segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Atos terroristas aumentam riscos de prisão de Bolsonaro, avaliam aliados

Os atos terroristas que culminaram com a invasão e a depredação das sedes dos três poderes da República elevaram os temores entre aliados de Jair Bolsonaro de que o ex-presidente vai acabar preso em algum momento ao longo dos próximos meses.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (Alexandre Cassiano/O Globo)

Antes de centenas de extremistas bolsonaristas invadirem e depredarem as instalações do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso, interlocutores de Bolsonaro avaliavam que havia um risco médio de prisão.

Mais de 200 bolsonaristas radicais foram presos em flagrante durante intento golpista em Brasília — Foto: Uelsei Marcelino/Reuters

Agora, a leitura compartilhada por aliados do ex-presidente e por ministros de tribunais superiores ouvidos pela equipe da coluna é de que a situação de Bolsonaro ficou delicadíssima.

“Eu acho que, a médio prazo, ele não escapa”, avalia um magistrado que acompanhou perplexo os desdobramentos em Brasília.

Esses aliados de Bolsonaro e magistrados avaliam que os protestos golpistas farão desmoronar o capital político do ex-chefe do Executivo, já desgastado pela viagem dele aos Estados Unidos enquanto centenas de extremistas ficaram acampados debaixo de chuva na frente de quartéis contra o resultado das urnas.

No cálculo político de fiéis aliados, quanto mais vulnerável Bolsonaro estiver e menos apoio popular reunir, maiores as chances de ele se tornar uma “presa fácil” para o Judiciário e acabar na cadeia.

O maior temor no círculo bolsonarista é com duas investigações que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), ambos nas mãos de Alexandre de Moraes: o inquérito das fake news e o das milícias digitais.

Foi no âmbito desses dois inquéritos que a Advocacia-Geral da União (AGU), comandada por Jorge Messias, pediu a Moraes a prisão de todos os envolvidos na invasão de prédios públicos federais, inclusive a do ex-secretário de segurança pública do DF Anderson Torres.

“Depois de hoje, Alexandre vai ter todo o respaldo de que precisar”, afirma um colega de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O sinal de alerta soou mais forte entre bolsonaristas nos últimos dias, depois que Moraes determinou a quebra de sigilo telefônico e de dados de apoiadores de atos antidemocráticos e permitiu a extensão da medida a todos os que tiveram contato com eles, conforme revelou o site Metrópoles.

Só na noite de domingo, depois de horas de quebra-quebra e tumulto em Brasília, Bolsonaro rompeu o silêncio e escreveu no Twitter que “depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra”.

Antes disso, ainda, os canais e redes sociais do ex-presidente seguiam fazendo publicações sobre sua gestão, como se nada de anormal estivesse acontecendo.

Ao comparar os protestos de agora com os do passado, Bolsonaro buscou uma falsa equivalência. Nos atos do passado, ao contrário dos deste domingo, a polícia estava presente para conter os invasores, o que não se viu desta vez.

“Multidão sem líder vira turba, vão surgir ‘lideranças’ mais malucas. Este sempre foi o meu medo”, avalia um influente interlocutor de Bolsonaro, temeroso sobre o futuro do ex-chefe. “Se Bolsonaro virar um avestruz e fingir que nada disso que está acontecendo é com ele, vai ter problemas.

Rafael Moraes Moura, originalmente, para O Globo, em 09.01.23, às 04h00

Até onde irão os órfãos de Bolsonaro?

Dependerá da diplomacia e firmeza do governo Lula que as tentativas nada pacíficas dos últimos golpes do bolsonarismo radical sejam diluídas ou fortalecidas com o consentimento de parte das Forças Armadas.

Um homem com uma bandeira brasileira se manifesta contra Lula no Planalto neste domingo durante a tomada de várias instituições por apoiadores de Bolsonaro. (Adriano Machado, Reuters)

Quando tudo parecia uma lua de mel para o novo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vencedor das eleições, e quando as forças democráticas do país comemoravam a notícia de seu governo , de repente a mais radical serpente de Bolsonaro ergueu a cabeça e ousou contra todas as proibições e ameaças de tentar invadir o Congresso Nacional no estilo Trump .

O mais estranho é que tudo parecia em paz e que até ontem políticos partidários de Bolsonaro, após sua nada gloriosa decisão de deixar o país , abordavam Lula e seu novo governo sem xales. Sua vitória parecia completa e os dirigentes de seu Gabinete consideravam as escaramuças brasilienses dos fanáticos de Bolsonaro que se recusavam a deixar a capital um resíduo inócuo que acabaria cansando seus protestos e desistindo de seus ares golpistas.

O que aconteceu neste domingo em Brasília, contrariando todas as expectativas e desafiando as ameaças do novo governo, acabou alarmando, porém, pois ainda não se sabe quem está por trás desses milhares de bolsonaristas que chegaram à capital em uma centena de ônibus, especialmente de o sul rico do país, aparentemente pago por empresários ainda leais a Bolsonaro do grupo conservador e fascista do agronegócio.

É possível que o novo governo e as boas relações de Lula com os militares acabem por dissipar os temores e as tentativas dos manifestantes que querem que os militares deem um golpe para derrubar o novo governo progressista. É a hipótese dos mais otimistas que veem nas manifestações o último golpe do descontentamento que vai desembocar nas águas da borragem.

Há, porém, latente, desde antes da vitória de Lula, uma teoria sutil e perigosa sobre os limites entre protestos de rua e liberdade de expressão. É o argumento que os militares mais simpatizantes dos bolsonaristas abraçam que alegam que o direito aos protestos, desde que não sejam violentos, é garantido pela Constituição. E aí reside neste momento o difícil equilíbrio entre o protesto democrático e as tentativas de derrubar nas urnas o novo governo democraticamente sancionado.

Daí a importância de como podem terminar as tentativas de invadir o Congresso, ainda que hoje vazio, e continuar com atos de violência física e peticionar aos militares que declarem a ilegalidade das eleições e atuem contra o novo governo. Um governo ao qual não emprestam autoridade, pois continuam com a ladainha de que as eleições não foram justas e a vitória de Bolsonaro foi roubada, nada mais parecido com o que já vimos nos Estados Unidos com a derrota de Donald Trump.

Tudo isso indica que Bolsonaro segue na ativa desde seu exílio voluntário nos Estados Unidos e daqui, no Brasil, por meio de seus mais fiéis seguidores, principalmente o mundo dos empresários que desaprovaram a volta de Lula, a quem seguem. ".

Na hora de despachar essa análise, toda a atenção está voltada para o que os militares mais próximos de Bolsonaro podem pensar e decidir. Se não houver surpresas, a esperança do novo governo, disposto a usar a força contra os golpistas, é que ajam com pés de chumbo para que, sem ter que enfrentar os manifestantes com a força das armas, consigam convencê-los a voltem para suas casas.

Tudo isto para evitar um confronto violento com as forças policiais que poderia manchar o clima de diálogo e paz política e social criado pela esperança de que se abre a chegada de um novo Governo, no qual, pela primeira vez, representantes de todas as fazendas do país, mesmo aquelas até agora sempre deixadas na sarjeta. Entre os 37 ministros do novo governo de Lula há, de fato, representantes das camadas mais baixas da sociedade que nunca haviam feito parte de um governo nacional no passado.

O resultado da diplomacia e da firmeza do governo Lula vai depender se as tentativas nada pacíficas dos últimos golpes do bolsonarismo radical, que já começam a se espalhar de Brasília a São Paulo e que podem se multiplicar nos próximos dias, acabem se diluindo sem consequências maiores ou podem ser fortalecidas com o consentimento da parte das Forças Armadas que continuam, ainda que nas sombras, apoiando o apetite golpista do bolsonarismo. Um bolsonarismo que não se confunde com a direita que, embora com nojo, aceitou democraticamente o resultado das urnas.

Juan Árias, o autor deste artigo, é correspondente do EL PAÍS no Rio de Janeiro. Publicado originalmente em 08.01.23, às 18:39hs

Brasil precisa da ação dos três poderes para erradicar o sectarismo de Bolsonaro

Além de parasitar a democracia, a extrema direita brasileira se apoderou da República e dos símbolos nacionais, abrigada por uma falsa sensação de onipotência

A polícia brasileira detém uma série de apoiadores de Bolsonaro após o assalto à Presidência, no Brasil, neste domingo. (Ueslei Marcelino, Reuters)

A versão brasileira do atentado ao Capitólio , ocorrido há exatos dois anos, é tão aviltante para a política, cínica para a república e prejudicial para a democracia quanto o original americano, mas contém elementos ainda mais alarmantes no caso do Brasil.

O populismo de extrema direita que levou Bolsonaro ao poder em 2018 tem uma relação parasitária com a democracia. Bolsonaro e seus seguidores dizem defender a liberdade e a têm usado para embalar a população com desinformação; Dizem que defendem a democracia e elogiam o regime militar. No Brasil de Bolsonaro, como nos Estados Unidos de Trump , as palavras liberdade e democracia não são mais bens comuns: são instrumentos desse novo tipo de fascismo. Basta ver como rejeitam os resultados das pesquisas, como atacam seus adversários, como não aceitam o que os contradiz. As cenas deste domingo falam por si.

Além de parasitar a democracia, a extrema direita se apoderou da República e de seus símbolos. A bandeira brasileira tornou-se o símbolo de uma festa; Os uniformes camuflados, restritos ao uso militar pela legislação brasileira, viraram fetiche. O hino nacional é interpretado não como símbolo de uma comunidade imaginada, mas como afirmação moral de um grupo que exclui outros nacionais. A tentativa de tomada da República encontra eco vergonhoso entre os militares da reserva que querem usá-la para ver as Forças Armadas envolvidas em um golpe. É, sem dúvida, uma corrupção de uma ordem moral.

