quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

A coisa em Cuba está pegando fogo

A inflação e a desconfiança no peso cubano são objeto de profundo desconforto e foram uma das causas do descontentamento popular na base dos protestos maciços de 11 de julho

Um homem caminha carregando uma caixa de ovos pela rua Obispo, em Havana, na quinta-feira, 27 de janeiro de 2022. (Yander Zamora)

— Vamos, vamos nos ver um pouco, porque hoje eu vou falar com você sobre isso , Lázaro propõe, e ele solta uma de suas risadas contagiantes cheias de duplo sentido.

A coisa a que ele se refere não é outra coisa senão "a situação", a vida em Cuba e seu tibiri tábara, a provação cotidiana da subsistência, com suas angústias, absurdos e invenções para sobreviver, "um heroísmo nestes tempos", ele diz.

Nos encontramos em San Rafael, ao lado do Hotel Inglaterra, na divisa entre o Centro Habana e Havana Velha.

Ele conta que antes de 1959 essa rua era famosa por suas elegantes lojas e grandes armazéns, especialmente El Encanto e Fin de Siglo, (precursores das Galerías Preciados e El Corte Inglés, na Espanha), e também por seus bares, vitrines luxuosas e cinemas, como o Duplex ou o Rex, agora fora de serviço. "Você vê o que sobrou: vitrines vazias, fachadas quebradas e ofertas de terceira categoria, as mesmas de todos os lugares", diz ele.

O ponto de encontro foi escolhido por Lázaro não por isso, mas também não por acaso; ele gosta de ficar em lugares que têm “história”.

Lembre-se que na década de 1990, quando outra grave crise sacudiu o país após a desintegração do campo socialista, dezenas de trabalhadores autônomos se estabeleceram neste local para ganhar a vida nas ruas. O Período Especial estava causando estragos, e para atenuá-lo em 1993 Fidel Castro legalizou o dólar e um ano depois autorizou o exercício privado de uma centena de atividades, entre as quais algumas tão peculiares como forro de botão, enchimento de caixa de fósforos (isqueiros), vela de ignição limpeza e “manicure” (sic).

Assim foi que, enquanto a ilha estava submersa em uma longa noite de apagões (até 12 horas por dia), e por falta de óleo nos campos, tratores foram substituídos por bois, e a televisão recomendou receitas como casca de banana moída , e o dólar chegou a 160 pesos cubanos no mercado negro, as novas manicures particulares estavam localizadas no coração do San Rafael Boulevard com mesa, banqueta e tudo o que era necessário para atender seus clientes.

Várias pessoas caminham ou fazem fila para entrar nas lojas da Rua Obispo, em 28 de janeiro, em Havana, Cuba. (Yander Zamora)

Era la peor época de la crisis, la realidad era tan dura que no había forma de escapar a ella, y cuando dos o más cubanos coincidían en la bodega, en una cola o en una fiesta, era imposible no hablar de lo mal que estaba a coisa. Era todo dia, a qualquer hora e em qualquer lugar, e uma das manicures de San Rafael, farta que as pessoas, além de fazerem as unhas, aproveitassem sua companhia para fazer terapia, colocaram um cartaz em sua mesa que advertiu: “Proibido falar sobre a coisa”.

"Bem, é assim que estamos agora", diz Lazaro, "ele diz", chateado, o dia todo falando merda sobre isso.

Embora admita que a situação hoje “não é como no Período Especial” –entre 1990 e 1993 o PIB cubano caiu 35%–, afirma que “a situação é cada vez mais grave”, com desabastecimento desenfreado, perda de poder aquisitivo dos salários e inflação descontrolada após a implementação pelo Governo da chamada Tarefa de Ordenação.

As lojas de moeda nacional estão praticamente vazias. E o Estado abriu outros em MLC [Moeda Livre Conversível], onde você pode comprar com cartões de crédito lastreados em dólares ou outras moedas estrangeiras (um dólar equivale a um MLC). “Mas a maioria da população ganha em pesos e não tem acesso a dólares, a menos que seus parentes os enviem do exterior ou trabalhem para uma empresa estrangeira”, explica Lázaro.

"Os salários subiram, é verdade, mas os preços subiram muito mais", diz ele. “E o dólar, que há apenas três meses era trocado a 70 pesos por 1 no mercado negro, agora está a 100… O câmbio oficial é 24 por um, mas como o governo não tem moeda estrangeira para trocá-lo, o um responsável é a mudança da rua.

Ele vem para a consulta com papel e lápis. Afiado. Um médico ganha entre 5.000 e 6.000 pesos cubanos (entre 50 e 60 dólares, no câmbio informal), um recém-formado 2.800, um técnico superior 3.600, um juiz cerca de 6.000 (e se for da Suprema Corte cerca de 9.000), um varredor ou auxiliar de limpeza, 2.100 (que é o salário mínimo), um arquiteto, entre 4.000 e 5.000, o mesmo que um professor universitário. O salário médio em Cuba é de cerca de 3.800 pesos, e a aposentadoria mais baixa é de 1.528 pesos.

Um pedicab passa na frente de vários carros clássicos esperando clientes, em 27 de janeiro, no Central Park de Havana, Cuba. (Yander Zamora)

—No setor privado você pode ganhar quatro, cinco ou seis vezes mais. Um garçom em um paladar, por exemplo, pode receber 20.000 pesos por mês, ou mais, mas isso não é suficiente para ele, diz ele.

Atravessamos o Prado e sentamos no Central Park, bem perto da estátua de José Martí, herói nacional de Cuba. Lázaro para uma mulher que passa com o filho e a questiona:

— Quanto custa a caixa de ovos?

— Uau! — exclama a senhora — 500 e até 600 pesos... O que você quiser pergunte aos revendedores [uma caixa contém 30 ovos].

"E o quilo de carne de porco?" [uma libra é 454 gramas]

— De 180 a 200. E se for desossado, 250.

-O pão…?

A mulher, muito educada, faz catarse. Ela se sente insultada: diz que esta manhã comprou um pão no mesmo lugar de sempre, uma padaria particular que fica ao lado de sua casa: “Na semana passada eram 50 pesos, hoje me custou 80. Quando protestei, o dono Ele encolheu os ombros e me disse que a farinha e tudo mais subiu…”. Lázaro cresce e faz a pergunta de um milhão de dólares para uma mãe cubana.

"E o quilo de leite em pó?"

O rosto da senhora se transforma... “Uau, lá vai você por 1.000 pesos e não encontra”. Ele destaca que a caderneta de racionamento garante às crianças de até sete anos três quilos de leite em pó por mês a preços subsidiados (a 2,50 pesos cubanos por quilo, ou seja, quase de graça). "Mas meu filho tem nove anos, estou a bordo", lamenta.

Lázaro agradece. E continua com suas próprias contas: “Um corte de cabelo, 200 pesos; um maço de cigarros pretos, 140; um sabonete, 50; jeans ruins, 2.500 ou 3.000; uma pasta de dentes Colgate, 300; um litro de óleo, 200; uma refeição em um bom restaurante não passa de 1.500 por pessoa, então você não pode nem convidar a noiva…”.

Ele me pede para descer a Rua Obispo em direção à Plaza de Armas para que ele entenda melhor.

No auge da livraria La Moderna Poesía, hoje em ruínas, há uma multidão rodopiante. E uma tremenda raiva gritando e empurrando. Um funcionário passa pedindo carteiras de identidade das pessoas no meio da rua, várias pessoas discutem sobre seu lugar na fila, estão à beira do fajazón (briga). "Eles tiraram cigarros", explica alguém.

Dois homens conversam em um parque na Calle Obispo. (Yander Zamora)

Lázaro diz que a mesma coisa sempre acontece quando o Estado libera cigarros a preços “normais” -24 pesos cubanos o maço de H.Upman-. “Como quase não há cigarros, quem fuma tem que comprá-los no mercado negro a 140 pesos a caixa, por isso quando vendem a esses preços em estabelecimentos estatais, as pessoas se matam. "A maioria dos que você vê aqui são revendedores, é um bom negócio", diz ele, e então alguns policiais chegam para controlar a situação e, felizmente, as coisas se acalmam.

“É assim com tudo. Nas lojas de moeda nacional não há nada que valha a pena. Os únicos abastecidos, e você tem que ficar em longas filas, são as lojas do MLC, mas se você não tiver acesso a moeda estrangeira, basta comprar no mercado negro a preços astronômicos”, diz meu amigo.

Quando em 1º de janeiro de 2021 o governo elevou todos os salários e preços, eliminou os subsídios, estabeleceu a unidade monetária , acabou com o peso conversível e ditou uma taxa de câmbio oficial de 24 pesos cubanos por dólar, reconheceu que esta chamada Tarefa de Ordenação (batizada pelos cubanos como "Tarefa de Desordem") implicaria um processo inflacionário. Mas ele garantiu que manteria a inflação sob controle. Não foi.

“A taxa oficial ainda é de 24 por um, mas a taxa de Bishop é de 100 por um”, diz Lázaro sarcasticamente, que chama a taxa de “o saco preto, que é o chefe”, a taxa de Bishop. "Nos últimos meses, o dólar subiu 30%, todas as necessidades básicas ficaram brutalmente mais caras, então as pessoas estão nervosas... as filas são impiedosas, há brigas todos os dias."

Paramos no Parque Sancho Pança, na Rua Aguacate, na esquina da qual fica a loja La Francia, da MLC, que vende eletrodomésticos. "Olhe para isso", diz ele. Uma máquina de lavar Samsung custa 679 MLC (equivalente em dólares), um microondas, 113, e um ar condicionado Panasonic 830. "E a mesma coisa acontece em lojas de alimentos", diz ele. "Ontem comprei uma manteiga em cinco MLC, porque em moeda nacional, nada... O Estado nos paga em pesos e tudo tem que ser comprado em moeda estrangeira, é assim que é."

Nesse ponto, Lázaro se torna bestializado. Mas como o bom intelectual que é, veio preparado e tira da mochila algumas folhas impressas. Eles descrevem muito graficamente o que aconteceu na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, quando um processo hiperinflacionário foi desencadeado em 1922, após o colapso da confiança na economia e no antigo papel (Papiermark). Ele pega um artigo publicado coincidindo com os cem anos daquele desastre. Conta que uma pessoa vai a uma cafeteria e pede um café: custou 5.000 marcos. Duas horas depois pede um segundo café, e quando pede a conta são 13.000. O homem protesta e o dono lhe diz: o primeiro foi de 5.000, mas desta vez subiu para 8.000, ele deveria ter pedido antes.

"Bem, aqui estamos quase assim", diz ele, e outra de suas risadas ressoa na Rua Obispo.

Paramos em um restaurante particular, e novamente Lázaro questiona seu dono. Ele nos conta que já alterou os preços do cardápio duas vezes e que esta semana terá que fazê-lo novamente: "Tenho que comprar tudo em dólares e vender em pesos e, nesse ritmo, perco todos os dias". Tome a cerveja como exemplo. “Há um ano custava ao cliente 60 pesos, há três meses, 90, e hoje 160, e em outros paladares já o vendem por 200″.


