terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Recuo das guerras está em risco na Ucrânia

Maior realização política da humanidade foi a redução dos conflitos, que agora está ameaçada

 Por Yuval Noah Harari

No coração da crise ucraniana há uma questão fundamental a respeito da natureza da história e da natureza da humanidade: a mudança é possível? Os humanos são capazes de mudar sua maneira de se comportar ou a história se repete infinitamente, com os humanos condenados eternamente a encenar tragédias sem mudar nada, exceto a decoração?

Uma escola de pensamento nega firmemente a possibilidade da mudança. Argumenta que o mundo é uma selva, que o mais forte é predador do mais fraco e a única coisa que evita que um país subjugue outro é a força militar. Isso sempre foi e sempre será assim. Aqueles que não acreditam na lei da selva não estão apenas iludindo a si mesmos, mas pondo em risco a própria existência. Não sobreviverão por muito tempo.

Outra escola de pensamento argumenta que a dita lei da selva não é de nenhuma maneira uma lei natural. Humanos a fizeram e humanos podem mudá-la. Ao contrário de populares mal-entendidos, a primeira evidência de guerra organizada aparece no registro arqueológico apenas 13 mil anos atrás. 

Mesmo após essa data, houve muitos períodos vazios de qualquer evidência arqueológica de guerra. Ao contrário da gravidade, a guerra não é uma força fundamental da natureza. Sua intensidade e existência dependem de fatores tecnológicos, econômicos e culturais subjacentes. Conforme esses fatores mudam, a guerra também muda.

Evidências dessas mudanças estão ao nosso redor. Ao longo das recentes gerações passadas, armas nucleares transformaram a guerra entre superpotências em um ato amalucado de suicídio coletivo, forçando os países mais poderosos da Terra a encontrar maneiras menos violentas de resolver conflitos. Ao passo que guerras entre grandes potências, como a 2.ª Guerra Púnica ou a 2.ª Guerra Mundial, tenham sido uma característica saliente em grande parte da história, nas sete décadas passadas não houve nenhuma guerra direta entre superpotências.

Um militar corre durante exercícios conjuntos das forças armadas russas e belarrussas no campo de tiro de Gozhsky, na região de Grodno Foto: Leonid Shcheglov/Belta/AFP

Conhecimento

Durante o mesmo período, a economia global transformou-se de uma economia com base em materiais para uma economia com base em conhecimento. Se no passado as principais fontes de riqueza foram bens materiais, como minas de ouro, campos de trigo e poços de petróleo, hoje a principal fonte de riqueza é o conhecimento. E ainda que seja possível tomar campos de petróleo pela força, não é possível adquirir conhecimento dessa maneira. Como resultado, a lucratividade da conquista declinou.

Finalmente, um abalo tectônico ocorreu na cultura global. Muitas elites na história – caciques hunos, senhores vikings e patrícios romanos, por exemplo – consideraram a guerra positivamente. Governantes, de Sargão, o Grande, a Benito Mussolini, buscaram imortalizar-se pelas conquistas (e artistas como Homero e Shakespeare alegremente satisfaziam tal vaidade). Outras elites, como a Igreja Cristã, consideravam a guerra algo ruim, mas inevitável.


Mas nas recentes gerações passadas, pela primeira vez na história, o mundo foi dominado por elites que consideram a guerra tanto ruim quanto evitável. Mesmo tipos como George W. Bush e Donald Trump, sem mencionar as Angelas Merkels e Jacindas Arderns do mundo, são políticos muito distintos em relação a Átila, o Huno, ou Alarico, o Godo. Eles normalmente chegam ao poder com sonhos de reformas domésticas, em vez de conquistas estrangeiras. 

Enquanto no reino da arte e do pensamento, os faróis mais brilhantes – de Pablo Picasso a Stanley Kubrick – são mais conhecidos por representar os combates como horrores insensatos, em vez de glorificar seus arquitetos.

Como resultado de todas essas mudanças, a maioria dos governos parou de considerar guerras de agressão como uma ferramenta aceitável para fazer avançar seus interesses, e a maioria dos países parou de fantasiar a respeito de conquistar e anexar seus vizinhos. Simplesmente não é verdade que a força militar, por si só, impede o Brasil de conquistar o Uruguai ou impede a Espanha de invadir o Marrocos.