O bolsonarismo apresenta vários elementos sectários: o culto à personalidade, o estado de graça expresso no carisma, a percepção de um ambiente hostil, a leitura religiosa extremista, a ilusão de acesso à verdade. A camada social do bolsonarismo atinge uma parcela da população que não está acostumada a sentir o rigor da lei em um país desigual como o Brasil: geralmente brancos, pertencentes às camadas médias-altas, muitos deles militares da ativa e na reserva das Armadas Forças, da polícia.

Isso dá aos bolsonaristas uma falsa sensação de onipotência e a percepção delirante de serem a reserva moral da nação. Neste domingo, em Brasília, alguns deles confraternizaram com os policiais e publicaram fotos e vídeos comemorando o feito . Eles não têm medo de serem punidos, porque para eles a lei só se aplica aos outros. Historicamente, e infelizmente, eles não estão errados.

Apoiadores do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, durante assalto ao Palácio do Planalto, sede do Executivo federal. (Stringer, Reuters)

Desde o fim das eleições, grupos de extrema-direita se mobilizaram para protestar em Brasília. Em dezembro, a capital foi palco de um incêndio criminoso e quase foi alvo de um ataque a bomba. Pouco foi feito. Centenas de pessoas permaneceram semanas em frente ao quartel, sob a omissão dos comandantes militares, alimentando seus corpos com churrasco e seus espíritos com o canto de falsas notícias sobre uma possível intervenção. Sob a proteção dos policiais uniformizados, outros grupos chegaram neste fim de semana em uma caravana de 100 ônibus.

Inteligência, segurança ou polícia? A capital do maior país do hemisfério sul foi entregue. O secretário de Segurança do Distrito Federal, o ex-policial Anderson Torres, estava nos Estados Unidos. Ministro da Justiça do Governo de Bolsonaro, Torres acabou sendo exonerado do novo cargo nesta tarde pelo governador de Brasília, Ibaneis Rocha.

Enquanto a população assistia ao show de terror pela televisão, o presidente Lula esteve na cidade de Araraquara, interior de São Paulo, devastada pelas fortes chuvas dos últimos dias, prestando apoio ao prefeito Edinho Silva. Ao saber o que estava acontecendo em Brasília, rapidamente se formou um gabinete de crise. Em breve e tensa coletiva de imprensa, o novo presidente informou que havia decretado a intervenção federal na capital. Sem pedir o apoio das Forças Armadas, Lula terá que contar com a ajuda dos demais governadores, que deverão fornecer policiais, e da Força Nacional de Segurança.

A reação das outras potências será decisiva para conter esse novo fascismo. O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, e os ministros do STF já se posicionaram a favor de Lula. Se a extrema direita pretender uma estratégia de desgaste e tensão permanente com o governo eleito, caberá aos três poderes culpar os patrocinadores, influenciadores e agentes públicos envolvidos na tentativa de golpe. Ou a república e a democracia brasileira sairão fortalecidas, ou ficarão à mercê do sectarismo de Bolsonaro.

Eduardo Heleno, o autor deste artigo. é cientista político e professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST-UFF) no Brasil. Publicado originalmente por EL PAÍS, em 08.01.23, às 21:43hs

Um lúmpen de extrema direita

O que aconteceu em Brasília nos fala de uma espécie de extrema-direita que, com um discurso de lei e ordem, dinamita o quadro institucional e gera imagens que rimam com a anarquia pura e simples.

Apoiadores de Bolsonaro durante o assalto ao Congresso, ao STF e ao Planalto neste domingo. (Adriano Machado, Reuters)

A era Bolsonaro havia terminado sem um fim verdadeiro. O presidente não organizou a esperada rebelião contra o parecer das urnas que deu a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva por margem estreita, mas também não entregou a faixa presidencial “de forma republicana”. Ao contrário, o ex-presidente brasileiro apareceu em uma foto curiosa em Orlando comendo frango frito em uma famosa rede americana enquanto Lula se preparava para assumir seu terceiro mandato. Mas, ao final, Bolsonaro – que insistia em encarnar uma espécie de trumpismo sul-americano – teve sua versão brasileira do assalto ao Capitólio, dois anos depois daquele “ato”.

Além dos detalhes, que serão revelados, sobre quem fretou os ônibus, como foi organizada a mobilização, quais os recursos logísticos disponíveis e como operou o laxismo policial/militar inicial, a verdade é que o que aconteceu em Brasília nos fala de uma espécie de extrema-direita que, com um discurso de "lei e ordem", faz explodir as actuais instituições formais e informais e gera imagens que rimam com a anarquia pura e simples. Uma extrema direita “lumpen” que teve no bolsonarismo uma de suas expressões máximas. Esses direitos podem acabar sendo -ao contrário da opinião de muitos progressistas- mais uma ameaça do que uma garantia para o "sistema". A emoção insurrecional, o estranho folclore, a conspiração, substituem qualquer cálculo político. O que aconteceu no Brasil se encaixa em um clima da época,

Em 2020, vimos tentativas de tomada do Parlamento alemão por grupos ultra (o governo considerou esses eventos um ataque insuportável ao coração da democracia). Durante a violenta confusão, cânticos de direita foram entoados e bandeiras do antigo Reich alemão, faixas com o Q de QAnon (uma famosa plataforma de conspiração) e emblemas neonazistas foram exibidos, causando uma forte onda de indignação na opinião pública democrática alemã . E, recentemente, os serviços de segurança alemães fecharam uma rede de extrema-direita que planejava um golpe extravagante. Na Itália, grupos antivacinas infiltrados pela extrema direita tentaram tomar o Palazzo Chigi, sede do governo, em 2021. "Esta noite tomaremos Roma", ameaçou então o grupo neofascista Forza Nuova.

Em tom um pouco diferente, o fracassado ataque -quase- contra a vice-presidente argentina Cristina Kirchner , cometido por integrantes de uma quadrilha de vendedores de açúcar em flocos, mostrou vínculos entre haters e grupos políticos informais organizados por meio do WhatsApp, imersos em curiosas formas de radicalização.

Será necessário ver, num futuro próximo, como operam as tendências opostas à normalização/demonização e à ruptura do status quo que se aninham na extrema direita do século XXI; e a dinâmica de muitas forças desencadeadas que são difíceis de controlar.

No caso brasileiro, as imagens de Brasília parecem um bumerangue do bolsonarismo. O fato de a principal mídia brasileira ter se referido aos bolsonaristas radicais como terroristas mostra o quanto o país mudou desde os dias da prisão de Lula aos de sua volta triunfante ao poder ( O Estado de S. Paulo sustentou em editorial que "os golpistas se rebelam e aqueles que os apoiam devem ser punidos de forma exemplar"). E essa mudança operou graças ao próprio Bolsonaro. Com seu estilo vulgar de extrema direita de gangue, que, ao invés de construir um regime autoritário, degradava ad infinitumvida cívica, quebrou suas pontes com parte das elites e acabou isolando o Brasil do mundo, conseguiu que grande parte dos grupos de poder acabassem "anistiando" Lula após tê-lo demonizado impiedosamente. Enquanto isso, negociou uma frente democrática "até doer" para tirar Bolsonaro do poder.

O problema, no caso do Brasil, é que o bolsonarismo obteve quase a metade dos votos e deixou um rastro de lunáticos em ação. Aliás, hoje em dia vimos pessoas invocando o apoio de extraterrestres com as lanternas dos celulares voltadas para o céu, acampamentos na porta dos quartéis pedindo golpe, apelos à guerra santa... e até quem negou que Lula fosse o presidente e destacou que o general Augusto Heleno já estava no comando. Que o Brasil passa por grupos de poder locais, forças de segurança, igrejas, setores do agronegócio... e neste 8 de janeiro apareceu uma amostra disso vandalizando instituições como o Congresso; um Congresso onde os bolsonaristas terão uma grande representação.

O editor-chefe da revista Piauí resumiu a tensão atual: "Nunca foi tão fácil e nunca foi tão difícil organizar um golpe". Os golpistas conseguiram, aparentemente com a aquiescência de setores das forças de segurança, entrar em diversas instituições; mas um golpe é outra coisa. Precisamente o que surpreende neste novo tipo de movimento insurrecional, que tem como expressão máxima o assalto ao Capitólio, é a sua extrema incompetência estratégica. Algo que pode nos tranquilizar e nos inquietar ao mesmo tempo.

Pablo Stefafoni, originalmente, do Rio de Janeiro para o EL PAÍS, em 08.01.23, às 22:32 hs.

Ibaneis se isola no MDB e tem pedido de prisão defendido por membros do Judiciário

Governador do DF teve poderes esvaziados com decreto de Lula de intervenção na segurança pública

Os atos golpistas em Brasília neste domingo (8) deixaram o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), isolado, inclusive dentro do seu partido.

A omissão das autoridades na capital, que não conseguiram impedir os ataques a prédios públicos, gerou críticas abertas entre correligionários e, até mesmo, a defesa da prisão do emedebista por ministros de tribunais superiores.

Para esses magistrados, a percepção é de que as cenas de barbárie vistas neste domingo são resultado da leniência com a qual as forças de segurança vêm tratando as manifestações golpistas, não só em Brasília. Eles defendem a prisão de Ibaneis e criticam o Ministério Público Federal, que não agiu com mais contundência para coibir a escalada da violência.

No MDB, algumas críticas a Ibaneis são públicas. "O chefe da Segurança do GDF [Anderson Torres] e a leniência local do governo exigem uma intervenção federal imediata. Os golpistas não passarão e a ordem prevalecerá", escreveu o senador Renan Calheiros (MDB-AL) em uma rede social.

Juliana Braga no Painel da Folha de S. Paulo, em 08.01.23, às 19h26

Punhado de idiotas

Líderes da malta golpista de Brasília precisam ser punidos no limite da lei

Vândalos bolsonaristas atacam o Palácio do Planalto - Ueslei Marcelino/Reuters

O punhado de imbecis criminosos que vandalizou prédios da cúpula dos três Poderes em Brasília não conta com o apoio da imensa maioria da sociedade brasileira, que endossa os valores democráticos e respeita o resultado das urnas.