Uma mãe e seu bebê olham para a vitrine de uma cafeteria. (Yander Zamora)

A inflação, a desconfiança no peso cubano e a existência de lojas no MLC são objeto de profundo desconforto e foram uma das causas do descontentamento popular na base dos protestos maciços de 11 de julho . No momento, indica Lázaro, há um intenso debate nos meios acadêmicos sobre a crise que vivemos e o que fazer para frear a espiral inflacionária. "Até a revista Alma Mater, a voz oficial da Federação de Estudantes Universitários, recentemente entrou no trapo ao consultar seis economistas proeminentes se era 'viável eliminar imediata e totalmente as lojas da MLC'.

A diretora do Centro de Estudos da Economia Cubana, Betsy Anaya, considerou "inadmissível e inaceitável que produtos essenciais sejam comercializados em uma moeda que não seja o CUP [peso cubano] e para a qual não exista um mecanismo oficial de câmbio". . Isso, observa Anaya, significa que "cada vez que a taxa de câmbio informal é maior e, portanto, o custo dos itens para quem não tem acesso a moeda estrangeira é maior". Todos concordam que a situação, como é apresentada, é insustentável para o cidadão comum – a maioria das famílias cubanas gasta 90% de sua renda, ou até mais, na aquisição da cesta básica.

Economistas cubanos insistem que, no fundo da "coisa", há grandes problemas: não há estímulos à produção ou à produtividade, as reformas empreendidas até agora são insuficientes e lentas , as reservas cambiais do país estão no mínimo, então as importações caiu 40%, a escassez é leonina, as pessoas não confiam nos pesos cubanos nem no futuro, e cada vez mais profissionais estão saindo e o dólar continua subindo. Isso sem ignorar que os efeitos da pandemia e o aperto do embargo dos EUA deram um golpe devastador.

No caminho para casa encontramos Carlos, um padeiro particular que vende bolos na rua Obispo, a 30 pesos a unidade. Seu resumo: “Com o que você ganha você compra metade do que costumava comprar, as filas são insuportáveis, até onde vai o dólar e as pessoas vão aguentar, ninguém sabe… .”

Lázaro pisca para mim e diz: “Galego, escute ele, não me escute”.

MAURICIO VICENT Mauricio Vicent, de Havana (Cuba) para o EL PAÍS, em 16.02.22

Estados Unidos acusam 'hackers' russos de roubar dados de Defesa e Inteligência

Várias agências de segurança dos EUA acusaram hackers russos de roubar informações de empreiteiros que trabalham para o Departamento de Defesa dos EUA e serviços de inteligência. Isso foi afirmado em uma declaração conjunta do FBI, da Agência de Segurança Nacional (NSA) e da Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura (CISA). 

No texto, eles destacam que, entre janeiro de 2020 e até este mesmo mês de fevereiro, detectaram ciberataques “regulares” a contratados de defesa por cibercriminosos apoiados por Moscou. 

Os órgãos de segurança indicaram que esses contratados estão vinculados a áreas como sistemas de combate, comando, controle e comunicações, além de tarefas de vigilância e reconhecimento. Eles também oferecem apoio no desenvolvimento de armas, mísseis e Programas, projeto de veículos e aeronaves, análise de dados, entre outros. 

A declaração aponta que essas "intrusões contínuas" permitiram que hackers apreendessem informações "sensíveis" e não confidenciais, bem como tecnologia patenteada por empreiteiros. “As informações adquiridas fornecem uma visão significativa dos dados sobre o desenvolvimento da plataforma de armas, cronogramas de implantação, especificações de veículos e planos de tecnologia da informação e infraestrutura de comunicações”, detalha a nota. 

As agências dos EUA alertaram que, com os documentos internos que os cibercriminosos acessaram, os "adversários" podem adaptar seus planos e prioridades militares, acelerar o desenvolvimento de tecnologias e informar os políticos estrangeiros sobre as intenções dos EUA, entre outros. (Ef)

Publicado originalmente por EL PAÍS, em 16.02.22

Política externa brasileira na contramão do mundo

Enquanto Putin ameaça militarmente a Europa e provoca os EUA, Bolsonaro anuncia que vai visitá-lo em Moscou. Essa poderá causar danos sem precedentes para a política externa do Brasil, escreve Philipp Lichterbeck.

Por Philipp Lichterbeck


    Vladimir Putin é recebido por Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto em novembro de 2019

Eu me encontro, no momento, na Alemanha. O tema número um em todos os veículos de notícias é a ameaça de as tropas russas invadirem a Ucrânia. A Rússia elevou sua presença militar ao redor da Ucrânia e em Belarus, assim como no Mar Báltico e na fronteira com os países bálticos.

O presidente russo, Vladimir Putin, criou um nível de ameaça que não se via desde a Guerra Fria. Ainda não está claro o que ele almeja exatamente, mas, na Europa, aumenta o medo de uma guerra. Este não é um cenário abstrato, mas assustadoramente real. No Brasil, onde a distância para esse conflito é muito grande, é difícil imaginar essa situação.

A guerra, de todo modo, parece algo bastante distante para os brasileiros, o que, claramente tem a ver com o fato de o país quase não ter se envolvido em conflitos com poderes externos, com a exceção da guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai. A única guerra que o país vem travando desde a colonização é a guerra diária contra si próprio, contra sua própria população: os indígenas, negros, pequenos fazendeiros, os pobres nas zonas rurais e os favelados.

Se Putin iniciar uma guerra na Europa, isso afetará o mundo inteiro, e também o Brasil, que já se encontra numa profunda crise econômica, social e moral. Pode-se criticar a Otan por, com frequência, não levar a sério as sensibilidades e preocupações de segurança russas. Mas, está bem claro quem é que representa o perigo atual de uma guerra: Vladimir Putin.

Da mesma forma, ficou claro nos últimos anos que a Rússia tenta manipular eleições no Ocidente, através de campanhas direcionadas de desinformação nas redes sociais e através de sua emissora de propaganda política, a RT, sempre em favor dos partidos e candidatos de direita ou extrema direita.

O objetivo é sempre dividir e enfraquecer o Ocidente, por exemplo, através do Brexit. Na Rússia, figuras de oposição são perseguidas, presas e assassinadas, e as organizações de direitos humanos, banidas. Em 2019, o governo russo esteve por trás do assassinato de um desafeto tchetcheno em Berlim.

"Ele é conservador", elogia Bolsonaro

Apesar de tudo isso, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, quer fazer uma visita a Putin ainda em fevereiro. Sua justificativa para fazê-lo, num momento em que Putin ameaça jogar a Europa e o mundo numa guerra, é bastante primitiva, até para os padrões de Bolsonaro. 

"Ele é conservador, sim. Eu vou estar mês que vem lá, atrás de melhores entendimentos, relações comerciais. O mundo todo é simpático com a gente.” Trata-se da habitual conversa sem conteúdo de Bolsonaro.

É notável, porém, que ninguém no governo brasileiro, nas Forças Armadas, na imprensa ou na economia, tenha se pronunciado de maneira clara contra essa viagem. O chefe de Estado do Brasil, que parece agora ter abandonado por completo a realidade, quer claramente isolar o país da comunidade internacional. É impossível imaginar o estrago em termos de política externa para o Brasil, quando as imagens de Bolsonaro, com sua risada infantil de sempre, ao lado do frio estrategista Putin, correrem o mundo. Como devemos entender essa visita? Como apoio do Brasil à política agressiva da Rússia em relação à Ucrânia e ao Ocidente?

Não basta Bolsonaro e seu círculo terem insultado e provocado repetidas vezes os líderes europeus e o governo de Joe Biden. Não basta ele ter estragado a imagem do Brasil ao redor do mundo com suas políticas para a Amazônia, como também foi ridicularizado com sua política para a pandemia. Não basta ele passear com sua entourage pelas ditaduras árabes contando piadas homofóbicas, porque ninguém mais no mundo estava disposto a recebê-lo. Não basta receber pessoalmente políticos da ultradireita alemã.

Agora, ele quer dar um golpe mortal na imagem internacional do Brasil, que dez anos atrás ainda era excelente, e fazer com que o país se torne inviável como parceiro confiável. Afinal, depois disso com quem esse governo vai querer conversar, negociar e pedir ajuda em meio a uma crise? Com a Rússia, que, a propósito, ameaça armar a Venezuela e Cuba, o que, por si só, já enterra o argumento de Bolsonaro de que Putin seria conservador.

Jair Bolsonaro e seu círculo, como sempre, vão fingir que não entendem porque todo mundo está tão exaltado. Ele dirige na contramão da diplomacia. O fato de que pretende esnobar toda a Europa Ocidental e os Estados Unidos é uma catástrofe de dimensões sem precedentes para a política externa brasileira.

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Philipp Lichterbeck, o autor deste artigo, queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio. Publicado originalmente pela Deutsche Welle Brasil, em 16.02.22 / O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Uma resposta necessária a um texto desnecessário

 "No mais, nunca "ignorei os contornos de uma sociedade verdadeiramente democrática" (seja lá o que isso queira dizer); sempre defendi o liberalismo e a democracia. É por conta da minha defesa do liberalismo que me oponho às atrocidades dos regimes nazista e comunista."

Por Kim Kataguiri

Recentemente, uma procuradora de Justiça aposentada, dra. Maria Betânia Silva, escreveu um texto na ConJur explorando a polêmica insuflada pelas redes sociais a respeito do ocorrido no podcast do Flow.

O texto é confuso e mistura uma série de conceitos sem maior propriedade técnica, bem como clichês, retórica política e argumentos emotivos. Por todas essas falhas, não mereceria maior atenção. No entanto, devo oferecer uma resposta para não permitir que uma polêmica totalmente desnecessária possa pôr em risco a minha reputação e o meu mandato. Ao contrário do que ocorreu no texto da dra. Maria Betânia Silva, tentarei expor os argumentos de forma minimamente organizada.

Comecemos pelo óbvio: nem eu, nem o Monark e muito menos a deputada Tábata Amaral fizemos qualquer defesa da ideologia nazista. O que o apresentador Monark disse (de forma mal articulada e atabalhoada) é que, para ele, uma sociedade realmente livre deveria permitir a formação de todos os tipos de partido político, inclusive os nazistas (a quem ele repudia). Já eu nem isso disse; apenas afirmei que acredito em uma liberdade de expressão em que mesmo ideias odiosas possam circular, facilitando a sua refutação por toda a sociedade.

Errei? Sim, errei. Eu deveria ter deixado claro que não apoio, de forma alguma, a legalização de um partido nazista. Meus eleitores esperavam isso de mim. Eu os decepcionei e, por isso, pedi desculpas. Especialmente, fui insensível com a comunidade judaica, que sempre me apoiou e que, nesse episódio, me foi extremamente solidária, se recusando a embarcar no linchamento que alguns setores radicais de esquerda tentaram promover. À comunidade judaica pedi, e peço, especiais desculpas.

Que fique claro: não defendi a criação de partido nazista algum. Isso é óbvio para quem tenha assistido ao trecho do vídeo. E, se é tão óbvio, por que pessoas como a dra. Maria Betânia insistem em me atacar?

A resposta está no próprio texto da dra. Maria Betânia: eles não gostam do MBL, nem de suas lideranças (e eu sou uma delas, inegavelmente), tampouco da luta que empreendemos nos últimos anos. A dra. Maria Betânia deixa claro que considera o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef parte de um atentado à ordem constitucional. O MBL, por sua vez, considera que o atentado à ordem constitucional se dá pela criação de um sistema de governo baseado na compra sistemática de parlamentares (o que chamamos de "ditadura da propina") e pelo esquema orçamentário, mimosamente chamado de "pedaladas fiscais", que nada mais é do que uma afronta ao povo brasileiro e ao Congresso Nacional, pois permite ao presidente da República apresentar uma imagem orçamentária que não corresponde à realidade. A remoção de um presidente por meio do procedimento constitucionalmente previsto nada tem de errado.

