sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Democracia sempre, com toda a precaução

Frase de Lula na posse implica um trabalho permanente de vigilância e diálogo para que não haja retrocessos

A última frase do discurso de Lula da Silva na posse de domingo fala em democracia sempre. Expressa um alívio, porque escapamos de destinos indesejáveis como o da Hungria ou mesmo, na outra ponta do espectro, o da Nicarágua.

A “democracia sempre” revela que a sociedade resistiu às ameaças de Jair Bolsonaro, mas implica também um trabalho permanente de vigilância e diálogo para que realmente não haja retrocessos.

Uma das variáveis interessantes no futuro próximo é desenhar o destino desse movimento que apoiou Bolsonaro e, parcialmente, resistiu na porta dos quartéis até o dia da posse de Lula.

Há quem pense que esses eleitores voltam ao leito original da direita clássica. Discordo. Eles são produto de uma nova época e se organizam de outra maneira, através de instrumentos que não existiam no passado.

O gênio não volta mais à lâmpada. No entanto, alguma coisa pode acontecer nesse movimento de extrema direita que sacudiu o País a partir de 2018.

Seu líder foi derrotado e escolheu o péssimo caminho da fuga para a Disneylândia. Ele poderia ter trilhado a senda democrática: reconhecer a derrota, empossar o eleito e se dedicar à oposição. Ou mesmo poderia ter tentado um golpe com uma chance bem reduzida de vitória, risco de prisão ou mesmo de sua integridade física.

Bolsonaro não fez nada disso. Apenas se refugiou na amargura e esperou que movimentos de massa, isolados, resolvessem o problema que ele não conseguia equacionar.

Certamente isso vai pesar o seu futuro. Assim como pesará em termos históricos o fato de ser um presidente que não conseguiu se reeleger. É um destino que partilha com Marcelo Crivella, prefeito do Rio também derrotado. Ambos atuaram tão mal que dão aos seus sucessores uma grande chance de acertar, no princípio, apenas fazendo o trivial numa administração.

A experiência internacional, sobretudo a francesa, mostra que os partidos de extrema direita se renovam quando percebem que suas chances eleitorais se reduziram. É o caso de Marine Le Pen na França. Ela percebeu que seguiriam marginalizados e empreendeu um programa de “desdemonizacão” de seu partido. Expulsou radicais, condenou a violência e o racismo explícito, além de ter se aproximado da visão da Europa. Ainda expulsou o próprio pai, Jean-Marie Le Pen.

Também na Itália, Giorgia Meloni suavizou seu discurso sobre a Europa e pretende articular alguns países dirigidos pela direita.

Mas as semelhanças entre Europa e Brasil não podem ser levadas muito adiante. Duas mulheres, mesmo que distantes do feminismo, são mais hábeis que Bolsonaro.

A extrema direita brasileira, inspirada na norte-americana, tem características peculiares. Uma delas é a paixão pelas armas, com o projeto de armar a população. No caso brasileiro, essa bandeira é rejeitada, segundo as pesquisas, por 70% da população.

Outra característica é a negação das mudanças climáticas. Bolsonaro vai além, defende o desmatamento da Amazônia e a integração dos povos originários na sociedade abrangente.

Num contexto europeu, essa fúria destrutiva parece-me longe de ser aceita. Lembro-me de cobrir uma manifestação de neonazistas, os skinheads, em Dresden, quando trabalhava na Alemanha. Quase todos que entrevistei manifestavam alguma preocupação com o meio ambiente.

Partidos conservadores como o inglês discutem há anos sua agenda ambiental e a colocam no topo das prioridades. Lembro-me de que há dez anos já havia excelentes programas ambientais, como o do filósofo John Gray.

Uma outra característica que aproxima a direita brasileira da norte-americana é o apoio fervoroso de alguns grupos evangélicos. A decisão de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, comum a Donald Trump e Bolsonaro, não significa apenas alinhamento a Israel. Mas basicamente é a tentativa de tornar real uma profecia comum aos evangélicos, que prevê uma grande guerra na região na qual os sobreviventes aderem ao cristianismo. Não creio que essa profecia seja bem-vista por Israel, que, de qualquer forma, seria beneficiado com a transferência.

O velho Jean-Marie Le Pen, na França, não tinha condições mentais de se reinventar, por isso foi varrido pela filha. Suspeito que Bolsonaro também tenha dificuldade de análise. Parece muito dominado pelos próprios sentimentos e foi incapaz, por exemplo, de cumprir o ritual de um derrotado nas eleições.

No momento de grande indignação com a política tradicional, ele encarnou o homem simples que fala palavrões e não esconde seus pensamentos, mesmo os obscenos. Mas a História coloca problemas que um homem limitado nem sempre pode resolver. Sobretudo quando se cerca de obedientes nulidades.

Não haverá vácuo. Hamilton Mourão fez um discurso tentando preenchê-lo na passagem de ano. Governadores de Estados importantes, como São Paulo e Minas, podem também aspirar à liderança.

O último discurso de Bolsonaro revelou que ele tinha algum medo do futuro. Seus eleitores mais moderados se decepcionaram; os que o consideravam mito vão reclassificá-lo na galeria de heróis como Mickey, Pluto e Pato Donald.

Fernando Gabeira, o autor deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 06.01.23

O que nos espera?

Sobre Haddad e suas ações recai o peso total de um governo que nos libertou de um pesadelo, mas que ainda engatinha

A primeira semana de 2023 se encerra como se o ano recém despertasse tal qual um tresnoitado que tenha caído da cama na madrugada, acreditando já haver Sol. Hoje é Dia de Reis no calendário cristão, mas já não recordamos a data.

Na voraz sociedade de consumo, vivemos sempre no amanhã. No Brasil, o novo governo federal desponta como se estivesse emaranhado nos 37 ministérios criados por Lula da Silva para administrar o País. Faltam até prédios na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para lá instalar o primeiro escalão do novo governo.

Aumentar o número de ministérios pode não obedecer, no entanto, a uma forma de melhor governar, mas, sim, a uma tentativa de obter (no conhecido “jeitinho” brasileiro) maioria no Congresso.

Pergunto: trata-se do ressurgimento (ou continuidade) da velha politicalha dominante na partidocracia brasileira?

Para disfarçar, dão a isso a denominação pomposa de “presidencialismo de coalizão”, mesmo que entre em atrito ou colisão com a forma democrática de governar para a totalidade dos cidadãos e não apenas como “moeda de troca” entre os políticos.

A vitória de Lula da Silva, mais do que tudo, significou a derrota do autoritarismo e desdém administrativo de Jair Bolsonaro, mas não viajou com o ex-presidente a Orlando, na Flórida, nos EUA, para lá divertir-se com as invenções de Walt Disney.

A viagem, ou fuga, de Bolsonaro (paga por cada um de nós) foi apenas a forma com que ele evitou colocar em Lula a faixa presidencial, símbolo do poder. A cena alternativa, porém, foi a mais bela e representativa da posse presidencial. Nem a cadelinha “Resistência”, levada pela primeira-dama num gesto inadequado e ridículo, logrou manchar a beleza e representatividade do grupo que, com o cacique Raoni ao lado de Lula, subiu a rampa do Palácio do Planalto e, no topo, uma catadora de lixo negra nele colocou a faixa.

Foi como se o Brasil inteiro colocasse a faixa no presidente eleito. A ausência de Bolsonaro apenas propiciou algo mais profundo e simbólico do que a convencional passagem da faixa.

Os discursos de Lula na posse perante o Congresso e no parlatório, para a multidão, foram a um só tempo uma análise da situação que vai herdar e um compromisso a cumprir ao longo dos quatro anos de mandato. As dificuldades expostas foram parcialmente removidas já no “revogaço” assinado ao dar posse ao Ministério. A anulação imediata das facilidades criadas por Bolsonaro para o porte de armas e compra de munições foi sábia e atendeu a uma demanda da sociedade que almeja ser protegida, não matar.

Nos anos de Bolsonaro, até uma rusga ou discussão no trânsito, tão comum nas grandes cidades, podia redundar em morte. Bastaria que uma das partes estivesse armada.

Nada, porém, supera o compromisso público de Lula de desenvolver ações contra a fome, por um lado, e para minorar o impacto das mudanças climáticas, por outro. A inércia governamental na área de proteção ambiental nos tempos de Bolsonaro fez o Brasil regredir à condição de pária entre as nações. Lula foi, inclusive, veemente ao falar da proteção do meio ambiente. O ministério entregue à experiente Marina Silva foi a mostra concreta da decisão de acertar.

Por outro lado, Lula recebe agora um Brasil muito mais problematizado do que aquele que Michel Temer legou a Bolsonaro. Ou, mais ainda, nada recorda o País que Fernando Henrique Cardoso entregou ao próprio Lula em 2003.

Os cuidados extremos que cercaram a posse de Lula e Geraldo Alckmin, em que diferentes corpos policiais se mobilizaram para evitar eventuais ataques terroristas aos novos governantes, marcaram a síntese desse Brasil estranho surgido nos quatro anos de Bolsonaro. Num disparate histórico, o então presidente da República reinventou a “Guerra Fria” ao insistir no “perigo do comunismo”, e disso fez seu cavalo de batalha, em diferentes formatos ou cores.

Com isso, tentou desviar a atenção e evitar o enfrentamento dos problemas profundos, sempre mais difíceis de resolver do que ideias estapafúrdias lançadas ao vento. Foi assim que vimos Bolsonaro qualificar a pandemia de “gripezinha” ou, mais adiante, inventar que a vacina contra covid provocava aids.

O passado já passou e, agora, começa um momento novo. O Ministério de Lula é heterogêneo e as palavras iniciais do novo presidente e do seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fizeram o dólar subir e a Bolsa baixar. Em árabe, Haddad significa “ferreiro”, atividade exponencial no tempo em que se ferravam cavalos e não havia automóveis, mas hoje só usual nos hipódromos.

Na diversidade do Ministério lulista, Haddad se perfila desde já como a figura-chave ou o “homem forte”. Sobre ele e suas ações recai, desde já, o peso total de um governo que nos libertou do pesadelo bolsonarista, mas que ainda engatinha e molha as fraldas como criança.

Esperar mais do que isso é ir além do previsível, algo que nem um punhado de pitonisas pode antecipar.

Flávio Tavares, o autor deste artigo, é Jornalista e Escritor - Prêmio Jaboti de Literatura 2000 e 205, Prêmio APCA em 2004. Professor Aposentado da Universidade de Brasília (UNB). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 06.01.23.

