeou como suspeito no caso — mas não forneceu detalhes sobre qualquer relação entre ele e os desaparecidos. "Pelado" foi preso com drogas e munições de uso restrito de autoridades. Há relatos de que ele estaria ameaçando indígenas que trabalham nas buscas.

A sua lancha tinha rastros de sangue — e o material foi enviado para perícia em Manaus para determinar se o sangue é humano ou de animais. O resultado do exame deve sair em cerca de 30 dias. Em uma audiência de custódia, Amarildo acusou policiais de espanca-lo.

No domingo (12/6), foram encontrados objetos pessoais de Bruno e Dom em um trecho do rio. O material orgânico enviado para perícia foi encontrado na sexta-feira (10/6).

As buscas foram feitas pelas polícias Federal, Militar e Civil, além da Força Nacional, Exército, Marinha e grupos de indígenas. Duas aeronaves, três drones, 16 embarcações e 20 viaturas foram usados nas buscas.

Primeiras buscas foram feitas por pequenos grupos de indígenas (Reuters)

Em entrevista coletiva na noite da útlima quarta-feira (15/06), o delegado Eduardo Alexandre Fontes, superintendente da Polícia Federal (PF) no Amazonas, afirmou que investigadores encontraram restos humanos nos locais de busca pelo indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Ele afirmou que ainda não há conclusões sobre o real motivo do crime e se houve algum mandante.

Segundo o delegado, "há grandes chances" de que o material encontrado seja dos corpos da dupla.

Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61818810, em 16.06.22