Sua causa, um golpismo tacanho, não dispõe de respaldo político entre as forças legitimamente eleitas e representadas no Parlamento. Vociferam em nome de si mesmos e, quando muito, de um ex-presidente que se escafedeu em silêncio para o exterior.

Os celerados talvez acreditem que atacar monumentos de concreto, esvaziados num domingo, signifique alguma conquista sinistra. Na realidade, apenas manifestam covardia, estupidez e espírito de manada. As instituições do Estado de Direito, que se fortalecem há quatro décadas, estão a salvo da boçalidade de poucos vândalos.

A capital federal já foi palco de protestos violentos, do badernaço de 1986 às jornadas de 2013. Nunca antes, porém, manifestantes chegaram com tal ferocidade aos interiores de palácios, e por motivo tão vil. Afrontam a democracia, perturbam a paz e depredam patrimônio público por nada além de terem suas taras rejeitadas pela maioria dos concidadãos.

A marcha dos idiotas será em um futuro próximo apenas um parágrafo vexatório da história do país. Não pode, no entanto, ser minimizada agora. O que fizeram os arruaceiros de Brasília, por patéticos que se mostrem, foi gravíssimo.

Os líderes da malta devem ser identificados, investigados e punidos nos limites máximos da lei. Eventuais financiadores e apoiadores instalados em cargos públicos, idem, com agravantes.

A desídia das forças de segurança, em particular do governo do Distrito Federal, é indesculpável e merece apuração rigorosa. O governador Ibaneis Rocha (MDB), um bolsonarista dissimulado, exonerou o secretário responsável, Anderson Torres, ex-ministro e sabujo de Jair Bolsonaro (PL). É pouco.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretou intervenção federal na segurança brasiliense, o que a esta altura não pode ser considerado um despropósito. Restam grupelhos acampados em frente a quartéis; deve-se supor que parte dos energúmenos tenha acesso a armas e nenhum escrúpulo.

O trabalho de desmobilização dos bandos precisa ser conduzido com inteligência e sem hesitação. O governo, que dispõe dos meios para tanto, deveria abster-se de proselitismo político na tarefa.

Cumpre demonstrar à população que a normalidade democrática está e será preservada, a despeito de rosnados de minorias raivosas que imitam os derrotados do Capitólio americano. O país tem problemas mais importantes a enfrentar.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 09.01.23 (editoriais@grupofolha.com.br)

Fracasso bolsonarista na tomada dos palácios em Brasília beneficia Lula e Alexandre Moraes

Petista receberá apoio dos presidentes dos outros Poderes contra a tentativa de tomada do poder ensaiada por extremistas; Moraes deve ganhar fôlego para conduzir os polêmicos inquéritos no STF

Lula visita Palácio do Planalto após atos terroristas. Foto: Wilton Junior/Estadão 

O bolsonarismo deu um tiro no pé ao promover a chamada “tomada do poder” em Brasília, com a invasão e depredação dos prédios dos três Poderes da República. A ação dos extremistas que levaram o caos ao coração do Estado terá como consequência o fortalecimento, ainda que passageiro, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de emprestar novo apoio aos atos do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em seu polêmico inquéritos sobre os atos antidemocráticos.

Essa é a análise feita ontem por oficiais generais e coronéis consultados pelo Estadão. A repulsa deles ao que aconteceu em Brasília foi unânime. “O que aconteceu hoje é muito sério! Para mim, não é surpresa. Extremismo e fanatismo político sempre acabam em violência. Agora é aplicação da lei, com o devido processo legal, com muita presteza.”, afirmou à coluna o general Carlos Alberto dos Santos Cruz. “Isso é o resultado de longo tempo de tolerância, com irresponsabilidade, desrespeito, fanfarronice, indústria de fake news criminosas e impunidade.”, disse. Apesar disso, muitos em Brasília acreditam que o Exército precisa deixar claro de que lado está. Não haveria mais espaço para tergiversações.

Lula nesta segunda-feira, 9, se reunirá com os chefes dos outros dois Poderes – Legislativo e Judiciário – , que vão lhe dar apoio para medidas, como a intervenção na Segurança Pública do Distrito Federal (DF). Se antes o mundo político já desenhava um apaziguamento em torno do novo presidente que não se via na sociedade, esse fosso entre os dois tende a ficar maior ainda. A preservação da democracia no País será a força que deve selar essa união, da qual devem ficar de fora apenas os parlamentares que representam o bolsonarismo radical, como Carlos Jordy (RJ), que insiste na mentira de que a destruição em Brasília foi obra de infiltrados.

Trata-se de argumento não só escandalosamente mentiroso como, se levado a sério, poderia levar seu autor a ser alvo de investigação por obstrução de Justiça. É que no mundo das investigações criminais os testemunhos têm efeito – ninguém tem liberdade para mentir sobre autoria de crimes, ainda mais quem, potencialmente, pode conhecer fatos relacionados à investigação, sob a pena de ser acusado de falso testemunho ou de obstrução da Justiça.

Como o deputado tem a coragem de defender ladrões e vândalos do patrimônio público? Bandidos que roubaram armas, destruíram prédios. Quo usque tandem, Catilina abutere patientia nostra? Quam diu etiam furor iste tuus nos eludet? Quem ad finem sese effrenata iactabit audacia? Até quando abusarás de nossa paciência?, perguntava Cícero na primeira oração contra Catilina. Por quanto tempo ainda esse teu comportamento faccioso nos enganará? Até que ponto você levará a tua desenfreada audácia? Cicero pensava em proteger a República contra os que pretendiam matá-la.

Os tempos são outros. É da fase de seus linossignos que Cassiano Ricardo escreveu a Pequena Saudação ao Ano 2000, série de cinco poemas dedicada ao diplomata e amigo José Guilherme Merquior. Ricardo abre o segundo poema da série com os versos: “Ícaro morreu,/ não por voar/ junto ao sol/ mas de obsoleto”. Os mitos de então conversavam com o poeta na rua e o convidavam a assistir a Antonioni no cinema. Ele conclui com outros três versos geniais, uma antevisão de nossos tempos: “Tudo o que foi/ ontem é/ outra era”. A ação dos bolsonaristas teve esse condão. E é Moraes quem parece anunciar uma outra era no despacho em que decretou o afastamento do governador distrital Ibaneis Rocha.

“A Democracia brasileira não irá mais suportar a ignóbil política de apaziguamento, cujo fracasso foi amplamente demonstrado na tentativa de acordo do então primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain com Adolf Hitler. Os agentes públicos (atuais e anteriores) que continuarem a ser portar dolosamente dessa maneira, pactuando covardemente com a quebra da democracia e a instalação de um estado de exceção, serão responsabilizados, pois como ensinava Winston Churchill, ‘um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado’”, escreveu Moraes.

O ministro Alexandre de Moraes deu seu mais duro despacho no inquérito dos atos antidemocráticos 

Moraes aproveitou o momento. Não apenas afastou Ibaneis. Também determinou o desmonte de todos os acampamentos na frente de quartéis, coisa que o Exército relutou fazer até domingo, bem como a prisão em flagrante de todos os acampados com base na lei antiterror, por tentativa de golpe de estado e de abolição do estado democrático de direito, além dos delitos de formação de quadrilha, ameaça e incitação ao crime. Se for levada ao pé da letra, a ordem poderá pôr na cadeia milhares de pessoas.

Também pôs a corda no pescoço das autoridades responsáveis para que sua ordem não se torne letra morta. Mandou intimar a todos os governadores, prefeitos e comandantes militares, que devem se envolver nessa operação. Os governadores devem cuidar para que suas polícias cumpram a ordem, os prefeitos devem auxiliar as polícias e os militares não devem se opor. Quem não obedecer ao ministro será responsabilizado. Também mandou apreender todos os ônibus usados nas caravanas dos extremistas, proibiu novos protestos até o dia 31 em Brasília e mandou retirar do ar 17 contas, páginas e perfis de bolsonaristas das redes sociais.

É o mais duro despacho do ministro até hoje no inquérito dos chamados atos antidemocráticos. “Com as imagens das câmeras de segurança, esse pessoal vai ser identificado e vai responder processo.... e os incitadores covardes estão longe. Tenho certeza que nenhum que estimulou a violência estava lá”, afirmou Santos Cruz. “Agora é inquérito, identificação de autoria de quem fez incitação à violência, financiamento, planejamento, execução e omissões. Isso é crime. Isso não é oposição política”, disse o general.

A reação de Moraes demorou poucas horas para se fazer sentir. Hoje, ela deve ser referendada pelos demais ministros do Supremo, todos horrorizados com o atentado contra o prédio da Corte, o vilipêndio de seus armários e cadeiras, onde um manifestante chegou a defecar. O ultraje à Justiça nunca chegou a esse ponto, nem quando o regime militar aposentou compulsoriamente ministros da Corte.


HR SÃO PAULO/SP 09/11/2019 - INTEGRALISMO ESPECIAL DOMINCAL POLITICA - Integrantes do Movimento Integralista Brasileiro se reunem no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. FOTO: HÉLVIO ROMERO / ESTADÃO

O mesmo pode se dizer sobre o Palácio do Planalto. A última vez que um Palácio presidencial fora atacado por golpistas ligados a um movimento político foi em 1938, quando a Ação Integralista do Brasil (AIB) atacou o Palácio da Guanabara, no Rio, com seu lema Deus, Pátria e Família, ressuscitado 80 anos depois pelo bolsonarismo. O putsch comandado pelo tenente Severo Fournier estourou no dia 11 de maio. Naquela madrugada, o então ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, recebeu um telefonema do chefe de polícia, Filinto Muller. Estavam assaltando o palácio, residência do presidente da República, Getulio Vargas.

