"No mais, nunca "ignorei os contornos de uma sociedade verdadeiramente democrática" (seja lá o que isso queira dizer); sempre defendi o liberalismo e a democracia. É por conta da minha defesa do liberalismo que me oponho às atrocidades dos regimes nazista e comunista."
Por Kim Kataguiri
Recentemente, uma procuradora de Justiça aposentada, dra. Maria Betânia Silva, escreveu um texto na ConJur explorando a polêmica insuflada pelas redes sociais a respeito do ocorrido no podcast do Flow.
O texto é confuso e mistura uma série de conceitos sem maior propriedade técnica, bem como clichês, retórica política e argumentos emotivos. Por todas essas falhas, não mereceria maior atenção. No entanto, devo oferecer uma resposta para não permitir que uma polêmica totalmente desnecessária possa pôr em risco a minha reputação e o meu mandato. Ao contrário do que ocorreu no texto da dra. Maria Betânia Silva, tentarei expor os argumentos de forma minimamente organizada.
Comecemos pelo óbvio: nem eu, nem o Monark e muito menos a deputada Tábata Amaral fizemos qualquer defesa da ideologia nazista. O que o apresentador Monark disse (de forma mal articulada e atabalhoada) é que, para ele, uma sociedade realmente livre deveria permitir a formação de todos os tipos de partido político, inclusive os nazistas (a quem ele repudia). Já eu nem isso disse; apenas afirmei que acredito em uma liberdade de expressão em que mesmo ideias odiosas possam circular, facilitando a sua refutação por toda a sociedade.
Errei? Sim, errei. Eu deveria ter deixado claro que não apoio, de forma alguma, a legalização de um partido nazista. Meus eleitores esperavam isso de mim. Eu os decepcionei e, por isso, pedi desculpas. Especialmente, fui insensível com a comunidade judaica, que sempre me apoiou e que, nesse episódio, me foi extremamente solidária, se recusando a embarcar no linchamento que alguns setores radicais de esquerda tentaram promover. À comunidade judaica pedi, e peço, especiais desculpas.
Que fique claro: não defendi a criação de partido nazista algum. Isso é óbvio para quem tenha assistido ao trecho do vídeo. E, se é tão óbvio, por que pessoas como a dra. Maria Betânia insistem em me atacar?
A resposta está no próprio texto da dra. Maria Betânia: eles não gostam do MBL, nem de suas lideranças (e eu sou uma delas, inegavelmente), tampouco da luta que empreendemos nos últimos anos. A dra. Maria Betânia deixa claro que considera o impeachment da ex-presidente Dilma Roussef parte de um atentado à ordem constitucional. O MBL, por sua vez, considera que o atentado à ordem constitucional se dá pela criação de um sistema de governo baseado na compra sistemática de parlamentares (o que chamamos de "ditadura da propina") e pelo esquema orçamentário, mimosamente chamado de "pedaladas fiscais", que nada mais é do que uma afronta ao povo brasileiro e ao Congresso Nacional, pois permite ao presidente da República apresentar uma imagem orçamentária que não corresponde à realidade. A remoção de um presidente por meio do procedimento constitucionalmente previsto nada tem de errado.
Quanto à degradação brasileira, creio que ela tem raízes na prática adotada por alguns setores da esquerda, consistente em governar por meio de propina e ameaças, de adotar uma retórica belicosa pela qual todos os que ousam a eles se opor são considerados inimigos, indignos de respeito e portadores de sérios desvios morais, bem como na sistemática colaboração internacional com regimes ditatoriais que cometem os mais diversos atentados contra os direitos humanos.
O MBL se apresentou como uma das forças políticas de renovação, geradas no seio de uma sociedade exaurida por mais de uma década de diversos escândalos de corrupção, autoritarismo e ideologia estatizante, que nos levaram a uma forte recessão no ocaso do governo da ex-presidente Dilma, ceifando o emprego e a dignidade de milhões, enquanto os setores beneficiados pelos governos Lula/Dilma se beneficiavam de altos salários, vantagens diversas e da possibilidade de cometer todo o tipo de desvio, com total certeza de impunidade. O que defendíamos à época (e continuamos a defender) é, além, da moralização da política, a adoção de uma série de reformas liberais, muito semelhantes àquelas feitas por países asiáticos que, em poucas décadas, saltaram da periferia mundial para o clube dos países desenvolvidos, resgatando da pobreza boa parte da sua população.