O declínio da guerra é evidente em numerosas estatísticas. Desde 1945, tem sido relativamente raro que fronteiras internacionais sejam redesenhadas por invasores estrangeiros, e nenhum país internacionalmente reconhecido foi completamente apagado do mapa por uma conquista externa. Não faltaram outros tipos de conflitos, como guerras civis e insurgências. Mas, mesmo levando em conta todos os tipos de conflito, nas primeiras duas décadas do século 21, a violência humana matou menos gente do que suicídios, acidentes de carro ou doenças relacionadas à obesidade. A pólvora tornou-se menos mortífera do que o açúcar.

Parâmetros da paz

Estudiosos debatem a respeito das estatísticas exatas, mas é importante olhar além da matemática. O declínio da guerra foi um fenômeno tanto psicológico quanto estatístico. Sua característica mais importante foi uma grande mudança no próprio significado do termo “paz”. Ao longo da maior parte da história, a paz significou somente “a ausência temporária da guerra”. 

Quando as pessoas afirmavam, em 1913, que havia paz entre França e Alemanha, elas queriam dizer que os Exércitos francês e alemão não estavam em combate direto, mas todos sabiam que, mesmo assim, uma guerra entre eles deveria irromper a qualquer momento.

Em décadas recentes, “paz” passou a significar “a implausibilidade da guerra”. Para muitos países, ser invadido e conquistado por vizinhos tornou- se quase inconcebível. Eu vivo no Oriente Médio, então sei perfeitamente que há exceções a essas tendências. Mas reconhecer tendências é no mínimo tão importante quanto ser capaz de apontar exceções.

A “nova paz” não é uma casualidade estatística nem uma fantasia hippie. Ela é refletida mais claramente por orçamentos friamente calculados. Em décadas recentes, governos de todo o mundo sentiram-se seguros o suficiente para gastar uma média de apenas cerca de 6,5% de seus orçamentos em forças armadas, enquanto gastaram muito mais em educação, assistência médica e bem-estar social.

Tendemos a achar isso natural, mas isso é uma novidade estarrecedora na história humana. Por milhares de anos, os gastos militares foram de longe o maior item do orçamento de qualquer príncipe, khan, sultão e imperador. Eles dificilmente gastavam algum centavo em educação ou ajuda médica para as massas.

O declínio da guerra não resultou de um milagre divino ou de uma mudança nas leis da natureza. Resultou de humanos fazendo escolhas melhores. Isso é possivelmente a maior realização da civilização moderna. Infelizmente, o fato de isso decorrer da escolha humana também significa que é reversível.

Tecnologia, economia e cultura continuam a mudar. A ascensão das armas cibernéticas, de economias impulsionadas pela inteligência artificial e de novas culturas militaristas poderia resultar em uma nova era de guerras, pior do que qualquer outra que tenhamos visto antes. Para desfrutar da paz, precisamos que quase todos façam boas escolhas. Em contraste, uma escolha ruim de apenas um lado pode levar à guerra.

É por isso que a ameaça russa de invadir a Ucrânia deveria preocupar todas as pessoas da Terra. Se tornar-se novamente uma regra que países poderosos subjugam vizinhos mais fracos, isso afetaria o comportamento e os sentimentos de todos no mundo. O primeiro e mais óbvio resultado de um retorno à lei da selva seria um acentuado aumento no gasto militar, em detrimento de gastos em todas as outras áreas. O dinheiro que deveria ir para professores, enfermeiros e assistentes sociais iria, em vez disso, para tanques, mísseis e armas cibernéticas.

Lei da selva

Um retorno à selva também minaria a cooperação global a respeito de problemas como evitar mudanças climáticas catastróficas ou regular tecnologias disruptivas, como inteligência artificial e engenharia genética. Não é fácil trabalhar com países que estão se preparando para eliminar você. E, com a aceleração tanto das mudanças climáticas quanto da corrida armamentista de IA, a ameaça de conflitos armados somente aumentará ainda mais, encerrando um círculo vicioso que poderá muito bem condenar nossa espécie.