Ao lado de Muller estava o então coronel Oswaldo Cordeiro de Farias, então interventor no Rio Grande do Sul. Foi Cordeiro de Farias quem socorreu o ditador Vargas com cinco policiais armados – mais tarde receberia outros 40 soldados. Às cinco horas da manhã, conseguiu entrar pelos fundos do palácio e encontrou o presidente. “Vá descansar. Deixe o resto por minha conta.” Cordeiro tinha homens suficientes para resistir. No fim, os atacantes foram rendidos – acabaram fuzilados nos fundos do palácio. Seu líder, o tenente Furnier, fugiu. E se asilou na embaixada da Itália. O integralismo foi esmagado.

Após os atos de domingo, o general Santos Cruz afirmou que “a responsabilização rigorosa também tem que ser acompanhada de uma política de resolução de conflito. O Brasil não pode continuar em conflito, com baixíssimo nível de responsabilização (impunidade) e desunido”. De fato, o que não se sabe ainda é quais serão todas as medidas e passos do presidente Lula após a derrota da insurreição bolsonarista. Ele pode usar o episódio para tentar pacificar o País e obter consenso em torno da defesa da democracia, das instituições e de seu governo. O povo quer paz, não quer viver sob contínuos atropelos e sobressaltos.

Em seu despacho do domingo à noite, Moraes citou Churchill uma segunda vez. “A defesa da Democracia e das Instituições é inegociável, pois como ainda lembrado pelo grande primeiro-ministro inglês, ‘construir pode ser a tarefa lenta e difícil de anos. Destruir pode ser o ato impulsivo de um único dia’.” Tem razão o ministro. Mas essa é uma lição que deve ser dada não só aos que se deixaram iludir pelos extremismos, mas também a todas as autoridades, inclusive às que se dizem comprometidas com a democracia.

Marcelo Godoy, originalmente, para O Estado de S. Paulo, em 09.01.23, às 7h20

Invasão criminosa a sede dos Poderes estava anunciada; Ibaneis foi omisso; leia análise

Governador do DF tinha dado suficientes indícios, dias atrás, de que sabia que tudo podia acontecer, e não fez nada, literalmente nada

Mas a gravidade do que aconteceu em Brasília neste domingo, 8, não se restringe às responsabilidades das autoridades do DF. Foto: Eraldo Peres/AP

A pergunta que grita e não quer calar, em face da criminosa invasão das sede dos poderes da República brasileira, é como explicar que todas as autoridades públicas responsáveis não tenham levado a sério as notícias que há dias circulavam nas redes sociais e anunciavam que haveria nesses dias – próximos da data da simbólica da invasão do Capitólio nos Estados Unidos – um novo e grave atentado contra a democracia brasileira?

Lula avalia que atos terroristas têm financiamento de empresários até no exterior

Os chamados “bolsonaristas radicais” não esconderam nada, anunciaram com antecedência que estavam preparando caravanas de centenas de ônibus em direção a Brasília para realizar uma mudança de estratégia de sua ação de contestação golpista dos resultados da eleição de 2022. A desmobilização dos acampamentos em frente dos quartéis militares não foi uma ação política de reconhecimento que seus participantes estavam errados, mas uma ação de preparo para o que aconteceu neste domingo, 8, o questionamento e a deslegitimação das instituições democráticas – Executivo, Legislativo e STF. Só não viu que isso estava sendo preparado quem não quis.

Diante disso é um erro que a intervenção federal no governo do DF seja apena sobre o setor de segurança. O governador Ibaneis Rocha tinha dado suficientes indícios, dias atrás, de que sabia que tudo podia acontecer, e não fez nada, literalmente nada – a não ser demitir o seu secretário de Segurança depois que o leite tinha sido derramado. Houve omissão do governador e, nesse sentido, não se justifica que tenha sido poupado da intervenção federal.

Mas a gravidade do que aconteceu em Brasília neste domingo, 8, não se restringe às responsabilidades das autoridades do DF. Com relação ao que se revelou nas últimas horas é sabido que o governo federal também sabia que a ação golpista estava sendo preparada. É estranho que em face dessas informações a Polícia Federal não tenha sido mobilizada para enfrentar a situação com os seus recursos. Outra pergunta delicada se refere ao setor de inteligência do governo federal: esse setor não foi acionado? O que explica que não tivesse produzido as informações para que o Ministro da Justiça, e mesmo o presidente da República, pudessem agir com a antecedência devida em preparação à loucura coletiva que ocorreu em Brasília. Foi inexperiência ou incompetência das novas autoridades?

A democracia brasileira sobreviveu bem aos atentados que o ex-presidente Jair Bolsonaro tentou contra ela em seus quatro anos de mandato, e isso em grande parte pela ação das instituições democráticas. Mas sempre se soube que os que não aceitaram os resultados das eleições de 2022 se preparavam para atacá-las. A invasão deste domingo, 8, de suas sedes teve um significado simbólico claro, o de contestar a democracia e o estado de direito democrático. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve levar isso em conta se quiser responder de maneira correta ao que está acontecendo no País.

José Alvaro Moisés, o autor deste artigo, é cientista politico. Publicado originalmente por O Estado de S. Paulo, em 01.01.23, às 23h42

Extremistas bolsonaristas articulavam invasão de sedes dos três Poderes nas redes desde 3 de janeiro

Radicais divulgaram mensagens em aplicativos como o Telegram para trazer manifestantes de todo o País para Brasília, com todas as despesas pagas desde terça-feira

Depredação da Praça dos Três Poderes em Brasília  Foto: REUTERS/Adriano Machado

A invasão do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso vinha sendo preparada por extremistas leais ao ex-presidente Jair Bolsonaro desde a terça-feira, 3, quando radicais começaram a divulgar com grande intensidade mensagens em aplicativos como o Telegram e o WhatsApp para trazer manifestantes de todo o País para Brasília, com todas as despesas pagas.

As viagens de diversos quartéis que ainda abrigavam bolsonaristas que contestam o resultado da eleição começaram na sexta-feira, 6. As mensagens falavam também em enfrentamento às forças policiais caso fosse necessário, com pedidos a mobilização de ex-policiais, militares e pessoas com porte de arma.

O plano era tomar os palácios dos três Poderes, acampar no interior, além de bloquear refinarias de combustível em todo País. E assim provocar o caos para levar a uma intervenção militar com a deposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito democraticamente em 30 de outubro.

Oferecia-se ônibus de graça – a maioria saiu da frente de quartéis de todos o país. Em Jundiaí, por exemplo, os radicais partiram para Brasília da frente do 12.º Grupo de Artilharia de Campanha. Em Campinas, os bolsonaristas se reuniram diante da Escola preparatória dos Cadetes do Exército.

“Tudo pago. Água, café, almoço e janta. Ficará acampado no Planalto.” Mensagem publicada em grupos bolsonaristas mobilizando radicais para invadir Brasília

Em mensagem, os bolsonaristas radicais queriam unir policiais militares e militares da reserva das Forças Armadas. Também convocaram caçadores, atiradores e colecionadores de armas e bombeiros militares. Queriam pessoas com experiência militar para enfrentar as forças de segurança caso fosse necessário. Prometiam aos que fossem para Brasília: “Tudo pago. Água, café, almoço e janta. Ficará acampado no Planalto.”

“O povo do agro me chamou e já me contratou 3 mil ônibus de diferentes áreas do Brasil”, disse um organizador de protestos bolsonaristas em áudio produzido e divulgado nesta quarta-feira, 4. “A gente vai tomar o poder. Agora vamos mostrar o que é gente do bem quando resolve ser do mal. Iremos fazer uma reintegração da posse das casas do Poder.”

“Hoje teremos a tomada dos três Poderes! E invasão no Congresso. Será um dia de guerra." Convocação de extremistas para invasão de Brasília

Neste mesmo dia, mensagens apareceram em diversos grupos de WhatsApp e Telegram com convocações para caravanas de todas as capitais nacionais e de grandes cidades do interior. Um dos conteúdos afirmava que a participação dos manifestantes era “crucial ou será a escravidão e miséria para todos”. A publicação ainda exibia armas.

Num dos grupos centrais dos manifestantes no Telegram, uma mensagem publicada na quinta-feira falava de uma “operação” em três “trincheiras”: na primeira, a tomada do Congresso, do Palácio do Planalto, do Palácio da Alvorada e outros prédios em grande contingente. Num outro, o fechamento de rodovias e refinarias por caminhoneiros. Na terceira, ocupar os QGs. “Alinhar para concluir a missão”, finalizava o texto com a estratégia.

Na sexta-feira, mensagens ensinavam como fazer uma máscara caseira para resistir a bombas de gás lacrimogêneo. Durante os atos com vandalismo nos prédios federais em Brasília, diversos manifestantes usavam equipamentos de proteção individual.

Mobilização em larga escala

Desde a terça-feira, as mensagens que convocavam apoiadores de Bolsonaro para o Congresso foram crescendo em volume. Ao longo do sábado, alguns vídeos circulavam pedindo a presença na frente do Congresso Nacional. “Pessoal, o povo em massa deve ocupar todo esse espaço (o entorno da Esplanada), dentro e fora do Congresso. Aí sim derruba o governo”, dizia uma mensagem compartilhada em grupos ao longo da noite de sábado.

Durante a manhã deste domingo, a estratégia já se desenhava. “O Congresso é nosso! Vamos tomar posse dele!! Com cavalaria ou sem cavalaria, nada vai nos parar”, disse um usuário na filial organizadora dos manifestos de São Paulo, às 9h59 deste domingo.

“Foco, galera. Tomar a Praça dos Três Poderes”, dizia uma mensagem que começou a circular por volta das 10h da manhã. “Tomar o STF, o Planalto e o Congresso.” Outra mensagem, publicada às 10h43 da manhã dizia falar para o pessoal na frente do QG para marchar ao Congresso.

Às 10h58, uma convocação. “Hoje teremos a tomada dos três Poderes! E invasão no Congresso. Será um dia de guerra. O primeiro passo para a a rebelião de resistência civil.”

