sexta-feira, 4 de março de 2022

Após vazamento de áudio sexista de Arthur “mamãe Falei”, Moro rompe com candidato do MBL: 'jamais dividirei meu palanque'

"Gravíssimas e inaceitáveis são as declarações do deputado estadual Arthur do Val, que foram divulgadas na imprensa. Não se resumem ao completo desrespeito à mulher, seja ucraniana ou de qualquer outro País, mas de violações profundas relacionadas a questões humanitárias, em um momento em que esse povo enfrenta os horrores da guerra", diz o texto.

Pré-candidato à Presidência, Moro publicou foto de encontro com o deputado estadual Arthur do Val (PATRIOTA-SP), que deve concorrer ao governo local | Reproduçã

Pré-candidato à Presidência, Moro publicou foto de encontro com o deputado estadual Arthur do Val (PATRIOTA-SP), que deve concorrer ao governo localPré-candidato à Presidência, Moro publicou foto de encontro com o deputado estadual Arthur do Val (PATRIOTA-SP), que deve concorrer ao governo local | Reprodução

Sergio Moro decidiu retirar o apoio à candidatura de deputado estadual Arthur do Val, conhecido como “Mamãe Falei” ao governo de São Paulo. A decisão veio depois que um áudio do parlamentar do Movimento Brasil Livre (MBL) foi vazado na imprensa. Em nota, o pré-candidato à presidência da República afirmou que jamais dividirá seu palanque e apoiará “pessoas quem têm  esse tipo de opinião e comportamento”.

Na gravação, do Val faz uma série de afirmações sexistas sobre mulheres do Leste Europeu e diz que as ucranianas “são fáceis, porque são pobres”. Ele diz ainda que a fila de refugiadas da guerra têm mais mulheres bonitas do que a "melhor balada do Brasil". Os áudios foram divulgados pelo site “Metrópoles” e pela coluna de Lauro Jardim, no GLOBO. 

Na nota, Moro diz: “Lamento profundamente e repudio veementemente as graves declarações do deputado Arthur do Val divulgadas pela imprensa. O tratamento dispensado às mulheres ucranianas refugiadas e às policiais do país é inaceitável em qualquer contexto. As declarações são incompatíveis com qualquer homem público Tenho uma vida pautada pela correção e pelo respeito a todos --tanto no campo público quanto na vida privada. Portanto, jamais comungarei com visões preconceituosas, que podem inclusive ser configuradas como crime. Meu respeito incondicional às mulheres em geral e às ucranianas, em especial, porque além de todos os problemas diários enfrentados, precisam conviver com os horrores da guerra. Jamais dividirei meu palanque e apoiarei pessoas quem têm  esse tipo de opinião e comportamento. Espero que meu partido se manifeste brevemente diante da gravidade que a situação exige”.

O deputado estadual se filiou ao Podemos, partido de Moro, em janeiro para ser lançado ao governo de São Paulo. Após a manifestação do ex-juiz, o Podemos emitiu um comunicado no qual afirma que "repudia com veemência as declarações" de Arthur do Val e diz que abriu um procedimento disciplinar para apurar os fatos.

"Gravíssimas e inaceitáveis são as declarações do deputado estadual Arthur do Val, que foram divulgadas na imprensa. Não se resumem ao completo desrespeito à mulher, seja ucraniana ou de qualquer outro País, mas de violações profundas relacionadas a questões humanitárias, em um momento em que esse povo enfrenta os horrores da guerra", diz o texto.

O rompimento com do Val foi anunciado por Moro dois dias após o ex-juiz postar no Twitter um elogio a do Val por ter viajado à Ucrânia para, supostamente, auxiliar a resistência contra a invasão russa.

“O Dep. Arthur do Val e Renan Santos, do MBL, decidiram reportar in loco o conflito na fronteira da Ucrânia. Também angariaram ajuda financeira para amparar refugiados. É sempre louvável quando saímos do discurso e partimos para a prática”, escreveu o ex-juiz na quarta-feira passada.

Bela Megale, O GLOBO, em 04.03.22


Explosão mata dois operários em visita de Moro a fábrica em Maringá

O ex-ministro Sérgio Moro estava em outra área da Cocamar quando dois funcionários sofreram um acidente na ala fabril da empresa; o pré-candidato a presidente não foi atingido e suspendeu a visita de imedia   

Sérgio Moro cancelou agenda em Maringá após explosão que matou dois operários na Cooperativa Agroindustrial de Maringá Foto: JF Diorio/Estadão

Dois trabalhadores morreram após uma explosão na ala fabril da Cooperativa Agroindustrial de Maringá (Cocamar), na manhã desta sexta-feira, 4, em Maringá, no norte do Paraná. O pré-candidato à Presidência, Sérgio Moro, visitava a fábrica no momento do acidente, mas discursava na área administrativa, longe do local do acidente.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa de Moro afirmou que, quando informado da explosão, o ex-juiz interrompeu o discurso que fazia, lamentou o acidente, prestou solidariedade ao corpo funcional e suspendeu a visitação.  Segundo a Cocamar, os dois operários prestavam serviço terceirizado.

Moro cumpria agenda no norte do Estado acompanhado do senador Alvaro Dias (Podemos-PR). Ele esteve em Londrina nesta quinta-feira, 3, visitou a sede da Embrapa e fez um novo evento de lançamento de seu livro “Contra o Sistema de Corrupção”. Em Maringá, município onde nasceu, cancelou o restante da agenda que incluia um almoço com representantes da Associação Comercial e Empresarial de Maringá. 

A Cocamar informou que a explosão aconteceu na Estação de Tratamento de Efluentes e que as causas do acidente ainda estão sendo investigadas. 

“A cooperativa esclarece que em todos os seus setores são adotados rigorosos protocolos de segurança, sendo que os trabalhadores utilizavam todos os equipamentos de proteção, e comunica também que está prestando assistência às famílias das vítimas, às quais se solidariza”, declarou a empresa.

De acordo com o Corpo de Bombeiros de Maringá, uma das vítimas tinha 32 anos e a outra 36. "Com base na análise do cenário e nas informações de testemunhas, as duas vítimas trabalhavam na montagem de uma estrutura na planta industrial da cooperativa, e acabaram utilizando solda em um tanque de efluentes de biodiesel, o que gerava uma atmosfera explosiva. Com a violência da explosão, as vítimas e o reservatório estavam a aproximadamente 20 metros do local original", escreveu em nota.

Redação, O Estado de S.Paulo, em 04.03.22. Atualizado às 16h32

Biden garante que os EUA defenderão a Finlândia se necessário

O país nórdico, membro da União Europeia, mas não da OTAN, vive sob a ameaça de Moscou após a invasão da Ucrânia


O presidente da Finlândia, Sauli Niinisto, e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, estiveram nesta sexta-feira na Casa Branca (PETE MAROVICH / PISCINA (EFE)

A relação de defesa entre os Estados Unidos e a Finlândia é agora mais crucial do que nunca, depois que a Rússia iniciou a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro. Nesse cenário, Joe Biden recebeu o presidente da Finlândia, Sauli Niinisto, na Casa Branca nesta sexta-feira para falar sobre como fortalecer a aliança bilateral de defesa após a agressão russa. Finlandia, segundo país europeo -después de Ucrania- con más kilómetros de frontera con Rusia, no es miembro de la OTAN, pero mantiene estrechos lazos con la Alianza Atlántica y tras el ataque de Vladímir Putin está subiendo el apoyo entre los finlandeses por ingresar en a organização.

Ambos os presidentes apareceram muito brevemente diante da imprensa pouco antes de iniciar sua reunião no Salão Oval. Tanto Biden quanto Niinisto expressaram sua solidariedade ao povo ucraniano. O presidente democrata declarou o compromisso da Casa Branca em ajudar a Finlândia a se defender, já que o conflito na Ucrânia despertou novas preocupações em alguns países europeus, como Finlândia e Suécia.

Biden deixou aberta à imprensa a possibilidade de a Finlândia formar uma aliança mais próxima com a OTAN, neste momento o país nórdico coopera com a Aliança, mas não é membro. Pouco antes, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, não quis esclarecer durante a sua conferência de imprensa diária se os Estados Unidos apoiariam a entrada da Finlândia na organização atlântica, assegurando que esta decisão depende de todos os estados membros da aliança.

Quando entramos no nono dia de uma guerra que já provocou milhares de mortos e feridos, além de um milhão de refugiados, o presidente dos Estados Unidos foi contundente ao declarar que "o ataque à Ucrânia foi também um ataque à segurança da Europa. “A Finlândia é um parceiro chave dos Estados Unidos, um forte aliado também em questões de defesa e um aliado da OTAN, especialmente no que diz respeito à força e segurança da área do Mar Báltico”, acrescentou Biden enquanto verificava algumas notas que carregava.

O presidente Niinistö saudou a oportunidade de discutir questões atuais com o presidente dos EUA "nestes tempos muito difíceis". O finlandês também agradeceu ao americano pela “liderança” exercida nesta crise. Niinistö também disse que o povo ucraniano "luta corajosamente por seu país". Niinisto pediu na quinta-feira para "manter a cabeça fria" em meio a uma situação tão difícil no velho continente. "Em meio a uma crise aguda é muito importante manter a cabeça fria e avaliar cuidadosamente o impacto em nossa segurança", disse o presidente do país escandinavo de 5,5 milhões de habitantes e membro da União Europeia.

Na semana passada, dois dias após o início da invasão russa da Ucrânia, o Kremlin denunciou os esforços desenvolvidos pelo Ocidente para incluir a Finlândia e a Suécia na Aliança Atlântica, países conhecidos pela sua neutralidade, e alertou para as graves consequências que a entrada destes países na OTAN. “É evidente que a entrada da Finlândia e da Suéciana OTAN, que é sobretudo um bloco militar, teria graves consequências político-militares, que exigiriam uma resposta do nosso país”, alertou a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, María Zajárova, em entrevista coletiva. O representante da diplomacia russa salientou que Moscovo estava a par dos "esforços da NATO e de alguns países membros do bloco, sobretudo os Estados Unidos, para incluir a Finlândia e também a Suécia na Aliança".

Ao final da aparição diante da imprensa, Biden ousou fazer uma piada, apesar da gravidade da situação mundial, e disse que seu antecessor no cargo, referindo-se a Barack Obama e não a Donald Trump, considerou que tudo seria melhor se o mundo ficou nas mãos dos países nórdicos. O presidente finlandês apenas sorriu ao dizer: "Bem, não temos o hábito de começar guerras".

Yolanda Monge, de Washinton, DC, para o EL PAÍS, em 04.03.22.

Otan diz que "pior ainda está por vir" na Ucrânia

Aliança recusa pedido de Kiev para criar zona de exclusão aérea, temendo uma guerra total na Europa. Secretário-geral alerta para mais mortes nos próximos dias.