Marcos republicanos sob ameaça

Confusão do governo na revisão das competências da ANA expõe sua inépcia, sua ojeriza à iniciativa privada e seu apetite por submeter agências reguladoras ao seu arbítrio

Em seu primeiro dia, o novo governo tentou desmembrar a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e esvaziar sua função reguladora no saneamento. Além de inepta, a manobra desperta apreensão por sinalizar um duplo retrocesso: no saneamento em si e na autonomia das agências reguladoras.

A MP que define as atribuições dos 37 Ministérios alterou a lei de criação da ANA para vinculá-la ao Ministério do Meio Ambiente. O mesmo ato retirou de seu nome a menção ao saneamento e excluiu sua atribuição de instituir as normas de referência no setor. Ao mesmo tempo, o decreto sobre o Ministério das Cidades atribuiu esse papel à Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental da pasta.

A medida é ilegal, porque a competência da ANA para elaborar as normas foi instituída pelo marco legal do saneamento e só pode ser alterada por lei. Além disso, apesar de a MP ter repassado a ANA para o Meio Ambiente, o decreto que estrutura o Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional também prevê a vinculação do órgão.

A Casa Civil já sinalizou que vai retificar a confusão, mas a sensação de insegurança já está instalada. Porém, mais do que mero equívoco, a tentativa de transferir as competências da ANA à administração direta parece ser um balão de ensaio de um governo atavicamente hostil à iniciativa privada e à independência das agências reguladoras.

Ao contrário do que se fez na energia, transportes ou telecomunicações, os serviços de água e esgoto ainda são prestados quase que exclusivamente por estatais contratadas sem licitação nem metas. O marco, aprovado em 2020, fez valer a exigência constitucional de licitação e metas, criando condições para a atração do capital privado. Para garantir segurança e previsibilidade, foi atribuído à ANA o papel de editar as diretrizes de referência a serem seguidas pelas mais de 80 agências reguladoras infranacionais.

À época, o PT se opôs ao marco, e em dezembro o grupo de transição para o novo governo já recomendou a sua “revisão” para barrar concessões ou privatizações e esvaziar a autonomia da ANA. Dito e feito.

Trata-se de uma tentativa de autorrealizar uma profecia. Membros do governo alegam que a ANA não tem “controle da sociedade”, gerando insegurança jurídica, e que o marco não trouxe os investimentos desejados. Mas, como toda agência, a ANA é fiscalizada pelo Congresso. Só em 2021, os investimentos no saneamento cresceram 27% – só os privados, 41%. Agora, porém, esse avanço está ameaçado.

“Evidentemente, essas incertezas geram a procura por um plano B”, disse ao Estadão uma fonte ligada ao setor. “No limite, as empresas privadas de saneamento vão apenas manter a estrutura que têm hoje e parar de investir, à espera de uma definição sobre o futuro.” O freio põe em risco as metas de universalização estabelecidas pelo marco, ameaçando perpetuar o estado de exclusão e degradação em que vivem os 35 milhões de brasileiros sem água potável e os 100 milhões sem esgoto.

A ofensiva sobre a ANA é parte de um conteúdo programático. As agências reguladoras foram criadas nos anos 90 para garantir que as privatizações e concessões fossem reguladas por critérios técnicos, em prol do interesse público, livres de pressões de corporações políticas e econômicas a serviço de interesses privados. Trata-se de órgãos de Estado, não de governo – e muito menos de um receptáculo de aparelhamento partidário. É justamente isso que sempre despertou a ojeriza do PT. Na oposição, o partido se opôs à criação das agências. No governo, fez o diabo para sabotá-las, fosse asfixiando-as financeiramente, fosse retardando nomeações, fosse obliterando projetos de lei que fortalecessem sua isenção e sua capacidade técnica.

A pandemia foi a grande vindicação das agências. Só Deus sabe o quanto Jair Bolsonaro teria retardado a aprovação das vacinas não fosse a autonomia da Anvisa. O lulopetismo e o bolsonarismo se apresentam como antíteses um do outro. Mas eis mais um ponto em que convergem: o anseio mútuo por submeter toda a máquina do Estado ao seu arbítrio.

Editorial /  Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 06.01.23

‘Quem fizer algo errado será convidado a deixar o governo’, diz Lula em primeira reunião ministerial

Petista disse que ministros devem abrir a porta para receber parlamentares e que vai conversar com o Congresso sem veto ideológico

Lula realizou na manhã desta sexta-feira, 6, sua primeira reunião ministerial como presidente. Foto: Wilton Junior/Estadão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu a primeira reunião ministerial do seu terceiro mandato com um aviso aos ministros. O petista afirmou que “quem fizer algo errado, será convidado a deixar o governo”. Sua gestão começa em meio à polêmica do envolvimento da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil-RJ), com familiares de milicianos. Lula pediu a sua equipe que mantenha a porta aberta dos ministérios para receber parlamentares e disse que quer assegurar uma relação harmônica com o Congresso.

Em relação à conduta dos ministros, ao mesmo tempo em que deu o alerta sobre a possibilidade de demitir quem cometer irregularidades, prometeu não deixar ninguém para trás.

Presidente afirmou que não abandonará nenhum de seus ministros 'no meio da estrada'. 

“Todos sabem que a nossa obrigação é fazer as coisas corretas, é fazer as coisas da melhor forma possível. Quem fizer errado sabe que só tem um jeito: a pessoa será simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo. E, se cometeu algo grave, a pessoa terá que se colocar diante das investigação e da própria Justiça”, disse Lula.

Como o Estadão mostrou, Lula rejeitou demitir a ministra do Turismo e o Palácio do Planalto saiu em defesa dela, minimizando o episódio.

O presidente ressaltou, porém, que vai apoiar cada um dos ministros nos “momentos bons e ruins” e vai agir como um irmão mais velho ou um pai, com a garantia de ser “honesto” com todos. “Não deixarei nenhum de vocês pela estrada”, afirmou aos 37 ministros. A reunião nesta sexta-feira, 6, foi convocada logo no primeiro dia de governo, mas, diante de desencontros entre os integrantes do governo, Lula decidiu aproveitar o encontro para impor um freio de arrumação.

O governo sofreu com desgastes de imagem e reações negativas do mercado financeiro provocados por opiniões pessoais de seus auxiliares e bate cabeça entre os projetos em análise nos ministérios.

O chefe do Executivo enfatizou que o governo não tem “pensamento único” e que é necessário “esforço” de todos os ministros para superar as divergências e atingir os resultados prioritários. “Nós não somos um governo de pensamento único. Somos um governo de pessoas diferentes. E mesmo pensando diferente, temos que fazer um esforço para que no processo de reconstrução do País a gente pense igual’, disse Lula.

Divergências entre ministros estão explícitas, tanto na equipe econômica, entre Planejamento e Fazenda, quando em áreas como Justiça e Defesa. “Somos um governo de pessoas diferentes e o importante é fazer um esforço para na reconstrução do País a gente construa igual.

Lula afirmou que os ministros têm obrigação de receber deputados e senadores. E ainda lembrou que estará aberto a conversar com todos os partidos e fez uma menção especial à atenção que dará aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). “Não é o Lira que precisa de mim, é o governo que precisa da boa vontade do presidente da Câmara”, afirmou.

Lula assina termo de posse no Congresso ao lado dos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e Rodrigo Pacheco.  Foto: Jacqueline Lisboa/Reuters

“Vou fazer a mais importante relação com o Congresso Nacional que já tive. Estive oito anos na Presidência e eu digo aos líderes Jacques Wagner, (José) Guimarães e Randolfe (Rodrigues), que, desta vez, vocês não se preocupem pois vão ter um presidente disposto a fazer tantas quantas conversas for necessário com lideranças, partidos políticos e os presidente Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. Não tem veto ideológico para conversar e não tem assunto proibido em se tratando do bem do povo brasileiro”, afirmou.

O recado do presidente sobre a necessidade de seus auxiliares manter interlocução constante com o Congresso remonta ao mandato da ex-presidente Dilma Roussef (PT), que foi destituída por um processo de impeachment após ter a sua base de sustentação parlamentar esfacelada, enquanto enfrentava a oposição do então presidente da Câmara Eduardo Cunha (União Brasil-RJ).

Após o discurso inicial de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que atacou o uso da máquina pública por Bolsonaro para tentar a reeleição e agradeceu os votos recebidos pela chapa, a reunião foi fechada.

Alinhamento

Depois de assistir à exposição de divergências entre integrantes da equipe, Lula aproveita a primeira reunião para impor um “freio de arrumação” na Esplanada. O encontro, com 37 ministros, servirá para Lula enquadrar seus aliados, que já produziram três situações de desgaste em menos de uma semana.

Na lista está a declaração do ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), de que pretende fazer uma revisão da reforma previdenciária promovida pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019. Lupi acabou desautorizado pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa, que atribuiu a Lula a palavra final sobre anúncios de políticas estudadas nos ministérios.

Houve, ainda, mais um bate-cabeça entre ministros. Desta vez, entre o titular da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), e o da Defesa, José Múcio. Dino tem classificado os protestos de aliados de Bolsonaro em frente aos quartéis como “incubadoras de terroristas” e cobra o fim desses acampamentos. Múcio, por sua vez, diz que se trata de manifestações da democracia, quando pacíficas. O ministro contou que tem parentes acampados nesses locais.

O Estadão apurou que episódios como o de Lupi, Dino e Múcio devem fazer com que Lula cobre o alinhamento do discurso da equipe. A primeira semana da volta do petista ao Planalto foi marcada por reações duras do mercado financeiro a declarações dos ministros.

O futuro presidente da Petrobras, Jean Paul Prates (PT), também provocou polêmica ao defender a revisão da política de preço de paridade de importação (PPI), que condiciona as mudanças nos preços dos combustíveis às movimentações internacionais.

Recados e agronegócio

Lula prometeu punição a crimes ambientais. O presidente deu um claro recado ao agronegócio, setor econômico em que o ex-presidente e adversário eleitoral Jair Bolsonaro (PL) tinha um pilar de seu eleitorado. O petista afirmou que “pessoas sérias”, “homens de negócio” e “empresários de verdade” do agro, que sabem produzir sem ofender e adentrar biomas como Amazônia e Pantanal, serão respeitados e bem tratados. A fala foi feita enquanto Lula elogiava do ministro da Agricultura Carlos Fávaro (PSD) por ser um elo do governo com os produtores rurais.