Levantamento

De acordo com levantamento da empresa de monitoramento Torabit, os brasileiros realizaram 795,5 mil menções nas redes sociais sobre a invasão de golpistas aos prédios dos Três Poderes, em Brasília entre às 16h e às 20h deste domingo, 8, com baixo apoio.

O sentimento favorável às manifestações durante a tarde foi caindo dos iniciais 25% e chegou à noite abaixo dos 10%. Predominou entre os usuários um sentimento de receio sobre o que pode acontecer nos próximos dias – desde aumento nos incidentes de violência até a preocupação com a economia e a alta do dólar. O número representa menos da metade de publicações realizadas no dia da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (1,6 milhão).

O sentimento registrado por usuários às 20h foi de 67,5% de críticas, 9,2% de apoio e 23,3% neutro. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDF), foi mencionado em 7% das postagens, associando-o à responsabilidade e cumplicidade aos atos deste domingo. Para as redes, agora ele estaria com medo das consequências. A polícia foi mencionada no mesmo volume de publicações. Uma publicação que exibe agentes tirando foto das manifestações viralizou nas redes sociais e teve mais de 3,6 milhões de visualizações.

Brasília se manteve desde às 16h nos assuntos mais comentados no Twitter. Os termos “Congresso Nacional”, “Ibaneis”, “terroristas”, “Anderson Torres (secretário de Segurança Pública do DF, exonerado neste domingo)”, “Capitólio”, “SEM ANISTIA”, “Distrito Federal”, “Bolsonaristas”, “Congresso”, “Planalto”, “Esplanada” e “Xandão” completam os destaques.

Levy Teles e Marcelo Godoy, originalmente, para O Estado de S. Paulo, em 08.01.23, às 23h53

Intolerável assalto à democracia

Um a um, os golpistas que se insurgiram contra a ordem constitucional em Brasília, assim como os que lhes dão apoio político, material e financeiro, devem ser punidos de forma exemplar

É estarrecedora a facilidade com que baderneiros que não se conformam com a derrota de Jair Bolsonaro na eleição passada invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília na tarde de domingo, no maior ataque à democracia brasileira desde o fim da ditadura militar.

Só há uma explicação para isso: a leniência das chamadas autoridades para identificar e punir os golpistas desde os primeiros crimes que cometeram após a confirmação da vitória do presidente Lula da Silva. Não foram poucas as oportunidades para que agentes do Estado fizessem valer as leis e a Constituição do País. Cada um desses agentes, no limite de sua responsabilidade, há de responder pela prevaricação perante a Justiça.

Ao que parece, uma malta de bolsonaristas só conseguiu tomar de assalto o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal porque conta com aliados muito poderosos, a começar pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o maior responsável pela intentona. Ora, o País não assistiria atônito àquelas cenas de violência na capital federal caso os golpistas não tivessem recebido apoio político, material e financeiro para fazer o que fizeram.

Acoitado na Flórida, incapaz de se curvar ao princípio mais comezinho da democracia – a transferência pacífica de poder –, Bolsonaro jamais emitiu uma palavra que pudesse ser entendida por seus radicais como uma ordem de desmobilização e respeito à Constituição e à supremacia da vontade popular. Ao contrário: desde a derrota, o ex-presidente abusou de meias palavras e insinuações para açular seus camisas pardas em uma escalada de violência que culminou na tentativa de golpe ocorrida em Brasília.

Sabe-se agora que aquele quebra-quebra promovido por bolsonaristas no dia da diplomação de Lula da Silva e Geraldo Alckmin pelo Tribunal Superior Eleitoral foi apenas uma espécie de ensaio geral para a intentona. Aparentemente, o objetivo final dos insurgentes, segundo sua lógica doidivanas, era promover uma desordem tal que levasse as Forças Armadas a intervir, restituir a Presidência a Bolsonaro e prender o presidente Lula da Silva. Nada menos.

Que haja amalucados no País capazes de conceber uma urdidura dessa natureza já é lamentável por si só. Mas ainda pior é saber que eles contam com o apoio, expresso ou tácito, de autoridades e líderes políticos.

Assim como Bolsonaro, as Forças Armadas jamais emitiram uma ordem firme para desmantelar os acampamentos golpistas que foram montados em frente a quartéis País afora. Esse silêncio acalentou os delírios golpistas dos bolsonaristas. Houve até militares que classificaram os atos contra o resultado das urnas – e, portanto, contra a Constituição – como “manifestações democráticas”. O próprio ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, mostrou-se tolerante com o intolerável, tergiversando sobre a gravidade desses acampamentos.

Mas não foram apenas Bolsonaro e alguns militares que não honram a farda que fizeram dos golpistas os idiotas úteis a desideratos liberticidas. Igualmente, o governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha (MDB), deverá responder pela falta de preparo das forças policiais sob seu comando para conter uma invasão que há muito tempo já vinha sendo preparada. A GloboNews exibiu uma imagem chocante de policiais militares do DF fazendo selfies enquanto uma súcia de bolsonaristas invadia o Congresso Nacional. Diante da manifesta tibieza de Ibaneis Rocha, fez bem o presidente Lula em decretar intervenção federal na segurança do DF.

A bem da democracia brasileira, a insurreição deve receber uma resposta à altura das autoridades constituídas. A Polícia Federal, sem prejuízo da atuação de outras instituições, deve identificar, um a um, os responsáveis pela violência contra o Estado e pela depredação do patrimônio público. Se a invasão do Capitólio, há dois anos, serviu de inspiração para os golpistas no Brasil, a diligência das autoridades dos Estados Unidos na persecução criminal de seus responsáveis deve servir de exemplo para as autoridades brasileiras. A democracia se defende, como já dissemos nesta página, lançando sobre os que atentam contra ela todo o peso da lei.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 09.01.23

Entenda a decisão de Moraes que afastou Ibaneis, determinou centenas de prisões e proibiu protestos

Ministro decreta prisão em flagrante de extremistas acampados em frente dos quartéis e intimação de prefeitos, governadores e generais, além da proibição de protestos até o dia 31

Terroristas durante atos de domingo. Foto: Wilton Junior/Estadão

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou o afastamento cautelar do governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, tem 18 páginas e todos os fundamentos usados para justificar os nove grupos de medidas.

Trata-se do mais duro despacho já proferido pelo ministro desde que se tornou relator do inquérito dos atos antidemocráticos. Ele reúne desde a determinação de centenas de prisões em flagrante, manda intimar governadores, prefeitos e comandantes militares e determina até a realização de diligências para identificar todos os extremistas que invadiram os prédios dos três Poderes, em Brasília. Relatório do Exército mostra que haveria cinco mil deles nos acampamentos de todo o País. Quem permanecer neles, poderá ser preso. 

Afastamento

A primeira medida é o afastamento do governador. Ele tem como base no artigo 319 do Código de Processo Penal. Moraes entendeu existirem indícios veementes de omissão dolosa criminosa do governador. O afastamento é uma medida cautelar diferente da prisão, que consiste na suspensão do exercício da função pública pelo prazo inicial de 90 dias. Ou seja, se estiverem presentes os motivos para manter Ibaneis afastado, a medida pode ser prorrogada como alternativa à prisão do acusado para a garantia da ordem pública.

Desocupação e prisões em flagrante

Moraes determinou no item 2 da decisão um prazo de 24 horas para que todos os acampamentos de extremistas bolsonaristas em frente de quartéis sejam desocupados e dissolvidos. Não só. Desta vez ele foi além: mandou prender em flagrante todos os acampados pela prática dos crimes previstos nos artigos 2ª, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios), da Lei nº 13.260 (Antiterror), e pelos artigos 288 (associação criminosa), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito e 359-M (golpe de Estado), 147 (ameaça), 147-A, § 1º, III (perseguição) e 286 (incitação ao crime). O total de presos pode passar de mil.

Governadores, prefeitos e comandantes podem ser responsabilizados

No mesmo item 2 da decisão, o ministro mandou que a operação de desocupação e prisão dos acusados seja feita pelos PMs dos Estados e do DF, com apoio da Força Nacional e Polícia Federal se necessário. Deve o governador do Estado ser intimado para efetivar a decisão, sob pena de responsabilidade pessoal. As autoridades municipais deverão prestar todo o apoio necessário para a retirada dos materiais existentes no local. O comandante militar do QG deverá, igualmente, prestar todo o auxílio necessário para o efetivo cumprimento da medida. Ambos deverão ser intimados para efetivar a decisão, sob pena de responsabilidade pessoal. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, deverá ser intimado para, sob sua responsabilidade, determinar todo o apoio necessário às Forças de Segurança.

Desocupação de vias

No terceiro item da decisão, Moraes mandou desocupar em 24 horas todas as vias públicas e prédios públicos estaduais e federais em todo o território nacional que estiverem ocupados por extremistas. Nos Estados e DF, as operações deverão ser feitas pelas PMs, com apoio da Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal e PF se necessário. Os governadores também devem ser intimados nesse caso para efetivarem a decisão, sob pena de responsabilidade pessoal.

Apreensão de ônibus e bloqueio

No quarto item da decisão, Moraes mandou apreender e bloquear todos os ônibus identificados pela Polícia Federal, que trouxeram os terroristas para o Distrito Federal. Os proprietários deverão ser identificados e ouvidos em 48 horas, apresentando a relação e identificação de todos os passageiros, dos contratantes do transporte, inclusive apresentando contratos escritos, caso existam, meios de pagamento e quaisquer outras informações pertinentes. Entre os ônibus a serem apreendidos deverão estar os 87 que se encontram estacionados na Granja do Torto e imediações.

Proibição de manifestações

No item quinto da decisão, Moraes proíbe até o dia 31 de janeiro o ingresso de quaisquer ônibus e caminhões com manifestantes no Distrito Federal. A PRF e a PF deverão providenciar o bloqueio, a imediata apreensão do ônibus e a oitiva de todos os passageiros, com base no artigo 5º da Lei antiterrorismo, que pune os atos preparatórios.