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou nesta sexta-feira (04/03) que a aliança militar do Atlântico Norte não imporá uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, após os pedidos do presidente ucraniano, Volodimir Zelensky.

"O único jeito de implementar uma zona de exclusão aérea é enviar caças da Otan para o espaço aéreo ucraniano, e impor a medida por meio da derrubada de aviões russos", explicou, após uma reunião de emergência com os ministros do Exterior dos Estados-membros.

Kiev havia pedido a medida para ajudar a impedir os bombardeios a várias cidades ucranianas. "Se fizéssemos isso, acabaríamos com algo que poderia levar a uma guerra total na Europa, com o envolvimento de mais países e com muito mais sofrimento humano. Esta é a razão pela qual tomamos essa dolorosa decisão."

Stoltenberg alertou que "os próximos dias serão provavelmente piores, com mais mortes, mais sofrimento e mais destruição, enquanto as Forças Armadas russas trazem armamentos ainda mais pesados e continuam os ataques em todo o país".

O ministro ucraniano do Exterior, Dmytro Kuleba, lamentou a decisão: "Minha mensagem: ajam agora antes que seja tarde demais. Não deixem [o presidente russo, Vladimir] Putin transformar a Ucrânia em uma Síria. Estamos prontos para lutar, continuaremos lutando. Mas, precisamos de parceiros que nos ajudem agora com ações concretas, resolutas e rápidas", escreveu em seu perfil no Twitter.

Defesa do território da Otan

A Otan reforçou sua presença nos países do Leste Europeu e membros da aliança anunciaram o envio de armamentos para ajudar a Ucrânia a defender a si própria. "Não somos parte desse conflito e temos a responsabilidade de assegurar que a situação não se agrave e se espalhe para além da Ucrânia", afirmou o secretário-geral da aliança.

"Faremos todo o necessário para proteger e defender cada centímetro do território da Otan. A Otan é uma aliança de defesa. Nossa tarefa primordial é manter nossos 30 países em segurança", disse Stoltenberg.

Kiev havia dito que, caso a Otan se recuse a fechar o espaço aéreo ucraniano, os aliados deveriam então enviar aviões e sistemas de defesa antiaérea ao país. Até agora, os países europeus vêm se recusando a enviar aeronaves, prometendo apenas armamentos mais leves e sistemas de mísseis antitanques e antiaéreos.

Deutsche Welle Brasil, em 04.03.22

terça-feira, 1 de março de 2022

Cientistas buscam uma vacina universal contra o coronavírus

Pesquisadores estão perseguindo as variantes da covid-19 e atrás de um imunizante mais completo

Indústria farmacêutica busca uma vacina que seja amplamente protetora contra a covid-19 e também tenha uma efetividade prolongada Foto: Brent Lewin / Washington Post

 

Os voluntários estão arregaçando as mangas para receber doses de vacinas experimentais adaptadas para combater a variante Ômicron – no momento em que o surto de coronavírus do inverno no Hemisfério Norte começa a ceder. Quando os cientistas souberem se essas vacinas reformuladas são eficazes e seguras, espera-se que a Ômicron esteja no espelho retrovisor. A utilização obrigatória de máscaras já está diminuindo. As pessoas estão começando a falar em normalidade.

( Não imunizar todo o planeta contra covid-19 pode custar mais de 1 milhão de vidas, dizem cientistas)

A desconexão destaca a exaustiva perseguição científica do ano passado - e a que está por vir. E ressalta um enigma mais premente e abrangente: perseguir a variante mais recente é uma estratégia viável? Ao invés de testar e potencialmente implantar uma nova vacina quando uma nova variante aparecer, e se uma única vacina pudesse frustrar todas as iterações desse coronavírus e as próximas também?

Até agora, reformular vacinas para combinar com uma nova variante está se tornando parte da memória muscular científica. As empresas farmacêuticas fizeram vacinas para combater a Beta, a Delta e agora a Ômicron. Nenhuma dessas doses chegou a ser necessária, mas para muitos cientistas, é uma estratégia de curto prazo, míope e insustentável.

"Você não quer essa abordagem de dar murro em ponta de faca", disse David R. Martinez, imunologista viral da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. "Isso poderia continuar para sempre."

A vacina original se manteve notavelmente bem, mas não há garantia de como ela se sairá contra a próxima variante. Cientistas como Martinez querem acabar com o ciclo de alcançar as variantes. Eles estão inventando vacinas projetadas para promover ampla proteção – uma parede de imunidade que repelirá não apenas as variantes do Sars-CoV-2 que conhecemos, mas também as que ainda estão por vir.

No mínimo, o mundo precisa de uma vacina verdadeiramente à prova de variantes. Ainda melhor seria uma dose que também impedisse uma futura pandemia, protegendo contra um coronavírus ainda desconhecido que virá dos animais para as pessoas nos próximos anos.

Alguns especialistas questionaram por que ainda não existe uma Operação Warp Speed para essas vacinas universais.

Anthony Fauci, principal conselheiro médico do presidente Joe Biden, enfatiza a necessidade de paciência, juntamente com a urgência. Existem lacunas científicas que precisam ser preenchidas para produzir uma vacina que seja amplamente protetora e dure muito tempo - e os Institutos Nacionais de Saúde no outono passado concederam US $ 36 milhões a grupos que tentam responder a perguntas básicas.

"Você não deve confundir a rapidez e a facilidade com que desenvolvemos uma vacina contra o coronavírus para Sars-CoV-2 com os obstáculos extraordinários que você pode enfrentar ao tentar obter uma vacina que proteja" de forma mais ampla, disse Fauci em entrevista ao The Washington Post. "Há muitas descobertas científicas que precisam entrar nisso."

Em particular, porém, os cientistas dizem que Fauci está pedindo que se apressem. “Eu me preocupo em perseguir variantes, porque sempre haverá uma nova variante”, disse Drew Weissman, pioneiro em vacinas e imunologista da Faculdade de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia, que está trabalhando em uma vacina pan-coronavírus. "Agora, elas aparecem a cada seis meses, mas vão aparecer até que o mundo seja vacinado."

Cientistas buscam vacina que sejam eficazes contras futuras variantes

Animados com o sucesso das primeiras vacinas, muitos cientistas trabalhando em doses de última geração pensavam grande em 2021. Talvez pudessem fazer uma vacina que repelisse não apenas o Sars-CoV-2 e o SARS original, mas também dois coronavírus que causam o resfriado comum, a síndrome respiratória do Oriente Médio, bem como futuros coronavírus de morcegos que podem ser transmitidos para humanos.

Um estudo do New England Journal of Medicine no ano passado demonstrou que, pelo menos em conceito, era possível gerar ampla proteção imunológica contra muitos vírus. Pesquisadores em Cingapura mostraram que os sobreviventes do surto original de SARS há duas décadas que foram vacinados contra Sars-CoV-2 produziram anticorpos capazes de bloquear uma série de variantes e outros coronavírus.

Mas fazer uma única vacina que funcione contra uma gama tão ampla de vírus é complicado, e as variantes Beta, Delta e agora a Ômicron recalibraram parte dessa ambição abrangente. “Quando o Sars-CoV-2 surgiu pela primeira vez, era um vírus com muito poucos artifícios e, portanto, tivemos muito sucesso”, disse Dennis Burton, presidente do departamento de imunologia e microbiologia do Scripps Research Institute. "Mas ele está adquirindo cada vez mais artifícios, basicamente, e por isso é cada vez mais difícil lidar com isso - você precisa ser mais preciso com o anticorpo que induz por meio de sua vacina".

Antes de desenvolver uma vacina para interromper a próxima pandemia, ficou claro que um objetivo mais modesto - uma vacina à prova de variantes contra o Sars-CoV-2 - pode ser necessário para ajudar a acabar com essa crise. "A Ômicron realmente nos apontou para dizer: 'Ei, ainda não saímos dessa epidemia e não sabemos o que o futuro reserva com essa epidemia.' Precisamos nos concentrar em qual pode ser o próximo surto, mas também nos certificar de que estamos cobrindo qualquer variante... que surgiria nos próximos três a cinco anos", disse Barton Haynes, imunologista e especialista em vacinas da Faculdade de Medicina da Duke University.

No curto prazo, a equipe de Haynes está focada em interromper as variantes. Eles estão fabricando uma vacina - uma nanopartícula com um fragmento do pico pontilhando sua superfície. Em estudos com animais, essa vacina desencadeou ampla proteção imunológica contra variantes, o vírus SARS original e coronavírus de morcego. Haynes espera começar a testá-la em pessoas este ano.

Os resultados são esperados em breve a partir dos primeiros testes em humanos de uma vacina "pan-SARS" diferente desenvolvida por cientistas do Walter Reed Army Institute of Research. Em estudos iniciais, eles também mostraram fornecer proteção mais ampla do que as doses de primeira geração. Consiste em uma nanopartícula multifacetada pontilhada com o pico encontrada na versão original do coronavírus que surgiu em Wuhan, na China.

As vacinas ensinam o sistema imunológico a reconhecer um vírus. Elas costumam fazer isso apresentando uma versão do vírus – que simplesmente pode ser um recurso revelador, como os picos do lado de fora do coronavírus. O poder dessas novas vacinas decorre de qual característica elas mostram e como a apresentam. Os fragmentos de vírus são montados em nanopartículas multifacetadas, assemelhando-se à forma como o pico pode parecer na superfície do próprio vírus – uma abordagem que ajuda a focar a resposta imune.

"O sistema imunológico evoluiu para responder fortemente à repetição. Os vírus têm matrizes repetitivas de proteínas em suas superfícies", disse Neil King, bioquímico da Universidade de Washington com outra candidata a vacina à prova de variantes com testes em humanos. "É por isso que as vacinas de nanopartículas funcionam melhor, é que elas apresentam o antígeno como uma matriz repetitiva, para provocar essa resposta forte."

Futuras vacinas precisam de mais sofisticação

As primeiras versões das vacinas contra o coronavírus eram poderosas, mas simples. Eles pegaram proteínas pontiagudas do lado de fora do vírus que surgiu em 2019, ajustaram-nas para manter os picos na forma certa – e apresentaram esses picos ao sistema imunológico.

As vacinas de próxima geração, aquelas criadas para impedir futuras pandemias, provavelmente exigirão maior sofisticação.

Martinez está trabalhando em uma vacina na UNC que mostra os picos "quiméricos" do sistema imunológico. Como a criatura quimera da mitologia grega - com a cabeça de um leão, o corpo de uma cabra e a parte traseira de uma serpente - essas vacinas usam pontas remendadas de fragmentos de diferentes coronavírus. Um pedaço do Sars-CoV-2, outro pedaço do vírus Sars original e um terceiro componente de um coronavírus de morcego.

Outros pesquisadores, como King, estão construindo vacinas em "mosaico" e coquetéis, que contêm outras combinações. Uma pequena partícula pode ser pontilhada com uma peça-chave de proteínas spike de Sars-CoV-2, SARS e dois coronavírus de morcego, por exemplo. Pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia criaram nanopartículas de mosaico com fragmentos de quatro a oito coronavírus diferentes.