Quanto à degradação brasileira, creio que ela tem raízes na prática adotada por alguns setores da esquerda, consistente em governar por meio de propina e ameaças, de adotar uma retórica belicosa pela qual todos os que ousam a eles se opor são considerados inimigos, indignos de respeito e portadores de sérios desvios morais, bem como na sistemática colaboração internacional com regimes ditatoriais que cometem os mais diversos atentados contra os direitos humanos.

O MBL se apresentou como uma das forças políticas de renovação, geradas no seio de uma sociedade exaurida por mais de uma década de diversos escândalos de corrupção, autoritarismo e ideologia estatizante, que nos levaram a uma forte recessão no ocaso do governo da ex-presidente Dilma, ceifando o emprego e a dignidade de milhões, enquanto os setores beneficiados pelos governos Lula/Dilma se beneficiavam de altos salários, vantagens diversas e da possibilidade de cometer todo o tipo de desvio, com total certeza de impunidade. O que defendíamos à época (e continuamos a defender) é, além, da moralização da política, a adoção de uma série de reformas liberais, muito semelhantes àquelas feitas por países asiáticos que, em poucas décadas, saltaram da periferia mundial para o clube dos países desenvolvidos, resgatando da pobreza boa parte da sua população.

É essa agenda — que passa, sim, por um necessário enxugamento estatal, com a venda de diversas estatais que nos últimos anos apenas serviram para protagonizar escândalos de corrupção — que a dra. Maria Betânia chama, numa sucessão de clichês, de "flerte com a economia neoliberal, predatória da vida coletiva, submissa à cobiça estadunidense comprometedora do exercício da soberania brasileira e do manejo dosado dos recursos naturais do país". Aparentemente, a tentativa de dinamizar a economia, implementando um mercado dinâmico e forte, capaz de criar empregos, bem como diminuir um Estado ineficiente e parasitário, que com sua alta carga tributária apenas amplia as distorções sociais, é "predatório da vida coletiva". E, curiosamente, o hábito de destinar enormes somas de dinheiro público — sempre custeadas pelos impostos pagos pelos mais pobres — às ditaduras latinas que os governos Lula e Dilma tanto apoiaram, não é "predatório". Estranhos critérios os da dra. Maria Betânia…

Quanto à alegada "cobiça estadunidense", me surpreende o uso de uma retórica tão pobre, mais afeita a um centro acadêmico dos anos 60 do que a um debate público sério. Quem quer que ouse ver o mundo além da infantil divisão entre maus e bons (em que, curiosamente, os Estados Unidos seriam uma encarnação do mal), sabe que vivemos em uma era de interdependência e rápido fluxo de capitais, sendo necessário forjar alianças com países mais avançados para garantir o crescimento econômico, o sucesso comercial e o desenvolvimento. Peço escusas ao leitor por ter que falar o óbvio, mas, ao contrário do implícito no texto da dra. Maria Betânia, economia e relações internacionais não são um jogo de soma zero; não há um vilão e um herói, tampouco exploradores malvados e explorados bonzinhos.

No mais, nunca "ignorei os contornos de uma sociedade verdadeiramente democrática" (seja lá o que isso queira dizer); sempre defendi o liberalismo e a democracia. É por conta da minha defesa do liberalismo que me oponho às atrocidades dos regimes nazista e comunista.

 obre o comunismo, aliás, é preciso que se diga que, muito ao contrário do afirmado pela dra. Maria Betânia, trata-se de uma ideologia que prega, sim, o extermínio de pessoas. A teoria do comunismo dispõe que é necessário passar pela fase intermediária do socialismo, caracterizada (ao menos inicialmente) por uma "ditadura do proletariado", implementada por meio de uma revolução, que deveria destruir — sim, fisicamente — os adversários da ascendente classe proletária. Nesse sentido, o comunismo só se "distanciou das ideias" e "passou a ter várias interpretações e sentidos" para os militantes que, numa prodigiosa ginástica mental, insistem em relevar as dezenas de milhões de mortos pelos regimes socialistas no século 20. O truque é velho e manjado, mas continua sendo continuamente reciclado: se deu errado, não era socialismo. O "verdadeiro" socialismo nunca foi implementado e, quando for, resultará num paraíso terrestre, em que todos viverão em perfeita solidariedade. Enquanto isso não ocorre, continuamos tentando experiências socialistas, que resultam inevitavelmente em genocídio e totalitarismo. O comunismo, como se vê, também é oposto aos princípios democráticos da Constituição de 1988, tanto que alguns partidos de esquerda pregavam a instauração de uma nova ordem constitucional; isso consta explicitamente do programa de governo de Fernando Haddad (PT) em 2018.

Eu e o MBL ficamos, com orgulho, ao lado das experiências históricas que deram certo. Defendemos o capitalismo, o constitucionalismo e a democracia e queremos que o Brasil avance da mesma forma que os países asiáticos, ou seja, com robusto crescimento, ampla criação de empregos, resgate das pessoas da pobreza e oportunidades para todos, exatamente o que a ditadura da propina promovida por alguns partidos de esquerda nos negou.

Devo dizer que há um ponto em que concordo com a dra. Maria Betânia: não há "nenhuma surpresa no fato de que o ex-juiz suspeito tenha sido apoiado pelo MBL e pelo atual parlamentar Kim Kataguiri". Surpresa seria se nos aliássemos ao ex-presidente Lula, que governou o país por meio da propina e da retórica belicosa e divisiva, ou ao presidente Bolsonaro, notadamente corrupto e incompetente, que tem como objetivo apenas beneficiar a própria família.

Nos opomos ao projeto de poder de Lula, que fala abertamente em censurar a imprensa, em adotar medidas de populismo fiscal e em reatar relações íntimas com ditaduras latinas, cujos líderes sanguinários ele insiste em elogiar. Da mesma forma, nos opomos ao projeto bolsonarista, de corrupção, alianças espúrias e ignorância, que trouxe péssimos resultados econômicos e sociais.

Seria muito mais fácil adotar as narrativas prontas e respostas fáceis, tal e qual faz a dra. Maria Betânia. Lutar contra dois projetos de poder autoritários e nefastos exige coragem, mas felizmente isso nunca nos faltou.

Uma última correção à dra. Maria Betânia: eu conquistei o mandato de deputado não por conta do "flerte do MBL com a economia neoliberal" (de novo, seja lá o que isso signifique), mas por conta dos 465.310 paulistas que me honraram com o seu voto. O voto deles é uma expressão da democracia que a dra. Maria Betânia diz defender. A eles, peço novamente desculpas pela minha falha no Flow: deveria ter prontamente repudiado, de forma clara e objetiva, a possibilidade da formação de um partido nazista. Falhei, e peço desculpas aos eleitores, e em especial à comunidade judaica.

Aos radicais de esquerda, não peço desculpas. Não deixarei jamais de apontar as suas falhas, a sua corrupção, o seu autoritarismo e a sua hipocrisia.

Kim Kataguiri, o autor deste artigo, é deputado federal por São Paulo e membro do Movimento Brasil Livre (MBL). Publicado originalmente no Consultor Jurídico, em 16.02.22.

STF decidirá mérito em tese sobre cobrança de multa superior ao tributo devido

 Ainda não há data marcada para o julgamento de mérito. Com a fixação da tese de repercussão geral, qualquer decisão do STF deverá ser seguida pelas demais instâncias.

O Supremo Tribunal Federal formou maioria para reconhecer a repercussão geral no RE 1.335.293 (Tema 1.195), que discute a possibilidade de fixação de multa tributária punitiva, não qualificada, no valor superior a 100% do tributo devido. O julgamento se estenderá até esta quinta-feira (17/2), mas, na manhã desta quarta-feira, o placar já registrava 9 votos favoráveis e nenhum contrário.

Ainda não há data marcada para o julgamento de mérito. Com a fixação da tese de repercussão geral, qualquer decisão do STF deverá ser seguida pelas demais instâncias.

"A matéria aqui suscitada possui densidade constitucional suficiente para o reconhecimento da existência de repercussão geral, competindo a esta Suprema Corte definir, em face do não-confisco na esfera tributária (artigo 150, IV, da Constituição Federal), parâmetros para o limite máximo do valor da multa fiscal punitiva, não qualificada pela sonegação, fraude ou conluio, especificamente os valores superiores a 100% do tributo devido, considerado percentual fixado nas legislações dos entes federados", escreveu o ministro Luiz Fux, relator da ação.

Luís Wulff, da SW Advogados, explica que este é um tema que envolve o limite de cobrança de multa pelo fisco. "O ponto principal é que o próprio Supremo reconhece a repercussão geral, ou seja, ele define para todos os contribuintes que tiverem processos similares a esse."

Segundo ele, o julgamento do caso é muito importante porque há multas que podem chegar ate 225% do valor do tributo. "Administrativamente a Receita Federal impõe esse tipo de multa em função de uma atitude dolosa do contribuinte, uma intenção de realizar uma fraude ao Fisco". Se decidir em favor do contribuinte, o STF poderia reduzir para menos da metade o valor desse tipo de multa.

O julgamento do mérito, quando ocorrer, para Wulff, deve afetar uma infinidade de processos no Brasil, em todas as esferas (Federal, Estadual e Municipal). As multas mais graves no RS, por exemplo, chegam a 120% e na União podem ser de 75% a 220%. "Uma justiça importante para milhares de contribuintes do Brasil todo, que traz equilíbrio. A multa pode ser cobrada, mas não pode ultrapassar o valor total devido", disse.

É possível que, depois da definição dessa tese, o Supremo também passe a discutir a multa dos juros, aponta o especialista. "Há dívidas tributárias de 15 a 25 anos, nas quais o valor dos juros equivale a 500% do valor do tributo, por conta da inflação, da taxa Selic e do ambiente econômico do Brasil", comenta.

E completa: "Esse julgado é relevante porque define o primeiro marco de limite da multa e, obviamente, deve seguir na mesma linha um marco de limite dos juros. Assim, evita-se a capitalização dos juros e uma dívida impagável para o contribuinte que teve algum tipo de dificuldade financeira".

Extrema relevância

O advogado Eduardo Lustosa, sócio do LLH Advogados, escritório especializado em Direito Tributário, acredita que o exame da matéria é de extrema relevância para todos os contribuintes, já que apesar de o referido leading case tratar de uma multa punitiva aplicada pelo Estado de São Paulo, pela falta de recolhimento do ICMS, as conclusões jurídicas da Corte decorrentes deste julgamento, certamente servirão como parâmetros e limites para graduação das penalidades impostas pelas legislações tributárias de todas as esferas.

"Atualmente, os contribuintes estão expostos à aplicação das mais diversas modalidades de multas previstas nas legislações estaduais e municipais em patamares, não raramente, muito superiores ao próprio tributo em cobrança. Isso agrava sobremaneira o débito exigido e o torna impagável – o que, sem dúvidas, configura caráter confiscatório, além de ferir princípios e garantias basilares previstos na Constituição da República, como a razoabilidade, proporcionalidade e o devido processo legal substantivo", comentou o especialista.