Se você acreditar que mudanças históricas são algo impossível e a humanidade jamais deixou a selva nem nunca deixará, a única escolha que lhe resta é atuar como predador ou presa. Diante dessa escolha, a maioria dos líderes preferiria entrar para história como predador alfa e escrever seu nome na sinistra lista dos conquistadores – que desafortunados estudantes são condenados a memorizar para seus exames de história.

Mas e se mudar for possível? E se a lei da selva for uma escolha, em vez de uma inevitabilidade? Se for assim, qualquer líder que escolher conquistar um vizinho ocupará um lugar especial na memória da humanidade bem pior do que o posto de Tamerlão da vez. Ele entrará para a história como o homem que arruinou nossa maior realização. Justo quando pensamos estar fora da selva, ele nos puxou de volta.

Mudança

Não sei o que acontecerá na Ucrânia. Mas, como historiador, acredito na possibilidade da mudança. Não acho isso ingenuidade – isso é realismo. A única constante na história humana é a mudança. E isso é algo que talvez possamos aprender dos ucranianos. Por muitas gerações, os ucranianos não testemunharam nada além de tirania e violência. Eles suportaram dois séculos de autocracia czarista (que finalmente colapsou em meio ao cataclisma da 1.ª Guerra). 

Uma breve tentativa de independência foi rapidamente esmagada pelo Exército Vermelho, que restabeleceu o controle russo. O ucranianos sobreviveram, então, à grande fome engendrada no Holodomor, ao terror stalinista, à ocupação nazista e a décadas da desalentadora ditadura comunista. Quando a União Soviética colapsou, a história parecia garantir que os ucranianos percorreriam novamente o caminho da tirania brutal – afinal, o que mais eles conheciam?

Mas eles escolheram outra coisa. Apesar da história, apesar da pobreza opressiva e apesar dos obstáculos aparentemente insuperáveis, os ucranianos estabeleceram uma democracia. Na Ucrânia, diferentemente da Rússia e de Belarus, candidatos de oposição substituíram governantes repetidamente. 

Quando desafiados pela ameaça da autocracia, em 2004 e 2013, os ucranianos se levantaram duas vezes em revoltas para defender sua liberdade. Sua democracia é uma coisa nova. Assim como a “nova paz”. Ambas são frágeis e podem não durar muito. Mas ambas são possíveis e capazes de criar raízes profundas. Toda coisa antiga um dia foi nova. Tudo se resume às escolhas humanas. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL.

Yuval Noah Harari, o autor deste artigo, é historiador. Vive em Israel. Autor de "21 Lições para o século 21", "Homo Sapiens", "Homo Deus" e outros.

©️ 2022 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO EM LINGUA PORTUGUESA NO BRASIL PELO 'O ESTADO DE S. PAULO', SOB LICENÇA, EM 15.02.22. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

De volta à farsa

Novo ataque às urnas mostra que Bolsonaro não desistiu de tumultuar a eleição

Jair Bolsonaro mostrou que continua disposto a investir no descrédito do sistema eleitoral brasileiro para criar tumulto em caso de derrota no pleito de outubro.

Numa transmissão ao vivo na internet, o presidente disse que militares detectaram vulnerabilidades nas urnas eletrônicas no fim do ano passado e apresentaram questionamentos ao Tribunal Superior Eleitoral, ainda sem resposta.

Bolsonaro acrescentou que a elevada audiência alcançada por suas aparições nas redes sociais mostra que estão erradas as pesquisas que lhe atribuem baixos índices de popularidade —e disse esperar que suas desconfianças sejam sanadas até o dia da votação.

Embora o tom tenha sido mais ameno que o adotado em manifestações similares no passado, quando ele atacou ministros do Tribunal Superior Eleitoral, defendeu teses conspiratórias e propagou mentiras sobre as urnas, as más intenções continuam indisfarçáveis.

Durante o falatório, o mandatário fez mais uma vez menção à fantasia de que as eleições de 2018 foram fraudadas por pessoas interessadas em lhe roubar a vitória no primeiro turno, o que obviamente jamais se comprovou.

Bolsonaro lembrou que é o comandante em chefe das Forças Armadas, insinuou que a Justiça não deu a devida atenção aos questionamentos e disse que mandou o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, cobrar explicações.