A abordagem precisa que formará a melhor vacina universal ainda é uma questão de debate científico. Mas uma coisa é certa: atualizar as vacinas a cada seis meses não será uma maneira razoável – ou equitativa – de proteger as pessoas globalmente.

"Não acho que a experiência com as variantes até o momento, tentar perseguir as novas variantes à medida que surgem e gerar rapidamente vacinas para variantes específicas - não acho que seja uma estratégia a longo prazo, mesmo em países de alta renda, e certamente não em ambientes com menos recursos", disse Richard Hatchett, diretor executivo da Coalition for Epidemic Preparedness Innovations, uma organização sem fins lucrativos que financia os esforços para desenvolver vacinas universais e à prova de variantes.

Descobrir que existem anticorpos capazes de reconhecer e neutralizar uma ampla gama de vírus é fundamental. Mas aprender como acioná-los para criar um escudo de proteção pode ser mais complicado do que parece.

Pode não ser suficiente que as pessoas possam gerar anticorpos para bloquear uma variedade de coronavírus. O truque é saber se uma vacina pode gerar quantidades suficientes para proteger as pessoas. No HIV, por exemplo, anticorpos que bloqueiam muitas cepas do vírus sempre mutante foram isolados em pessoas com infecções de longo prazo. Mas usar uma vacina para replicar o que a natureza pode realizar tem sido o Santo Graal para o campo.

No Sars-CoV-2, a proteína spike se parece um pouco com uma árvore, e anticorpos raros que se ligam à base da árvore podem bloquear uma ampla gama de coronavírus relacionados em estudos de laboratório, disse Duane Wesemann, imunologista da Brigham and Women's Hospital em Boston.

“Mas é uma frequência muito baixa, e se estamos fazendo uma vacina que faz apenas isso, temos que observar que pode não ser tão fácil”, disse Wesemann. “Não está claro se podemos gerar esses anticorpos especiais em níveis altos o suficiente”.

Uma vacina universal chegará a um mundo mais complicado do que as vacinas de primeira geração. As pessoas terão diferentes níveis de imunidade pré-existente, de vacinas e de infecções relacionadas a variantes.

Os cientistas não concordam sobre como exposições anteriores - conhecidas como impressão imunológica, ou às vezes chamadas de "pecado antigênico original" - afetarão a resposta das pessoas a novas vacinas, para o bem ou para o mal. Uma possibilidade é que novas vacinas criem a resposta mais forte ao vírus ao qual as pessoas foram originalmente expostas, não ao mais novo. Mas criadores de vacinas como Martinez veem o potencial de explorar essa peculiaridade do sistema imunológico como um recurso, para focar a resposta no alvo certo.

Outra questão científica que ainda precisa ser resolvida é a durabilidade. Uma vacina ampla com proteção que desaparece rapidamente pode ser impraticável para prevenir futuras pandemias. Afinal, o SARS surgiu cerca de duas décadas atrás e o MERS uma década depois.

"Estamos procurando uma vacina semelhante ao tétano", disse Haynes. "Todos nós temos que tomar uma vacina antitetânica a cada 10 anos. Isso seria realmente fantástico."

A busca por uma vacina verdadeiramente universal é urgente, mas muitos especialistas alertam que é um desafio muito diferente do que criar as vacinas de primeira geração.

“Estudamos os vírus da gripe há mais de 70 anos e estamos tentando fazer vacinas universais contra a gripe, e ainda não conseguimos”, disse Yoshihiro Kawaoka, que está trabalhando em uma vacina pan-coronavírus na Universidade de Wisconsin em Madison. "Mas este é um vírus diferente, e acho que vale a pena tentar. O que estou tentando dizer é que pode não ser fácil." 

Carolyn Y. Johnson, Washington Post, em 1802.22. TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES para O Estado de S. Paulo.

Contratempos se acumulam para Putin: seis frentes que não estão indo como o Kremlin gostaria

O ataque que Moscou propôs como uma operação cirúrgica é complicado por fatores como a resistência militar ucraniana, a dura resposta ocidental, a ambiguidade chinesa ou os tímidos sintomas de desconforto na sociedade russa.

O presidente russo, Vladimir Putin, no domingo em Moscou. (SERGUEI GUNEYEV (AP)

No quinto dia da guerra desencadeada pela invasão russa da Ucrânia, as más notícias sobre a mesa do presidente Vladimir Putin começam a se acumular. Embora seja muito cedo para fazer uma avaliação aprofundada, os estágios iniciais da guerra trouxeram muitos contratempos e poucos ganhos para a Rússia. A seguir, um olhar sobre o que aconteceu em termos militares, políticos, econômicos e midiáticos.

1. Resistência militar ucraniana

A força invasora russa conseguiu penetrar no território ucraniano em vários setores da metade oriental do país , do norte, leste e sul. As salvas de mísseis - cerca de 350 no domingo, segundo o Pentágono - degradaram as capacidades dos militares ucranianos. Esta segunda-feira, a agência russa Interfax informa que os atacantes teriam conquistado Berdiansk e Energodar, duas pequenas cidades no sudeste. No entanto, apesar da clara superioridade militar, neste momento a Rússia não pode mostrar nenhuma vitória significativa. Ele não conquistou nenhuma grande cidade; não foi capaz, de acordo com os serviços de inteligência militares ocidentais, de estabelecer o controle do espaço aéreo; não atingiu significativamente o mecanismo de comando e controle das forças ucranianas.

A resistência ucraniana, por outro lado, é firme, e as informações que chegam do país invadido apontam para um crescente espírito de combate , também no setor civil, com voluntários dispostos a pegar em armas. O moral de alguns —que percebem que conseguem resistir e têm uma motivação insuperável— sobe, e o de outros provavelmente cai ao verificar as dificuldades. Enquanto isso, os países ocidentais estão aumentando o fornecimento de armas, e a Turquia decidiu impedir a passagem de navios militares pelos estreitos de Bósforo e Dardanelos.(pelo qual o Mar Mediterrâneo e o Mar Egeu são acessados ​​ao Mar Negro), de acordo com o poder conferido pela Convenção de Montreux. A medida afeta tanto a Rússia quanto a Ucrânia, mas é mais prejudicial para a Rússia, já que a Marinha ucraniana é quase irrelevante. A Rússia já tem uma grande frota de guerra implantada no Mar Negro, mas a proibição tornará os movimentos futuros mais difíceis.

Tudo isso não deve levar a conclusões precipitadas. É muito cedo e, diante da resistência, o Kremlin pode optar por intensificar a violência, multiplicando os bombardeios. Para garantir a vitória, Putin pode estar disposto a infligir enorme sofrimento aos civis, como fez na Chechênia, mas isso seria uma escolha terrível para ele. Cada bomba em uma cidade é um ódio maior contra o Kremlin, que repercutirá no futuro em uma hostilidade difícil de conter.

Soldados russos em Armiansk, na parte norte da Crimeia, na Rússia, no domingo. (KONSTANTIN MIHALCHEVSKIY / SPUTNIK / CONTACTPHOTO (EUROPA PRESS)

2. Penalidades

Sem dúvida, a Rússia planejava uma forte reação sancionatória à invasão dos países ocidentais, que a haviam anunciado. É provável, no entanto, que Moscou não tenha contemplado uma retaliação da intensidade que está se materializando . Mesmo se eu tivesse previsto, o golpe do martelo é realmente notável. A ação destinada a dificultar o uso das reservas do Banco Central da Rússia é uma medida que não estava em muitos pools e tem potencial devastador.

O rublo caiu até 30%, forçando o banco central a aumentar as taxas de juros de 9,5% para 20% , seu nível mais alto em um século. Sintomas de dúvida, se não pânico, estão se acumulando em torno da sustentabilidade das instituições financeiras russas. A Rússia pode pedir ajuda à China, onde 14% de suas reservas são depositadas em moeda estrangeira, mas é possível que as entidades chinesas ajam com muito cuidado , temendo sanções ocidentais secundárias que compliquem o acesso a esses mercados. Moscou também pode vender suas enormes reservas de ouro, mas não será uma operação fácil, segundo especialistas. A situação é crítica para a Rússia.

Mas há mais. A BP anunciou que vai retirar seus investimentos no mercado russo – possui 20% da Rosneft – assim como fez o fundo público norueguês, o maior do mundo. O fundo soberano australiano também está avaliando a mesma opção. São passos que podem fomentar uma grande debandada de capital e conhecimento industrial. A miríade de derivativos que as sanções produzem começam a tomar forma, entre eles o congelamento do arrendamento de aeronaves , que não poderá ir além do final de março. Além da proibição de voar nos céus europeusPortanto, as empresas russas enfrentam o risco de uma séria escassez de dispositivos. As empresas russas têm mil aeronaves comerciais, das quais metade são alugadas por empresas estrangeiras, segundo a consultoria Cirium, citada pela Reuters.

Em termos geopolíticos, além disso, países relevantes como o Japão ou a Coreia do Sul estão aderindo às medidas de retaliação ocidentais.

3. rearmamento ocidental

O Ocidente respondeu com firmeza não apenas na dimensão econômica-sanção. Também está tomando medidas de natureza militar que são completamente opostas ao que o Kremlin poderia querer. O mais óbvio é o histórico, impensável até poucos dias atrás, o twist alemão . O governo liderado por Olaf Scholz anunciou que elevará os gastos militares anuais acima do limite de 2% do PIB —comparado com os atuais cerca de 1,5%— e a criação de um fundo especial de 100.000 milhões de euros para fortalecer as Forças Armadas. Exércitos. Além disso, fez uma mudança de direção em relação à tradição alemã e autorizou a entrega de armas letais à Ucrânia.

Um militante da autoproclamada República Popular de Donetsk inspeciona os restos de um míssil que caiu em uma rua da cidade controlada pelos separatistas. (ALEXANDRE ERMOCHENKO (REUTERS)).

Destaca também a vigorosa reativação da OTAN, após anos de trajetória turva, e o claro espírito de união entre seus parceiros. Várias rodadas de reforço do flanco leste já ocorreram, e o comitê militar deve aprovar outra na segunda-feira. Putin procurava afastar a Aliança das suas portas, e tudo indica que a terá muito mais presente, não só nesta contingência, mas de forma persistente ao longo do tempo. Além disso, sua ação tem outro efeito indesejado para a Rússia: o salto gigantesco na formação da UE como ator geopolítico. Os Vinte e Sete estão respondendo com unidade, velocidade e entrando em território desconhecido, como o financiamento de entregas de armas para a Ucrânia.

4. Ambiguidade chinesa

Um dos aspectos cruciais do pulso de Putin é verificar o grau de apoio internacional que ele desperta. Sem dúvida, a aproximação de posições com a China que se cristalizou na declaração conjunta sino-russa de 4 de fevereiro reforçou a convicção do Kremlin de ativar a invasão. Mas, diante disso, a atitude de Pequim não deve ser inteiramente satisfatória para Moscou.