“Aqueles que teimarem em continuar desrespeitando a lei, invadindo o que não pode se invadido, usando agrotóxico que não pode ser usado, esse a força da lei imperará sobre eles. Nesse País tudo vale, a única coisa que não vale é cidadão bandido achar que pode desrespeitar a boa vontade da sociedade brasileira, a nossa Constituição e a nossa legislação”, disse Lula.

O petista ainda citou nominalmente os ministros da Educação, Camilo Santana (PT), da Saúde, Nísia Trindade, e da Cultura, Margareth Menezes. Ao ex-governador petista Camilo, Lula disse que deverá se reunir com ele na semana que vem para fazer um levantamento das mais de 4 mil obras paradas no setor educacional. Ao se destinar à Margareth, o presidente disse ser necessário fazer uma “revolução cultural” no País. À Nísia o petista relembrou a responsabilidade da ministra na área da Saúde e disse compreender que ela terá dificuldades em atingir os objetivos.

Weslley Galzo e Felipe Frazão para O Estado de S. Paulo, em 06.01.23

Por que Bolsonaro precisa ser punido

Para a democracia funcionar, os resultados que ela produz não podem ser irreversíveis

O ex-presidente Jair Bolsonaro participa da posse de ministros do STJ - Adriano Machado/Reuters

Bolsonaro deve ser punido por crimes que tenha cometido durante a Presidência? Eu penso que sim, mas a discussão é menos simples do que parece.

A democracia, considerada em seus elementos mais essenciais, funciona porque previne a violência política. O jogo deve ser armado de tal forma que valha mais a pena para os derrotados em um pleito entregar o poder pacificamente do que resistir à força. Não é preciso ser um Von Neumann para concluir que o risco de prisão desbalanceia essa conta, tornando mais atrativa a hipótese de aferrar-se ao poder por todos os meios. Ademais, se testemunharmos muitos ex-presidentes passando longas temporadas na cadeia, criamos um desincentivo para que pessoas, eventualmente capazes e bem-intencionadas, concorram ao cargo.

O cientista político Adam Przeworski vai além e afirma que a fórmula da redução de riscos deve valer não apenas para o destino pessoal de ex-mandatários mas também para as políticas públicas que eles defenderam. Para que os perdedores aceitem mansamente a derrota, devem estar convencidos de que não serão perseguidos pelos vencedores e de que seus projetos poderão ser retomados numa eventual volta ao poder. Para a democracia funcionar, os resultados que ela produz não podem ser irreversíveis.

Isso significa que devemos deixar Bolsonaro em paz? Creio que não. Em primeiro lugar, a estabilidade democrática é um dos valores que a sociedade deve perseguir, mas não o único. A ideia de justiça é outro, e Bolsonaro pode ser acusado de crimes graves o bastante para que não possamos apenas olhar para o outro lado. Mais importante, Bolsonaro não abriu mão do poder porque tenha introjetado o cálculo democrático. Ele nunca o aceitou e só não resistiu à força porque não encontrou apoio suficiente para isso. Conseguir uma condenação que pelo menos o exclua de pleitos pelos próximos muitos anos é um ato de autodefesa da democracia.

Hélio Schwartsman, o autor deste artigo, é Jornalista e escritor. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição impressa, em 05.01.23.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Salário de Bolsonaro pode chegar a R$ 80 mil brutos por mês; entenda

Ex-mandatário recebe aposentadoria como militar e ex-deputado, e pode acumular com os vencimentos de presidente de honra do PL

Ex-presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada após a derrota para Lula, no dia 1º de novembro (Foto de  Evaristo Sá/AFP)

Os vencimentos mensais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) podem chegar a R$ 80 mil. Derrotado na eleição presidencial do ano passado, o ex-mandatário tem garantidas duas fontes de remuneração. E ainda pode contar com uma terceira proveniente de um cargo partidário.

Por ser capitão reformado do Exército, o presidente recebe R$ 11.945,49 brutos por mês. Esta é uma das remunerações que Bolsonaro tem garantida.

Além dos vencimentos como militar, o ex-presidente também vai receber uma aposentadoria pelo tempo em que foi deputado federal. O benefício foi concedido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em dezembro do ano passado. O valor deve ficar em torno de R$ 30 mil reais.

Bolsonaro ainda pode receber R$ 39,2 mil mensais por ser presidente de honra do PL. O presidente do partido, Valdemar Costa Neto, fez o convite após a derrota para Lula nas urnas, em outubro do ano passado.

O valor acertado pelo PL equivale ao teto constitucional do setor público. O partido, no entanto, vai pagar apenas se Bolsonaro retornar ao Brasil.

O ex-presidente viajou para a Flórida dois dias antes do fim de seu mandato e está sem data para voltar. Aliados acreditam que ele permanecerá no país por três meses.

Mas o retorno ao Brasil ainda não garante o pagamento a Bolsonaro. O partido também depende de uma canetada do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, para que tenha recursos.

As contas da sigla estão bloqueadas desde que o PL apresentou uma ação pedindo a anulação de cerca de 300 mil votos apenas no segundo turno. Moraes atendeu a um pedido da legenda e liberou verbas para pagar a folha de pagamento do PL de dezembro, mas o contracheque de Bolsonaro não está contabilizado.

Publicado originalmente por O Globo — Rio de Janeiro, em 05.01.23

O monopólio lulopetista da verdade

Iniciativas do novo governo para punir ‘desinformação’ e para estabelecer a ‘verdade’ sobre o passado revestem-se de boas intenções, mas mal escondem a vocação autoritária

Levou apenas um par de dias para que o cacoete autoritário do governo lulopetista se manifestasse – revestido, é claro, e como sempre, das melhores intenções.

No dia 2 passado, ao tomar posse como ministro-chefe da AGU, Jorge Rodrigo Messias anunciou a criação de uma tal “Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia”, que tem entre suas competências “representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. Trata-se de perigosa formulação, pois nada impede, a não ser escrúpulos éticos, que o governo classifique como “desinformação” o que é mera opinião. Abre-se uma avenida para o constrangimento de críticos do governo, a título de impedir a disseminação de mentiras tendentes a prejudicar o funcionamento do Estado e, no limite, a democracia.

Tudo é ainda mais estupefaciente porque o próprio advogado-geral da União reconheceu que não há lei que defina o que é desinformação. Mesmo assim, Messias achou que era o caso de não apenas criar a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia – como se já não houvesse o Ministério Público para fazê-lo –, mas também de tomar para a AGU a prerrogativa de definir o que é desinformação. Tomem nota: “Mentira voluntária, dolosa, com o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos membros dos Poderes com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas funções públicas”. Tudo vago o suficiente para servir de base a qualquer coisa – bem ao gosto de governos arbitrários.

Em outra frente, o secretário de Comunicação Social da Presidência, deputado Paulo Pimenta, anunciou a criação da Secretaria de Políticas Digitais, uma estrutura que funcionará no Palácio do Planalto para “combater a desinformação e o discurso do ódio nas redes sociais”. Ora, não cabe a um governo determinar o que é desinformação, muito menos ter uma estrutura devotada a “combater” o que chama de “discurso de ódio” – nome genérico que os petistas certamente usarão, como já o fazem, para qualificar as críticas de opositores.

É claro que, como de hábito, os petistas prometem que tudo isso será precedido de “amplo debate”, mas já se sabe com quem – a patota de sempre. Se é para valer, essa polícia do pensamento deve começar enquadrando o próprio secretário Paulo Pimenta, que é um adepto da lunática teoria segundo a qual o atentado a faca sofrido por Jair Bolsonaro foi uma armação – uma clássica fake news.

Por sua vez, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, anunciou em seu discurso de posse a criação da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade. Nada menos. Não há razão para duvidar da boa intenção do ministro, um jurista respeitável e com reconhecido histórico de defesa dos direitos humanos, mas causa apreensão que um governo pretenda estabelecer a “verdade” e a “memória” de um país, pois é exatamente assim que regimes autoritários se consolidam.

Não se sabe o que mais virá por aí, mas apenas esses exemplos bastam para concluir que o lulopetismo parece empenhado em reescrever a história, na qual se destacam os muitos crimes cometidos durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff, e em determinar como o novo governo petista será descrito agora e no futuro, criminalizando opiniões contrárias.

Decerto movido pelo rancor de quem se julga injustiçado, o PT arreganha os dentes, sem qualquer gesto de distensão nem, muito menos, de conciliação. Pelo contrário: conforme já era esperado, os petistas, nem bem Lula esquentou a cadeira presidencial, põem em prática sua conhecida estratégia de demonizar os opositores e de reivindicar o monopólio absoluto da verdade. Para o presidente e sua turma, convictos de que encarnam o “povo” em toda a sua “diversidade”, só é válida a opinião de quem reconhece Lula como o redentor dos pobres. Considerem-se avisados: aos que não aceitarem o credo petista, resta a danação.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 05.01.23

"Coalizão de Lula está mais à esquerda do que ao centro"

Frente ampla da campanha se refletiu apenas em parte na escolha de ministros, com o PT ocupando o maior número de cargos, aponta cientista político. Tendência é que composição se amplie com o tempo, diz.

O corpo ministerial do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é menos heterogêneo do que a frente ampla defendida pelo presidente ao longo da campanha eleitoral, avalia o cientista político Fernando Limongi.

"A frente ampla da campanha apareceu apenas parcialmente na escolha ministerial e a expectativa era maior nesse sentido. Não que a composição feita nos ministérios seja estreita. Mas o que nós temos neste início de governo é mais uma coalizão necessária para governar", afirma em entrevista à DW Brasil.

Ao longo da disputa presidencial, Lula reuniu apoios vindos da esquerda à centro-direita para derrotar Jair Bolsonaro. Dos 37 ministérios, 10 estão nas mãos do PT, oito em partidos que não o apoiaram na eleição (MDB, União Brasil e PSD) e 11 com ministros sem filiação partidária. Há ainda cargos com Rede, PCdoB, PSB, PSOL e PDT.

Para Limongi, que é professor aposentado de ciência política da USP e docente na Escola de Economia de São Paulo da FGV, dado que o PT ocupa a maior parte dos cargos, a coalizão está mais à esquerda do que ao centro.

"Está bem distante do que é a composição da Câmara e do Senado atualmente, que é de centro-direita. Mas é preciso esperar para ver como essa centro-direita vai se organizar a partir de agora e como essa força estará ao redor do governo", afirma.

O cientista político acredita que a coalizão desenhada por Lula neste momento deve se expandir ao longo do governo, diante da necessidade de aprovar projetos no Congresso. "A tendência é que essa composição se amplie com o tempo, ainda que de forma mais pragmática", pontua.

