segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Até onde irão os órfãos de Bolsonaro?

Dependerá da diplomacia e firmeza do governo Lula que as tentativas nada pacíficas dos últimos golpes do bolsonarismo radical sejam diluídas ou fortalecidas com o consentimento de parte das Forças Armadas.

Um homem com uma bandeira brasileira se manifesta contra Lula no Planalto neste domingo durante a tomada de várias instituições por apoiadores de Bolsonaro. (Adriano Machado, Reuters)

Quando tudo parecia uma lua de mel para o novo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vencedor das eleições, e quando as forças democráticas do país comemoravam a notícia de seu governo , de repente a mais radical serpente de Bolsonaro ergueu a cabeça e ousou contra todas as proibições e ameaças de tentar invadir o Congresso Nacional no estilo Trump .

O mais estranho é que tudo parecia em paz e que até ontem políticos partidários de Bolsonaro, após sua nada gloriosa decisão de deixar o país , abordavam Lula e seu novo governo sem xales. Sua vitória parecia completa e os dirigentes de seu Gabinete consideravam as escaramuças brasilienses dos fanáticos de Bolsonaro que se recusavam a deixar a capital um resíduo inócuo que acabaria cansando seus protestos e desistindo de seus ares golpistas.

O que aconteceu neste domingo em Brasília, contrariando todas as expectativas e desafiando as ameaças do novo governo, acabou alarmando, porém, pois ainda não se sabe quem está por trás desses milhares de bolsonaristas que chegaram à capital em uma centena de ônibus, especialmente de o sul rico do país, aparentemente pago por empresários ainda leais a Bolsonaro do grupo conservador e fascista do agronegócio.

É possível que o novo governo e as boas relações de Lula com os militares acabem por dissipar os temores e as tentativas dos manifestantes que querem que os militares deem um golpe para derrubar o novo governo progressista. É a hipótese dos mais otimistas que veem nas manifestações o último golpe do descontentamento que vai desembocar nas águas da borragem.

Há, porém, latente, desde antes da vitória de Lula, uma teoria sutil e perigosa sobre os limites entre protestos de rua e liberdade de expressão. É o argumento que os militares mais simpatizantes dos bolsonaristas abraçam que alegam que o direito aos protestos, desde que não sejam violentos, é garantido pela Constituição. E aí reside neste momento o difícil equilíbrio entre o protesto democrático e as tentativas de derrubar nas urnas o novo governo democraticamente sancionado.

Daí a importância de como podem terminar as tentativas de invadir o Congresso, ainda que hoje vazio, e continuar com atos de violência física e peticionar aos militares que declarem a ilegalidade das eleições e atuem contra o novo governo. Um governo ao qual não emprestam autoridade, pois continuam com a ladainha de que as eleições não foram justas e a vitória de Bolsonaro foi roubada, nada mais parecido com o que já vimos nos Estados Unidos com a derrota de Donald Trump.

Tudo isso indica que Bolsonaro segue na ativa desde seu exílio voluntário nos Estados Unidos e daqui, no Brasil, por meio de seus mais fiéis seguidores, principalmente o mundo dos empresários que desaprovaram a volta de Lula, a quem seguem. ".

Na hora de despachar essa análise, toda a atenção está voltada para o que os militares mais próximos de Bolsonaro podem pensar e decidir. Se não houver surpresas, a esperança do novo governo, disposto a usar a força contra os golpistas, é que ajam com pés de chumbo para que, sem ter que enfrentar os manifestantes com a força das armas, consigam convencê-los a voltem para suas casas.

Tudo isto para evitar um confronto violento com as forças policiais que poderia manchar o clima de diálogo e paz política e social criado pela esperança de que se abre a chegada de um novo Governo, no qual, pela primeira vez, representantes de todas as fazendas do país, mesmo aquelas até agora sempre deixadas na sarjeta. Entre os 37 ministros do novo governo de Lula há, de fato, representantes das camadas mais baixas da sociedade que nunca haviam feito parte de um governo nacional no passado.

O resultado da diplomacia e da firmeza do governo Lula vai depender se as tentativas nada pacíficas dos últimos golpes do bolsonarismo radical, que já começam a se espalhar de Brasília a São Paulo e que podem se multiplicar nos próximos dias, acabem se diluindo sem consequências maiores ou podem ser fortalecidas com o consentimento da parte das Forças Armadas que continuam, ainda que nas sombras, apoiando o apetite golpista do bolsonarismo. Um bolsonarismo que não se confunde com a direita que, embora com nojo, aceitou democraticamente o resultado das urnas.

Juan Árias, o autor deste artigo, é correspondente do EL PAÍS no Rio de Janeiro. Publicado originalmente em 08.01.23, às 18:39hs

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