Para ele, a expectativa em torno desse julgamento se justifica porque, em razão de julgados anteriores, o Supremo Tribunal Federal, acolhendo pleitos anteriores dos contribuintes, já afastou a aplicação de multas consideradas abusivas e confiscatórias.

RE 1.335.293

Por Severino Goes, do Consultor Jurídico, em 16.02.22

Em Moscou, Bolsonaro presta homenagem a soldados comunistas e tem reunião com Putin

 O Túmulo do Soldado Desconhecido é um monumento em homenagem aos milhões de soldados soviéticos que morreram durante a Segunda Guerra Mundial.

O primeiro compromisso de Bolsonaro foi a entrega de uma coroa de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido, nas imediações do Kremlin (EPA)

O presidente Jair Bolsonaro começou nesta quarta-feira (16/2) sua programação oficial durante a visita à Rússia. O primeiro compromisso foi a entrega de uma coroa de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido, nas imediações do Kremlin, sede do governo russo. No início da tarde, Bolsonaro vai se encontrar com o presidente russo Vladimir Putin.

A programação oficial de Bolsonaro em Moscou começou por volta das 9h (horário local). Ele se deslocou a pé do hotel no qual está hospedado e se dirigiu com sua comitiva para o local da homenagem.

O Túmulo do Soldado Desconhecido é um monumento em homenagem aos milhões de soldados soviéticos que morreram durante a Segunda Guerra Mundial.

Bolsonaro foi recebido por autoridades russas e participou da cerimônia, considerada uma formalidade em viagens oficiais de chefes de estado.

A partir das 13h (horário local), está previsto o encontro entre Bolsonaro e Putin, no Kremlin. O brasileiro será recebido pelo presidente russo após cumprir um rígido protocolo sanitário. As autoridades russas pediram que Bolsonaro fizesse até cinco exames do tipo PCR para que ele pudesse se aproximar de Putin durante o evento.

O primeiro encontro terá uma duração aproximada de 20 minutos e terá a presença apenas de Putin, Bolsonaro e seus respectivos intérpretes.

Após esse encontro, os dois participarão de um almoço com a presença de um grupo restrito de integrantes dos dois governos. Está prevista, também, uma declaração conjunta feita pelos dois presidentes.

Após esse evento, Bolsonaro vai visitar a Duma, a câmara baixa russa, o equivalente à Câmara dos Deputados do país.

Bolsonaro foi recebido por autoridades russas e participou da cerimônia no Túmulo do Soldado Desconhecido (EPA)

De lá, ele deverá participar de um encontro com empresários russos e brasileiros em um hotel próximo à Praça Vermelha. Este será o seu último compromisso oficial na Rússia antes de embarcar para a Hungria, na quinta-feira (17/02), onde deverá se encontrar com o primeiro-ministro do país, Viktor Orbán.

Visita em meio a tensão

A visita a Putin acontece em meio à tensão na fronteira da Rússia com a Ucrânia e o temor de uma invasão russa. Nas últimas semanas, a Rússia havia mobilizado pelo menos 100 mil soldados para a fronteira ucraniana. O movimento foi uma reação à possibilidade de que o país fosse incluído na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Os Estados Unidos e países europeus como Reino Unido e Alemanha reagiram indicando a possibilidade de impor sanções à Rússia. Na terça-feira, o governo russo anunciou a retirada de parte das tropas da região, numa sinalização de que um acordo poderia ser possível.

A confirmação da ida de Bolsonaro a Moscou causou reações no governo norte-americano. Nos bastidores, diplomatas dos EUA demonstraram contrariedade em relação à visita.

Há duas semanas, questionado sobre a visita de Bolsonaro a Putin, o Departamento de Estado dos Estados Unidos enviou uma nota à BBC News Brasil afirmando que o Brasil teria a "responsabilidade de defender os princípios democráticos e proteger a ordem baseada em regras, e reforçar esta mensagem para a Rússia em todas as oportunidades".

Leandro Prazeres, enviado especial da BBC News Brasil a Moscou. Em 16.02.2

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato 

O passarinho

Inflamado, o candidato eleva a fala no palanque. Argumentava que o povo livre sabe escolher seus governantes. Para entusiasmar a multidão, levou um passarinho numa gaiola, que deveria ser solto no clímax do discurso. No momento certo, tirou o pássaro e com ele, na mão direita, bradou:

"a liberdade do homem é o sonho, o desejo de construir seu espaço, sua vida, com orgulho, sem subserviência. Deus (citar Deus é sempre oportuno) nos deu a liberdade para fazermos dela o instrumento de nossa dignidade; quero que todos, hoje, aqui e agora, comprometam-se com o ideal da liberdade. Para simbolizar esse compromisso, vamos aplaudir a soltura desse passarinho, que vai ganhar os céus".

Ao abrir a mão, viu que esmagara o passarinho. Apertara o bichinho. A frustração por ter matado o bichinho foi um anticlímax. Vaias substituíram os aplausos. Foi um desastre. Assim é o fim de candidatos que não controlam a emoção.

Visão da conjuntura

1. Nada decidido

Quem disser que fulano, beltrano ou sicrano ganhará o pleito de outubro próximo estará dando um chute. Não tem nada decidido. Vou tentar explicar as razões. Todas elas consideradas no conjunto das ideias-forças que movem uma campanha. Tenho dito e repetido: Somos frequentemente visitados pelo Senhor Imponderável dos Anjos. E este ano é especialmente um ciclo de excepcionalidades. Pandemia, gripes, desobediência às leis, cavalo sem arreios.

2. O caráter do ano

O ano de 2002 será muito diferente dos anos anteriores. Transição de um ciclo, não apenas de um governo. Se persistir o governo, o ciclo não se repetirá. Explico. A esfera política não se mantém no atual prumo. Um remelexo geral mexerá as pedras do tabuleiro. Um maremoto na política tem condições de repaginar o que desenhamos. Se o Brasil for de Bolsonaro, a direita se fixará no poder. A bússola entorta. Se o Brasil for de Lula, a incerteza continuará ante as curvas e retas do petismo. Lula não controlará suas bases.

3. O fim de um ciclo

Seja qual for a vereda a seguir, à direita ou à esquerda, o Brasil fechará um ciclo. Haverá interesse de se manter a atual estrutura de poder, com a concentração de postos e cargos no Centrão. Mas é viável pensar em uma onda centrípeta – das margens para os centros - que poderá destronar os atuais mandatários do poder do Executivo. Essa onda aparece no meio do oceano turbulento das relações internacionais, com lideranças dispersas e líderes sem legitimidade.

4. O fracasso dos grandes

Veremos, um pouco mais adiante, os atuais condutores da política mundial em declínio. Joe Biden não garantirá a supremacia norte-americana. O novo primeiro ministro alemão, Olaf Scholz, não tem o carisma de Angela Merkel. Do Reino Unido, não esperemos decisões de impacto, mas apenas a estética voante dos cabelos de Boris Johnson. Macron tem limitações, Erdoğan é um direitista isolado. E a Itália não terá envergadura para enfrentar os rolos compressores da Europa. Ou você, amigo Wálter Maierovitch, discorda?

5. A alma do tempo

Para não repetir meu refrão, passo a adotar o termo a "alma do tempo". Todo tempo tem o seu clima, a sua alma, o seu espírito, as suas circunstâncias. E o que explica os cenários descritos? A alma do tempo. Um misto de silêncio e grito, a imbricação de demandas reprimidas com promessas não cumpridas, uma revolta interior que queima os nossos neurônios, uma vontade louca de dormir e acordar em outro espaço, que não seja esse carcomido por impurezas.

6. Um mundo em avanços

Seremos pacientes e alguns, parceiros, de um mundo em avanços. A inteligência artificial estará cada vez mais abraçada à tecnologia da informação, suprindo-nos com os alimentos da modernidade, ferramentas que transformarão nosso modo de operar, nossa maneira de pensar, alterando costumes e tradições. Uma grande mudança.

7. Eis, então, a grande ameaça

Os avanços civilizatórios esbarrarão nas fronteiras do passado, onde os exércitos com sangue em dinastias históricas persistirão em suas lutas pela manutenção do poder. O mundo muçulmano fará arrebentar suas ondas nas plagas ocidentais, devastando pedaços de tempo e monumentos de cultura. O paradigma do caos tende a ficar sobre nossas cabeças.

8. E por aqui?

Somos um pequeno pedaço de terra integrada à civilização ocidental. Vamos influir? Até poderíamos, caso usássemos nossos potenciais para fazer valer nossa condição de seres livres e armados com as ferramentas da liberdade. Nossa visão turva, porém, encurta nosso ciclo. Não enxergamos um palmo à frente do nariz. E caímos na precária luta entre grupos que se opõem: uma direita, que não sabe distinguir um valor do passado tradicional e uma esquerda, que ainda sonha com os teares da revolução industrial.

9. Os novos sinais

O mundo exibe uma monumental engenharia de mudanças. Os polos da Guerra Fria, mesmo abrigando arsenais superiores aos da década de 50, já não agem à moda antiga. Essa querela envolvendo a OTAN, a Ucrânia e a Rússia, não será o estopim de uma terceira Guerra Mundial. O bom senso, sob a égide da diplomacia, dará os ditames. Mas a tensão subirá aos píncaros. A Humanidade não mais aceita ser governada por déspotas. O mundo recebe sinais de que a temperança cobrirá as nuvens dos novos tempos.

10. O Brasil, um país acidental

Isso mesmo. Um país integrado aos trópicos acidentais. Uma região rica de nosso planeta, farta de riquezas minerais, porém povoada de pequenos e grandes acidentes que maltratam a condição de seu povo. Todos os anos, ouvimos a crônica das mortes anunciadas nos desastres provocados pelas chuvas. Em algumas regiões, elas são escassas, noutras, inundam. Mas os tropeços e acidentes no território da política, estes, sim, são devastadores para o nosso corpo pátrio. Por corroerem a alma da política, por atrasarem o fluxo civilizatório.

11. O que pode nos acontecer?

Estamos em plena selva eleitoral. Usando armas da mentira, das acusações, das denúncias, das falsas versões. Não há justiceiro nessa guerra. Nem heróis. Há, e muito, gente desonesta, que elege o dinheiro, o poder, a força monetária como motor da guerra. Este escriba não acredita que os exércitos em disputa possam estabelecer a paz, sob a égide da liberdade e da justiça.

Hoje é aniversário de um ente querido, que pensa bem. A quem desejo felicidades. Muita saúde. Prosperidade.

Fecho a coluna com o absolutismo.


O ditador

O ditador vai ao médico:

– E a pressão, doutor?

– O senhor sabe o que faz, meu general. Neste momento, ela é imprescindível para manter a ordem.

O nome de Deus em vão

Deus é sempre a referência de homens que carregam em sua alma a pretensão da onipotência. Franco usava a Providência Divina para se afirmar: "Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos". Não satisfeito, mandou cunhar nas moedas: "Caudilho da Espanha pela graça de Deus". Idi Amin Dada, o cabo que se tornou marechal de Uganda, ditador sanguinário, dizia ao povo que falava com Deus nos sonhos. Um dia, um jornalista fez uma inquietante pergunta: "o senhor tem com frequência esses sonhos? Conversa muito com Deus?". Lacônico, o cara de pau respondeu: "Só quando necessário".