A composição ministerial, segundo Limongi, também pode servir de preâmbulo para a disputa presidencial nas eleições de 2026. "Simone Tebet e Geraldo Alckmin podem se constituir em possibilidades de candidaturas de centro em relação ao Fernando Haddad ou qualquer outro nome que venha do PT. Esses dois também podem ser uma força contrária ao nome que surgir do núcleo bolsonarista", avalia.

DW Brasil: A frente ampla defendida por Lula durante a campanha apareceu na escolha do corpo ministerial?

Fernando Limongi: A frente ampla da campanha apareceu apenas parcialmente na escolha ministerial e a expectativa era maior nesse sentido. Não que a composição feita nos ministérios seja estreita. Mas o que nós temos neste início de governo é mais uma coalizão necessária para governar.

Partidos que não apoiaram Lula nas eleições (MDB, União Brasil e PSD) foram contemplados com oito ministérios. O que esse número representa na prática para a governabilidade?

O arranjo feito por Lula lhe dá 51% dos votos na Câmara (cerca de 262 deputados) e 55% do Senado (cerca de 45 senadores). É uma maioria bem estreita. Óbvio que tem mais partidos a serem integrados com distribuição dos cargos de segundo escalão, mas essa tem de a ser a característica dos primeiros anos de primeiro mandato em todos os governos. Uma coalizão mais estreita no começo e uma abertura maior depois.

O Fernando Henrique Cardoso começa com uma composição menor e depois é forçado a incorporar o PP e ter uma maioria mais confortável para aprovar a reforma da Previdência, após uma derrota na comissão especial encarregada de analisar a proposta. A mesma coisa aconteceu com o Lula, que começa o governo sem o PMBD e depois vai incorporando o partido à sua base para integrar o governo, até chegarmos em um momento catalisador que foi o mensalão. A tendência é que essa composição se amplie com o tempo, ainda que de forma mais pragmática.

Existem condições que diferenciam este governo de outros?

A eleição foi bastante polarizada, dividida e a vitória do Lula foi apertada. Ao mesmo tempo, houve a eleição de uma grande bancada de direita comandada pelo Jair Bolsonaro e com uma votação surpreendente no primeiro turno. Agora, muitos desses partidos que pularam na canoa do bolsonarismo vão precisar rever sua estratégia. Assim, vai se depurando aquilo que será oposição e o que será governo. Essas forças demoram um pouco a se organizar, então ainda teremos trocas de partido e definições partidárias que podem mudar o rumo do que estamos vivendo agora, e essas acomodações são naturais do processo político. Esse início de lua de mel vai se transformando. Lula precisou pagar dívidas agora e quem se provar incapaz ou sem capacitação de entregar, vai dançar.

A composição ministerial com PSD, União Brasil e MDB é benéfica para o PT no Congresso? A partir da nomeação de ministros, ficam garantidos votos de parlamentares dessas legendas a projetos do Executivo?

Esses partidos são pragmáticos, ainda que o União Brasil tenha alguns elementos estranhos ao PT, como o ex-juiz Sergio Moro, que se elegeu senador pelo Paraná e não vai compor com o governo de forma nenhuma. Mas a tendência é de que, firmado o acordo desse tipo entre os partidos em nível nacional, e ainda que com algumas dissidências regionais, sejam siglas confiáveis e entreguem os votos para aprovar projetos no Congresso. O que nós ainda precisamos esperar é a forma como os partidos vão se posicionar à medida que o governo for definindo a sua linha política, o discurso e como ele vai se relacionar com os grupos políticos.

Lula deu ao PT ministérios-chave, como Fazenda, Casa Civil, Educação, Desenvolvimento Social e Relações Institucionais. Como o senhor analisa tais escolhas?

O partido do presidente vai centralizar os postos-chave e ministérios importantes porque sabe que ali estão os processos decisivos para o país. É uma forma de controlar o dinheiro, as ações de maior impacto e deixar marcas da gestão perante o eleitorado.

O senhor acredita que nomes como os de Fernando Haddad, Simone Tebet e Geraldo Alckmin, nomeados ministros, iniciam seus mandatos já de olho nas eleições de 2026? 

A disputa começou assim que a urna em 2022 foi fechada. Esses três nomes estão no páreo. Em geral, nos dois primeiros anos de governo essa luta é menos aberta. É uma tentativa de ocupar espaço, marcar posição e em algum momento se definem campos e grupos mais definitivos. Lula já disse que está com idade avançada e que não será candidato à reeleição. A partir daí, as peças se movem.

Tebet e Alckmin podem se constituir em possibilidades de candidaturas de centro em relação ao Haddad ou qualquer outro nome que venha do PT. Esses dois também podem ser uma força contrária ao nome que surgir do núcleo bolsonarista. Tem muita água para rolar ainda. Políticos pensam nisso, mas quem se apreça demais corre o risco de se queimar.

Em 2002, por exemplo, quem apostaria na figura da Dilma para ser sucessora do Lula em 2010? Todos imaginavam que seria o José Dirceu. Ela chefiou a Casa Civil, houve o mensalão e ganhou espaço internamente no partido. Mas ainda é muito cedo para prevermos algo.

Ao olhar para o corpo ministerial atual, pode-se dizer que o governo fez uma composição mais à esquerda ou ao centro?

Dado que o PT ocupa a maior parte de cargos, a coalizão está mais à esquerda do que ao centro. E está bem distante do que é a composição da Câmara e do Senado atualmente, que é de centro-direita. Mas é preciso esperar para ver como essa centro-direita vai se organizar a partir de agora e como essa força estará ao redor do governo. São forças que estão se delineando. A liderança da centro-direita sempre foi exercida pela dupla PSDB-PFL. O PSDB praticamente desapareceu, e o PFL, que se transformou em DEM, desembocou no União Brasil. O União está indo em direção a Lula, mas esse movimento não pode ser brusco, leva tempo. Ou seja: os movimentos estão acontecendo.

Partidos como PP, PL e Republicanos podem compor com o PT em pautas específicas ou isso é improvável?

Não acredito que PP, PL ou Republicanos entrem para o governo ou apoiem o governo sem contrapartida. Eles vão se consolidar como partidos de oposição. Mas a situação da oposição é ainda mais indefinida que a do governo, porque eles estão sem rumo desde que o Bolsonaro deixou a vida pública. Ainda não sabemos se e como ele pretende liderar essa oposição como uma alternativa para 2026.

De qualquer forma, são grupos que podem encontrar apoio em governos estaduais nos próximos quatro anos: Minas Gerais, com Romeu Zema, Rio de Janeiro, com Cláudio Castro, e São Paulo, com Tarcísio de Freitas.

A oposição tem como sobreviver e se organizar. A questão é quem vai liderar isso. Quanto menos organizada a oposição estiver, mais fácil será para o governo Lula fazer alianças e conquistar votos no Congresso.

Guilherme Henrique para Deutsche Welle Brasil, em 04.01.23

Tudo para dar certo

Os mais ricos e o agronegócio devem ser chamados a razão e ir ao debate sobre o mínimo que pagam de impostos e creio que eles não se furtarão a entender os seus papéis diante da conjuntura de desigualdade social e mudança climática a ser vencida; ninguém é rico em Terra de pobres.

Continuo otimista e esperançoso. Vendo e ouvindo as manifestações do mercado nessas últimas semanas penso ser recomendável voltar a repetir a frase “o Mercado não deve se preocupar somente com o que o Governo irá fazer, mas também com o que ele fará para ajudar o Governo a implementar o desejado desenvolvimento sustentado com paz, equilíbrio fiscal, justiça social e respeito irrestrito a nossa Constituição”.

Pelo que leio, há um consenso entre os especialistas, o governo Lula irá receber o bastão em situação melhor do que ele o recebeu do presidente FHC. Investidores externos e internos tem essa percepção e isso é muito bom. E importante sentir que os investidores e empreendedores acreditam que há relevantes segurança institucional e jurídica no Brasil e que aconteça o que acontecer, o Congresso Nacional mesmo a médio prazo, terá sempre a característica e a face do Centro, com tendência a Centro direita.

Alguns eventuais “excessos” dos Tribunais Superiores, do Legislativo e do Executivo ,tem-se a impressão de que podem e devem ser contidos mercê do aprendizado de erros e pressão da sociedade esclarecida e não revanchista.

No que concerne aos subsídios, renúncias fiscais e privilégios de varia ordem concedidos a indústrias pouco competitivas haverá, assim espero, um caminho equilibrado na definição do que deve ser excluído por despiciendo ou que ainda acolha tecnologias ultrapassadas e enseja acomodações com falta de inovação. A competitividade do produto brasileiro deve estar no radar

Os mais ricos e o agronegócio devem ser chamados a razão e ir ao debate sobre o mínimo que pagam de impostos e creio que eles não se furtarão a entender os seus papéis diante da conjuntura de desigualdade social e mudança climática a ser vencida; ninguém é rico em Terra de pobres.

Os investidores de além-mar na hora da definição de suas escolhas de investir demonstram ter um particular afeto ao Brasil, eis que mantidos os nossos compromissos de não agressão ao meio ambiente e um crescente protagonismo eficiente e eficaz do nosso país no quesito proteção preditiva ao meio ambiente e na busca incessante do equilíbrio fiscal. Antevejo com Esperança um bom fluxo de capitais estrangeiros sobretudo daqueles comprometidos com os fundamentos ESG, desse modo como corolário haverá formação de capital e poupança destináveis para investimentos governamentais em integração racional da infraestrutura e saneamento .

Matriz energética predominantemente renovável, é a que temos e a Petrobras tornando-se empresa de energia e não só de Petróleo e Gás, facilitara a nossa transição energética e a eficientização do desempenho dos combustíveis derivados de petróleo, em benefício do consumidor. No entanto acredito que devamos pensar muito sobre subsídios estatais a combustíveis fosseis e o ainda falado  Fundo  de Estabilização de Petróleo   

Eólicas, fazendas solares, biocombustíveis, outros incluso os sintéticos e Hidrogênio verde, nos radares de ampliação de uso, serão um bom mote a ser perseguido.

Por outro lado, é inquestionável a relevante maior participação do Brasil no florescente Mercado de Créditos de Carbono global, nesse intento será absolutamente necessário que o Congresso Nacional conclua a votação do PL528 – que regulamenta o Mercado de Redução de Emissões e a compra e venda dos Créditos de Carbono, assim como decretos subsequentes ensejando segurança jurídica e normativa a esse Mercado de Créditos de Descarbonização

 Os discursos que ouço são bons e apontam na direção de um equilíbrio entre o que o Governo pode e deve fazer e aquilo que o Banco Central imporá no combate da inflação. Oxalá.