É verdade que o regime chinês evitou chamar a ofensiva russa de "invasão", enfatizando a legitimidade das preocupações de segurança de Moscou e condenando as sanções ocidentais. Mas, significativamente, optou pela abstenção, ao invés da rejeição, diante da iniciativa de resolução condenatória no Conselho de Segurança da ONU , que não foi aprovada pelo próprio veto da Rússia; e nas suas declarações recorda repetidamente o seu apego ao princípio da integridade territorial dos Estados. Não se pode deduzir disso que Pequim abandonará completamente Moscou à sua sorte, mas é claro que há objeções e limites à vontade de cooperar.

O Conselho de Segurança da ONU convocou uma sessão especial da Assembleia Geral para esta segunda-feira para tratar da crise da invasão russa. Nesse tipo de votação processual não há possibilidade de veto, portanto a rejeição russa não conseguiu impedir a convocação, que dará lugar à votação de uma resolução que não será vinculante, mas terá grande peso político, e esclarecerá o grau de isolamento russo.

Alguns detalhes significativos: países africanos como o Quênia, em vez de permanecerem em uma posição de certa indiferença ao que poderia ser visto como uma luta distante entre potências, veem a agressão à Ucrânia como uma indignação contra um processo de descolonização pós-imperial; e o Cazaquistão, país cujo regime autoritário foi recentemente resgatado pela Rússia diante de uma onda de protestos populares, não apoiou Moscou no reconhecimento da independência dos territórios separatistas de Donbas. Uma empresa cazaque do setor de televisão e internet decidiu nesta segunda-feira bloquear canais russos alegando sua rejeição à propaganda de guerra.

5. A batalha da mídia

A luta para convencer a opinião pública também não traz boas notícias para o Kremlin. As notícias da Ucrânia criaram um profundo sentimento de rejeição e indignação nas sociedades ocidentais, fornecendo uma base sólida para que os executivos desses países adotem medidas duras que, em muitos casos, têm consequências problemáticas.

Em termos pessoais, além disso, para Putin, a diferença de imagem entre sua figura temerosa de contrair o vírus, com colaboradores servis e às vezes ineptos - como um oficial de inteligência de alto escalão demonstrou em uma aparência patética - a muitos metros de distância do líder, é verdadeiramente devastador ... e o do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, demonstrando coragem, vigor e humanidade , modulando habilmente seu discurso para a mídia.

O presidente da Ucrânia, Volodímir Zelenski, em comunicado institucional.

Também não há boas notícias para a Rússia do esporte, onde os sintomas de isolamento e desprezo estão se multiplicando . Apesar de não ter importância estratégica, tem forte impacto midiático e seu peso não deve ser subestimado.

6. Sintomas de desconforto interior

O cenário interno também não é tranquilizador para o chefe do Kremlin. Apesar do ambiente opressivo em que vive a sociedade russa, já foram detectados focos de protesto contra a guerra. Eles não foram massivos, mas cerca de 6.000 pessoas foram presas , segundo a organização OVD-Info, que monitora esses dados. Alguns magnatas no exterior já se manifestaram contra a guerra.

Além disso, as filas para sacar dinheiro nos bancos já começaram no fim de semana, e a perspectiva de alta da inflação e perda de poder aquisitivo pressiona bastante o pote.

É aconselhável não se apressar em julgar e não subestimar a capacidade de controle de Putin e o regime que ele construiu. Mas é claro que os primeiros estágios da invasão estão longe de ser um passeio triunfal.

Andrea Rizzi, de Madrid, em 28.02.22, para o EL PAÍS. Andrea é correspondente de assuntos globais do EL PAÍS e autor de uma coluna dedicada aos assuntos europeus que é publicada aos sábados. Anteriormente, foi editor-chefe do Internacional e vice-diretor de Opinião do jornal. É licenciado em Direito (La Sapienza, Roma), mestre em Jornalismo (UAM/EL PAÍS, Madrid) e em Direito da UE (IEE/ULB, Bruxelas). 

François Hollande: "Eu absolutamente não acredito que Putin esteja passando por uma crise de loucura ou paranóia"

 O ex-presidente francês considera um erro ter pensado que o líder russo estava abrindo a porta para a negociação e relativiza a ameaça nuclear exercida por Moscou

O ex-presidente francês François Hollande, durante a entrevista em seu escritório em Paris na segunda-feira. (Eric Hadi)

Não: Vladimir Putin não perdeu seu senso de realidade. E não: ele não é louco ou paranóico.

Quem afirma isso é François Hollande , presidente francês entre 2012 e 2017, que há alguns anos passava horas e horas negociando com ele. Às vezes, cara a cara. Outros, acompanhados pela então chanceler, Angela Merkel.

Era 2014, o presidente russo havia lançado seu primeiro ataque à Ucrânia e acabaria anexando a península da Crimeia e criando uma região separatista no leste do país. Esse pulso permitiu que Hollande (Rouen, 67 anos) entendesse algo da psicologia de Putin. E ele está convencido de que suas ações recentes – a invasão da Ucrânia ou a ameaça de uma bomba nuclear – seguem uma lógica.

“Absolutamente não compartilho a ideia de uma crise de loucura ou paranóia”, declarou Hollande esta segunda-feira, no seu gabinete em Paris, durante entrevista ao EL PAÍS e a outros jornais do grupo LENA. “Sempre olhei para Putin pelo que ele é, e há uma lógica nisso. É extremamente perigoso, mas há uma lógica.”

Na sexta-feira, o atual presidente, Emmanuel Macron, recebeu Hollande no Palácio do Eliseu, sua antiga residência, para discutir a guerra. Quando perguntado se Macron errou ou foi ingênuo ao negociar com Putin até o último momento antes da invasão , ele responde: “Nunca é um erro dialogar e negociar. Se houve um erro, foi pensar que Vladimir Putin estava dizendo a verdade e abrindo uma porta para a discussão quando ele estava batendo a porta nas mãos dos ocidentais."

O ex-presidente socialista, hoje aposentado da linha de frente, mas ativo no debate público, relativiza a ameaça nuclear que Putin exerce. "Ele sabe que hoje ele não tem um escopo real", diz ele. "Ele deve nos impressionar e nos intimidar, mas teria tudo a perder em um conflito que seria destrutivo para seu país." E acrescenta: “Em relação ao bombardeio na Ucrânia, toma-se cuidado para não criar uma situação irreversível que possa colocar em sério risco a população civil, embora já tenha causado inúmeras mortes”.

O que o presidente russo procura, sublinha o ex-presidente, “é a paralisia da Ucrânia, o controlo do espaço aéreo e a destruição das infraestruturas militares para depois entrar num processo de negociação”. “Muitas famílias russas”, continua ele, “estão ligadas à Ucrânia na Rússia. Destruir casas, bombardear cidades sem dúvida causaria um estado de choque na Rússia. Tente neutralizar a Ucrânia, não destruí-la. Há uma lógica, e é assustador o suficiente para não procurarmos argumentos psicológicos."

Hollande aplaude o envio de armas para a Ucrânia pelos aliados, embora em sua opinião tenham chegado tarde demais, e as sanções massivas , embora devam ser maiores. “Para fazer jus à gravidade do ato que Vladimir Putin cometeu ”, argumenta, as sanções devem se estender até a suspensão do fornecimento de petróleo e gás russo.

O ex-presidente acredita que esta é a forma de forçar Putin a se retirar da Ucrânia. “Da mesma forma que Vladimir Putin quer sufocar a economia e destruir a infraestrutura da Ucrânia para levar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a se render”, diz ele, “devemos paralisar a economia russa para levar Putin à retirada, ao cessar-fogo e à negociação. Putin, ele sustenta em outro momento, "só entende a relação de poder, e quando nada lhe resiste, ele avança".

A solução diplomática, segundo Hollande, consistiria em retornar "de alguma forma" aos acordos de Minsk que, em 2015 , deveriam iniciar o fracassado processo de paz. Isso implicaria "uma retirada de forças estrangeiras e, em seguida, garantir a integridade [territorial] da Ucrânia e, portanto, um processo de discussão para acabar com as repúblicas separatistas".

Putin deve receber, como ele exige, garantias de segurança? Hollande explica: “Sempre me lembrei que a Ucrânia não tem vocação para ingressar na OTAN”. Mas ele acrescenta: "A Ucrânia tem o direito de escolher seu destino, de trabalhar com a Europa, eventualmente de ter a proteção de aliados".

De suas longas conversas com Putin, ele lembra: “Você tinha que tomar seu tempo. Às vezes, passando a noite inteira e depois a manhã, sem dormir, para pressionar até o fim. Não era preciso cair no jogo de sua raiva mais ou menos fingida ou de sua doçura, mais ou menos sincera”.

As ideias que Putin está aplicando agora com bombas e mísseis na Ucrânia não são novas nem resultado de improvisação ou exaltação momentânea. "O que está inscrito na cabeça de Putin há muito tempo é redescobrir a influência da Rússia nos antigos países da antiga União Soviética, mas ele não tinha certeza de como chegar lá ou em que prazo", diz ele. “Procedi em etapas e aproveitei todas as oportunidades”, acrescenta. E lembre-se que na Síria, na Líbia, no Sahel ou na Bielorrússia, entre outros pontos do mapa, avançou e avançou diante da indiferença ou paralisia do Ocidente.

Hollande lista, entre os sinais de fraqueza diante de Putin, a decisão do presidente Barack Obama de não responder militarmente na Síria quando em 2012 o regime de Bashar El Assad usou armas químicas, a complacência de Donald Trump com o presidente russo e o abrupto e caótico Afeganistão no verão passado com Joe Biden já na Casa Branca.

Mas a França e a UE não teriam que ser mais duras com a Rússia em 2014, quando ele era presidente e Putin começou a assediar a Ucrânia? "Estávamos, a ponto de a pressão nos permitir concluir os acordos de Minsk com a chanceler Merkel", ele responde. "Mas as sanções certamente não foram suficientes porque não impediram a absorção da Crimeia pela Rússia."

Ao final desses anos, diz Hollande, “sem dúvida [Putin] se sentiu bêbado com seu sucesso e preparado para atuar na Ucrânia pensando que não haveria reação notável”, comenta. "Mas ele estava errado."

Agora ele enfrenta duas opções “Ou ele embarca em um longo conflito que irá congelar progressivamente, como sempre fez. Ou, segunda opção, o preço que o fazemos pagar por sua invasão é tal que ele busca uma solução. Neste caso, a negociação pode vir rapidamente. Daí a importância da pressão que devemos exercer. E quero sublinhar a resistência dos ucranianos, algo que não avaliei a princípio e que inflige perdas bastante sérias ao exército russo. Isso tem consequências para a opinião pública quando as famílias veem os caixões chegarem”.