O TSE relatou ter recebido um pedido de informações do general Heber Garcia Portella, responsável pela área de defesa cibernética do Exército, e esclareceu que só não elaborou a resposta ainda por causa do recesso do fim de ano e da complexidade das questões.

O militar faz parte de uma comissão de especialistas formada pelo próprio TSE no ano passado para reforçar a fiscalização do processo eleitoral. Segundo o tribunal, ele não apontou nenhuma falha e se limitou a pedir dados técnicos para entender melhor o sistema.

Todos os ataques de Bolsonaro às urnas foram refutados com clareza pela Justiça, com evidências que o desmentem. Não há razão para imaginar que as questões do general Portella não serão esclarecidas com a devida presteza.

O presidente jamais apresentou qualquer coisa que sustentasse suas patranhas, mas aposta na balbúrdia para manter seguidores mais radicais mobilizados e minar a confiança depositada pela maioria na lisura do processo eleitoral.

Alvo de seis inquéritos conduzidos pelo Supremo Tribunal Federal, incluindo um por ter espalhado informações falsas sobre as urnas e outro por ter divulgado dados sobre um ataque cibernético sofrido pela Justiça Eleitoral, Bolsonaro sabe dos riscos que corre.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 15.02.22

Rússia anuncia retirada parcial da fronteira ucraniana

Entretanto, EUA e aliados alertam que russos continuam movimentações na área. Imagens de satélite apontariam maior atividade militar na região, com chegada de equipamento bélico adicional.

O Ministério da Defesa da Rússia anunciou nesta terça-feira (15/02) que algumas tropas  estacionadas há semanas perto da fronteira ucraniana começaram a retornar a suas bases. A presença militar russa na área provocou temores de uma invasão no país vizinho.

A pasta afirmou ter sido iniciada a retirada das tropas destacadas para o sul e oeste do país, perto da fronteira da Ucrânia, rumo às suas bases permanentes, embora não tenha especificado o local onde elas estão estacionadas e o número exato de soldados envolvidos.

"À medida que as ações de treinamento de combate chegam ao fim, as tropas, como é sempre o caso, conduzirão marchas combinadas para suas guarnições permanentes", anunciou o porta-voz do ministério, Igor Konashenkov.

A Rússia reuniu mais de 130 mil soldados perto da Ucrânia, provocando temores de uma invasão. Moscou nega ter planos de invadir a Ucrânia, apesar de colocar tropas nas fronteiras ao norte, sul e leste do país e iniciar realizar exercícios militares maciços.

Líderes da Ucrânia expressaram ceticismo quanto ao anúncio de Moscou. "A Rússia constantemente faz várias declarações", disse o ministro do Exterior ucraniano, Dmytro Kuleba. "É por isso que temos a regra: não vamos acreditar quando ouvirmos, acreditaremos quando virmos. Quando virmos tropas se retirando, vamos acreditar na desescalada.''

"Aumento de atividade militar russa"

Os Estados Unidos e países europeus mantiveram seus alertas. A secretária do Exterior britânica, Liz Truss, reiterou nesta terça-feira que o perigo de uma invasão ainda existe, dizendo à Sky News que "pode ser iminente". Mas acrescentou que "ainda há tempo para que Putin deixe a beira do abismo".

Autoridades dos EUA disseram que os militares russos prosseguem com aparentes preparativos de ataque ao longo das fronteiras da Ucrânia. Um oficial dos EUA, falando em condição de anonimato, disse que um pequeno número de unidades terrestres russas está ocupando posições mais próximas à fronteira ucraniana, áreas que poderiam servir de pontos de partida se Putin lançar uma invasão.

A empresa comercial de imagens de satélite Maxar Technologies, que tem monitorado o acúmulo de tropas russas, relatou um aumento de atividade militar em Belarus, Crimeia e no oeste da Rússia, incluindo a chegada de helicópteros, aviões de ataque ao solo e caças-bombardeiros.

As fotos tiradas em um período de 48 horas também mostram forças terrestres deixando suas guarnições e unidades de combate e se movendo em formação de comboio.