No Maranhão esse meu otimismo esperançoso encontra maior guarida. O Governador Brandão tem ampla maioria na Assembleia, apoio da bancada federal, traquejo administrativo mercê de estar no Executivo por mais de doze anos e de ter sido deputado operoso. Desejo-lhe muito sucesso e largo pensamento estratégico

Se o presidente Lula e sua equipe tiverem aprendido com os erros do passado e analisado alguns erros do presente, ele que é um político “passado na casca do alho” sobreviverá e fará um grande governo 

Essa é a minha prece de bom Ano Bom. Quem viver verá.

Luiz Raimundo Carneiro de Azevedo, o autor deste artigo, é engenheiro civil, Professor Titular Da UEMA/Universidade Estadual do Maranhão  e consultor da UNIVERSIDADE CEUMA.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Simone Tebet: as ideias da nova ministra sobre a economia que divergem do PT

"Uma tendência mais próxima da centro-direita" na economia: foi assim que a senadora Simone Tebet (MDB-MS) definiu seu perfil durante uma entrevista à BBC News Brasil concedida em maio de 2021. 

Na mesma ocasião, disse que, na pauta de costumes e políticas públicas, se considera "mais próxima da esquerda".

Simone Tebet, que ficou em terceiro lugar na eleição presidencial, passou a apoiar Lula e a fazer campanha ao lado dele (Getty Images)

Após semanas de negociação, Tebet foi anunciada como ministra do Planejamento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira (29/12). O ministério costuma ser responsável pelo comando do Orçamento, do Patrimônio da União, e também é esperada participação na gestão do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), que define privatizações e concessões ao setor privado.

A senadora, que ficou em terceiro lugar na eleição presidencial, passou a apoiar Lula — e a fazer campanha ao lado dele — até a disputa pelo segundo turno.

Agora, a nomeação de Tebet se junta a outros dois ex-presidenciáveis que terão a missão de conduzir áreas da economia no novo governo Lula: Fernando Haddad (PT), candidato em 2018, como ministro da Fazenda, e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), candidato em 2006 e 2018, que ficará com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

Além de ex-candidatos à Presidência, os três nomes também têm em comum o fato de serem apontados como possíveis sucessores de Lula para disputar a campanha de 2026. O petista afirmou que não tentará a reeleição.

Ao mesmo tempo em que são aguardadas mais sinalizações sobre as diretrizes do novo governo na economia, especialmente na área fiscal, também é uma questão — cuja resposta só virá na prática — quanta autonomia terão os ministros à frente de suas pastas.

O que se sabe é que Haddad e Tebet têm visões diferentes sobre economia e estão em ministérios que se complementam — e que trabalharão, ainda, com Alckmin e Márcio França (PSB), anunciado como ministro de Portos e Aeroportos.

Quais, então, são pontos que a senadora apresentou visões que divergiram ou podem divergir do PT?

- Teto de gastos:

Enquanto senadora, Tebet votou, em 2016, a favor da proposta de teto de gastos, que limita o crescimento de gastos públicos. Lula, no entanto, critica a medida, e a proposta de governo petista prevê a revogação do teto de gastos.

- Autonomia do Banco Central:

A senadora também votou a favor da proposta que previa autonomia do Banco Central. Ao mesmo tempo, o PT se opôs à medida e inclusive acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar suspender a medida, sob o argumento de que retira do chefe do Executivo a autoridade sobre a definição da política econômica.

- Marco Legal do Saneamento:

A senadora apoiou a aprovação do Marco Legal do Saneamento, que foi fortemente criticado pelo PT no Congresso.

Os defensores da proposta argumentam que a medida abre o setor de saneamento à iniciativa privada com o objetivo de atingir a universalização do acesso à água potável e à rede de esgoto até 2033. Os críticos diziam que as mudanças aumentariam a tarifa de água para áreas mais pobres com o fim do chamado subsídio cruzado — em que o lucro em área populosa custeia o prejuízo em municípios menores.

- Privatizações:

O plano de governo de Tebet, então candidata, dizia que, se eleito, seria "o governo das concessões, das parcerias público-privadas, das privatizações e da desestatização, sob coordenação do BNDES e com recursos destinados à redução da pobreza e à educação infantil". O documento não detalha as privatizações.

O plano de Lula, por outro lado, aponta como um dos problemas do Brasil que "setores estratégicos do patrimônio público são privatizados" e se opõe às privatizações da Petrobras, Eletrobras e Correios.

Neste ponto, há um entendimento: Tebet já afirmou ser contra a privatização da Petrobras.

Mas Márcio França, após ser indicado para o comando do Ministério de Portos e Aeroportos, afirmou que freiaria concessões e privatizações. Na ocasião, disse que venceu um pensamento político e que "não tem reservas a nada que seja privado, mas não tem como regra que tem que privatizar tudo".

'Centro-direita na economia'

Redução dos gastos e do papel do Estado fazem parte do que é entendido como uma visão de centro-direita na economia — e a discussão sobre responsabilidade fiscal é um debate típico da divergência entre as diferentes linhas de pensamento na economia.

"Pensando no olhar de esquerda, as políticas sociais tendem a ocupar um espaço da universalização, da garantia ampla dos direitos sociais. E isso, obviamente, tem um certo embate com relação à proposta de ser mais à direita, em que redução do gasto, austeridade, a redução do papel do Estado configuram essa visão mais centro direita", explica a economista Vivian Almeida, professora do Ibmec.

Sobre a forma com a qual Tebet define sua visão da economia, Almeida diz que reflete uma visão de que o Estado deve "deixar o espaço livre para que as pessoas gozem das suas liberdades, vocações e possibilidades de tocar as suas vidas na questão de como elas vão gerar sua própria renda".

"Para isso, (segundo essa visão) o Estado deve cobrar menos impostos para quem produz, criar um bom ambiente de negócio, em que as pessoas tenham certeza de que os acordos serão cumpridos… Isso é ser direita na economia", explicou.

No plano de governo, Tebet falava o seguinte: "É preciso colocar o Estado brasileiro para propiciar melhores condições para o investimento privado acontecer, com estabilidade e responsabilidade. O governo tem que possibilitar ambiente estável, previsível, pacífico, com segurança institucional, jurídica e regulatória".

Em entrevista à colunista Miriam Leitão, publicada pelo jornal O Globo, Haddad disse que "no Planejamento haverá uma visão de economia diferente da que foi defendida durante a eleição, mas foi uma aliança de segundo turno", depois de afirmar que o governo não pode ser homogêneo.

"Simone tem minha simpatia pessoal, é uma pessoa transparente, que vai colocar, somar e refletir junto. E ela falou que em mais de 90% da agenda ela e eu chegaríamos à mesma conclusão. E, naquilo que porventura houver divergências, há uma instância de arbitragem, que é a Presidência da República. Nós vamos estar juntos no Conselho Monetário Nacional, na Camex, em tantas instâncias colegiadas", disse Haddad.

Na mesma entrevista, disse que é uma atribuição do Planejamento fazer um pente fino em todos os planos, ao ser questionado se haveria uma revisão de programas para avaliação de gastos e eficiência.

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, se manifestou em rede social a favor da nomeação de Tebet antes do anúncio oficial, defendendo um "programa robusto de avaliação periódica de políticas públicas, em busca de eficiência", com ajuda do tribunal.

Este texto foi publicado, originalmente, em 29.12.22, pela BBC News Brasil, em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64111698

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Frente ampla

Lula precisa ser mais incisivo na ação de seu governo, mais ainda do que foi na montagem de seu ministério

Não houve nos anos recentes nenhum candidato que tenha assumido a Presidência da República com o país tão dividido quanto hoje, e com uma expectativa de futuro tão restrita quanto neste terceiro mandato de Lula. Pouco mais da metade dos brasileiros espera que o governo seja “ótimo” ou “bom”, índice menor que todos os recentes presidentes eleitos tiveram. Nem mesmo Dilma Rousseff, que também venceu a reeleição derrotando o tucano Aécio Neves por pequena diferença, teve pela frente uma oposição tão bem organizada como a que espera por Lula, mesmo que Bolsonaro tenha perdido grande parte do seu capital político com a fuga patética.

O genial brasileiro Nélson Rodrigues, ora muito lembrado pelo que escreveu sobre Pelé, também tem frases sobre política que se encaixam muito bem na nossa situação:

— O presidente que deixa o poder passa a ser automaticamente um chato. (…) O ex-presidente adquire, imediatamente, um ar de museu de cera.

Bolsonaro cuidou de embalsamar sua figura de líder da oposição, mas o antipetismo, mais que o bolsonarismo, continua forte entre nós, e a direita tem, depois de muito tempo, novos quadros que podem substituir com vantagem o desmoralizado e tosco líder em regiões fundamentais do país: Tarcísio de Freitas em São Paulo; Romeu Zema em Minas Gerais; Eduardo Leite no Rio Grande do Sul.

Dilma teve pela frente uma oposição democrática pela ação do PSDB, e perdeu-se pela incapacidade de governar. Sempre que o país esteve dividido, como em 1989 com a eleição de Collor, e em 2014 com a reeleição de Dilma, o final do filme foi trágico politicamente. Lula não está acostumado a governar com uma oposição furibunda como a que se avizinha, mas teve a sorte de ter pela frente um líder populista que não jogou nunca o jogo democrático e, fracassando no seu objetivo ditatorial, perdeu literalmente o rumo de casa e foi curar suas feridas num autoexílio de fantasia.

Assim como entendeu, durante a campanha eleitoral, que precisava montar uma “frente ampla” que desse a sua candidatura uma estatura que apenas a esquerda não lhe conferia, Lula precisa ser mais incisivo na ação de seu governo, mais ainda do que foi na montagem de seu ministério. As fotos das posses anteriores, comparadas com a de agora, deixam evidente um ministério mais policromático, também nas vestimentas, que reflete bem a diversidade cultural do nosso povo. São apenas símbolos, mas importantes para o começo.

O PT ainda é hegemônico, mas não por meio de suas facções mais radicais. Por isso talvez Lula tenha elevado o tom em certos pontos de seus discursos, usando palavras verdadeiras no conteúdo, mas pesadas na forma, para defender a redução da desigualdade brasileira, que é de fato nossa grande chaga.