–Putin cometeu um erro?

-Ele cometeu uma falta que lhe custará caro por muito tempo.

Marc Bassets, de Paris, em 01.03.22, para o EL PAÍS. Marc é  correspondente do EL PAÍS em Paris e antes disso esteve em Washington. Ingressou nesse jornal em 2014 depois de ter trabalhado para 'La Vanguardia' em Bruxelas, Berlim, Nova York e Washington. É autor do livro 'American Autumn' (Editorial Elba, 2017).

A população da Ucrânia organiza a resistência contra o invasor russo

A sociedade se prepara para a ofensiva de Moscou. Alguns se juntam às forças de defesa, outros fazem 'coquetéis molotov' ou preparam comida para soldados

Uma mulher prepara um 'cocktail Molotov' numa praça no centro do Dnipro, nesta segunda-feira.

Semyon joga várias rodas de plástico nas costas e as empilha do lado de fora de um prédio da administração em Dnipro, a quarta cidade mais populosa da Ucrânia, às margens do rio Dnieper. O prédio é cercado por sacos de areia e a entrada é quase bloqueada por uma armadilha antitanque. Alguns metros adiante, na Plaza de los Héroes, no gramado, dezenas de pessoas enchem garrafas de vidro e cortam pavios caseiros para preparar coquetéis molotov . Ao longo do rio, um restaurante prepara macarrão com queijo para soldados ucranianos e milícias cidadãs. Dnipro se prepara para a chegada das tropas enviadas pelo presidente russo Vladimir Putin.E ele faz isso com tudo o que tem: um contador que passou a empunhar uma arma nas forças de defesa territorial, um engenheiro que se tornou motorista para entregar suprimentos, uma rede de doação de sangue, outro que prepara alimentos, voluntários que constroem barricadas.

A cidade, com um milhão de habitantes, no centro do país, um polo estratégico de comunicações e que a Rússia tenta cercar para impedir a passagem de suprimentos enviados pelos aliados da Polônia e de tropas ucranianas para o sul e para Kiev, é preparando-se para a guerra total. A imagem se repete em todo o país. A Ucrânia, o maior país da Europa, onde vivem 44 milhões de pessoas, tece redes de resistência ativa, que se mostraram essenciais para enfrentar o ataque russo quando as tropas de Putin avançam em sua ofensiva e os ataques aumentam. Multiplicam-se as imagens de civis enfrentando tanques russos ou tentando impedir a passagem de tropas para suas cidades.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, cuja popularidade disparou desde a invasão, pediu à população que ajude a conter a ofensiva por qualquer meio ao seu alcance. Dnipro é uma cidade dedicada a isso. "No quinto dia da guerra russa em larga escala contra o povo da Ucrânia, permanecemos firmes", disse Zelensky na segunda-feira. “Cada crime que os ocupantes cometem contra nós nos aproxima cada vez mais. A Rússia nunca imaginou que enfrentaria tanta solidariedade”, enfatizou.

Às portas do hospital militar do Dnipro, Elena e o marido, Alexandre, fazem fila para levar roupa, fraldas e comida aos doentes. Ao lado dela, uma mulher de 50 anos carrega um grande saco de colheres de plástico brancas. "Eu tenho uma barraca de café e isso é o que eu pensei que seria mais útil", diz ele. O posto de saúde, no centro da cidade, destina-se ao atendimento dos feridos (especialmente os graves) das frentes sul e leste. Tem 400 leitos, mas nos últimos dias ultrapassou esse número e eles também tiveram que usar as salas de recuperação, explica Sergi Bachinski, vice-diretor do centro, onde profissionais de saúde de toda a área vêm oferecer ajuda no tratamento ferido.

Um restaurante no Dnipro prepara refeições para soldados e milicianos com alimentos doados por empresas e cidadãos, esta segunda-feira.

Anna Fedicheva, engenheira civil de 37 anos, ofereceu seu carro espaçoso para transportar “o que for necessário”. No Dnipro e em muitas outras localidades, foi criado um grupo de motoristas nas redes sociais para ajudar nas questões logísticas. Vestindo uma máscara de tecido preto, que tem uma árvore de Natal estampada em purpurina, a mulher diz que pensou em juntar-se às Forças de Defesa Territorial, geridas pelo Ministério da Defesa, brigadas de milícias cuja missão é proteger as infraestruturas das cidades, mas foi não encontrado em condições. Nem pensou em deixar o país. "Tento pensar que [os russos] não vão nos ocupar, acredito em nosso país e em nossa liberdade", diz Fedicheva, que diz que, antes desse pesadelo, estava feliz com sua vida: "Gostei do meu trabalho, sair para dançar com os amigos, ir ao cinema, uma vida simples. Às vezes você pensa que tudo é um sonho e de repente você acorda e não; é real".


Uma mulher reage enquanto os paramédicos realizam RCP em uma menina que foi ferida durante um bombardeio, no hospital da cidade de Mariupol, leste da Ucrânia, domingo, 27 de fevereiro de 2022. A menina não sobreviveu.  (Foto AP/Evgeny Maloletka)

A mesa onde Myroslav Malynovski prepara coquetéis molotov tem um paralelo em Lviv, no oeste do país, onde Kira Shivenko, uma pintora de 28 anos, enche garrafas usando máscara cirúrgica e luvas de látex; ou em Kramatorsk (leste), onde um grupo de jovens se organizou para preparar aquele explosivo caseiro cuja receita já é dada no rádio e em muitos jornais. “Putin pensou que os receberíamos com flores? Aqui preparamos alguns drinks de boas-vindas”, diz o aposentado de 65 anos, enquanto coloca uma das garrafas de vidro em uma caixa de papelão. “Não vamos fugir. Este é o nosso país e eles são os ocupantes, a Ucrânia é um país democrático e europeu”, diz Malynovski. "Vamos resistir até o fim."

Distribuição de armas entre a população

Apenas na região de KievCerca de 18.000 armas civis foram distribuídas, segundo o governo. Agora, Zelensky propôs libertar prisioneiros com experiência militar se eles estiverem dispostos a se juntar às forças armadas ucranianas. Uma medida muito controversa que dá a ideia da ansiedade e desespero do governo: o Exército ucraniano tem muito menos tropas que o russo, também uma capacidade menor em tecnologia de defesa. Alguns dias atrás, Zelensky também convidou estrangeiros para lutar na Ucrânia. "Se você tem experiência de combate na Europa, venha ao nosso país e defenda a Europa junto conosco", disse ele em uma mensagem de vídeo. No dia anterior à invasão, Zelensky mobilizou 36.000 reservistas, 5.000 guardas nacionais aposentados e outros 5.000 policiais de fronteira. Armar civis em um ambiente tão tenso também pode criar problemas.

No segundo dia da ofensiva russa, quando o alcance da agressão ficou claro, Oleg Trubnikov, 60 anos, apareceu no quartel da reservista de Kramatorsk, na região de Donetsk, na parte controlada pelo governo, onde dezenas de homens se alinharam na sexta-feira. para receber direções e destino. Trubnikov não recebeu a ligação. Ele tem uma deficiência e acha que não será aceito para a mobilização, mas ele estava no exército soviético e acha que pode trazer experiência. "Ou ajudar em qualquer coisa", diz ele. “Estou aqui para defender a Ucrânia dos russos. É o mínimo que posso fazer", acrescenta.

No Dnipro, Maxim Shanin destaca que as forças de defesa são tão importantes quanto a logística. O restaurante que dirige, no centro da cidade, faz parte de uma rede recém-criada de estabelecimentos que cozinham comida para os soldados ucranianos e para as pessoas que se juntaram às milícias e que constroem barricadas de areia muito perto das instalações ou protegem alguns dos As pontes do Dnipro. A rede de 11 locais prepara refeições, café da manhã e jantar para quase 4.000 pessoas todos os dias. O restaurante Shanin's, o típico lugar de vinhos da moda com um hipster e industrial, está cheio de sacos de batatas, garrafas de óleo e pacotes de macarrão. Na cozinha, uma equipe de cozinheiros prepara os almoços que um grupo de voluntários coloca em lancheiras e sacolas plásticas com carinha sorridente e a mensagem: “Obrigado pelo seu trabalho”.

Cerca de 250 voluntários se inscreveram no projeto, que está sendo replicado em outras cidades, conta Shanin. “Cada um de nós colocou nosso grão de areia. Essa situação nos uniu mais do que nunca contra o agressor. Os cidadãos querem trabalhar juntos para ajudar o Exército, o Governo, o presidente. Alguns podem ir lutar com as próprias mãos e outros não. Aqui cozinhamos e vamos fazer até a vitória”, diz.

Maria R. Sahuquillo, de Dnipro (Ucrânia), em 01.03.22 para o El País. Maria é Correspondente em Moscou, de onde cobre Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e o resto do espaço pós-soviético. Anteriormente, foi enviada especial para grande cobertura e tratou com os países da Europa Central e Oriental. Ela passou quase toda a sua carreira no EL PAÍS e, além de questões internacionais, é especializada em questões de igualdade e saúde.

Zelenski consegue o apoio do Parlamento Europeu para a entrada da Ucrânia na UE

Num relevante gesto de unidade, populares, socialistas, liberais, verdes, ultraconservadores e a esquerda, assinaram um texto comum. 

E isso foi transferido para a votação: 637 votos a favor, 13 contra e 36 abstenções.

O Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, intervindo por videoconferência perante o Parlamento Europeu. (Foto: Sthephanie Lecoco )EFE)

Há dias em que parlamentares e políticos falam pelos livros de história, não pelo jornal das sessões. Esta terça-feira foi um desses dias no Parlamento Europeu. Quem mais o enfatizou foi o presidente da Ucrânia, Volodímir Zelenski . “Estamos a lutar pela liberdade que vocês têm”, proclamou na sua presença por videoconferência perante os deputados do PE reunidos. Em seu discurso emocionado, ele lembrou as vítimas do ataque russo—16 crianças morreram na segunda-feira— e reivindicou sua incorporação à União Européia. “Lutamos para ser membros de pleno direito da Europa. Mostrem que a UE está connosco e que não nos vão deixar em paz”, acrescentou, vestido com uma inconfundível camisa verde militar. Suas palavras foram recebidas pela câmara com uma ovação de pé, que durou apenas um minuto, o tempo que ele estava ouvindo antes de se levantar e deixar a lente da câmera.

O apoio ao seu pedido no Parlamento Europeu deu-lhe a certeza. A expressão mais ouvida no início ou no final dos cerca de cinquenta discursos programados é “Glória à Ucrânia”. A resolução que contém um ponto que "solicita às instituições da União que trabalhem para conceder à Ucrânia o estatuto de país candidato à União". Num relevante gesto de unidade, populares, socialistas, liberais, verdes, ultraconservadores e a esquerda, assinaram um texto comum. E isso foi transferido para a votação: 637 votos a favor, 13 contra e 36 abstenções.