Identificação dos ônibus

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deverá enviar ao STF o registro de todos os veículos, inclusive telemáticos, de veículos que ingressaram no Distrito Federal entre os dias 5 e 8 de janeiro de 2023;

No sétimo item, Moraes manda a PF obter todas as imagens das câmeras do Distrito Federal que possam auxiliar no reconhecimento facial dos terroristas que praticaram os atos do dia 8 de janeiro, em todos os hotéis e hospedarias do Distrito Federal, a lista e identificação de hóspedes que chegaram ao DF a partir da última quinta feira, bem como a filmagem do saguão (lobby) para a devida identificação de eventuais participantes dos atos terroristas.

Identificação pelos dados do TSE

Como oitava providência, Moraes manda que o tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob a coordenação do assessor da presidência, Eduardo de Oliveira Tagliaferro, utilize a consulta e acesso aos dados de identificação civil mantidos naquela Corte, bem como de outros dados biográficos necessários à identificação e localização de pessoas envolvidas nos atos terroristas do dia 8 de janeiro. Os dados deverão manter o necessário sigilo.

Exclusões de contas de redes sociais

O nono e último item da decisão de Moraes manda a expedição de ofício ao Facebook, ao Tik Tok e ao Twitter para que em duas horas elas façam o bloqueio de 17 contas, perfis e canais de bolsonaristas acusados de instigar os atos antidemocráticos, sob pena de multa diária de R$ 100 mil em caso de desobediência. Elas também deverão fornecer os dados cadastrais das contas ao STF e preservar integralmente seus conteúdo. Entre os atimngidos está o blogueiro bolsonarista Bernardo Kuster.

Marcelo Godoy, originalmente, para O Estado de S. Paulo, em 09.01.23, às 07h42

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Primeira semana do governo Lula é marcada por confusões de atos e equívocos

Em boa hora, presidente resolveu colocar ordem na casa, afinal quem não se comunica, se trumbica

Lembrei de Abelardo Barbosa e Sergio Porto nesta primeira semana de governo. Chacrinha usava muito o bordão “eu vim para confundir, e não para explicar”. Foi exatamente o que se passou nas idas e vindas sobre o Marco do Saneamento. Uma enorme confusão sobre o papel da Agência Nacional de Águas (ANA), que deixou no ar a possibilidade de retrocesso numa das mais importantes reformas regulatórias dos últimos anos. O novo marco gerou um aumento significativo do investimento privado e impôs metas de universalização, dando esperanças de acesso a água e esgoto à população de baixa renda abandonada na lama por anos de atuação estatal.

Stanislaw Ponte Preta criou a expressão Febeapá (“Festival de Besteiras que Assolam o País”). A semana foi pródiga. Na sua posse, Lupi bradou: “A Previdência não é deficitária”. É terraplanismo puro em governo que promete respeitar a ciência. Sua “antirreforma” foi mais um anúncio a ser desmentido em menos de 24 horas.

A ideia de rever a governança das estatais, anunciada por Esther Dweck, é outro equívoco. A ministra assumiu em evento prestigiado por um discurso de Dilma, que sugeriu a reversão de inúmeras reformas do governo Temer – aquelas que salvaram o País da terra arrasada legada por ela.

A suspensão das privatizações era previsível. Inclusive, a retirada da Petrobras, que não passava de fanfarronice de Guedes. Mas quando até a Ceitec está sendo ressuscitada, nem Pollyanna resolve.

Nesse cenário, a Lei das Estatais se torna ainda mais relevante. A lei não criminaliza a política, simplesmente exige qualificação técnica para cargos na administração das estatais.

Em seu discurso, Lula errou no tempo ao afirmar que as estatais estão sucateadas. Estavam em 2015, quando se registrou prejuízo recorde no seu conjunto. A intervenção nos preços, mais investimentos para lá de duvidosos, geraram um nível de endividamento na Petrobras e Eletrobras que teria levado à falência qualquer empresa privada. Lucros foram registrados já em 2016 com uma nova gestão e, após anos de ajustes, dividendos voltaram a ser distribuídos. Quem mais ganhou com isso foi o dono delas: o governo federal, que representa a todos nós. Não houve rapinagem alguma. E junto ganharam os trabalhadores, que nos anos 2000 acreditaram na empresa e usaram o FGTS para comprar ações da Petrobras. Conseguiram recuperar todo o dinheiro perdido por conta das desastrosas administrações que se seguiram. A tal “nova governança” coloca tudo isso em risco novamente.

Em boa hora, Lula resolveu colocar ordem na casa, afinal quem não se comunica, se trumbica.

Elena Landau, a autora deste artigo, é advogada e economista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 06.01.23.


A cada ‘forasteiro’, há um petista ou afim como contraponto. Isso causa ruído e agita a oposição

Lula reúne seu Ministério depois de uma primeira semana de emoção, simbologia, muitos anúncios de despesas, nenhum de receitas e ‘algumas divergências’

Lula recebeu ministros no Planalto nos últimos dias. Foto: Ricardo Stuckert/PR

O presidente Lula reúne seu Ministério nesta quinta-feira, 5, depois de uma primeira semana de emoção, simbologia, muitos anúncios de despesas, nenhum de receitas, “algumas divergências” entre ministros, como admitiu Simone Tebet, do Planejamento, e solavancos e um sobe e desce da Bolsa e do dólar.

Tebet (MDB) é liberal e Fernando Haddad (PT), da Fazenda, nem tanto. José Múcio (ex-PFL), da Defesa, tem fala mansa e Flávio Dino (PSB, ex-PCdoB), da Justiça, fala duro. Carlos Fávaro (PSD), da Agricultura, tem de pacificar o agronegócio, já Paulo Teixeira (PT), do Desenvolvimento Agrário, e Marina Silva (Rede, ex-PT), do Meio Ambiente, precisam pôr as “boiadas” de volta no curral.

Vejam que, nesta “frente ampla”, onde há um “forasteiro” de MDB, PSD, União Brasil, há um petista ou aliado de primeira hora como contraponto, lembrando a verdadeira origem e a alma do terceiro governo Lula. E o presidente vai deixar claro, hoje, que quem manda é ele.

Lula não apresentou plano de governo na campanha e na transição, mas já no discurso de posse sinalizou que vai estar mais à esquerda do que nos dois primeiros mandatos. Henrique Meirelles foi ao ponto: “Parece que o Lula não vai repetir o governo dele, mas o de Dilma” (que gerou dois anos de recessão). Pano rápido.

Em uma semana, Lula demonizou o teto de gastos, sem apresentar alternativa; Luiz Marinho (Trabalho) acenou com revisão da reforma trabalhista; Carlos Lupi (Previdência), com a previdenciária. E Jean Paul Prates declarou que o governo é quem define a política de preços da Petrobras – empresa com regras e acionistas.

Prates diz que foi “mal interpretado”, mas a coceira da intervenção vem de longe e o que jogou a Petrobras no fundo do poço não foi só o petrolão, mas também o represamento político de preços na era Dilma. Bolsonaro, tosco e inábil, demitiu uns tantos presidentes, até jogar a conta para os Estados. Lula não é tosco nem inábil e, ainda por cima, cobra “a função social da Petrobras”. O que fará?

Já o “conflito” entre Dino e Múcio é jogo combinado. PT e esquerda em geral não podem exigir que Múcio chegue atirando nas Forças Armadas, tão danificadas por Bolsonaro. Ele foi posto lá exatamente para o oposto: apaziguar os ânimos e recolher as armas e balas.

Tudo isso causa ruídos e dá carne aos leões, que falam em Estado inchado, intervencionismo, desastre e, assim, mobilizam as abatidas tropas bolsonaristas na internet. É melhor deixar leões e tropas à míngua. Haddad, cauteloso, e Rui Costa (Casa Civil), desautorizando reformas das reformas, cuidam disso. Com a palavra, Lula!

Eliane Cantanhêde, a autora deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 06.01.23

Democracia sempre, com toda a precaução

Frase de Lula na posse implica um trabalho permanente de vigilância e diálogo para que não haja retrocessos

A última frase do discurso de Lula da Silva na posse de domingo fala em democracia sempre. Expressa um alívio, porque escapamos de destinos indesejáveis como o da Hungria ou mesmo, na outra ponta do espectro, o da Nicarágua.

A “democracia sempre” revela que a sociedade resistiu às ameaças de Jair Bolsonaro, mas implica também um trabalho permanente de vigilância e diálogo para que realmente não haja retrocessos.

Uma das variáveis interessantes no futuro próximo é desenhar o destino desse movimento que apoiou Bolsonaro e, parcialmente, resistiu na porta dos quartéis até o dia da posse de Lula.

Há quem pense que esses eleitores voltam ao leito original da direita clássica. Discordo. Eles são produto de uma nova época e se organizam de outra maneira, através de instrumentos que não existiam no passado.

O gênio não volta mais à lâmpada. No entanto, alguma coisa pode acontecer nesse movimento de extrema direita que sacudiu o País a partir de 2018.

Seu líder foi derrotado e escolheu o péssimo caminho da fuga para a Disneylândia. Ele poderia ter trilhado a senda democrática: reconhecer a derrota, empossar o eleito e se dedicar à oposição. Ou mesmo poderia ter tentado um golpe com uma chance bem reduzida de vitória, risco de prisão ou mesmo de sua integridade física.

Bolsonaro não fez nada disso. Apenas se refugiou na amargura e esperou que movimentos de massa, isolados, resolvessem o problema que ele não conseguia equacionar.

Certamente isso vai pesar o seu futuro. Assim como pesará em termos históricos o fato de ser um presidente que não conseguiu se reeleger. É um destino que partilha com Marcelo Crivella, prefeito do Rio também derrotado. Ambos atuaram tão mal que dão aos seus sucessores uma grande chance de acertar, no princípio, apenas fazendo o trivial numa administração.