Lula entrou para a História do país ao colocar no centro das atenções de seu governo a questão da fome e da miséria. Mesmo que vários governos anteriores tenham tido essa sensibilidade, foi Lula quem, com o Bolsa Família, depois do fracasso do Fome Zero, que tinha a mesma raiz, colocou como cláusula pétrea das gestões governamentais o auxílio aos mais necessitados. Hoje, novamente, coloca a redução da desigualdade como base para as demais políticas públicas.

A transversalidade do tema, por si, já mostra sua importância. Não é possível ser uma grande nação com milhões de pessoas morrendo de fome, nem é possível crescer economicamente com uma desigualdade como a que temos. O crescimento, quando vem, frequentemente aumenta a desigualdade, pela disfuncionalidade de nossa sociedade.

Ou então, como em 2021/2022, quando a desigualdade caiu porque ricos e pobres tiveram queda de renda, com os ricos perdendo mais segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A desigualdade mostra-se ainda na fragilidade de nosso sistema escolar, nas políticas públicas de saúde, na precariedade de nossos transportes.

O clima de 2010 prenunciava o que aconteceu em 2013, e levou a Bolsonaro. O clima de hoje pode prenunciar um avanço democrático ou a volta do extremismo. Depende de que Lula entenda que tem de governar com a “frente ampla”.

Merval Pereira, o autor deste artigo, jornalista e escritor, é Presidente da Academia Brasileira de Letras. Publicado originalmente n'O Globo, em 03.01.23.

Governo e sociedade, uma conexão decisiva à democracia

Falência das respostas governamentais às urgências dos cidadãos nutre lideranças salvacionistas e populistas

O ano que acaba de começar não marca apenas a retomada da contagem dos dias sob o signo de janeiro, repetindo a contagem circular dos calendários. O ano se inicia com novo ciclo governamental no País. E aqui, pelo bem de nossa nação, tudo o que menos se precisa é de movimentos repetitivos. Ao contrário, é tempo de reinvenção, com os olhos focados no futuro, especialmente no desafio de governar.

Na sociabilidade das conexões digitais, os governantes precisam, primeiramente, revitalizar aquela pactuação primordial, que justifica mesmo a existência do Estado e suas instituições, que é o diálogo interativo e consequente com os cidadãos. Se há algo decisivo na vida republicana, pode-se identificá-lo na efetiva vinculação entre governo e sociedade.

A afinada sintonia dessa conexão, entre outros, fortalece as instituições democráticas, legitima a ação política e, mais importante de tudo, faz jus à natureza das estruturas governativas, que é a de servir ao interesse comum, observando-se toda a multiplicidade de demandas e a diversidade do existir. E haja desafio nesse caminho.

O pensador espanhol Manuel Castells diagnostica uma “ruptura da relação entre governantes e governados”. “A desconfiança nas instituições, em quase todo o mundo, deslegitima a representação política e, portanto, nos deixa órfãos de um abrigo que nos proteja em nome do interesse comum”, avalia Castells.

Não é esse mesmo o ambiente que abre espaço para salvadores da pátria, populistas e radicais? A realidade tem mostrado que sim. Diante da “ruptura da relação institucional entre governantes e governados”, Castells alerta sobre algo gravíssimo, o fato de que a democracia liberal está deixando de existir “no único lugar em que pode perdurar: a mente dos cidadãos”.

Investir na cultura democrática é, especialmente, fortalecer governanças articuladas às demandas, sonhos e projetos da sociedade. Pode parecer óbvio – e é –, mas a politicagem desembestada e prepotente tem aberto imenso atalho na caminhada republicana, ensejando desastres que não só perpetuam problemas históricos, como a desigualdade socioeconômica e a pobreza, mas também comprometem o futuro, como é o caso da criminalidade ambiental sob os auspícios da inépcia estatal.

No caminho do bom governo, deve-se insistir na rota do equilíbrio fiscal, compatibilizando receitas e despesas, sob o princípio de qualificação dos investimentos e jamais perdendo de vista que cuidar das contas é cuidar das pessoas. É a higidez orçamentário-financeira que possibilita entregas contratadas nas discussões e escolhas do processo político-eleitoral.

Gastar onde não se deve, sem foco ou senso de prioridade, amplia o fosso do desencontro entre governo e sociedade, como temos assistido no Brasil e no mundo. Sem capacidade de concretizar promessas e atender às demandas mais críticas da população, a frustração com a política cresce como erva daninha, com alcance e prejuízos dramáticos à contingência democrático-republicana. Não dá para naturalizar clamores por golpes ou atentados à democracia, como a invasão do Capitólio, por exemplo. E, em grande parte, é a falência das respostas governamentais às urgências da sociedade que nutre lideranças salvacionistas e populistas, vendendo terrenos na Lua, em detrimento da normalidade institucional.

Ações governamentais com resultados reais são imprescindíveis para superarmos estes nossos tempos de desafios à democracia. Não basta enfrentarmos as históricas agendas nacionais e subnacionais, que exigem profundas transformações nos campos da educação, saúde, segurança, trabalho e renda. Desafiam-nos também questões globais que tensionam a atualidade planetária, como as disputas entre EUA e China, a invasão russa na Ucrânia, a emergência climática. O panorama internacional em desalinho, com impulsos de desglobalização e desarranjo das cadeias de suprimentos, pode, paradoxalmente, trazer imensas oportunidades para o Brasil.

Uma governança fundamentada na boa política e na boa técnica, em diálogo permanente com a sociedade e com entregas que melhorem a vida de todas e todos, eis o que se esperar neste novo ciclo. Trata-se de momento vital, em que está em jogo não apenas o exercício governativo consequente, mas essencialmente o pacto sociopolítico e cultural que sustenta a democracia como conquista civilizatória.

Bons governos ratificam as democracias. Impõe-se demonstrar que a democracia de fato conduz ao desenvolvimento socioeconômico. Nesse sentido, que 2023 seja de máximo sucesso, marcado pela intensa e efetiva conexão entre governantes e sociedade. Como nessa conversa transformar é o verbo que todos precisamos conjugar, vale lembrar o genial geógrafo Milton Santos, para quem a política é a “arte de pensar as mudanças e torná-las efetivas”.

Paulo Hartung, o autor deste artigo, é economista, Presidente-Executivo Da IBÁ, Membro do Conselho Consultivo do RENOVABR, Foi Governador Do Estado Do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 03.01.23.

A universidade em xeque

Queda de inscritos no Enem e em vestibulares da USP, da Unicamp e da Unesp tem múltiplos fatores, mas também sinaliza que o ensino superior precisa se reinventar − e logo

Fala alto o fato de que há menos gente disposta a participar de processos seletivos para ingresso no ensino superior. Como noticiou o Estadão, não foi apenas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que registrou queda de inscritos em relação à última década: os vestibulares da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), referências para o País inteiro, também têm atraído menos candidatos.

Por óbvio, diversos motivos explicam tamanha redução − entre eles, os desdobramentos da pandemia de covid-19, o empobrecimento de boa parte da população e o descaso do governo do presidente Jair Bolsonaro com a área educacional. Mas há uma questão de fundo que não pode passar despercebida: o ensino universitário, da forma como está estruturado, parece incapaz de despertar o interesse de uma parcela da juventude.

Sim, as universidades precisam se reinventar. E logo. Como se sabe, o diploma abre caminho para melhores empregos e maior renda − e continua sendo o sonho de milhões de brasileiros. Mas é inegável que as transformações tecnológicas têm alterado profundamente o mercado de trabalho, em velocidade que subverte até mesmo a lógica da educação. A certificação de competências em cursos de curta duração, por exemplo, vem ganhando força, assim como há empresas que dispensam o diploma ao selecionar seus funcionários.

É nesse contexto que uma parcela da juventude deixa de perceber a universidade como a principal rota para a conquista do emprego. A perspectiva de passar três, quatro ou cinco anos na faculdade, não raro em estruturas engessadas nas quais uma disciplina é pré-requisito para cursar outra, desagrada a muitos jovens. Ainda mais diante do risco de obter o diploma e continuar desempregado. Ou de só conseguir emprego com baixo salário.

Não se trata aqui de desmerecer nem desqualificar o ensino superior. Longe disso. Basta lembrar que a renda média dos profissionais com diploma, no Brasil e no mundo, supera a dos trabalhadores com menos escolaridade. Ou que a formação universitária é insubstituível em diversas carreiras. Mais do que isso, é essencial ter em mente que as universidades são, por excelência, o lugar onde se faz pesquisa e onde se formam pesquisadores. Por último, mas não menos importante, é das universidades que irradia o livre pensar, base para que gerações de filósofos e cientistas ampliem os limites do conhecimento.

Na verdade, são as próprias universidades que já perceberam o alcance das transformações em andamento. Nem poderia ser diferente: a queda do número de inscritos no Enem e nos vestibulares, mesmo que originada por inúmeros fatores, acena com um preocupante desprestígio do ensino superior perante segmentos da juventude − e isso precisa ser mais bem compreendido. Na USP, um grupo de trabalho vinculado à reitoria reúne cientistas e educadores para tratar do tema. Para esses especialistas, a universidade não pode ser refém do academicismo, isto é, deve ter a capacidade de perceber o que está acontecendo na vida das pessoas comuns.

Ele cita os elevados índices de evasão nos cursos de graduação do País, outro problema a ser enfrentado. Um estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) monitorou a situação dos estudantes de graduação que ingressaram em 2011 nas faculdades de todo o Brasil: em 2020, apenas 40% tinham se formado no curso original (59% haviam abandonado ou pedido transferência e 1% permanecia matriculado). Por trás da evasão, há situações de todo tipo: desde o jovem que não consegue se manter e deixa de estudar para trabalhar até quem desiste porque o curso é ruim.

O Brasil tem o duplo desafio de aumentar o número de universitários e de garantir a qualidade do ensino. A diminuição de inscrições no Enem e em vestibulares, porém, é um recado a ser ouvido com atenção. O mundo está mudando e as universidades não podem ficar para trás.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 03.01.23

Decreto de Lula não retira armas de circulação, mas freia o crescimento

O recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou, no domingo (1/1), decreto que muda as regras de acesso a armas de fogo e revoga atos flexibilizadores instituídos por seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL)

A criminalista Carla Silene Cardoso Lisboa Bernardo Gomes, professora do Ibmec BH e da PUC Minas, explica que o novo ato "não tem o efeito de retirar de circulação as armas de fogo que já foram adquiridas". Mas, apesar de não diminuir efetivamente o armamento da população, ele impede um novo aumento, como confirmam outros especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Se não há uma efetiva redução, a advogada Márcia Dinis, também criminalista, ainda considera que a suspensão da obtenção de novos registros favorece o desarmamento, pois contém o crescimento desenfreado proporcionado pelos atos da gestão anterior.