Apelos à luta da democracia contra a autocracia, da liberdade contra a submissão ou do Estado de direito contra a tirania salpicaram todos os discursos dos dirigentes da União Europeia que foram ouvidos num hemiciclo repleto de bandeiras ucranianas e laços com a mesma bandeira no lapelas. “Não vamos olhar para o outro lado. Estamos enfrentando uma ameaça existencial à Europa que conhecemos”, gritou a primeira oradora, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola. “Proteger nossa liberdade tem um preço. Vamos pagar porque a liberdade não tem preço”, alertou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Ninguém pode colocar a vítima em pé de igualdade com o agressor. E vamos lembrar daqueles que não estão ao nosso lado neste momento solene."

Zelensky assinou o pedido dessa candidatura na segunda-feira, convencido de que o futuro da Ucrânia, agora mais do que nunca, depende de sua integração europeia. A aproximação da Ucrânia à UE em 2013 foi precisamente o gatilho para a primeira agressão russa contra aquele país. O presidente o fez falando com Von der Leyen, que dias antes havia pronunciado uma frase que repetiu nesta terça-feira: "Os ucranianos são nossos e os queremos dentro". Uma frase que explica muito do que aconteceu nos dias de hoje, incluindo a resposta diferente aos refugiados que esta guerra está produzindo em comparação com a da Síria em 2015, quando vários países se recusaram a aceitar pessoas fugindo da guerra.

Em 2014, a intenção de Kiev de assinar um acordo de parceria comercial com o clube comunitário foi boicotada pelo presidente russo, Vladimir Putin. E logo depois, ele lançou um ataque secreto para anexar a península da Crimeia, na Ucrânia, e encorajou militarmente o separatismo nas regiões de Donbas, no leste da Ucrânia. Zelensky agora defende a consumação da integração na UE por meio de um procedimento de adesão acelerado. Oito países da Europa Central e Oriental, com a Polónia na liderança, apoiaram o pedido na segunda-feira e defendem o reconhecimento imediato da candidatura da Ucrânia -a Hungria aderiu esta terça-feira-, um estatuto que colocaria o país à beira da entrada e facilitaria acesso a fundos europeus substanciais para promover a convergência política e económica.

Mas a maioria das capitais considera que o debate sobre a candidatura ucraniana é prematuro e pode até ser contraproducente porque a impossibilidade de realizá-lo a médio e longo prazo geraria frustração na opinião pública daquele país.

O vice-presidente da Comissão, Josep Borrell, resumiu os sentimentos de muitos líderes europeus em relação à possível candidatura. "Temos que trabalhar em coisas mais práticas", apontou o chefe da diplomacia europeia na segunda-feira. "A adesão seria algo que, de qualquer forma, levaria muitos anos para acontecer e o que precisamos são respostas para as próximas horas, não para os próximos anos." Borrell acredita que "a Ucrânia tem uma perspectiva claramente europeia, mas agora é hora de lutar contra a agressão".

A experiência da Turquia, com sua candidatura paralisada há pelo menos mais de uma década, e o lento avanço de candidatos da ex-Iugoslávia (como Sérvia e Montenegro) impõe cautela nas principais capitais europeias.

Além disso, a Ucrânia está longe de cumprir os chamados critérios de Copenhaga, que definem as normas políticas (democracia estável e Estado de direito), normas económicas (uma economia viável e competitiva) e normas jurídicas (capacidade de assumir o património regulamentar da UE ) que devem ser atendidos para iniciar a negociação pré-entrada. Além disso, a pedido da França, o exame prévio e o processo de negociação foram recentemente reforçados para evitar a repetição de casos como os da Hungria ou da Polónia, que, uma vez dentro do clube, baixaram a qualidade do seu Estado de direito e adoptou políticas discriminatórias ou xenófobas que Bruxelas considera incompatíveis com o Tratado da UE.

Ainda assim, os principais grupos parlamentares europeus consideram conveniente reconhecer a candidatura solicitada por Zelenski como um gesto de apoio ao ataque do gigante russo. O Partido Liberal Europeu (ALDE) chegou mesmo a admitir na segunda-feira aderir à formação do partido do presidente ucraniano. E o partido do ex-presidente Petró Poroshenko, Solidariedade Europeia, faz parte do Partido Popular Europeu.

MANUEL V. GOMEZ e BERNARDO DE MIGUEL, de Bruxelas, em 01.03.22 para o El País.

"Fome no Brasil pode chegar a "situação explosiva"

Ex-diretor da FAO e coordenador do programa Fome Zero no governo Lula, José Graziano afirma que fome está em patamar que "nunca se tinha visto". Solução depende de crescimento e renda, não só de programas sociais, diz.

Menos de uma década após o Brasil ter deixado o Mapa da Fome, em 2014, o país vive hoje um aumento significativo da insegurança alimentar, que pode levar a uma "situação explosiva" antes do final do ano e precisa ser enfrentada pelas autoridades públicas e pela sociedade com urgência.

O alerta é de José Graziano da Silva, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) de 2012 a 2019 e coordenador do programa Fome Zero no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Em entrevista à DW Brasil, Graziano, atualmente diretor do Instituto Fome Zero, afirma que a situação da fome no Brasil é hoje "muito mais difícil" do que quando o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, usou em 1992 o mote "quem tem fome tem pressa" para lançar sua campanha contra a insegurança alimentar.

"Além de atingir um número muito maior de famílias, como nunca se tinha visto antes no Brasil, nós não contamos com a ajuda do governo federal. São poucos os municípios e Estados que têm no combate à fome a sua prioridade. Eu, particularmente, que estive por 15 anos na FAO, parece que estou vendo um país em guerra", afirmou Graziano. "Algo tem que ser feito, um verdadeiro mutirão contra a fome, em 2022, para que o problema não saia do controle." 

Segundo uma pesquisa realizada em dezembro de 2021 pelo Datafolha, 15% dos brasileiros, ou cerca de 32 milhões de pessoas, deixaram de fazer alguma refeição nos meses anteriores porque não tinham dinheiro para comprar comida. E 26%, ou 55 milhões de pessoas, haviam comido menos do que necessitavam porque não tinham dinheiro suficiente.

Para ele, o Bolsa Família foi um aliado crucial no combate à fome, mas apenas programas de transferência de renda não solucionam esse drama. "O mais importante no programa de erradicação da fome é geração de emprego e renda dentro de um processo de desenvolvimento econômico inclusivo, que distribua melhor a renda. Ou seja, o país precisa crescer e distribuir a renda gerada. É isso que acaba com a fome. Políticas de transferência de renda são atores coadjuvantes", afirma.

DW Brasil: O Brasil construiu um longo caminho para sair, em 2014, do Mapa da Fome. Em 2017, já se observava um retorno gradual do país à conhecida situação de insegurança alimentar. Hoje, pelo menos 55% da população vive nessas condições. Quais as causas desse retrocesso ?

José Graziano: Na verdade, a gente já vê um declínio da segurança alimentar da população brasileira a partir de 2013, que se acentua muito nos últimos anos, a partir de 2018. A questão da fome hoje no país, e sempre, é uma questão de acesso. Não faltam alimentos. Falta dinheiro para a população comprar alimentos. Já era assim no tempo de Josué de Castro [médico, nutrólogo e autor do livro "Geografia da fome”, escrito em 1946, presidiu a FAO], há 75 anos, e agora está muito mais acentuado.

Eu listaria cinco causas mais importantes para esse rápido crescimento da fome: 1) Consequência da crise mundial: O Brasil passa por um período de baixo crescimento econômico, abaixo de 2% [por ano] é insuficiente para gerar emprego e renda. Consequentemente, aumenta a população desempregada ou ocupada informalmente, com baixíssimos salários. 2) Queda nos salários: A inflação se acentua e culmina com uma não valorização do salário mínimo, que deixa de ser reajustado acima da inflação. O salário mínimo serve de farol para o setor informal. Pesquisa do Dieese mostrou que, no último ano, praticamente todas as categorias não conseguiram repor nem mesmo as perdas inflacionárias nas negociações salariais. 3) Corte nas políticas sociais e de segurança alimentar: Houve um desmantelamento de políticas sociais e de segurança alimentar criadas no início dos anos 2000; 4) Descontrole inflacionário, particularmente nos últimos dois anos da pandemia: A inflação dos alimentos afeta mais a população mais pobre. 5) As políticas de transferência de renda do governo aplicadas durante a pandemia, via auxílio emergencial, foram insuficientes para evitar que mais gente fosse para baixo da linha da miséria. Com exceção do primeiro auxílio emergencial, que pagou R$ 600 para mais de 65 milhões de pessoas, todos os outros programas de transferência de renda não foram suficientes para evitar o agravamento da fome.

DW Brasil: A pandemia agravou as vulnerabilidades e desigualdades sociais. Mas o quadro de fome no Brasil seria contínuo inevitavelmente, diante das políticas públicas (ou da ausência delas) adotadas pelo Executivo nos últimos anos?

Graziano: A pandemia veio agravar o problema, mas não é sua causa original. Com mais concentração da renda, mais desemprego, menor crescimento, a situação só piorou e mais pessoas foram jogadas na miséria. Dizer o que teria sido sem a pandemia é difícil, mas pelo mapa da pesquisa Vigisan [projeto de monitoramento da condição alimentar e nutricional do Brasil, feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar Nutricional – Penssan], a trajetória do rápido crescimento da insegurança alimentar já era clara desde 2013 e se acentua muito em 2018. A falta de política de segurança alimentar e combate à fome do governo federal agravou muito essa situação, sem dúvida.

Graziano: Conselhos de Segurança Alimentar nos municípios podem fazer muito, como organizar mutirões e campanhas (Foto: Getty Images/AFP/S. Kambou)

DW Brasil: O Bolsa Família foi redesenhado na gestão Bolsonaro e há especialistas que apontam riscos para o êxito futuro da política de transferência de renda pelo desmonte nas áreas de educação e saúde. Como enxerga as mudanças no programa?

Graziano: A mudança que foi feita, de extinguir o Bolsa Família e criar o Auxílio Brasil, foi apenas uma jogada de marketing num ano eleitoral, para eliminar a associação do Bolsa Família com o Lula. Não vi vantagem nenhuma, e isso é unânime entre especialistas, no novo desenho do programa. Pelo contrário, parece até uma coisa provisória, que é para conseguir emprego formal. 

Sabemos que conseguir um emprego formal não é uma questão de tempo, para quem passa fome, seja pela falta de qualificação profissional, seja porque não há oferta suficiente de empregos gerados na economia pelo baixo crescimento econômico. O desenho do novo programa deixa muito a desejar. Mas o mais importante, na minha opinião, é ter claro que as políticas de transferência de renda são muito importantes para o contingente de população miserável, mas não resolvem o problema da fome. 