Otan: "Até agora não vimos sinal de desescalada"

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou nesta terça que indicativos de que a Rússia está disposta a buscar a via diplomática são positivas, mas que ainda não havia evidências de Moscou estava retirando tropas da fronteira.

"Há sinais de Moscou de que a diplomacia deve continuar, o que serve de base para um otimismo cauteloso. Mas até agora não vimos nenhum sinal de desescalada [na fronteira]", disse Stoltenberg.

Ucrânia minimiza ameaça

Ainda assim, o chefe do conselho de segurança e defesa ucraniano, Oleksiy Danilov, minimizou a ameaça de invasão, mas alertou para o risco de "desestabilização interna'' por forças não especificadas.

"Hoje não vemos que uma ofensiva em lara escala da Rússia possa ocorrer nem no dia 16 nem no 17 (fevereiro)'', disse a repórteres. "Estamos cientes dos riscos que existem no território do nosso país. Mas a situação está absolutamente sob ao controle.''

O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse que quarta-feira seria um "dia de unidade nacional", pedindo ao país para exibir a bandeira azul e amarela e cantar o hino diante de "ameaças híbridas".

"Não é a primeira ameaça enfrentada pelo forte povo ucraniano", disse Zelenski na noite de segunda-feira em um discurso em vídeo para a nação. "Estamos calmos. Somos fortes. Estamos juntos.''

Mesmo assim, o país está se preparando. Residentes de Kiev receberam cartas do prefeito exortando-os a "defender sua cidade", e placas apareceram em prédios de apartamentos indicando o abrigo antiaéreo mais próximo. A capital tem cerca de 4.500 deles, incluindo garagens subterrâneas, estações de metrô e porões, disse o prefeito.

Reunião diante das câmeras

O anúncio de retirada de unidades da Rússia ocorre um dia após o ministro do Exterior do país, Serguei Lavrov, ter indicado que o país está disposto a continuar conversando sobre as preocupações de segurança que levaram à crise na Ucrânia – mudando o discurso após semanas de tensões crescentes. 

Os comentários de Lavrov ocorreram durante um encontro diante de câmeras com o presidente russo, Vladimir Putin. A reunião foi destinada a enviar uma mensagem ao mundo sobre a posição do líder russo. O ministro argumentou que Moscou deveria realizar mais negociações, apesar da recusa do Ocidente em considerar as principais demandas da Rússia.

Ele disse que as conversas "não podem continuar indefinidamente", mas que "sugeriria continuar com elas e expandi-las nesta fase'', disse Lavrov, observando que Washington se ofereceu para discutir limites para implantações de mísseis na Europa, restrições a exercícios militares e outras medidas para construção de confiança.

Moscou quer garantias de que a Otan não permitirá a adesão como membros da aliança da Ucrânia e de outras antigas repúblicas soviéticas. Também quer a aliança suspenda o envio de armas para a Ucrânia e retire suas forças da Europa Oriental.

Lavrov disse que as possibilidades de negociações "estão longe de serem exauridas". Putin observou que o Ocidente poderia tentar atrair a Rússia para "conversações intermináveis" e questionou se ainda há uma chance de chegar a um acordo. Lavrov respondeu que seu ministério não permitiria que os EUA e seus aliados bloqueassem as principais reivindicações da Rússia.

Nova onda diplomática

Os novos sinais de esperança chegam em meio a uma nova onda de diplomacia. O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, tem marcado encontro nesta terça-feira com Putin em Moscou, um dia depois de conversar com o presidente da Ucrânia em Kiev.

O ministro do Exterior polonês, Zbigniew Rau, um dos maiores críticos europeus da Rússia, também esteve em Moscou nesta terça para se encontrar com seu homólogo russo, enquanto o ministro do Exterior da Ucrânia recebeu seu equivalente italiano.

Uma possível saída para a atual crise foi levantada nesta semana: o embaixador da Ucrânia no Reino Unido, Vadym Prystaiko, apontou a possibilidade de a Ucrânia arquivar sua candidatura à Otan, se isso evitar uma guerra com a Rússia. Prystaiko mais tarde pareceu se distanciar da ideia, mas o fato de que ela foi citada sugere que está sendo discutida nos bastidores.

