Num relevante gesto de unidade, populares, socialistas, liberais, verdes, ultraconservadores e a esquerda, assinaram um texto comum.
E isso foi transferido para a votação: 637 votos a favor, 13 contra e 36 abstenções.
O Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, intervindo por videoconferência perante o Parlamento Europeu. (Foto: Sthephanie Lecoco )EFE)
Há dias em que parlamentares e políticos falam pelos livros de história, não pelo jornal das sessões. Esta terça-feira foi um desses dias no Parlamento Europeu. Quem mais o enfatizou foi o presidente da Ucrânia, Volodímir Zelenski . “Estamos a lutar pela liberdade que vocês têm”, proclamou na sua presença por videoconferência perante os deputados do PE reunidos. Em seu discurso emocionado, ele lembrou as vítimas do ataque russo—16 crianças morreram na segunda-feira— e reivindicou sua incorporação à União Européia. “Lutamos para ser membros de pleno direito da Europa. Mostrem que a UE está connosco e que não nos vão deixar em paz”, acrescentou, vestido com uma inconfundível camisa verde militar. Suas palavras foram recebidas pela câmara com uma ovação de pé, que durou apenas um minuto, o tempo que ele estava ouvindo antes de se levantar e deixar a lente da câmera.
O apoio ao seu pedido no Parlamento Europeu deu-lhe a certeza. A expressão mais ouvida no início ou no final dos cerca de cinquenta discursos programados é “Glória à Ucrânia”. A resolução que contém um ponto que "solicita às instituições da União que trabalhem para conceder à Ucrânia o estatuto de país candidato à União". Num relevante gesto de unidade, populares, socialistas, liberais, verdes, ultraconservadores e a esquerda, assinaram um texto comum. E isso foi transferido para a votação: 637 votos a favor, 13 contra e 36 abstenções.
Apelos à luta da democracia contra a autocracia, da liberdade contra a submissão ou do Estado de direito contra a tirania salpicaram todos os discursos dos dirigentes da União Europeia que foram ouvidos num hemiciclo repleto de bandeiras ucranianas e laços com a mesma bandeira no lapelas. “Não vamos olhar para o outro lado. Estamos enfrentando uma ameaça existencial à Europa que conhecemos”, gritou a primeira oradora, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola. “Proteger nossa liberdade tem um preço. Vamos pagar porque a liberdade não tem preço”, alertou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Ninguém pode colocar a vítima em pé de igualdade com o agressor. E vamos lembrar daqueles que não estão ao nosso lado neste momento solene."
Zelensky assinou o pedido dessa candidatura na segunda-feira, convencido de que o futuro da Ucrânia, agora mais do que nunca, depende de sua integração europeia. A aproximação da Ucrânia à UE em 2013 foi precisamente o gatilho para a primeira agressão russa contra aquele país. O presidente o fez falando com Von der Leyen, que dias antes havia pronunciado uma frase que repetiu nesta terça-feira: "Os ucranianos são nossos e os queremos dentro". Uma frase que explica muito do que aconteceu nos dias de hoje, incluindo a resposta diferente aos refugiados que esta guerra está produzindo em comparação com a da Síria em 2015, quando vários países se recusaram a aceitar pessoas fugindo da guerra.
Em 2014, a intenção de Kiev de assinar um acordo de parceria comercial com o clube comunitário foi boicotada pelo presidente russo, Vladimir Putin. E logo depois, ele lançou um ataque secreto para anexar a península da Crimeia, na Ucrânia, e encorajou militarmente o separatismo nas regiões de Donbas, no leste da Ucrânia. Zelensky agora defende a consumação da integração na UE por meio de um procedimento de adesão acelerado. Oito países da Europa Central e Oriental, com a Polónia na liderança, apoiaram o pedido na segunda-feira e defendem o reconhecimento imediato da candidatura da Ucrânia -a Hungria aderiu esta terça-feira-, um estatuto que colocaria o país à beira da entrada e facilitaria acesso a fundos europeus substanciais para promover a convergência política e económica.
Mas a maioria das capitais considera que o debate sobre a candidatura ucraniana é prematuro e pode até ser contraproducente porque a impossibilidade de realizá-lo a médio e longo prazo geraria frustração na opinião pública daquele país.
O vice-presidente da Comissão, Josep Borrell, resumiu os sentimentos de muitos líderes europeus em relação à possível candidatura. "Temos que trabalhar em coisas mais práticas", apontou o chefe da diplomacia europeia na segunda-feira. "A adesão seria algo que, de qualquer forma, levaria muitos anos para acontecer e o que precisamos são respostas para as próximas horas, não para os próximos anos." Borrell acredita que "a Ucrânia tem uma perspectiva claramente europeia, mas agora é hora de lutar contra a agressão".
A experiência da Turquia, com sua candidatura paralisada há pelo menos mais de uma década, e o lento avanço de candidatos da ex-Iugoslávia (como Sérvia e Montenegro) impõe cautela nas principais capitais europeias.
Além disso, a Ucrânia está longe de cumprir os chamados critérios de Copenhaga, que definem as normas políticas (democracia estável e Estado de direito), normas económicas (uma economia viável e competitiva) e normas jurídicas (capacidade de assumir o património regulamentar da UE ) que devem ser atendidos para iniciar a negociação pré-entrada. Além disso, a pedido da França, o exame prévio e o processo de negociação foram recentemente reforçados para evitar a repetição de casos como os da Hungria ou da Polónia, que, uma vez dentro do clube, baixaram a qualidade do seu Estado de direito e adoptou políticas discriminatórias ou xenófobas que Bruxelas considera incompatíveis com o Tratado da UE.
Ainda assim, os principais grupos parlamentares europeus consideram conveniente reconhecer a candidatura solicitada por Zelenski como um gesto de apoio ao ataque do gigante russo. O Partido Liberal Europeu (ALDE) chegou mesmo a admitir na segunda-feira aderir à formação do partido do presidente ucraniano. E o partido do ex-presidente Petró Poroshenko, Solidariedade Europeia, faz parte do Partido Popular Europeu.
MANUEL V. GOMEZ e BERNARDO DE MIGUEL, de Bruxelas, em 01.03.22 para o El País.
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