A experiência internacional, sobretudo a francesa, mostra que os partidos de extrema direita se renovam quando percebem que suas chances eleitorais se reduziram. É o caso de Marine Le Pen na França. Ela percebeu que seguiriam marginalizados e empreendeu um programa de “desdemonizacão” de seu partido. Expulsou radicais, condenou a violência e o racismo explícito, além de ter se aproximado da visão da Europa. Ainda expulsou o próprio pai, Jean-Marie Le Pen.

Também na Itália, Giorgia Meloni suavizou seu discurso sobre a Europa e pretende articular alguns países dirigidos pela direita.

Mas as semelhanças entre Europa e Brasil não podem ser levadas muito adiante. Duas mulheres, mesmo que distantes do feminismo, são mais hábeis que Bolsonaro.

A extrema direita brasileira, inspirada na norte-americana, tem características peculiares. Uma delas é a paixão pelas armas, com o projeto de armar a população. No caso brasileiro, essa bandeira é rejeitada, segundo as pesquisas, por 70% da população.

Outra característica é a negação das mudanças climáticas. Bolsonaro vai além, defende o desmatamento da Amazônia e a integração dos povos originários na sociedade abrangente.

Num contexto europeu, essa fúria destrutiva parece-me longe de ser aceita. Lembro-me de cobrir uma manifestação de neonazistas, os skinheads, em Dresden, quando trabalhava na Alemanha. Quase todos que entrevistei manifestavam alguma preocupação com o meio ambiente.

Partidos conservadores como o inglês discutem há anos sua agenda ambiental e a colocam no topo das prioridades. Lembro-me de que há dez anos já havia excelentes programas ambientais, como o do filósofo John Gray.

Uma outra característica que aproxima a direita brasileira da norte-americana é o apoio fervoroso de alguns grupos evangélicos. A decisão de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, comum a Donald Trump e Bolsonaro, não significa apenas alinhamento a Israel. Mas basicamente é a tentativa de tornar real uma profecia comum aos evangélicos, que prevê uma grande guerra na região na qual os sobreviventes aderem ao cristianismo. Não creio que essa profecia seja bem-vista por Israel, que, de qualquer forma, seria beneficiado com a transferência.

O velho Jean-Marie Le Pen, na França, não tinha condições mentais de se reinventar, por isso foi varrido pela filha. Suspeito que Bolsonaro também tenha dificuldade de análise. Parece muito dominado pelos próprios sentimentos e foi incapaz, por exemplo, de cumprir o ritual de um derrotado nas eleições.

No momento de grande indignação com a política tradicional, ele encarnou o homem simples que fala palavrões e não esconde seus pensamentos, mesmo os obscenos. Mas a História coloca problemas que um homem limitado nem sempre pode resolver. Sobretudo quando se cerca de obedientes nulidades.

Não haverá vácuo. Hamilton Mourão fez um discurso tentando preenchê-lo na passagem de ano. Governadores de Estados importantes, como São Paulo e Minas, podem também aspirar à liderança.

O último discurso de Bolsonaro revelou que ele tinha algum medo do futuro. Seus eleitores mais moderados se decepcionaram; os que o consideravam mito vão reclassificá-lo na galeria de heróis como Mickey, Pluto e Pato Donald.

Fernando Gabeira, o autor deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 06.01.23

O que nos espera?

Sobre Haddad e suas ações recai o peso total de um governo que nos libertou de um pesadelo, mas que ainda engatinha

A primeira semana de 2023 se encerra como se o ano recém despertasse tal qual um tresnoitado que tenha caído da cama na madrugada, acreditando já haver Sol. Hoje é Dia de Reis no calendário cristão, mas já não recordamos a data.

Na voraz sociedade de consumo, vivemos sempre no amanhã. No Brasil, o novo governo federal desponta como se estivesse emaranhado nos 37 ministérios criados por Lula da Silva para administrar o País. Faltam até prédios na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para lá instalar o primeiro escalão do novo governo.

Aumentar o número de ministérios pode não obedecer, no entanto, a uma forma de melhor governar, mas, sim, a uma tentativa de obter (no conhecido “jeitinho” brasileiro) maioria no Congresso.

Pergunto: trata-se do ressurgimento (ou continuidade) da velha politicalha dominante na partidocracia brasileira?

Para disfarçar, dão a isso a denominação pomposa de “presidencialismo de coalizão”, mesmo que entre em atrito ou colisão com a forma democrática de governar para a totalidade dos cidadãos e não apenas como “moeda de troca” entre os políticos.

A vitória de Lula da Silva, mais do que tudo, significou a derrota do autoritarismo e desdém administrativo de Jair Bolsonaro, mas não viajou com o ex-presidente a Orlando, na Flórida, nos EUA, para lá divertir-se com as invenções de Walt Disney.

A viagem, ou fuga, de Bolsonaro (paga por cada um de nós) foi apenas a forma com que ele evitou colocar em Lula a faixa presidencial, símbolo do poder. A cena alternativa, porém, foi a mais bela e representativa da posse presidencial. Nem a cadelinha “Resistência”, levada pela primeira-dama num gesto inadequado e ridículo, logrou manchar a beleza e representatividade do grupo que, com o cacique Raoni ao lado de Lula, subiu a rampa do Palácio do Planalto e, no topo, uma catadora de lixo negra nele colocou a faixa.

Foi como se o Brasil inteiro colocasse a faixa no presidente eleito. A ausência de Bolsonaro apenas propiciou algo mais profundo e simbólico do que a convencional passagem da faixa.

Os discursos de Lula na posse perante o Congresso e no parlatório, para a multidão, foram a um só tempo uma análise da situação que vai herdar e um compromisso a cumprir ao longo dos quatro anos de mandato. As dificuldades expostas foram parcialmente removidas já no “revogaço” assinado ao dar posse ao Ministério. A anulação imediata das facilidades criadas por Bolsonaro para o porte de armas e compra de munições foi sábia e atendeu a uma demanda da sociedade que almeja ser protegida, não matar.

Nos anos de Bolsonaro, até uma rusga ou discussão no trânsito, tão comum nas grandes cidades, podia redundar em morte. Bastaria que uma das partes estivesse armada.

Nada, porém, supera o compromisso público de Lula de desenvolver ações contra a fome, por um lado, e para minorar o impacto das mudanças climáticas, por outro. A inércia governamental na área de proteção ambiental nos tempos de Bolsonaro fez o Brasil regredir à condição de pária entre as nações. Lula foi, inclusive, veemente ao falar da proteção do meio ambiente. O ministério entregue à experiente Marina Silva foi a mostra concreta da decisão de acertar.

Por outro lado, Lula recebe agora um Brasil muito mais problematizado do que aquele que Michel Temer legou a Bolsonaro. Ou, mais ainda, nada recorda o País que Fernando Henrique Cardoso entregou ao próprio Lula em 2003.

Os cuidados extremos que cercaram a posse de Lula e Geraldo Alckmin, em que diferentes corpos policiais se mobilizaram para evitar eventuais ataques terroristas aos novos governantes, marcaram a síntese desse Brasil estranho surgido nos quatro anos de Bolsonaro. Num disparate histórico, o então presidente da República reinventou a “Guerra Fria” ao insistir no “perigo do comunismo”, e disso fez seu cavalo de batalha, em diferentes formatos ou cores.

Com isso, tentou desviar a atenção e evitar o enfrentamento dos problemas profundos, sempre mais difíceis de resolver do que ideias estapafúrdias lançadas ao vento. Foi assim que vimos Bolsonaro qualificar a pandemia de “gripezinha” ou, mais adiante, inventar que a vacina contra covid provocava aids.

O passado já passou e, agora, começa um momento novo. O Ministério de Lula é heterogêneo e as palavras iniciais do novo presidente e do seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fizeram o dólar subir e a Bolsa baixar. Em árabe, Haddad significa “ferreiro”, atividade exponencial no tempo em que se ferravam cavalos e não havia automóveis, mas hoje só usual nos hipódromos.

Na diversidade do Ministério lulista, Haddad se perfila desde já como a figura-chave ou o “homem forte”. Sobre ele e suas ações recai, desde já, o peso total de um governo que nos libertou do pesadelo bolsonarista, mas que ainda engatinha e molha as fraldas como criança.

Esperar mais do que isso é ir além do previsível, algo que nem um punhado de pitonisas pode antecipar.

Flávio Tavares, o autor deste artigo, é Jornalista e Escritor - Prêmio Jaboti de Literatura 2000 e 205, Prêmio APCA em 2004. Professor Aposentado da Universidade de Brasília (UNB). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 06.01.23.

Marcos republicanos sob ameaça

Confusão do governo na revisão das competências da ANA expõe sua inépcia, sua ojeriza à iniciativa privada e seu apetite por submeter agências reguladoras ao seu arbítrio

Em seu primeiro dia, o novo governo tentou desmembrar a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e esvaziar sua função reguladora no saneamento. Além de inepta, a manobra desperta apreensão por sinalizar um duplo retrocesso: no saneamento em si e na autonomia das agências reguladoras.

A MP que define as atribuições dos 37 Ministérios alterou a lei de criação da ANA para vinculá-la ao Ministério do Meio Ambiente. O mesmo ato retirou de seu nome a menção ao saneamento e excluiu sua atribuição de instituir as normas de referência no setor. Ao mesmo tempo, o decreto sobre o Ministério das Cidades atribuiu esse papel à Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental da pasta.

A medida é ilegal, porque a competência da ANA para elaborar as normas foi instituída pelo marco legal do saneamento e só pode ser alterada por lei. Além disso, apesar de a MP ter repassado a ANA para o Meio Ambiente, o decreto que estrutura o Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional também prevê a vinculação do órgão.

A Casa Civil já sinalizou que vai retificar a confusão, mas a sensação de insegurança já está instalada. Porém, mais do que mero equívoco, a tentativa de transferir as competências da ANA à administração direta parece ser um balão de ensaio de um governo atavicamente hostil à iniciativa privada e à independência das agências reguladoras.