Deutsche Welle Brasil, em 15.02.22

“Circo da Farsa Jato”, comemora Moro em decisão do STJ

Pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos, Sergio Moro comemorou nesta 2ª feira (14.fev.2022) a decisão do presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Humberto Martins, de arquivar o inquérito contra procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Medida apurava suposta atuação dos procuradores para intimidar ministros do STJ.


Sérgio Moro pré candidato a Presidente da República pelo Podemos (Getty Images)

O inquérito foi instaurado por Martins em fevereiro do ano passado com base em diálogos obtidos por hackers na Operação Spoofing. O caso resultou no episódio popularmente conhecido como “Vaza Jato”. 

No Twitter, Moro classificou a divulgação das mensagens como “Farsa Jato” e disse que o episódio nunca conseguiu “demonstrar que um inocente sequer” foi condenado na operação Lava Jato.

“A grande verdade é que com todo o circo da Farsa Jato, eles nunca conseguiram demonstrar que um inocente sequer foi condenado na Lava Jato ou que alguém foi incriminado injustamente. Glenn e sua turma só ajudaram a soltar bandidos e a prejudicar o combate à corrupção no Brasil”, escreveu o ex-juiz. 

No momento do arquivamento do inquérito, Humberto Martins argumentou que não ficou configurada a existência de “indícios de autoria e de materialidade” de condutas criminosas por parte dos procuradores. A investigacao mirava inclusive o antigo coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol.  

Nesta 2ª feira, Dallagnol também foi às redes sociais comemorar o arquivamento. O ex-procurador e ex-coordenador da Lava Jato disse que “cada dia que passa, as teses Vaza Jatistas são derrubadas e desacreditadas diante da conclusão de que a operação Lava Jato atuou dentro da lei”. 

© Fornecido por Poder360 - Ontem 20:43

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Bolsonaro faz uso político de informações reservadas para atacar urnas, avaliam ministros

Em entrevista ao jornal “O Globo”, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, disse que as perguntas encaminhadas pelo Exército são técnicas, sobre o funcionamento do sistema, e não apontam nenhuma “vulnerabilidade”.

Por Valdo Cruz

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) disseram ao blog que "lamentavelmente" informações reservadas foram passadas ao presidente Jair Bolsonaro para “uso político” contra as urnas eletrônicas. Isso mostra que Bolsonaro não recuou na sua estratégia de atacar o sistema de votação sem provas e sem fundamentos reais.

Na semana passada, em sua transmissão ao vivo, Bolsonaro disse que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estava evitando responder perguntas feitas pelo Exército que apontariam “vulnerabilidades” nas urnas eletrônicas. A nova investida presidencial vem depois de Bolsonaro ter prometido até a aliados que não atacaria mais o sistema de votação brasileiro.

Em entrevista ao jornal “O Globo”, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, disse que as perguntas encaminhadas pelo Exército são técnicas, sobre o funcionamento do sistema, e não apontam nenhuma “vulnerabilidade”.

(Bolsonaro promoveu 'desinformação' sobre urnas, diz PF)

O TSE deve encaminhar as respostas nos próximos dias. Os técnicos do tribunal explicam que os esclarecimentos não haviam sido encaminhados ainda porque foram os questionamentos foram protocolados no final de dezembro, pouco antes do recesso do Judiciário. As respostas serão enviadas para a Comissão de Transparência Eleitoral, da qual faz parte um representante do Exército.

O acordo dentro da comissão era que todas as informações discutidas e analisadas ficariam sob reserva.

Esse entendimento, porém, acabou sendo quebrado depois que o presidente foi informado da suposta “demora” das respostas do tribunal. Bolsonaro usou essa informação para espalhar a falsa tese da "vulnerabilidade" do sistema. Só que o questionamento do Exército nem mesmo inclui pergunta sobre "vulnerabilidade". 

Valdo Cruz, o autor deste artigo, é comentarista de politica e economia da Globlo News. Cobre os bastidores das duas áreas há 30 anos. Publicado originalmente no G1, em 14.02.22.

Por vice, Braga Netto executa plano de Bolsonaro de novo ataque ao TSE, mas exército nega vínculo

Bolsonaro tem repetido nos últimos dias que, no fim de 2021, as Forças Armadas teriam encontrado vulnerabilidades no processo eleitoral, mas tanto o exército quanto o TSE negam questionamento.