Torquato Gaudêncio, cientista político, é Professor Titular na Universidade de São Paulo e consultor de Marketing Político.

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terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

‘Janela partidária’ deturpa a política

Muitos enxergam na maioria dos partidos políticos merasestruturas administrativo-financeiras para viabilizar a eleição de pessoa

Fortalecidos pela fraqueza de um presidente da República que tem aversão ao trabalho, não sabe o que é governar e jamais deu sinais de que gostaria de aprender, os partidos políticos que compõem o Centrão, sobretudo PL, Progressistas e Republicanos, aumentaram muito seu poder de barganha para atrair parlamentares durante a chamada janela partidária, período em que deputados podem trocar de partido sem perder o mandato.

O PL, ao qual Jair Bolsonaro se filiou recentemente, deve ser o partido com a maior bancada na Câmara ao final da janela partidária, que vai de 3 de março a 1.º de abril. Estima-se que a legenda, um protetorado do notório Valdemar Costa Neto, deverá saltar de uma bancada de 43 para 65 deputados federais, enquanto o recém-criado União Brasil, quando as negociações terminarem, poderá ter uma bancada de até 61 deputados. O Progressistas, partido do atual presidente da Câmara, Arthur Lira, e do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, deverá ter uma bancada de 52 deputados, 10 a mais do que tem hoje. Já a bancada do Republicanos deverá crescer de 31 para 34 deputados.

Partidos outrora mais consistentes, como MDB e PSDB, deverão perder deputados. O caso do PSDB é paradigmático. A despeito de ter realizado prévias e ter um pré-candidato à Presidência da República, próceres tucanos cogitam a céu aberto renunciar à candidatura presidencial para privilegiar a formação de bancadas no Congresso, sobretudo na Câmara.

Há razão para isso, nada nobre, mas há. Como fio condutor de todas as negociações para o troca-troca de partidos durante a janela de março está o dinheiro dos fundos públicos que irrigam as contas das legendas – o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o chamado fundo eleitoral –, além dos recursos bilionários do “orçamento secreto”, mecanismo que forjou a compra de uma tênue base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Tudo mais é periférico nas conversas.

Para os caciques partidários, o que está em jogo é a formação de bancadas na Câmara, pois, quanto maior a bancada, maior o quinhão que a legenda recebe dos fundos públicos e, não menos importante, maior é seu poder sobre o próximo presidente da República, seja quem for. Os deputados que tentarão a reeleição neste ano, por sua vez, não são movidos por sentimentos mais altaneiros: estão atrás de recursos que viabilizem as suas campanhas. E nesse jogo de interesses a orientação ideológica ou a consistência programática dos partidos são as menores preocupações dos candidatos.

A descaracterização da política partidária não é um fenômeno recente no Brasil, mas chegou ao paroxismo nos últimos anos, à vista de todos. Hoje, em prejuízo da democracia representativa no País, não são poucos os partidos políticos que se converteram, na prática, em “empresas” cujo principal objetivo é assegurar os interesses de seus donos, servindo apenas como meras estruturas administrativo-financeiras para viabilizar eleições de pessoas.

Não é ruim, nem sequer errado, enxergar os partidos políticos como meios de obtenção de poder político. Seria até uma incongruência, haja vista que a filiação partidária é uma das condições de elegibilidade determinadas pela Constituição. O problema reside na má concepção do papel dos partidos políticos – que vai muito além do caráter instrumental da obtenção de mandatos eletivos – e no animus que permeia o processo de filiação partidária.

É triste, mas é a realidade tal como está posta. A democracia no Brasil será tanto mais vigorosa quanto mais fortes se tornarem os partidos políticos em termos de orientação ideológica e consistência programática, além, evidentemente, de propiciarem maior coesão entre seus filiados. Contudo, nada indica que, às vésperas da abertura da janela partidária e em meio às negociações para formação das federações, o País esteja caminhando nessa direção.

O quadro só será revertido com a aprovação de uma reforma política que melhore as condições de representação e dê fim à excrescência do financiamento público dos partidos, aproximando-os, afinal, de seus eleitores.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, Impresso, em 15.02.22

Recuo das guerras está em risco na Ucrânia

Maior realização política da humanidade foi a redução dos conflitos, que agora está ameaçada

 Por Yuval Noah Harari

No coração da crise ucraniana há uma questão fundamental a respeito da natureza da história e da natureza da humanidade: a mudança é possível? Os humanos são capazes de mudar sua maneira de se comportar ou a história se repete infinitamente, com os humanos condenados eternamente a encenar tragédias sem mudar nada, exceto a decoração?

Uma escola de pensamento nega firmemente a possibilidade da mudança. Argumenta que o mundo é uma selva, que o mais forte é predador do mais fraco e a única coisa que evita que um país subjugue outro é a força militar. Isso sempre foi e sempre será assim. Aqueles que não acreditam na lei da selva não estão apenas iludindo a si mesmos, mas pondo em risco a própria existência. Não sobreviverão por muito tempo.

Outra escola de pensamento argumenta que a dita lei da selva não é de nenhuma maneira uma lei natural. Humanos a fizeram e humanos podem mudá-la. Ao contrário de populares mal-entendidos, a primeira evidência de guerra organizada aparece no registro arqueológico apenas 13 mil anos atrás. 

Mesmo após essa data, houve muitos períodos vazios de qualquer evidência arqueológica de guerra. Ao contrário da gravidade, a guerra não é uma força fundamental da natureza. Sua intensidade e existência dependem de fatores tecnológicos, econômicos e culturais subjacentes. Conforme esses fatores mudam, a guerra também muda.

Evidências dessas mudanças estão ao nosso redor. Ao longo das recentes gerações passadas, armas nucleares transformaram a guerra entre superpotências em um ato amalucado de suicídio coletivo, forçando os países mais poderosos da Terra a encontrar maneiras menos violentas de resolver conflitos. Ao passo que guerras entre grandes potências, como a 2.ª Guerra Púnica ou a 2.ª Guerra Mundial, tenham sido uma característica saliente em grande parte da história, nas sete décadas passadas não houve nenhuma guerra direta entre superpotências.

Um militar corre durante exercícios conjuntos das forças armadas russas e belarrussas no campo de tiro de Gozhsky, na região de Grodno Foto: Leonid Shcheglov/Belta/AFP

Conhecimento

Durante o mesmo período, a economia global transformou-se de uma economia com base em materiais para uma economia com base em conhecimento. Se no passado as principais fontes de riqueza foram bens materiais, como minas de ouro, campos de trigo e poços de petróleo, hoje a principal fonte de riqueza é o conhecimento. E ainda que seja possível tomar campos de petróleo pela força, não é possível adquirir conhecimento dessa maneira. Como resultado, a lucratividade da conquista declinou.

Finalmente, um abalo tectônico ocorreu na cultura global. Muitas elites na história – caciques hunos, senhores vikings e patrícios romanos, por exemplo – consideraram a guerra positivamente. Governantes, de Sargão, o Grande, a Benito Mussolini, buscaram imortalizar-se pelas conquistas (e artistas como Homero e Shakespeare alegremente satisfaziam tal vaidade). Outras elites, como a Igreja Cristã, consideravam a guerra algo ruim, mas inevitável.


Mas nas recentes gerações passadas, pela primeira vez na história, o mundo foi dominado por elites que consideram a guerra tanto ruim quanto evitável. Mesmo tipos como George W. Bush e Donald Trump, sem mencionar as Angelas Merkels e Jacindas Arderns do mundo, são políticos muito distintos em relação a Átila, o Huno, ou Alarico, o Godo. Eles normalmente chegam ao poder com sonhos de reformas domésticas, em vez de conquistas estrangeiras. 

Enquanto no reino da arte e do pensamento, os faróis mais brilhantes – de Pablo Picasso a Stanley Kubrick – são mais conhecidos por representar os combates como horrores insensatos, em vez de glorificar seus arquitetos.

Como resultado de todas essas mudanças, a maioria dos governos parou de considerar guerras de agressão como uma ferramenta aceitável para fazer avançar seus interesses, e a maioria dos países parou de fantasiar a respeito de conquistar e anexar seus vizinhos. Simplesmente não é verdade que a força militar, por si só, impede o Brasil de conquistar o Uruguai ou impede a Espanha de invadir o Marrocos.

O declínio da guerra é evidente em numerosas estatísticas. Desde 1945, tem sido relativamente raro que fronteiras internacionais sejam redesenhadas por invasores estrangeiros, e nenhum país internacionalmente reconhecido foi completamente apagado do mapa por uma conquista externa. Não faltaram outros tipos de conflitos, como guerras civis e insurgências. Mas, mesmo levando em conta todos os tipos de conflito, nas primeiras duas décadas do século 21, a violência humana matou menos gente do que suicídios, acidentes de carro ou doenças relacionadas à obesidade. A pólvora tornou-se menos mortífera do que o açúcar.

Parâmetros da paz

Estudiosos debatem a respeito das estatísticas exatas, mas é importante olhar além da matemática. O declínio da guerra foi um fenômeno tanto psicológico quanto estatístico. Sua característica mais importante foi uma grande mudança no próprio significado do termo “paz”. Ao longo da maior parte da história, a paz significou somente “a ausência temporária da guerra”. 

Quando as pessoas afirmavam, em 1913, que havia paz entre França e Alemanha, elas queriam dizer que os Exércitos francês e alemão não estavam em combate direto, mas todos sabiam que, mesmo assim, uma guerra entre eles deveria irromper a qualquer momento.

Em décadas recentes, “paz” passou a significar “a implausibilidade da guerra”. Para muitos países, ser invadido e conquistado por vizinhos tornou- se quase inconcebível. Eu vivo no Oriente Médio, então sei perfeitamente que há exceções a essas tendências. Mas reconhecer tendências é no mínimo tão importante quanto ser capaz de apontar exceções.

A “nova paz” não é uma casualidade estatística nem uma fantasia hippie. Ela é refletida mais claramente por orçamentos friamente calculados. Em décadas recentes, governos de todo o mundo sentiram-se seguros o suficiente para gastar uma média de apenas cerca de 6,5% de seus orçamentos em forças armadas, enquanto gastaram muito mais em educação, assistência médica e bem-estar social.

Tendemos a achar isso natural, mas isso é uma novidade estarrecedora na história humana. Por milhares de anos, os gastos militares foram de longe o maior item do orçamento de qualquer príncipe, khan, sultão e imperador. Eles dificilmente gastavam algum centavo em educação ou ajuda médica para as massas.

O declínio da guerra não resultou de um milagre divino ou de uma mudança nas leis da natureza. Resultou de humanos fazendo escolhas melhores. Isso é possivelmente a maior realização da civilização moderna. Infelizmente, o fato de isso decorrer da escolha humana também significa que é reversível.

Tecnologia, economia e cultura continuam a mudar. A ascensão das armas cibernéticas, de economias impulsionadas pela inteligência artificial e de novas culturas militaristas poderia resultar em uma nova era de guerras, pior do que qualquer outra que tenhamos visto antes. Para desfrutar da paz, precisamos que quase todos façam boas escolhas. Em contraste, uma escolha ruim de apenas um lado pode levar à guerra.