O mais importante é geração de emprego e renda dentro de um processo de desenvolvimento econômico inclusivo, que distribua melhor a renda. Isso que acaba com a fome. Políticas de transferência de renda são o que chamo de atores coadjuvantes das políticas macroeconômicas. A valorização do salário mínimo, na minha opinião, foi a grande política que tirou o país do Mapa da Fome nos governos Lula.

DW Brasil: A fome é um fenômeno multifacetado, sobretudo no Brasil, pelas camadas de desigualdade. Vê alguma possibilidade de o país dar respostas céleres ao problema no momento atual?

Graziano: A situação atual é dramática, em várias frentes. Mas o Brasil tem que enfrentar esse problema desde já. O problema da fome não pode ser deixado para um próximo governo, em 2023. Algo precisa ser feito em 2022. Senão, vamos chegar a uma situação explosiva no final do ano. A fome praticamente dobrou na pandemia, pelos dados de que dispomos. Hoje, em 2022, com eleição, só os municípios têm condições de tomar iniciativas, já que o governo federal e os governos estaduais estão totalmente absorvidos pelo processo eleitoral. Mas os municípios podem fazer muita coisa, restaurantes populares, feiras livres, apoio à agricultura familiar, hortas comunitárias... Os municípios têm os Conseas (Conselhos de Segurança Alimentar). Eles não foram extintos, como foi o Consea Federal. E os conselhos podem fazer muito nos municípios, organizar mutirões contra a fome, campanhas de arrecadação e distribuição de alimentos, implantar bancos de alimentos, melhoria de acesso da população mais pobre a alimentos. Algo tem que ser feito, um verdadeiro mutirão contra a fome, em 2022, para que o problema não saia do controle.

DW Brasil: Existe uma espécie de negligência ou normalização do problema por parte das autoridades governamentais e da sociedade brasileira? Os movimentos da sociedade civil que tentam aplacar a fome podem ser comparados à mobilização nacional à qual assistimos na década de 90, com Betinho?

Graziano: Sem dúvida há uma negligência por parte do governo federal, e muitos Estados e municípios também têm feito corpo mole. A pandemia virou a desculpa perfeita para essa inação de grande parte do setor público que lava as mãos frente à questão da fome. A fome tem crescido assustadoramente na pandemia. O último dado que temos é uma pesquisa Datafolha, de dezembro de 2021, que mostrou que 15% da população adulta, cerca de 32 milhões de pessoas, tinham deixado de comer porque não tinham dinheiro para comprar comida. E 26%, ou seja, 55 milhões de pessoas, haviam comido menos do que necessitavam porque não tinham dinheiro para comprar mais alimentos no segundo ano da pandemia. Isso é aproximadamente o dobro do que tinha sido registrado um ano antes pela Unicef. Ou seja, a fome dobrou no segundo ano da pandemia. 

As organizações da sociedade civil estão fazendo o possível, muitas vezes o impossível. Nota-se claramente uma canseira, fadiga dos doadores. É muito difícil manter esse ritmo acelerado de arrecadação e distribuição de alimentos. Mas uma série de outras iniciativas novas estão surgindo. A Ação da Cidadania está liderando, atualmente, um conjunto de entidades, entre as quais o Instituto Fome Zero, que eu dirijo, para realizar um encontro contra a fome ainda no primeiro semestre de 2022. O objetivo é procurar organizar melhor essas inúmeras iniciativas voluntárias que surgiram no país.

Mas não há dúvidas de que a situação hoje é muito mais difícil do que era antes, no tempo do Betinho. Além de atingir um número muito maior de famílias, como nunca se tinha visto antes no Brasil, nós não contamos com a ajuda do governo federal. São poucos os municípios e Estados que têm no combate à fome a sua prioridade. Eu, particularmente, que estive por 15 anos na FAO, parece que estou vendo um país em guerra. Essa é a imagem que me vem à mente quando vejo o que está se passando no Brasil, com muita tristeza.

DW Brasil: Além do custo social e político, a fome tem um custo financeiro. Poderia falar sobre alguns dados e estudos sobre os impactos econômicos que a fome gera às nações?

Graziano: Na América Latina temos estudos da Cepal, junto com o Programa Mundial de Alimentos, a partir de 2005. Infelizmente não tem um estudo específico para o Brasil. Mas os resultados para a América Central e República Dominicana mostram perdas de 2% a mais de 11% do PIB, em decorrência da fome, dependendo do país. A média é de 6,4% de perda do PIB. A fome afeta a produtividade das pessoas, com maior ocorrência de enfermidades, mortes, menor nível educacional decorrente de repetência ou ausência das crianças. Na América do Sul, há estudos para a Bolívia, Equador, Paraguai e Peru por parte da Cepal e PMA, que mostram uma perda, em média de 3,5% do PIB, tendo como referência o ano de 2005. Costumo dizer que a relação custo-benefício para erradicar a fome é de aproximadamente 1 para 10 na América Latina. Quer dizer que a cada R$ 1 investido na erradicação da fome, teríamos o retorno de R$ 10. Portanto, não fossem por razões morais e humanitárias, também do ponto de vista econômico é um grande negócio erradicar a fome até 2030.

Malu Delgado para a Deutsche Welle Brasil, em 01.03.22

Zelenski pede à União Europeia que prove que está ao lado de ucranianos

Em discurso ao Parlamento Europeu, presidente da Ucrânia solicita que bloco aceite a entrada imediata de Kiev à União Europeia.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, pediu nesta terça-feira (01/03) à União Europeia para provar que está do lado dos ucranianos diante da extensa ofensiva militar lançada pela Rússia contra seu país. O apelo veio um dia após Kiev assinar um pedido oficial para ser incorporado ao bloco.

Num discurso por videoconferência durante uma sessão extraordinária do Parlamento Europeu, Zelenski reforçou o pedido para que a UE aceite a adesão imediata do país ao bloco e pediu a entrada como uma espécie de "prova" para demonstrar que os ucranianos não estão sozinhos na luta contra os russos.

"A Europa será muito mais forte com a Ucrânia. Sem vocês, a Ucrânia ficará sozinha. Nós provamos nossa força [...], então provem que estão conosco, provem que não vão nos deixar, provem que vocês são de fato europeus e, então, a vida vai vencer a morte, e a luz vai vencer a escuridão", afirmou Zelenski. A Ucrânia, segundo ele, já provou sua força e que "é exatamente igual" a da União Europeia.

"Preço a pagar"

O presidente destacou sua alegria por ver "todos os países da UE unidos" diante de uma perspectiva europeia para a Ucrânia no futuro, embora tenha lamentado que o preço a pagar por esse consenso tenha sido com "milhares de mortos, duas revoluções, uma guerra e cinco dias de invasão em grande escala da Rússia".

"Estamos dando nossas vidas por alguns valores, pela liberdade que vocês têm. Estamos colocando nossos melhores cidadãos, os mais fortes e os mais valiosos nesta encruzilhada. Os ucranianos precisam se sentir orgulhosos. Hoje, não apenas vocês têm falado sobre esse orgulho, mas também estão vendo", frisou Zelenski.

Ele também criticou o presidente russo, Vladimir Putin, por continuar citando uma operação contra a infraestrutura militar "quando crianças estão morrendo". Ele lamentou a morte de 16 menores de idade nesta segunda-feira e outras dezenas de pessoas nos ataques com mísseis nesta manhã na cidade de Kharkiv, no leste do país.

"É a cidade com mais universidades em nosso país. Naquele local, a juventude é brilhante e inteligente. Nesta manhã, dois mísseis atingiram a praça da Liberdade, e dezenas de pessoas morreram. Este é o preço a pagar pela liberdade, por nossa terra", acrescentou.

"Luta pela sobrevivência"

Zelenski afirmou ainda que, neste momento, os seus cidadãos são movidos não somente pela "luta pela sobrevivência", mas também pela luta "para serem membros de pleno direito da Europa". Ele contou que está convencido de que está sendo mostrado ao mundo exatamente "quem são os ucranianos e o que é a Ucrânia".

Ao término de seu discurso, Zelenski foi aplaudido de pé. Parte dos eurodeputados usava camisetas com dizeres como "Apoie a Ucrânia" e a bandeira do país. Já outros usavam broches ou adereços com as cores da bandeira ucraniana. O plenário do Parlamento Europeu recebeu também o embaixador ucraniano junto à UE e um grupo de cidadãos ucranianos.

Deutsche Welle Brasil, em 01.03.22

Como Putin está mudando a Europa

Invasão da Ucrânia gera pequena revolução na União Europeia. Nunca antes países europeus renunciaram a princípios políticos e tradições ideológicas tão rapidamente como nos últimos dias.


A guerra do presidente russo, Vladimir Putin, contra a Ucrânia desencadeou uma série de consequências não intencionais: uniu a Europa, pôs fim a bajulações econômicas e políticas de alguns países da União Europeia (UE), levou muitos de seus velhos amigos à clandestinidade e pôs um fim temporário às disputas mesquinhas.

O entusiasmo pela nova unidade pode ser temporário, pois o preço para as duras sanções ainda não foi pago. No entanto, a guerra de Putin é como um elixir da longa vida para a UE, vacas sagradas estão sendo abatidas e um novo vento sopra pelo bloco.

França: populistas perdem terreno

Desde que tomou posse, o presidente francês, Emmanuel Macron, tem pregado que a Europa deve se tornar mais autônoma economicamente e ser capaz de se defender. Seus colegas no bloco não o apoiavam. Agora está ficando claro o quanto Macron estava certo.

Entretanto, ele também tem que admitir erros: durante muito tempo, o francês havia cortejado Putin e acreditava que ele estava preocupado com a cooperação e o respeito na Europa. Após a  última e fracassada tentativa de negociar com o Kremlin, Macron se sentiu enganado.

Seus adversários políticos, no entanto, têm que renunciar a seu ídolo Putin da noite para o dia e não querem ser lembrados de seus tweets embaraçosos de antes. Até então, a linha pró-Putin do velho esquerdista Jean-Luc Melenchon, da populista de direita Marine Le Pen e seu rival de extrema-direita Eric Zemmour não desempenharam nenhum papel na campanha eleitoral.

Agora fotos de 2017 ao lado de Putin ficaram altamente embaraçosas para Le Pen. Naquele ano, sua campanha eleitoral recebeu doações do presidente russo. Um vídeo de Zemmour nas mídias sociais, onde ele elogiou Putin como um gênio e um francês quase virtual, é agora um sucesso negativo. E Melenchon admite que estava errado a respeito do russo. Todos os três estão agora se contendo e falando sobre paz.

Hungria: Orban muda de ideia

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, havia se tornado um problema na UE nos últimos anos. Cada vez mais autoritário, corrupto e antidemocrata convencido, o húngaro tem causado discórdia e torpedeado decisões conjuntas. O desmantelamento do Estado de direito na Hungria o colocou em rota de colisão com Bruxelas. E sua total rejeição dos refugiados impediu uma política migratória comum.