Outras medidas seriam imprescindíveis para se alcançar uma diminuição, mas Carla ressalta que o decreto "já indica possíveis mudanças que estão por vir".

A especialista lembra que o próprio ato determina a criação de um grupo de trabalho, com o objetivo de apresentar uma nova regulamentação para o Estatuto do Desarmamento. Assim, "devem ser apresentadas mudanças às normas sobre quem já possui armas em breve".

Fortes sinais

A advogada e socióloga Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz (voltado à segurança pública), classifica como "emblemática" a publicação do decreto logo no primeiro dia útil do ano, pois mostra a prioridade que o novo governo "precisa e quer dar para o tema".

Segundo ela, a norma trata de atribuições mais específicas da Polícia Federal e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, sem interferir muito em questões referentes ao Exército. Além disso, busca alinhar as normas a decisões já tomadas pelo Supremo Tribunal Federal nos últimos anos.

Para o advogado Renato Stanziola Vieira, que assumiu nesta segunda-feira (2/1) o cargo de presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o decreto não é meramente simbólico, mas sim cauteloso. Isso porque "reflete a dificuldade jurídica de reverter, num só ato, toda a política armamentista que foi adotada pelo governo anterior".

Assim, em vez de eliminar todas as armas que entraram em circulação nos últimos anos, o ato foca em suspender as licenças para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs) — que "vinham se constituindo em fontes de facilitação para que a população civil se armasse indiscriminadamente".

Na visão de Vieira, o novo decreto "sinaliza que a política armamentista deve ser revista". A tônica da norma é, também, a de que "não há um direito adquirido à aquisição de armas" a partir da flexibilização patrocinada pelo governo Bolsonaro.

Na verdade, o decreto de Lula inaugura um debate para definir, "com calma e responsabilidade", qual a melhor política para fiscalizar de forma mais séria a política de uso de armas pela população civil.

O advogado vê com bons olhos a postura da nova gestão "de frear esse armamentismo sem controle, criminógeno e que acaba transformando a sociedade numa terra de 'salve-se quem puder'".

De acordo com ele, quando o governo incentiva a população a se armar, como vinha acontecendo, a política de segurança pública como um todo é "relegada aos meios individuais de autoproteção". Isso demonstra uma "irresponsabilidade do Estado em atuar, de forma uniforme e com respeito às garantias de todos, em favor de uma sociedade mais segura".

Regras alteradas

O Decreto 11.366/2023 proíbe CACs de comprar e transferir novas armas e munições de uso restrito, até que entre em vigor a nova regulamentação do Estatuto do Desarmamento. O mesmo vale para a renovação de registros. 

Quanto às armas e munições de uso permitido, o ato diminui as quantidades possíveis de serem adquiridas. Agora, cada pessoa poderá comprar somente três armas do tipo, para defesa pessoal. Até então, eram permitidas quatro.

Também foram suspensas as concessões de novos registros de CACs, clubes e escolas de tiro. Além disso, quem responder a inquérito policial ou ação penal por crime doloso deverá entregar sua arma de fogo à Polícia Federal ou ao Exército, ou transferi-la para terceiro, em até 30 dias.

O texto proíbe CACs de transportar armas municiadas. Carolina explica que não será mais possível circular com arma carregada, nem mesmo para se dirigir ao clube de tiro.

A  Diretora-executiva do Sou da Paz também destaca a mudança do prazo para a renovação do registro de arma, que voltou a ser de cinco anos. Bolsonaro havia ampliado esse período para dez anos.

Outro ponto importante é a obrigatoriedade de recadastramento de todas as armas em até 60 dias. Segundo a advogada e socióloga, isso permite uma "fotografia" mais realista da quantidade de armas em circulação.

Ainda conforme o novo ato, será necessário comprovar a efetiva necessidade para adquirir uma arma de fogo de uso permitido. Em outras palavras, o cidadão precisará demonstrar que está "realmente sob algum tipo de risco".

Todas as armas precisarão ser informadas à PF. Carolina realça a importância desta regra, pois atualmente a instituição e as polícias estaduais não conseguem acessar as armas cadastradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), administrado pelo Exército. O Sigma registra os dados de armamento de CACs, enquanto o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), gerido pela PF, tem informações sobre armas para defesa pessoal.

A chefe do Sou da Paz ainda indica uma previsão "interessante" sobre a necessidade de segurança e resguardo das armas em casa — "uma medida importante do ponto de vista pedagógico", segundo ela.

O presidente do IBCCRIM explica que essa regra exige não só um lugar seguro para o armazenamento das armas, mas também que esse local seja um cofre, com tranca. "Há, pois, um recado claro e salutar do risco óbvio que é o de ser proprietário de arma de fogo, em política pública acertada e orientada a dificultar, ao invés de estimular, que a população civil se arme", assinala.

Lacunas

Dentre aspectos que ficaram fora do decreto, na avaliação de Carolina, está a categorização de cada arma (em uso restrito ou permitido). De acordo com ela, isso é o que hoje autoriza civis a adquirir armas de alta potência — até mesmo mais potentes do que aquelas portadas pelas polícias.

Para a advogada, também seria importante regulamentar o tiro desportivo: sua possibilidade, suas categorias, as quantidades e os tipos de armas usados etc. Ela lembra que esse foi um canal de entrada de muitas armas atualmente em circulação. Outra definição necessária diz respeito ao controle sobre os CACs — especialmente se o Exército continuará sendo o responsável.

"Apesar deste sinal muito positivo, desta mudança muito concreta, é importante que o governo de fato crie um grupo de trabalho e mantenha como prioridade a estruturação da política de controle de armas, para criar condições de se fiscalizar melhor as armas em circulação no Brasil", conclui.

Em nota, o Instituto Igarapé, também voltado à segurança pública, diz que o decreto "é apenas o primeiro passo para garantir a segurança e paz de toda a população brasileira", mas "se reveste de grande simbolismo na esperança de que o governo que começa possa enfrentar os muitos desafios existentes".

José Higídio, o autor deste artigo, é repórter da revista Consultor Jurídico. Publicado em 02.01.23

As promessas de Lula para o eleitor ficar de olho

Com desafios em diversas áreas do governo, Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse no domingo (1°/1) e deu início a seu terceiro mandato como presidente.

A BBC News Brasil listou promessas feitas por Lula aos eleitores e ouviu analistas sobre as políticas que o presidente deu sinais de que deve priorizar.

Meio ambiente, política externa, políticas redistributivas, combate à fome e saúde estão entre as agendas que o petista demonstrou que deve dar mais atenção, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem.

Ao mesmo tempo, ainda são aguardadas mais sinalizações sobre as diretrizes que serão seguidas na economia, especialmente na área fiscal.

A seguir, veja 30 promessas feitas por Lula em seu plano de governo, entrevistas ou em sua carta de intenções:

Economia e Emprego

- Reajuste do salário mínimo acima da inflação

- Bolsa Família: manutenção do auxílio de R$ 600 + R$ 150 por filho menor de 6 anos

- Isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5.000

- Propor nova legislação trabalhista

- Recriação de ministérios, como o da Pesca e do Planejamento

- Modernizar e ampliar infraestrutura de logística de transporte, social e urbana, com "vigoroso programa de investimentos públicos"

- Retomar o Minha Casa Minha Vida para garantir emprego e moradia para milhões de brasileiros

Política e Corrupção

- Divulgar informações que governo de Jair Bolsonaro colocou sob sigilo de 100 anos

- Resgatar a transparência e garantir o cumprimento da Lei de Acesso à Informação

- Não tentar reeleição em 2026

Fim de sigilo de 100 anos? As decisões de Lula que poderão afetar Bolsonaro após posse

educação

- Aumentar recursos para a merenda escolar

- Expandir ensino técnico profissionalizante

- Implantar programa de recuperação educacional para alunos com déficit de aprendizagem devido à pandemia

Saúde

- Retomada do Mais Médicos caso haja déficit de profissionais

- Mutirão no SUS em todo o país para zerar as filas de consultas, exames e cirurgias acumulados por não terem sido realizados na pandemia

- Investir no atendimento integral à Saúde da Mulher

Segurança

- Nova política de drogas, focada na redução de riscos, prevenção, tratamento e assistência ao usuário

- Política coordenada para redução de homicídios, com investimento, tecnologia e enfrentamento do crime organizado e das milícias

- Programas para proteger mulheres vítimas de violências e seus filhos, e assegurar que não haja a impunidade de agressões e feminicídios

Política Externa

- Recuperar política externa "ativa e altiva", que colocou Brasil "na condição de protagonista global"

- Ampliar participação do Brasil nos assentos de organismos multilaterais

Os países que podem se reaproximar do Brasil no governo Lula

Meio Ambiente

- Combater crime ambiental promovido por milícias, grileiros e madeireiros

- Promover desmatamento líquido zero, com recomposição de áreas degradadas e reflorestamento

Programas Sociais e Direitos Humanos

- Reconstruir programa de cisternas e Luz para Todos

- Tirar o Brasil do mapa da fome

- Políticas para garantir direitos à população LGBTQIA+, como saúde integral, inclusão e permanência na educação e no mercado de trabalho

- Proteção dos direitos e dos territórios dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais

- Recuperar e fortalecer a Funai

- Amplo conjunto de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo estrutural

- Assegurar às pessoas com deficiência e suas famílias acesso à saúde, educação, cultura, esporte, e inserção no mundo do trabalho; e convocar conferências para debater políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência

'Pressa' de Lula

Ao iniciar o que disse ser seu último mandato como presidente, Lula assume o Palácio do Planalto com "pressa", segundo analistas.

"Para entender o Lula hoje, você tem que ter na cabeça que ele é um cara que tem pressa, principalmente porque ele realmente vê esse próximo ciclo como o último dele", diz o cientista político Leonardo Barreto, citando a avaliação de integrante do núcleo duro do PT.

Entre outras menções a uma não tentativa de reeleição, Lula disse que "não é possível um cidadão com 81 anos (idade que terá em 2026) querer a reeleição" e que será "presidente de um mandato só".

E o novo presidente fez referência ao lema de Juscelino Kubitschek, que assumiu a presidência em 1956 com o discurso de crescer "50 anos em 5".

"Vamos tentar fazer 40 anos em 4, porque o Brasil precisa de urgência para recuperar o emprego e a qualidade de vida do povo", disse Lula.