É essa agenda — que passa, sim, por um necessário enxugamento estatal, com a venda de diversas estatais que nos últimos anos apenas serviram para protagonizar escândalos de corrupção — que a dra. Maria Betânia chama, numa sucessão de clichês, de "flerte com a economia neoliberal, predatória da vida coletiva, submissa à cobiça estadunidense comprometedora do exercício da soberania brasileira e do manejo dosado dos recursos naturais do país". Aparentemente, a tentativa de dinamizar a economia, implementando um mercado dinâmico e forte, capaz de criar empregos, bem como diminuir um Estado ineficiente e parasitário, que com sua alta carga tributária apenas amplia as distorções sociais, é "predatório da vida coletiva". E, curiosamente, o hábito de destinar enormes somas de dinheiro público — sempre custeadas pelos impostos pagos pelos mais pobres — às ditaduras latinas que os governos Lula e Dilma tanto apoiaram, não é "predatório". Estranhos critérios os da dra. Maria Betânia…
Quanto à alegada "cobiça estadunidense", me surpreende o uso de uma retórica tão pobre, mais afeita a um centro acadêmico dos anos 60 do que a um debate público sério. Quem quer que ouse ver o mundo além da infantil divisão entre maus e bons (em que, curiosamente, os Estados Unidos seriam uma encarnação do mal), sabe que vivemos em uma era de interdependência e rápido fluxo de capitais, sendo necessário forjar alianças com países mais avançados para garantir o crescimento econômico, o sucesso comercial e o desenvolvimento. Peço escusas ao leitor por ter que falar o óbvio, mas, ao contrário do implícito no texto da dra. Maria Betânia, economia e relações internacionais não são um jogo de soma zero; não há um vilão e um herói, tampouco exploradores malvados e explorados bonzinhos.
No mais, nunca "ignorei os contornos de uma sociedade verdadeiramente democrática" (seja lá o que isso queira dizer); sempre defendi o liberalismo e a democracia. É por conta da minha defesa do liberalismo que me oponho às atrocidades dos regimes nazista e comunista.
obre o comunismo, aliás, é preciso que se diga que, muito ao contrário do afirmado pela dra. Maria Betânia, trata-se de uma ideologia que prega, sim, o extermínio de pessoas. A teoria do comunismo dispõe que é necessário passar pela fase intermediária do socialismo, caracterizada (ao menos inicialmente) por uma "ditadura do proletariado", implementada por meio de uma revolução, que deveria destruir — sim, fisicamente — os adversários da ascendente classe proletária. Nesse sentido, o comunismo só se "distanciou das ideias" e "passou a ter várias interpretações e sentidos" para os militantes que, numa prodigiosa ginástica mental, insistem em relevar as dezenas de milhões de mortos pelos regimes socialistas no século 20. O truque é velho e manjado, mas continua sendo continuamente reciclado: se deu errado, não era socialismo. O "verdadeiro" socialismo nunca foi implementado e, quando for, resultará num paraíso terrestre, em que todos viverão em perfeita solidariedade. Enquanto isso não ocorre, continuamos tentando experiências socialistas, que resultam inevitavelmente em genocídio e totalitarismo. O comunismo, como se vê, também é oposto aos princípios democráticos da Constituição de 1988, tanto que alguns partidos de esquerda pregavam a instauração de uma nova ordem constitucional; isso consta explicitamente do programa de governo de Fernando Haddad (PT) em 2018.
Eu e o MBL ficamos, com orgulho, ao lado das experiências históricas que deram certo. Defendemos o capitalismo, o constitucionalismo e a democracia e queremos que o Brasil avance da mesma forma que os países asiáticos, ou seja, com robusto crescimento, ampla criação de empregos, resgate das pessoas da pobreza e oportunidades para todos, exatamente o que a ditadura da propina promovida por alguns partidos de esquerda nos negou.
Devo dizer que há um ponto em que concordo com a dra. Maria Betânia: não há "nenhuma surpresa no fato de que o ex-juiz suspeito tenha sido apoiado pelo MBL e pelo atual parlamentar Kim Kataguiri". Surpresa seria se nos aliássemos ao ex-presidente Lula, que governou o país por meio da propina e da retórica belicosa e divisiva, ou ao presidente Bolsonaro, notadamente corrupto e incompetente, que tem como objetivo apenas beneficiar a própria família.
Nos opomos ao projeto de poder de Lula, que fala abertamente em censurar a imprensa, em adotar medidas de populismo fiscal e em reatar relações íntimas com ditaduras latinas, cujos líderes sanguinários ele insiste em elogiar. Da mesma forma, nos opomos ao projeto bolsonarista, de corrupção, alianças espúrias e ignorância, que trouxe péssimos resultados econômicos e sociais.
Seria muito mais fácil adotar as narrativas prontas e respostas fáceis, tal e qual faz a dra. Maria Betânia. Lutar contra dois projetos de poder autoritários e nefastos exige coragem, mas felizmente isso nunca nos faltou.
Uma última correção à dra. Maria Betânia: eu conquistei o mandato de deputado não por conta do "flerte do MBL com a economia neoliberal" (de novo, seja lá o que isso signifique), mas por conta dos 465.310 paulistas que me honraram com o seu voto. O voto deles é uma expressão da democracia que a dra. Maria Betânia diz defender. A eles, peço novamente desculpas pela minha falha no Flow: deveria ter prontamente repudiado, de forma clara e objetiva, a possibilidade da formação de um partido nazista. Falhei, e peço desculpas aos eleitores, e em especial à comunidade judaica.
Aos radicais de esquerda, não peço desculpas. Não deixarei jamais de apontar as suas falhas, a sua corrupção, o seu autoritarismo e a sua hipocrisia.
Kim Kataguiri, o autor deste artigo, é deputado federal por São Paulo e membro do Movimento Brasil Livre (MBL). Publicado originalmente no Consultor Jurídico, em 16.02.22.
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