Mas no fim de semana Orban foi à cidade fronteiriça de Beresegsurany, onde refugiados da Ucrânia atravessam a fronteira, para acolhê-los e prometer-lhes a ajuda da Hungria. É verdade que muitos que chegam ali pertencem à minoria húngara dos Cárpatos, mas Orban teve que retroceder nesta questão.

Orban está agora preso entre anos de proximidade com Putin e o ultraje europeu pela guerra na Ucrânia. Há apenas algumas semanas, ele havia visitado o Kremlin, quando declarou a exigência de garantias de segurança legítimas e as sanções da UE como contraproducentes. Então, no sábado passado, seu porta-voz anunciou que Budapeste apoiaria todas as sanções contra a Rússia. Viktor Orban não conseguirá retroceder tão rapidamente o quanto exigem as próximas eleições em abril, pois a opinião pública na Hungria é pró-Ucrânia.

As neutras Suécia e Finlândia

Desde a Segunda Guerra Mundial, os suecos têm considerado sua neutralidade como o mais alto bem. Em princípio, o país evita tomar partido e se distingue como negociador neutro na comunidade mundial. Agora, a primeira-ministra Magdalene Andersson declarou que entregaria capacetes, coletes de proteção e 5 mil armas antitanque à Ucrânia.

"Tomamos nossas próprias decisões em matéria de política de segurança", respondeu Andersson às ameaças de Putin sobre o suposto preço alto que Suécia e Finlândia teriam que pagar caso aderissem à Otan.

A Finlândia também reagiu friamente às ameaças de Putin. Lá, o não alinhamento imposto e a influência política do Kremlin após a Segunda Guerra Mundial são agora vistos de forma crítica. E, pela primeira vez, uma maioria de 53% dos entrevistados apoia agora que o país ingresse na Otan.  O desejo de proteção pela aliança militar ocidental parece mais importante do que a antiga tradição de neutralidade.

E quando perguntado sobre uma possível "finlandização" da Ucrânia, o ex-primeiro-ministro Alexander Stubb nega: "O termo é traumático para nós", seria um retorno às regras da Guerra Fria e não uma boa solução para a Ucrânia. "Finlandização" remete à época na década de 1970 quando a Finlândia fez concessões à União Soviética para manter uma política de boa vizinhança.

Alemanha: Fim de velhos princípios

"A Alemanha está assumindo seu papel como potência global" escreveu a agência de notícias Reuters nesta segunda-feira (28/02), resumindo os comentários mundiais expressando entusiasmo e espanto na virada histórica do chanceler federal alemão, Olaf Scholz, no domingo.

Da noite para o dia, ele removeu todas as crenças de décadas da política alemã: sim às armas para a Ucrânia, sim a uma Bundeswehr pronta para a ação, sim ao aumento dos gastos com a defesa e não à dependência energética da Rússia, não aos que entendem Putin e apologistas de seu governo autoritário.

A tradução inglesa do discurso de Scholz foi compartilhada como pão quente no Twitter entre os observadores anglo-saxões, tão grande foi o assombro com a reviravolta em Berlim. O chefe de governo alemão jogou no lixo cerca de 30 anos de política alemã em relação à Rússia, especialmente a de seu próprio partido. No dia seguinte, a política externa e de segurança da República Federal da Alemanha está irreconhecível.

Reações em outros países

O presidente tcheco, Milos Zeman, durante anos um ardente apoiador do presidente Putin, agora chama seu antigo amigo de "lunático que deve ser isolado" e que põe em perigo a paz na Europa.

O populista italiano de direita Matteo Salvini, que se deixou fotografar mais de uma vez usando uma camiseta estampando Putin, tenta apagar antigos elogios ao presidente russo nas mídias sociais e colocou flores na embaixada ucraniana em Roma.

Após a anexação da Crimeia, o ex-primeiro-ministro escocês Alex Salmond ainda havia elogiado Putin como um patriota russo. Agora, ele suspendeu seu talk show no canal de propaganda russo RT até que a paz seja restaurada.

O ex-candidato presidencial francês François Fillon, o ex-chanceler austríaco Christian Kern e outros renunciaram a seus cargos em empresas estatais russas em protesto. Somente o ex-chanceler alemão Gerhard Schröder permanece com seu cargo na Gazprom, falando que houve "erros de ambos os lados".

E por último: o premiê búlgaro Kiril Petkov demitiu seu ministro da Defesa porque ele se recusiou a definir o conflito na Ucrânia como "guerra".

Barbara Wesel para a Deutsche Welle Brasil, em 01.03.22.

Mais bilionários russos se manifestam contra a guerra de Putin na Ucrânia

O resto das dezenas de bilionários russos continuam em silêncio.

Alexei Mordashov, pessoa mais rica da Rússia, chamou a luta de “tragédia de dois povos irmãos”

À medida que os Estado Unidos e a Europa aumentam as sanções contra os mais ricos da Rússia – incluindo a promessa de “caçar” seus iates e mansões – oligarcas que acumularam suas fortunas permanecendo leais ao presidente russo Vladimir Putin estão começando a se manifestar contra a invasão da Ucrânia.

Nenhum citou diretamente Putin, mas suas declarações públicas pedindo paz são um indício sem precedentes de dissidência contra o presidente.

O ucraniano Mikhail Fridman, fundador do Alfa Bank, o maior banco privado da Rússia, tornou-se o primeiro oligarca a se manifestar – aparentemente sem querer – contra as ordens de invasão de Vladimir Putin, segundo o Financial Times.

“Não faço declarações políticas, sou um empresário que tem responsabilidades com milhares de funcionários na Rússia e na Ucrânia. Estou convencido, porém, de que a guerra nunca pode ser a resposta. Essa crise custará vidas e prejudicará duas nações que são irmãs há centenas de anos”, escreveu ele em um e-mail para funcionários de sua empresa de private equity LetterOne, que mais tarde se tornou público.

Nele, ele citou seu próprio histórico – Fridman viveu na Ucrânia Ocidental até os 17 anos. Os pais são cidadãos ucranianos e moram em Lviv, que ele chama de sua “cidade favorita”, e é uma das cidades ocupadas pelos militares russos.

A União Europeia impôs sanções a Fridman pessoalmente ontem (28), que incluem o congelamento de seus bens e a proibição de viajar. Seu parceiro de negócios, Alexey Kuzmichev, disse à Forbes Rússia em uma entrevista que concorda com Fridman, mas acrescentou: “Não vou fazer nenhuma declaração política”.

Oleg Deripaska, que construiu sua fortuna com matérias-primas russas e foi casado com Polina Yumasheva, enteada de uma das filhas de Boris Yeltsin, também pediu o fim da guerra em um post no Telegram, propondo paz. “O mundo é muito importante! As negociações precisam começar o mais rápido possível!”, escreveu. Ontem, ele chamou a situação econômica em rápida decadência na Rússia de “crise real” e pediu maiores reformas econômicas. “É preciso mudar a política econômica, acabar com todo esse capitalismo”, escreveu.

Ontem, no mesmo dia em que foi atingido pelas sanções da UE, a pessoa mais rica da Rússia, o barão do aço Alexei Mordashov, chamou a luta de “tragédia de dois povos irmãos” e disse que eles devem fazer tudo que for necessário para sair do conflito e parar o derramamento de sangue. “É terrível que ucranianos e russos estejam morrendo, que pessoas estejam passando por dificuldades e a economia esteja entrando em colapso. Devemos fazer todo o necessário para que uma saída desse conflito seja encontrada em um futuro muito próximo e o derramamento de sangue pare para ajudar as pessoas afetadas a restaurar a vida normal”, disse o bilionário.

“Não tenho absolutamente nada a ver com as atuais tensões geopolíticas. Não entendo por que as sanções foram impostas contra nós”, acrescentou.

Outros bilionários russos também pediram o fim da guerra. O bilionário Oleg Tinkov, fundador do Tinkoff Bank, que atualmente está em tratamento contra um câncer, disse que sua doença trouxe alguma perspectiva sobre a fragilidade da vida humana. “Pessoas inocentes estão morrendo na Ucrânia agora, todos os dias, isso é impensável e inaceitável! Os Estados devem gastar dinheiro no tratamento de pessoas, em pesquisas para derrotar o câncer, e não em guerra”, disse ele.

Dmitry e Igor Bukhman, os irmãos por trás da desenvolvedora de videogames Playrix, que faz jogos de aplicativos gratuitos como Homescapes e Fishdom, disseram que dariam a cada um de seus 4 mil funcionários um salário extra e enfatizaram que a violência “nunca pode ser a solução para um problema.”

“É difícil ficar calado na situação atual, o que está acontecendo é uma grande tragédia para todos, inclusive para nossa empresa. Era difícil imaginar”, escreveram os irmãos em um post no Facebook.

Igor Rybakov, o bilionário coproprietário da produtora de telhados e isolamento Technonicol, disse em seu canal no YouTube na semana passada que entende que “o limite foi ultrapassado e esta será uma grande história que tocará a vida de milhões de pessoas. É triste.” Ao mesmo tempo, ele disse aos espectadores que não entrassem em pânico e comprassem títulos depreciados de empresas russas. “Tudo isso me irrita. Quero que toda essa incerteza acabe”, acrescentou, segundo a Forbes Russia.

O significado dessas declarações é grande. Já se passaram quase duas décadas desde que o crítico de Putin e então homem mais rico da Rússia, Mikhail Khodorkovsky, foi preso por suposta evasão fiscal depois de financiar partidos de oposição contra Putin e teve sua fortuna confiscada. (Ele negou todas as acusações). Desde então, poucos ou nenhum oligarca ousaram se opor a Putin. O próprio Khodorkovsky tem pedido aos russos que saiam às ruas, dizendo no Instagram que “a guerra contra a Ucrânia deve ser interrompida a qualquer custo”.

É impossível saber se esses bilionários são sinceros em seus apelos para acabar com os combates ou se estão dando uma resposta a sanções iminentes ou a uma economia em colapso que está em queda livre.

Ainda há muitos que ainda não falaram. Roman Abramovich, o bilionário proprietário do time de futebol inglês Chelsea, entregou a “administração” (mas não a propriedade) do time a uma fundação de caridade – um gesto em grande parte sem sentido – e não tomou partido publicamente, mas estaria envolvido em negociações de paz na Belarus, após o governo ucraniano pedir sua ajuda. (Sua filha Sofia Abramovich supostamente colocou um post anti-guerra nas redes sociais, de acordo com a jornalista britânica Carole Cadwalladr). O resto das dezenas de bilionários russos, incluindo vários sancionados pela UE ontem, incluindo o antigo investidor do Facebook, Alisher Usmanov, permanecem em silêncio.

Leia mais em: https://forbes.com.br/forbes-money/2022/03/mais-bilionarios-russos-se-manifestam-contra-a-guerra-de-putin-na-ucrania/

Rachel Sandler para a Forbes Brasil, em 01.03.22