É por isso que a ameaça russa de invadir a Ucrânia deveria preocupar todas as pessoas da Terra. Se tornar-se novamente uma regra que países poderosos subjugam vizinhos mais fracos, isso afetaria o comportamento e os sentimentos de todos no mundo. O primeiro e mais óbvio resultado de um retorno à lei da selva seria um acentuado aumento no gasto militar, em detrimento de gastos em todas as outras áreas. O dinheiro que deveria ir para professores, enfermeiros e assistentes sociais iria, em vez disso, para tanques, mísseis e armas cibernéticas.

Lei da selva

Um retorno à selva também minaria a cooperação global a respeito de problemas como evitar mudanças climáticas catastróficas ou regular tecnologias disruptivas, como inteligência artificial e engenharia genética. Não é fácil trabalhar com países que estão se preparando para eliminar você. E, com a aceleração tanto das mudanças climáticas quanto da corrida armamentista de IA, a ameaça de conflitos armados somente aumentará ainda mais, encerrando um círculo vicioso que poderá muito bem condenar nossa espécie.

Se você acreditar que mudanças históricas são algo impossível e a humanidade jamais deixou a selva nem nunca deixará, a única escolha que lhe resta é atuar como predador ou presa. Diante dessa escolha, a maioria dos líderes preferiria entrar para história como predador alfa e escrever seu nome na sinistra lista dos conquistadores – que desafortunados estudantes são condenados a memorizar para seus exames de história.

Mas e se mudar for possível? E se a lei da selva for uma escolha, em vez de uma inevitabilidade? Se for assim, qualquer líder que escolher conquistar um vizinho ocupará um lugar especial na memória da humanidade bem pior do que o posto de Tamerlão da vez. Ele entrará para a história como o homem que arruinou nossa maior realização. Justo quando pensamos estar fora da selva, ele nos puxou de volta.

Mudança

Não sei o que acontecerá na Ucrânia. Mas, como historiador, acredito na possibilidade da mudança. Não acho isso ingenuidade – isso é realismo. A única constante na história humana é a mudança. E isso é algo que talvez possamos aprender dos ucranianos. Por muitas gerações, os ucranianos não testemunharam nada além de tirania e violência. Eles suportaram dois séculos de autocracia czarista (que finalmente colapsou em meio ao cataclisma da 1.ª Guerra). 

Uma breve tentativa de independência foi rapidamente esmagada pelo Exército Vermelho, que restabeleceu o controle russo. O ucranianos sobreviveram, então, à grande fome engendrada no Holodomor, ao terror stalinista, à ocupação nazista e a décadas da desalentadora ditadura comunista. Quando a União Soviética colapsou, a história parecia garantir que os ucranianos percorreriam novamente o caminho da tirania brutal – afinal, o que mais eles conheciam?

Mas eles escolheram outra coisa. Apesar da história, apesar da pobreza opressiva e apesar dos obstáculos aparentemente insuperáveis, os ucranianos estabeleceram uma democracia. Na Ucrânia, diferentemente da Rússia e de Belarus, candidatos de oposição substituíram governantes repetidamente. 

Quando desafiados pela ameaça da autocracia, em 2004 e 2013, os ucranianos se levantaram duas vezes em revoltas para defender sua liberdade. Sua democracia é uma coisa nova. Assim como a “nova paz”. Ambas são frágeis e podem não durar muito. Mas ambas são possíveis e capazes de criar raízes profundas. Toda coisa antiga um dia foi nova. Tudo se resume às escolhas humanas. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL.

Yuval Noah Harari, o autor deste artigo, é historiador. Vive em Israel. Autor de "21 Lições para o século 21", "Homo Sapiens", "Homo Deus" e outros.

©️ 2022 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO EM LINGUA PORTUGUESA NO BRASIL PELO 'O ESTADO DE S. PAULO', SOB LICENÇA, EM 15.02.22. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

De volta à farsa

Novo ataque às urnas mostra que Bolsonaro não desistiu de tumultuar a eleição

Jair Bolsonaro mostrou que continua disposto a investir no descrédito do sistema eleitoral brasileiro para criar tumulto em caso de derrota no pleito de outubro.

Numa transmissão ao vivo na internet, o presidente disse que militares detectaram vulnerabilidades nas urnas eletrônicas no fim do ano passado e apresentaram questionamentos ao Tribunal Superior Eleitoral, ainda sem resposta.

Bolsonaro acrescentou que a elevada audiência alcançada por suas aparições nas redes sociais mostra que estão erradas as pesquisas que lhe atribuem baixos índices de popularidade —e disse esperar que suas desconfianças sejam sanadas até o dia da votação.

Embora o tom tenha sido mais ameno que o adotado em manifestações similares no passado, quando ele atacou ministros do Tribunal Superior Eleitoral, defendeu teses conspiratórias e propagou mentiras sobre as urnas, as más intenções continuam indisfarçáveis.

Durante o falatório, o mandatário fez mais uma vez menção à fantasia de que as eleições de 2018 foram fraudadas por pessoas interessadas em lhe roubar a vitória no primeiro turno, o que obviamente jamais se comprovou.

Bolsonaro lembrou que é o comandante em chefe das Forças Armadas, insinuou que a Justiça não deu a devida atenção aos questionamentos e disse que mandou o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, cobrar explicações.

O TSE relatou ter recebido um pedido de informações do general Heber Garcia Portella, responsável pela área de defesa cibernética do Exército, e esclareceu que só não elaborou a resposta ainda por causa do recesso do fim de ano e da complexidade das questões.

O militar faz parte de uma comissão de especialistas formada pelo próprio TSE no ano passado para reforçar a fiscalização do processo eleitoral. Segundo o tribunal, ele não apontou nenhuma falha e se limitou a pedir dados técnicos para entender melhor o sistema.

Todos os ataques de Bolsonaro às urnas foram refutados com clareza pela Justiça, com evidências que o desmentem. Não há razão para imaginar que as questões do general Portella não serão esclarecidas com a devida presteza.

O presidente jamais apresentou qualquer coisa que sustentasse suas patranhas, mas aposta na balbúrdia para manter seguidores mais radicais mobilizados e minar a confiança depositada pela maioria na lisura do processo eleitoral.

Alvo de seis inquéritos conduzidos pelo Supremo Tribunal Federal, incluindo um por ter espalhado informações falsas sobre as urnas e outro por ter divulgado dados sobre um ataque cibernético sofrido pela Justiça Eleitoral, Bolsonaro sabe dos riscos que corre.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 15.02.22

Rússia anuncia retirada parcial da fronteira ucraniana

Entretanto, EUA e aliados alertam que russos continuam movimentações na área. Imagens de satélite apontariam maior atividade militar na região, com chegada de equipamento bélico adicional.

O Ministério da Defesa da Rússia anunciou nesta terça-feira (15/02) que algumas tropas  estacionadas há semanas perto da fronteira ucraniana começaram a retornar a suas bases. A presença militar russa na área provocou temores de uma invasão no país vizinho.

A pasta afirmou ter sido iniciada a retirada das tropas destacadas para o sul e oeste do país, perto da fronteira da Ucrânia, rumo às suas bases permanentes, embora não tenha especificado o local onde elas estão estacionadas e o número exato de soldados envolvidos.

"À medida que as ações de treinamento de combate chegam ao fim, as tropas, como é sempre o caso, conduzirão marchas combinadas para suas guarnições permanentes", anunciou o porta-voz do ministério, Igor Konashenkov.

A Rússia reuniu mais de 130 mil soldados perto da Ucrânia, provocando temores de uma invasão. Moscou nega ter planos de invadir a Ucrânia, apesar de colocar tropas nas fronteiras ao norte, sul e leste do país e iniciar realizar exercícios militares maciços.

Líderes da Ucrânia expressaram ceticismo quanto ao anúncio de Moscou. "A Rússia constantemente faz várias declarações", disse o ministro do Exterior ucraniano, Dmytro Kuleba. "É por isso que temos a regra: não vamos acreditar quando ouvirmos, acreditaremos quando virmos. Quando virmos tropas se retirando, vamos acreditar na desescalada.''

"Aumento de atividade militar russa"

Os Estados Unidos e países europeus mantiveram seus alertas. A secretária do Exterior britânica, Liz Truss, reiterou nesta terça-feira que o perigo de uma invasão ainda existe, dizendo à Sky News que "pode ser iminente". Mas acrescentou que "ainda há tempo para que Putin deixe a beira do abismo".

Autoridades dos EUA disseram que os militares russos prosseguem com aparentes preparativos de ataque ao longo das fronteiras da Ucrânia. Um oficial dos EUA, falando em condição de anonimato, disse que um pequeno número de unidades terrestres russas está ocupando posições mais próximas à fronteira ucraniana, áreas que poderiam servir de pontos de partida se Putin lançar uma invasão.

A empresa comercial de imagens de satélite Maxar Technologies, que tem monitorado o acúmulo de tropas russas, relatou um aumento de atividade militar em Belarus, Crimeia e no oeste da Rússia, incluindo a chegada de helicópteros, aviões de ataque ao solo e caças-bombardeiros.

As fotos tiradas em um período de 48 horas também mostram forças terrestres deixando suas guarnições e unidades de combate e se movendo em formação de comboio.

Otan: "Até agora não vimos sinal de desescalada"

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou nesta terça que indicativos de que a Rússia está disposta a buscar a via diplomática são positivas, mas que ainda não havia evidências de Moscou estava retirando tropas da fronteira.

"Há sinais de Moscou de que a diplomacia deve continuar, o que serve de base para um otimismo cauteloso. Mas até agora não vimos nenhum sinal de desescalada [na fronteira]", disse Stoltenberg.

Ucrânia minimiza ameaça

Ainda assim, o chefe do conselho de segurança e defesa ucraniano, Oleksiy Danilov, minimizou a ameaça de invasão, mas alertou para o risco de "desestabilização interna'' por forças não especificadas.

"Hoje não vemos que uma ofensiva em lara escala da Rússia possa ocorrer nem no dia 16 nem no 17 (fevereiro)'', disse a repórteres. "Estamos cientes dos riscos que existem no território do nosso país. Mas a situação está absolutamente sob ao controle.''

O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse que quarta-feira seria um "dia de unidade nacional", pedindo ao país para exibir a bandeira azul e amarela e cantar o hino diante de "ameaças híbridas".

"Não é a primeira ameaça enfrentada pelo forte povo ucraniano", disse Zelenski na noite de segunda-feira em um discurso em vídeo para a nação. "Estamos calmos. Somos fortes. Estamos juntos.''

Mesmo assim, o país está se preparando. Residentes de Kiev receberam cartas do prefeito exortando-os a "defender sua cidade", e placas apareceram em prédios de apartamentos indicando o abrigo antiaéreo mais próximo. A capital tem cerca de 4.500 deles, incluindo garagens subterrâneas, estações de metrô e porões, disse o prefeito.

Reunião diante das câmeras

O anúncio de retirada de unidades da Rússia ocorre um dia após o ministro do Exterior do país, Serguei Lavrov, ter indicado que o país está disposto a continuar conversando sobre as preocupações de segurança que levaram à crise na Ucrânia – mudando o discurso após semanas de tensões crescentes. 

Os comentários de Lavrov ocorreram durante um encontro diante de câmeras com o presidente russo, Vladimir Putin. A reunião foi destinada a enviar uma mensagem ao mundo sobre a posição do líder russo. O ministro argumentou que Moscou deveria realizar mais negociações, apesar da recusa do Ocidente em considerar as principais demandas da Rússia.