Ao contrário do que se fez na energia, transportes ou telecomunicações, os serviços de água e esgoto ainda são prestados quase que exclusivamente por estatais contratadas sem licitação nem metas. O marco, aprovado em 2020, fez valer a exigência constitucional de licitação e metas, criando condições para a atração do capital privado. Para garantir segurança e previsibilidade, foi atribuído à ANA o papel de editar as diretrizes de referência a serem seguidas pelas mais de 80 agências reguladoras infranacionais.

À época, o PT se opôs ao marco, e em dezembro o grupo de transição para o novo governo já recomendou a sua “revisão” para barrar concessões ou privatizações e esvaziar a autonomia da ANA. Dito e feito.

Trata-se de uma tentativa de autorrealizar uma profecia. Membros do governo alegam que a ANA não tem “controle da sociedade”, gerando insegurança jurídica, e que o marco não trouxe os investimentos desejados. Mas, como toda agência, a ANA é fiscalizada pelo Congresso. Só em 2021, os investimentos no saneamento cresceram 27% – só os privados, 41%. Agora, porém, esse avanço está ameaçado.

“Evidentemente, essas incertezas geram a procura por um plano B”, disse ao Estadão uma fonte ligada ao setor. “No limite, as empresas privadas de saneamento vão apenas manter a estrutura que têm hoje e parar de investir, à espera de uma definição sobre o futuro.” O freio põe em risco as metas de universalização estabelecidas pelo marco, ameaçando perpetuar o estado de exclusão e degradação em que vivem os 35 milhões de brasileiros sem água potável e os 100 milhões sem esgoto.

A ofensiva sobre a ANA é parte de um conteúdo programático. As agências reguladoras foram criadas nos anos 90 para garantir que as privatizações e concessões fossem reguladas por critérios técnicos, em prol do interesse público, livres de pressões de corporações políticas e econômicas a serviço de interesses privados. Trata-se de órgãos de Estado, não de governo – e muito menos de um receptáculo de aparelhamento partidário. É justamente isso que sempre despertou a ojeriza do PT. Na oposição, o partido se opôs à criação das agências. No governo, fez o diabo para sabotá-las, fosse asfixiando-as financeiramente, fosse retardando nomeações, fosse obliterando projetos de lei que fortalecessem sua isenção e sua capacidade técnica.

A pandemia foi a grande vindicação das agências. Só Deus sabe o quanto Jair Bolsonaro teria retardado a aprovação das vacinas não fosse a autonomia da Anvisa. O lulopetismo e o bolsonarismo se apresentam como antíteses um do outro. Mas eis mais um ponto em que convergem: o anseio mútuo por submeter toda a máquina do Estado ao seu arbítrio.

Editorial /  Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 06.01.23

‘Quem fizer algo errado será convidado a deixar o governo’, diz Lula em primeira reunião ministerial

Petista disse que ministros devem abrir a porta para receber parlamentares e que vai conversar com o Congresso sem veto ideológico

Lula realizou na manhã desta sexta-feira, 6, sua primeira reunião ministerial como presidente. Foto: Wilton Junior/Estadão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu a primeira reunião ministerial do seu terceiro mandato com um aviso aos ministros. O petista afirmou que “quem fizer algo errado, será convidado a deixar o governo”. Sua gestão começa em meio à polêmica do envolvimento da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil-RJ), com familiares de milicianos. Lula pediu a sua equipe que mantenha a porta aberta dos ministérios para receber parlamentares e disse que quer assegurar uma relação harmônica com o Congresso.

Em relação à conduta dos ministros, ao mesmo tempo em que deu o alerta sobre a possibilidade de demitir quem cometer irregularidades, prometeu não deixar ninguém para trás.

Presidente afirmou que não abandonará nenhum de seus ministros 'no meio da estrada'. 

“Todos sabem que a nossa obrigação é fazer as coisas corretas, é fazer as coisas da melhor forma possível. Quem fizer errado sabe que só tem um jeito: a pessoa será simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo. E, se cometeu algo grave, a pessoa terá que se colocar diante das investigação e da própria Justiça”, disse Lula.

Como o Estadão mostrou, Lula rejeitou demitir a ministra do Turismo e o Palácio do Planalto saiu em defesa dela, minimizando o episódio.

O presidente ressaltou, porém, que vai apoiar cada um dos ministros nos “momentos bons e ruins” e vai agir como um irmão mais velho ou um pai, com a garantia de ser “honesto” com todos. “Não deixarei nenhum de vocês pela estrada”, afirmou aos 37 ministros. A reunião nesta sexta-feira, 6, foi convocada logo no primeiro dia de governo, mas, diante de desencontros entre os integrantes do governo, Lula decidiu aproveitar o encontro para impor um freio de arrumação.

O governo sofreu com desgastes de imagem e reações negativas do mercado financeiro provocados por opiniões pessoais de seus auxiliares e bate cabeça entre os projetos em análise nos ministérios.

O chefe do Executivo enfatizou que o governo não tem “pensamento único” e que é necessário “esforço” de todos os ministros para superar as divergências e atingir os resultados prioritários. “Nós não somos um governo de pensamento único. Somos um governo de pessoas diferentes. E mesmo pensando diferente, temos que fazer um esforço para que no processo de reconstrução do País a gente pense igual’, disse Lula.

Divergências entre ministros estão explícitas, tanto na equipe econômica, entre Planejamento e Fazenda, quando em áreas como Justiça e Defesa. “Somos um governo de pessoas diferentes e o importante é fazer um esforço para na reconstrução do País a gente construa igual.

Lula afirmou que os ministros têm obrigação de receber deputados e senadores. E ainda lembrou que estará aberto a conversar com todos os partidos e fez uma menção especial à atenção que dará aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). “Não é o Lira que precisa de mim, é o governo que precisa da boa vontade do presidente da Câmara”, afirmou.

Lula assina termo de posse no Congresso ao lado dos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e Rodrigo Pacheco.  Foto: Jacqueline Lisboa/Reuters

“Vou fazer a mais importante relação com o Congresso Nacional que já tive. Estive oito anos na Presidência e eu digo aos líderes Jacques Wagner, (José) Guimarães e Randolfe (Rodrigues), que, desta vez, vocês não se preocupem pois vão ter um presidente disposto a fazer tantas quantas conversas for necessário com lideranças, partidos políticos e os presidente Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. Não tem veto ideológico para conversar e não tem assunto proibido em se tratando do bem do povo brasileiro”, afirmou.

O recado do presidente sobre a necessidade de seus auxiliares manter interlocução constante com o Congresso remonta ao mandato da ex-presidente Dilma Roussef (PT), que foi destituída por um processo de impeachment após ter a sua base de sustentação parlamentar esfacelada, enquanto enfrentava a oposição do então presidente da Câmara Eduardo Cunha (União Brasil-RJ).

Após o discurso inicial de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que atacou o uso da máquina pública por Bolsonaro para tentar a reeleição e agradeceu os votos recebidos pela chapa, a reunião foi fechada.

Alinhamento

Depois de assistir à exposição de divergências entre integrantes da equipe, Lula aproveita a primeira reunião para impor um “freio de arrumação” na Esplanada. O encontro, com 37 ministros, servirá para Lula enquadrar seus aliados, que já produziram três situações de desgaste em menos de uma semana.

Na lista está a declaração do ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), de que pretende fazer uma revisão da reforma previdenciária promovida pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019. Lupi acabou desautorizado pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa, que atribuiu a Lula a palavra final sobre anúncios de políticas estudadas nos ministérios.

Houve, ainda, mais um bate-cabeça entre ministros. Desta vez, entre o titular da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), e o da Defesa, José Múcio. Dino tem classificado os protestos de aliados de Bolsonaro em frente aos quartéis como “incubadoras de terroristas” e cobra o fim desses acampamentos. Múcio, por sua vez, diz que se trata de manifestações da democracia, quando pacíficas. O ministro contou que tem parentes acampados nesses locais.

O Estadão apurou que episódios como o de Lupi, Dino e Múcio devem fazer com que Lula cobre o alinhamento do discurso da equipe. A primeira semana da volta do petista ao Planalto foi marcada por reações duras do mercado financeiro a declarações dos ministros.

O futuro presidente da Petrobras, Jean Paul Prates (PT), também provocou polêmica ao defender a revisão da política de preço de paridade de importação (PPI), que condiciona as mudanças nos preços dos combustíveis às movimentações internacionais.

Recados e agronegócio

Lula prometeu punição a crimes ambientais. O presidente deu um claro recado ao agronegócio, setor econômico em que o ex-presidente e adversário eleitoral Jair Bolsonaro (PL) tinha um pilar de seu eleitorado. O petista afirmou que “pessoas sérias”, “homens de negócio” e “empresários de verdade” do agro, que sabem produzir sem ofender e adentrar biomas como Amazônia e Pantanal, serão respeitados e bem tratados. A fala foi feita enquanto Lula elogiava do ministro da Agricultura Carlos Fávaro (PSD) por ser um elo do governo com os produtores rurais.

“Aqueles que teimarem em continuar desrespeitando a lei, invadindo o que não pode se invadido, usando agrotóxico que não pode ser usado, esse a força da lei imperará sobre eles. Nesse País tudo vale, a única coisa que não vale é cidadão bandido achar que pode desrespeitar a boa vontade da sociedade brasileira, a nossa Constituição e a nossa legislação”, disse Lula.

O petista ainda citou nominalmente os ministros da Educação, Camilo Santana (PT), da Saúde, Nísia Trindade, e da Cultura, Margareth Menezes. Ao ex-governador petista Camilo, Lula disse que deverá se reunir com ele na semana que vem para fazer um levantamento das mais de 4 mil obras paradas no setor educacional. Ao se destinar à Margareth, o presidente disse ser necessário fazer uma “revolução cultural” no País. À Nísia o petista relembrou a responsabilidade da ministra na área da Saúde e disse compreender que ela terá dificuldades em atingir os objetivos.

Weslley Galzo e Felipe Frazão para O Estado de S. Paulo, em 06.01.23