O general Braga Netto — Foto: Beto Barata/Presidência da República

Em operação casada com o presidente Bolsonaro, o ministro da Defesa, Braga Netto, colocou em prática um plano do Planalto para, mais uma vez, levantar dúvidas sobre o sistema eletrônico nas eleições. Bolsonaro tem repetido nos últimos dias que, no fim de 2021, as Forças Armadas teriam encontrado vulnerabilidades no processo eleitoral.

Procurado pelo blog, no entanto, o centro de Comunicação do Exército disse não ter informações e afirmou que quem deve responder sobre o tema é o Ministério da Defesa. O TSE também emitiu uma nota afirmando que não houve questionamento das Forças Armadas.

A confusão, provocada propositalmente pelo presidente Bolsonaro, faz parte da estratégia de eleição do governo. Braga Netto está em campanha para ser vice na chapa de Bolsonaro - por isso, executa o plano de misturar a imagem dos militares que não estão no governo como se estivessem apoiando o presidente Bolsonaro.

Nos bastidores, porém, integrantes da alta cúpula do Exército se irritaram com a nova investida de Bolsonaro contra o Judiciário. Repetem que as perguntas oficiadas ao TSE não tramitaram pelo Exército e que o militar que elaborou as perguntas não só foi designado por Braga Netto como é vinculado ao ministério da Defesa.

Nas palavras de um integrante do Exército, a estratégia política de Bolsonaro "não é questão das Forças Armadas", que quer distância de qualquer conflito principalmente em ano eleitoral. 

Ao jornal 'O Globo', no fim de semana, Barroso desmentiu o presidente Bolsonaro. Disse que as perguntas do militar que integra a comissão de transparência nas eleições entraram na véspera do recesso e que não existe nenhum comentário sobre vulnerabilidade: são apenas perguntas, que serão respondidas na semana que vem. 

Andréia Sadi, a autora deste artigo, cobre os bastidores de Brasília para o Jornal Hoje (TV Globo) e na GloboNews. Apresenta o Em Foco (GloboNews) e integra o Papo de Política (G1).Publicado originalmente no G1, em 14.02.22

Petróleo se aproxima de US$ 100, seu nível mais alto em oito anos

O medo de uma invasão russa da Ucrânia e os baixos níveis de estoque pressionam o Brent

Uma instalação de extração de petróleo em Loving County (Texas, EUA), no final de 2019. (Angus Mordant / Reuters)

Por Inácio Fariza

De US$ 20 a quase US$ 100, em menos de dois anos. O barril de petróleo bruto Brent , referência na Europa, passou de seu nível mais baixo em duas décadas em tempo recorde para estar à beira de três dígitos, um patamar sem precedentes nos últimos oito anos, e que ameaça colocar ainda mais pressão sobre a inflação e desacelerar a recuperação econômica pós-pandemia. Nos últimos 12 meses, o petróleo disparou cerca de 50%, uma escalada que tem apenas um precedente histórico comparável: entre o verão de 2007 e 2008, quando seu preço dobrou para o máximo histórico de 140 dólares por barril.

Diante da explosão do consumo naqueles meses imediatamente anteriores à Grande Recessão , desta vez a origem da bagunça é diferente. A crescente tensão entre Rússia e Ucrânia , fronteira fundamental no trânsito de petróleo para a Europa, apresenta-se como o gatilho mais imediato para a escalada: não em vão, Moscou é o terceiro maior produtor do planeta e administra, junto com a Arábia Saudita , os fios do cartel ampliado de exportadores, a chamada OPEP+. Mas há mais swell de fundo: os estoques, em níveis incomumente baixos , desempenham um papel fundamental em uma escalada que complica o horizonte econômico para importadores, incluindo a Espanha e a maioria dos países europeus.