Ele disse que as conversas "não podem continuar indefinidamente", mas que "sugeriria continuar com elas e expandi-las nesta fase'', disse Lavrov, observando que Washington se ofereceu para discutir limites para implantações de mísseis na Europa, restrições a exercícios militares e outras medidas para construção de confiança.

Moscou quer garantias de que a Otan não permitirá a adesão como membros da aliança da Ucrânia e de outras antigas repúblicas soviéticas. Também quer a aliança suspenda o envio de armas para a Ucrânia e retire suas forças da Europa Oriental.

Lavrov disse que as possibilidades de negociações "estão longe de serem exauridas". Putin observou que o Ocidente poderia tentar atrair a Rússia para "conversações intermináveis" e questionou se ainda há uma chance de chegar a um acordo. Lavrov respondeu que seu ministério não permitiria que os EUA e seus aliados bloqueassem as principais reivindicações da Rússia.

Nova onda diplomática

Os novos sinais de esperança chegam em meio a uma nova onda de diplomacia. O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, tem marcado encontro nesta terça-feira com Putin em Moscou, um dia depois de conversar com o presidente da Ucrânia em Kiev.

O ministro do Exterior polonês, Zbigniew Rau, um dos maiores críticos europeus da Rússia, também esteve em Moscou nesta terça para se encontrar com seu homólogo russo, enquanto o ministro do Exterior da Ucrânia recebeu seu equivalente italiano.

Uma possível saída para a atual crise foi levantada nesta semana: o embaixador da Ucrânia no Reino Unido, Vadym Prystaiko, apontou a possibilidade de a Ucrânia arquivar sua candidatura à Otan, se isso evitar uma guerra com a Rússia. Prystaiko mais tarde pareceu se distanciar da ideia, mas o fato de que ela foi citada sugere que está sendo discutida nos bastidores.

Deutsche Welle Brasil, em 15.02.22

“Circo da Farsa Jato”, comemora Moro em decisão do STJ

Pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos, Sergio Moro comemorou nesta 2ª feira (14.fev.2022) a decisão do presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Humberto Martins, de arquivar o inquérito contra procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Medida apurava suposta atuação dos procuradores para intimidar ministros do STJ.


Sérgio Moro pré candidato a Presidente da República pelo Podemos (Getty Images)

O inquérito foi instaurado por Martins em fevereiro do ano passado com base em diálogos obtidos por hackers na Operação Spoofing. O caso resultou no episódio popularmente conhecido como “Vaza Jato”. 

No Twitter, Moro classificou a divulgação das mensagens como “Farsa Jato” e disse que o episódio nunca conseguiu “demonstrar que um inocente sequer” foi condenado na operação Lava Jato.

“A grande verdade é que com todo o circo da Farsa Jato, eles nunca conseguiram demonstrar que um inocente sequer foi condenado na Lava Jato ou que alguém foi incriminado injustamente. Glenn e sua turma só ajudaram a soltar bandidos e a prejudicar o combate à corrupção no Brasil”, escreveu o ex-juiz. 

No momento do arquivamento do inquérito, Humberto Martins argumentou que não ficou configurada a existência de “indícios de autoria e de materialidade” de condutas criminosas por parte dos procuradores. A investigacao mirava inclusive o antigo coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol.  

Nesta 2ª feira, Dallagnol também foi às redes sociais comemorar o arquivamento. O ex-procurador e ex-coordenador da Lava Jato disse que “cada dia que passa, as teses Vaza Jatistas são derrubadas e desacreditadas diante da conclusão de que a operação Lava Jato atuou dentro da lei”. 

© Fornecido por Poder360 - Ontem 20:43

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Bolsonaro faz uso político de informações reservadas para atacar urnas, avaliam ministros

Em entrevista ao jornal “O Globo”, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, disse que as perguntas encaminhadas pelo Exército são técnicas, sobre o funcionamento do sistema, e não apontam nenhuma “vulnerabilidade”.

Por Valdo Cruz

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) disseram ao blog que "lamentavelmente" informações reservadas foram passadas ao presidente Jair Bolsonaro para “uso político” contra as urnas eletrônicas. Isso mostra que Bolsonaro não recuou na sua estratégia de atacar o sistema de votação sem provas e sem fundamentos reais.

Na semana passada, em sua transmissão ao vivo, Bolsonaro disse que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estava evitando responder perguntas feitas pelo Exército que apontariam “vulnerabilidades” nas urnas eletrônicas. A nova investida presidencial vem depois de Bolsonaro ter prometido até a aliados que não atacaria mais o sistema de votação brasileiro.

Em entrevista ao jornal “O Globo”, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, disse que as perguntas encaminhadas pelo Exército são técnicas, sobre o funcionamento do sistema, e não apontam nenhuma “vulnerabilidade”.

(Bolsonaro promoveu 'desinformação' sobre urnas, diz PF)

O TSE deve encaminhar as respostas nos próximos dias. Os técnicos do tribunal explicam que os esclarecimentos não haviam sido encaminhados ainda porque foram os questionamentos foram protocolados no final de dezembro, pouco antes do recesso do Judiciário. As respostas serão enviadas para a Comissão de Transparência Eleitoral, da qual faz parte um representante do Exército.

O acordo dentro da comissão era que todas as informações discutidas e analisadas ficariam sob reserva.

Esse entendimento, porém, acabou sendo quebrado depois que o presidente foi informado da suposta “demora” das respostas do tribunal. Bolsonaro usou essa informação para espalhar a falsa tese da "vulnerabilidade" do sistema. Só que o questionamento do Exército nem mesmo inclui pergunta sobre "vulnerabilidade". 

Valdo Cruz, o autor deste artigo, é comentarista de politica e economia da Globlo News. Cobre os bastidores das duas áreas há 30 anos. Publicado originalmente no G1, em 14.02.22.

Por vice, Braga Netto executa plano de Bolsonaro de novo ataque ao TSE, mas exército nega vínculo

Bolsonaro tem repetido nos últimos dias que, no fim de 2021, as Forças Armadas teriam encontrado vulnerabilidades no processo eleitoral, mas tanto o exército quanto o TSE negam questionamento.

O general Braga Netto — Foto: Beto Barata/Presidência da República

Em operação casada com o presidente Bolsonaro, o ministro da Defesa, Braga Netto, colocou em prática um plano do Planalto para, mais uma vez, levantar dúvidas sobre o sistema eletrônico nas eleições. Bolsonaro tem repetido nos últimos dias que, no fim de 2021, as Forças Armadas teriam encontrado vulnerabilidades no processo eleitoral.

Procurado pelo blog, no entanto, o centro de Comunicação do Exército disse não ter informações e afirmou que quem deve responder sobre o tema é o Ministério da Defesa. O TSE também emitiu uma nota afirmando que não houve questionamento das Forças Armadas.

A confusão, provocada propositalmente pelo presidente Bolsonaro, faz parte da estratégia de eleição do governo. Braga Netto está em campanha para ser vice na chapa de Bolsonaro - por isso, executa o plano de misturar a imagem dos militares que não estão no governo como se estivessem apoiando o presidente Bolsonaro.

Nos bastidores, porém, integrantes da alta cúpula do Exército se irritaram com a nova investida de Bolsonaro contra o Judiciário. Repetem que as perguntas oficiadas ao TSE não tramitaram pelo Exército e que o militar que elaborou as perguntas não só foi designado por Braga Netto como é vinculado ao ministério da Defesa.

Nas palavras de um integrante do Exército, a estratégia política de Bolsonaro "não é questão das Forças Armadas", que quer distância de qualquer conflito principalmente em ano eleitoral. 

Ao jornal 'O Globo', no fim de semana, Barroso desmentiu o presidente Bolsonaro. Disse que as perguntas do militar que integra a comissão de transparência nas eleições entraram na véspera do recesso e que não existe nenhum comentário sobre vulnerabilidade: são apenas perguntas, que serão respondidas na semana que vem. 

Andréia Sadi, a autora deste artigo, cobre os bastidores de Brasília para o Jornal Hoje (TV Globo) e na GloboNews. Apresenta o Em Foco (GloboNews) e integra o Papo de Política (G1).Publicado originalmente no G1, em 14.02.22

Petróleo se aproxima de US$ 100, seu nível mais alto em oito anos

O medo de uma invasão russa da Ucrânia e os baixos níveis de estoque pressionam o Brent

Uma instalação de extração de petróleo em Loving County (Texas, EUA), no final de 2019. (Angus Mordant / Reuters)

Por Inácio Fariza

De US$ 20 a quase US$ 100, em menos de dois anos. O barril de petróleo bruto Brent , referência na Europa, passou de seu nível mais baixo em duas décadas em tempo recorde para estar à beira de três dígitos, um patamar sem precedentes nos últimos oito anos, e que ameaça colocar ainda mais pressão sobre a inflação e desacelerar a recuperação econômica pós-pandemia. Nos últimos 12 meses, o petróleo disparou cerca de 50%, uma escalada que tem apenas um precedente histórico comparável: entre o verão de 2007 e 2008, quando seu preço dobrou para o máximo histórico de 140 dólares por barril.

Diante da explosão do consumo naqueles meses imediatamente anteriores à Grande Recessão , desta vez a origem da bagunça é diferente. A crescente tensão entre Rússia e Ucrânia , fronteira fundamental no trânsito de petróleo para a Europa, apresenta-se como o gatilho mais imediato para a escalada: não em vão, Moscou é o terceiro maior produtor do planeta e administra, junto com a Arábia Saudita , os fios do cartel ampliado de exportadores, a chamada OPEP+. Mas há mais swell de fundo: os estoques, em níveis incomumente baixos , desempenham um papel fundamental em uma escalada que complica o horizonte econômico para importadores, incluindo a Espanha e a maioria dos países europeus.

Forte recuperação pós-pandemia

A demanda por petróleo se recuperou muito mais rápido do que se poderia esperar no auge da pandemia, quando todos os aviões foram aterrados e os serviços estavam funcionando a meio acelerador. Após o intervalo, a realidade tem sido muito diferente do esperado: o consumo de energia está a um passo do nível pré-pandemia —cerca de 100 milhões de barris por dia— e a oferta, por outro lado, permanece em níveis artificialmente baixos tanto por vontade própria OPEP+ baixo investimento em exploração e produção nos últimos anos. Esse desequilíbrio nas forças de mercado, agravado nas últimas semanas pela ameaça de invasão da Ucrânia pela Rússia, está levando o petróleo a níveis que pareciam estar no passado.

Arábia Saudita transfere ações da Aramco avaliadas em mais de 70.000 milhões para seu fundo soberano

Embora o alto escalão das casas de pesquisa e empresas de investimento estejam alertando há algum tempo que US$ 100 o barril é o cenário de linha de base de curto prazo, Henning Gloystein, chefe de Energia e Clima da consultoria Eurasia, está confiante de que atingiu - o pico será temporário , depois dê lugar a uma “correção descendente”. "Exceto por interrupções repentinas, há margem de oferta suficiente para cobrir o aumento de demanda esperado", afirma em nota recente aos clientes. Tudo, é claro, desde que o cartel de produtores concorde em reabrir a torneira de petróleo: por enquanto, as orações de Joe Biden e outros líderes internacionais para que a OPEP + eleve seu teto de produção caíram em ouvidos surdos .