Barreto, que é diretor da consultoria de risco político Vector Research, questiona se a pressa é positiva.

"Isso pode não ser uma boa notícia porque (a agenda prioritária) pode ser feita numa velocidade e numa intensidade maiores do que o motor do país aguenta", argumenta Barreto.

"Ele pode simplesmente estar gerando um voo de galinha, pensando no curto prazo, e pensando que depois de 2026 o problema não é dele", acrescenta.

Para a economista e cientista política Bárbara Maia Pontes, no entanto, a pressa não é uma má notícia.

"A trajetória dele para chegar até aqui, sobretudo a prisão, foram coisas que impactaram ele — não necessariamente para não produzir coisas mais duradouras, mas o contrário. Ele está justamente atuando como aquela pessoa que quer terminar sua carreira no auge", diz.

Pontes acrescenta que, em um contexto de "recomposição de forças políticas", Lula tem "interesse partidário" de deixar um sucessor. "Não acho que ele vai fazer uma coisa pensando só nos quatro anos."

Campanha 'pobre de propostas'?

A corrida presidencial de 2022, que teve um debate acirrado entre Jair Bolsonaro e Lula, foi criticada por não ter contemplado uma discussão profunda sobre propostas para o país.

Barreto diz que "houve uma campanha pobre do ponto de vista de propostas" e que "o PT dessa vez não veio com a receita pronta como veio em outras ocasiões".

O cientista político diz que o pano de fundo da campanha de Lula "foi todo no sentido de restartar o Brasil" para o fim do último governo petista, de Dilma Rousseff, que terminou em 2016.

"Foi todo nesse sentido de começar de onde paramos, e vários setores econômicos ficam preocupados com essa narrativa porque a coisa mudou muito desde que eles saíram."

As características da última eleição presidencial podem interferir no nível de apoio da população às ações do novo governo, aponta Pontes.

"Houve um voto mais reativo, de repulsa ao outro candidato, muito mais do que por identificação com o candidato em si. E o impacto disso não é só na ausência das propostas, mas também no que chamamos de período de lua de mel — quando um candidato é eleito, no primeiro momento, vai sustentar apoio popular a suas ações. E com eleições com características como as de 2022, com acirramento muito grande, esse período de lua de mel pode diminuir."

Mesmo nesse cenário, diz Pontes, a população deve cobrar que o governo siga as diretrizes indicadas no plano de governo.

"A gente se coloca numa posição muito pessimista e ceticista quando descarta totalmente o plano de governo. Quando pensamos em política, temos que cobrar os nossos eleitos pelo que prometem", diz a pesquisadora, doutoranda na Universidade de Brasília (UnB).

Um ponto crucial para determinar o sucesso ou fracasso do Executivo em aprovar suas propostas é o apoio de deputados e senadores, já que muitas medidas precisam passar pelo Congresso.

Como aponta Pontes, "o sistema político vai colocar todos os interesses à prova, inclusive do presidente".

Barreto destaca que o Congresso tem tido um protagonismo muito forte desde o governo do ex-presidente Michel Temer e diz que o Legislativo "governou junto com o Temer e governou acima de Bolsonaro — às vezes até apesar do Bolsonaro".

"É preciso dividir o poder, a decisão. E isso não é muito estilo do PT, um partido de natureza hegemônica, que gosta de ter o controle de todo o processo", diz Barreto. "[Então] vai depender um pouco de quanto o PT e o Lula estão prontos para dividir o processo decisório com aliados. E essa é uma questão que a gente só vai ver na prática como vai funcionar."

Laís Alegretti, de Londres para a BBC News Brasil, em 02.01.23. - Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64043644

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

O velho Lula está de volta

A posse do petista, sem incidentes, depois de muita tensão, marca a vitória da democracia. Mas em seu discurso sobre o que pretende fazer, Lula reafirma sua agenda retrógrada

Há um novo governo no País. Depois de um período especialmente turbulento da vida nacional, com ameaças ao sistema eleitoral e ao regime democrático, Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin tomaram posse como presidente e vice-presidente da República. A transição pacífica de governo, cumprindo a vontade do eleitor, é um feito honroso a todos os brasileiros, tenham ou não votado na chapa vencedora. A democracia segue viva e forte.

Tal como dispõe a Constituição, Lula e Alckmin prometeram ontem “manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. É um compromisso forte com o Direito e com o bem comum, a exigir vigilância constante por parte do Estado e de seus órgãos de controle – em especial, do Congresso, do Judiciário e do Ministério Público –, bem como da população. Numa democracia, a participação política do cidadão não se encerra nas urnas.

Atitude de sempre, essa vigilância é especialmente necessária agora. Se é motivo de orgulho nacional a prevalência da vontade do eleitor, com a consequente transição de poder, é causa de grande preocupação verificar que o presidente petista continua com a mesma agenda retrógrada. Ontem, no Congresso, em seu primeiro discurso após tomar posse, Lula mostrou que segue tendo a mesma visão ultrapassada de Estado. Em suas palavras, sociedade, economia e cultura parecem ser apêndices de uma onipotente ação estatal.

Certamente, depois de quatro anos de um presidente da República dedicado ao caos e à destruição, é consolador ouvir o novo chefe do Executivo federal falar, por exemplo, em garantir o primado da lei, em defender o meio ambiente, em revogar decretos ilegais de acesso às armas ou em assegurar a plena liberdade de expressão. Tudo isso que Lula mencionou no discurso de ontem no Congresso é obviamente muito positivo, mas não é nada mais do que sua estrita obrigação. É mera consequência do compromisso de cumprir a Constituição.

O problema revela-se em toda sua dimensão quando Lula anuncia o que vai fazer em seu governo. Ontem, ele não deu nenhuma oportunidade para se pensar que ele entendeu os erros das administrações petistas passadas e que almeja, em seu terceiro mandato, fazer algo diferente. O presidente prometeu revogar o teto de gastos, ao qual qualificou de “estupidez”, mas não disse o que pretende colocar no lugar. Disse que vai alterar a reforma trabalhista, ignorando que se trata de um dos grandes avanços dos últimos tempos. Reafirmou seu credo no papel indutor do Estado, prometendo bancos públicos e Petrobras alinhados nessa empreitada. Nada disso gera boas lembranças.

Na verdade, o apego à agenda atrasada do PT é contraditório com a ideia, que o próprio Lula vem repetindo desde o final das eleições, de formar um governo de frente ampla. Se o objetivo é seguir com a mesma pauta de sempre, exclui-se de partida a possibilidade de um governo politicamente aberto e plural. Não foi um bom começo.

Ontem, Lula disse que deseja “honrar a confiança e corresponder à esperança” do eleitor. Não há como fazer isso com a pauta petista de governo. Nas urnas, o eleitor não deu aval à estatolatria lulopetista. Ele apenas negou a Jair Bolsonaro um segundo mandato. Basta ver o tamanho modesto da bancada da esquerda no Congresso na próxima legislatura. Além disso, foi justamente a agenda do PT que gerou a crise política, social e econômica que desembocou na eleição de Bolsonaro e na qual o País continua imerso. O novo governo tem o dever de enfrentar as causas da crise. Não tem autorização para repetir os erros – o que revelaria estupidez e indiferença com o povo.

O País tem um novo governo. Precisa agora, o quanto antes, de uma nova oposição. A política, disse Lula, “é o melhor caminho para o diálogo entre interesses divergentes, para a construção pacífica de consensos”. Que as vozes autoritárias se calem. É preciso construir novos consensos, que sejam de fato solução, e não retrocesso.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo,  em 01.01.23

Já viste que um mito teu fugiu à luta

 Em mensagem no TikTok, ‘paulop1983′ faz mais oposição ao novo governo do que o bolsonarismo raiz


Logomarca do novo Governo Lula

O melhor discurso da transição não foi de Jair Bolsonaro, nem de Lula. Foi de “paulop1983″ no TikTok.

No sábado, 31, um dia após a viagem de Bolsonaro para Miami e horas antes do discurso de Hamilton Mourão como presidente em exercício, ele disse em vídeo:

“Acabou, gente. O que nós, bolsonaristas, vamos precisar, a partir de segunda-feira (2/1/23), é procurar um psiquiatra. Porque nós ficamos doentes por causa dessa desgraça desse Bolsonaro. É um desgraçado, covarde, que fugiu. Agora, está todo mundo com essa doença aí, ó. Quem quiser ganhar dinheiro, abre uma clínica de psiquiatria. Vai ficar rico, de tanto bolsonarista que vai ter de procurar um psiquiatra. Porque ficou todo mundo doente, não pensa mais, só ‘Bolsonaro, Bolsonaro, Bolsonaro’.”

O discurso de Mourão, o segundo melhor, não ficou longe dessa linha. Antes tarde do que nunca, o general e senador eleito fechou 2022 como o adulto na sala evacuada pelo fujão.

“Lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de país deixaram que o silêncio, ou o protagonismo inoportuno e deletério, criasse um clima de caos e de desagregação social; e de forma irresponsável, deixaram que as Forças Armadas, de todos os brasileiros, pagassem a conta, para alguns por inação e para outros por fomentar um pretenso golpe. A alternância do poder em uma democracia é saudável e deve ser preservada.”

“Paulop1983″ não gostou, mas reagiu ainda mais contra bolsonaristas que acusaram, ele próprio, de “esquerdista infiltrado para ganhar like”.

“É fácil vocês falarem que são patriotas: na porta do quartel, tem churrasco, uísque, água mineral, internet... Por que ninguém chamou todo mundo para fazer uma greve de fome? (...) Vocês é que ficam fazendo churrasco e vídeo para ganhar engajamento em rede social. Isso é ser patriota? (...) Eu era doente, não sou mais. E vocês continuam doentes.”

“Bolsonaro numa mansão do lutador José Aldo, passeando no condomínio em Orlando, e o povo aqui na porta de quartel. Se ele não está nem aí, o que o povo pode fazer? (...) Bolsonaro está de férias até 30 de janeiro. Ele lavou as mãos.”

“Pelos ministros que o Lula colocou, vai ser um péssimo governo. O que a gente tem de fazer é protestar, falar, gritar, mas não tem mais nada, não. (...) É ignorância, é idiotice achar que Bolsonaro vai fazer alguma coisa. Entendeu? Se você não entendeu, é porque você não quer entender, aí já é problema seu.”

“Paulop1983″ está certo. Mal saiu da bolha e já faz uma oposição melhor do que o bolsonarismo raiz.

Felipe Moura Brasil, Jornalista, originalmente, para O Estado de S. Paulo, em 02.01.23