Os 100 dólares por barril alteram o horizonte económico

Um barril de três dígitos elevaria as previsões de inflação de apenas alguns meses atrás, quando o Brent estava pouco acima de US$ 70. Faria isso em cerca de meio ponto percentual, de acordo com os últimos cálculos da Bloomberg, um número que seria notavelmente maior no bloco emergente.

Os preços, no entanto, não são o único vetor de preocupação causado pelo petróleo a US$ 100 o barril. O mundo não é mais o que era na década de 1970, quando petróleo e carvão eram praticamente as únicas fontes de energia disponíveis, e qualquer aumento nos preços afetava duramente o crescimento no Ocidente. Mas 80% da energia consumida ainda vem da queima de combustíveis fósseis, e a recente escalada de todos eles —a trilogia do gás natural, petróleo bruto e carvão— é motivo de preocupação para a economia global como um todo.

"Não há menos chance de que isso reduza significativamente o crescimento", diz Peter Hooper, chefe de pesquisa econômica global do Deutsche Bank e ex-executivo do Federal Reserve (Fed) dos EUA. Nos EUA, segundo cálculos da agência de classificação de risco Moody's, para cada US$ 10 que os preços do petróleo sobem, o ritmo de crescimento do PIB é reduzido em um décimo.

Nos últimos anos, os técnicos estabeleceram uma faixa entre 60 e 80 dólares por barril como a melhor para a expansão econômica: nela, segundo eles, ambos os países importadores podem se sentir à vontade - sem grande pressão sobre motoristas e transporte de passageiros e mercadorias - como como exportadores—que obtêm uma margem não negligenciável sem sufocar a demanda—. Com o barril à beira de 100 dólares, porém, o quadro muda completamente: esta é uma notícia muito boa para o Golfo Pérsico e, em menor medida, para a Rússia, mas muito ruim para a Europa, China, Índia e Japão —entre outros— , que têm de encontrar fora de todo o petróleo que consomem. O caso espanhol é paradigmático: com o petróleo bruto ainda longe de seu pico histórico, a gasolina está em seu ponto mais alto desde que há registros .

A pressão que a subida abrupta dos preços da energia está a exercer sobre o IPC está a obrigar os principais bancos centrais mundiais a aumentarem as taxas de juro muito mais cedo do que o esperado. É o caso do Banco da Inglaterra, que em menos de três meses elevou o preço do dinheiro duas vezes. Ou a do próprio Fed, que aponta três altas em 2022; o primeiro, já no próximo mês . O BCE mantém a taxa por enquanto, embora já tenha anunciado uma aceleração no cronograma de retirada de compras de dívida que tem causado ansiedade nos países do sul e não descarta mais uma alta da taxa este ano. Com os preços mais altos do gás natural, da eletricidade e dos alimentos, um novo aumento no petróleo bruto aumentaria ainda mais o custo de vida e reduziria o poder de compra das famílias. Justamente quando a recuperação depende mais dos ombros do consumo privado.

Inácio Fariza, o autor deste artigo, é o editor da seção de Economia do EL PAÍS. Trabalhou nas delegações do jornal em Bruxelas e na Cidade do México. Estudou Economia e Jornalismo na Universidade Carlos III e mestrado em Jornalismo no EL PAÍS e na Universidade Autônoma de Madri. Publicado originalmente em 14.02.22

Escândalo de spyware da Pegasus gera suspeita de estado policial em Israel

O governo planeja uma investigação sobre as escutas telefônicas de cidadãos israelenses sem mandado. Julgamento de corrupção contra Netanyahu é suspenso por possível coleta ilegal de provas por agentes

Uma mulher usa um telefone celular do lado de fora da sede da NSO, fabricante do programa Pegasus em Herzliya (Israel). (Foto de JACK GUEZ (AFP)

Por Juan Carlos Sanz

O escândalo sobre o uso ilegal do spyware Pegasus pela polícia decolou em Israel. O software que rouba dados móveis sem ser notado é fabricado pela empresa israelense NSO, incluída na lista negra do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos por exportá-los para países com regimes autoritários que o utilizaram para intervir em dispositivos de segurança. jornalistas ou defensores dos direitos humanos. As informações sobre espionagem cibernética sem ordem judicial a altos funcionários e cidadãos comuns veiculadas há um mês pelo Calcalist , um diário econômico de referência, abalaram Israel.

A polícia negou todas as informações a princípio, mas novas revelações têm dado indícios de que os agentes que investigaram o então primeiro-ministro, o conservador Benjamin Netanyahu, a partir de 2015, em diversos casos de corrupção , ultrapassaram os limites e ultrapassaram os prazos de uma autorização judicial . para grampear telefones celulares de uma posição alta. Entre as dezenas de telefones apreendidos estão o de Avner Netanyahu, filho do ex-chefe de governo, e o do ex-diretor-geral do Ministério das Telecomunicações, Shlomo Filber, que se tornou uma das principais testemunhas de acusação depois de ter chegado a um acordo com os promotores para livrar-se de uma frase longa.

A declaração desse arrependido é a base da acusação no chamado caso 4.000 ou caso Bezeq, em homenagem ao nome do gigante grupo de telecomunicações israelense. Os telefones celulares de diretores e jornalistas do portal de informações Walla —ao qual Netanyahu reivindicou cobertura favorável e de Iris Elovitch, esposa do proprietário do meio digital e principal acionista de Bezeq— também teriam sido apreendidos sem o aval de um tribunal .

Em meio à torrente de revelações jornalísticas, o ministro da Segurança Pública, Omer Barlev, responsável pela polícia, e o chefe do Executivo, Naftali Bennett, anunciaram a criação de uma comissão oficial de investigação. Ambos aguardam o resultado das investigações iniciadas pela Procuradoria Geral da República com a ajuda do Shin Bet e do Mossad, os serviços de inteligência nacional e estrangeiro, respectivamente, conhecidos por seu domínio da espionagem cibernética.

O tribunal de Jerusalém que julga Netanyahu desde 2020 por acusações de suborno, fraude e abuso de poder também suspendeu o processo desde a semana passada, aguardando esclarecimentos sobre a legalidade das provas obtidas por meio de perfurações policiais.

Michael Birnhack , especialista jurídico em direito à privacidade e tecnologia, reconhece que “os regulamentos que regulam as intervenções da polícia israelense são caóticos”. “Existe uma lei para buscas no computador, outra para metadados e outra que regula as escutas telefônicas”, especifica este professor da Faculdade de Direito da Universidade de Tel Aviv em uma troca de e-mail, “mas nenhuma autoriza o uso de programas de espionagem”.

Além de altos funcionários ou parentes de Netanyahu, a sombra de Pegasus também foi projetada em prefeitos ou ativistas da sociedade civil, de acordo com as revelações calcalistas . Os agentes iniciaram suas buscas aleatoriamente sem autorização judicial. Os telefones dos supostos suspeitos foram intervencionados com o programa Pegasus, que captura os dados móveis. Se conseguissem pegar alguma evidência, solicitavam autorização do tribunal para branquear o caso e regularizar a investigação retroativamente.

“Há um amplo consenso em Israel sobre a necessidade de esclarecer por lei os limites das investigações policiais. Obviamente, os policiais estão pedindo melhores ferramentas tecnológicas para processar criminosos, o que também é de interesse público. No entanto, as limitações devem ser estabelecidas e o uso de todas as tecnologias possíveis não deve ser permitido”, alerta Birnhack, ex-membro do Conselho Público de Proteção de Dados de Israel.

O CEO da NSO, Shalev Hulio , disse no verão passado que o spyware não foi projetado para operar em telefones israelenses. Ele garantiu isso logo após uma investigação jornalística internacional informar que cinquenta governos o usaram para controlar dissidentes e repórteres. A NSO sustenta que seus funcionários não operam a Pegasus e se limitam a “fornecer tecnologia às agências de inteligência do Estado” no combate ao terrorismo ou crime organizado, sempre com autorização do governo israelense.

Doutrina do "fruto da árvore venenosa"

Em um relatório preliminar, a Procuradoria Geral da República avançou no domingo perante o tribunal de Jerusalém que julga Netanyahu que ele não observou uma intervenção telefônica ilegal da polícia. Estes são os primeiros dados da investigação ordenada em janeiro pelo procurador-geral, com a assessoria do Shin Bet e do Mossad, cujos resultados devem ser apresentados na quarta-feira.

“Se qualquer prova for obtida ilegalmente ou sem autorização, essa prova específica pode ser declarada inadmissível. No entanto, outras buscas baseadas nessas mesmas pistas podem ser permitidas”, afirma o professor Birnhack. Em Israel, não se aplica a doutrina jurídica do "fruto da árvore envenenada" , que estabelece que as provas obtidas por meios ilícitos também são ilícitas e não podem valer no processo, que surgiu há um século nos Estados Unidos.

"A incorporação de provas obtidas por meio de tecnologias de spyware fica a critério do tribunal em um julgamento criminal", esclarece o professor da Universidade de Tel Aviv. "É cedo para dizer se houve uma ação policial ilegal e se ela forneceu provas relevantes no processo de Netanyahu", conclui.

Investigadores da Procuradoria-Geral examinaram cerca de 1.500 telefones celulares supostamente afetados por espionagem cibernética por meio de um banco de dados interno fornecido pela empresa NSO, anunciou o Ministério da Justiça de Israel no domingo, citado pela Reuters. A empresa fabricante da Pegasus garantiu que o registro de controle que forneceu oferece informações exatas sobre quais telefones foram intervencionados.

O veterano colunista Nahum Barnea lembra que o uso desse tipo de tecnologia coincidiu com a chegada na polícia, a partir de 2015, de comandantes do Shin Bet, acostumados à espionagem cibernética massiva na Palestina. "Tornou-se uma espécie de Stasi", reflete Barnea nas páginas do Yedioth Ahronoth , "uma organização que espionava quem não gostava [na Alemanha Oriental]". As críticas sobre o uso de programas de espionagem cibernética israelenses no resto do mundo mal chamaram a atenção do público. Até agora.

Mossad pediu ajuda à NSO para grampear celulares

Apesar de ter suas próprias ferramentas de espionagem de comunicações, o Mossad também apreendeu celulares e aparelhos de Israel com o programa Pegasus, segundo o jornal Haaretz , que citou confidencialmente funcionários do grupo NSO. Agentes do serviço de inteligência estrangeira pediram aos técnicos do fabricante Pegasus que acessassem alguns telefones em seu nome, presumivelmente porque não podiam fazê-lo com seus próprios programas ou para não deixar vestígios de sua intervenção.

Funcionários do Mossad costumavam visitar a sede da NSO em Herzliya (norte de Tel Aviv) junto com delegações estrangeiras, principalmente de países árabes e africanos, interessadas em adquirir o programa Pegasus . Tendo servido como ferramenta para a expansão da ciberdiplomacia israelense, a tecnologia de espionagem telefônica projetada por empresas como a NSO tornou-se parte do rígido sistema de segurança interna do Estado de Israel.

Juan Carlos Sanz, o autor deste artigo, é o correspondente do EL PAÍS no Oriente Médio a partir de Jerusalém desde 2015. Antes disso, ele foi chefe de Internacional. Em 20 anos como enviado do EL PAÍS cobriu conflitos nos Bálcãs, Magrebe, Iraque e Turquia, entre outros destinos. É licenciado em Direito pela Universidade de Saragoça e mestre em Jornalismo pela Universidade Autónoma de Madrid. Publicado originalmente em 14.02.22