Forte recuperação pós-pandemia

A demanda por petróleo se recuperou muito mais rápido do que se poderia esperar no auge da pandemia, quando todos os aviões foram aterrados e os serviços estavam funcionando a meio acelerador. Após o intervalo, a realidade tem sido muito diferente do esperado: o consumo de energia está a um passo do nível pré-pandemia —cerca de 100 milhões de barris por dia— e a oferta, por outro lado, permanece em níveis artificialmente baixos tanto por vontade própria OPEP+ baixo investimento em exploração e produção nos últimos anos. Esse desequilíbrio nas forças de mercado, agravado nas últimas semanas pela ameaça de invasão da Ucrânia pela Rússia, está levando o petróleo a níveis que pareciam estar no passado.

Arábia Saudita transfere ações da Aramco avaliadas em mais de 70.000 milhões para seu fundo soberano

Embora o alto escalão das casas de pesquisa e empresas de investimento estejam alertando há algum tempo que US$ 100 o barril é o cenário de linha de base de curto prazo, Henning Gloystein, chefe de Energia e Clima da consultoria Eurasia, está confiante de que atingiu - o pico será temporário , depois dê lugar a uma “correção descendente”. "Exceto por interrupções repentinas, há margem de oferta suficiente para cobrir o aumento de demanda esperado", afirma em nota recente aos clientes. Tudo, é claro, desde que o cartel de produtores concorde em reabrir a torneira de petróleo: por enquanto, as orações de Joe Biden e outros líderes internacionais para que a OPEP + eleve seu teto de produção caíram em ouvidos surdos .

Os 100 dólares por barril alteram o horizonte económico

Um barril de três dígitos elevaria as previsões de inflação de apenas alguns meses atrás, quando o Brent estava pouco acima de US$ 70. Faria isso em cerca de meio ponto percentual, de acordo com os últimos cálculos da Bloomberg, um número que seria notavelmente maior no bloco emergente.

Os preços, no entanto, não são o único vetor de preocupação causado pelo petróleo a US$ 100 o barril. O mundo não é mais o que era na década de 1970, quando petróleo e carvão eram praticamente as únicas fontes de energia disponíveis, e qualquer aumento nos preços afetava duramente o crescimento no Ocidente. Mas 80% da energia consumida ainda vem da queima de combustíveis fósseis, e a recente escalada de todos eles —a trilogia do gás natural, petróleo bruto e carvão— é motivo de preocupação para a economia global como um todo.

"Não há menos chance de que isso reduza significativamente o crescimento", diz Peter Hooper, chefe de pesquisa econômica global do Deutsche Bank e ex-executivo do Federal Reserve (Fed) dos EUA. Nos EUA, segundo cálculos da agência de classificação de risco Moody's, para cada US$ 10 que os preços do petróleo sobem, o ritmo de crescimento do PIB é reduzido em um décimo.

Nos últimos anos, os técnicos estabeleceram uma faixa entre 60 e 80 dólares por barril como a melhor para a expansão econômica: nela, segundo eles, ambos os países importadores podem se sentir à vontade - sem grande pressão sobre motoristas e transporte de passageiros e mercadorias - como como exportadores—que obtêm uma margem não negligenciável sem sufocar a demanda—. Com o barril à beira de 100 dólares, porém, o quadro muda completamente: esta é uma notícia muito boa para o Golfo Pérsico e, em menor medida, para a Rússia, mas muito ruim para a Europa, China, Índia e Japão —entre outros— , que têm de encontrar fora de todo o petróleo que consomem. O caso espanhol é paradigmático: com o petróleo bruto ainda longe de seu pico histórico, a gasolina está em seu ponto mais alto desde que há registros .

A pressão que a subida abrupta dos preços da energia está a exercer sobre o IPC está a obrigar os principais bancos centrais mundiais a aumentarem as taxas de juro muito mais cedo do que o esperado. É o caso do Banco da Inglaterra, que em menos de três meses elevou o preço do dinheiro duas vezes. Ou a do próprio Fed, que aponta três altas em 2022; o primeiro, já no próximo mês . O BCE mantém a taxa por enquanto, embora já tenha anunciado uma aceleração no cronograma de retirada de compras de dívida que tem causado ansiedade nos países do sul e não descarta mais uma alta da taxa este ano. Com os preços mais altos do gás natural, da eletricidade e dos alimentos, um novo aumento no petróleo bruto aumentaria ainda mais o custo de vida e reduziria o poder de compra das famílias. Justamente quando a recuperação depende mais dos ombros do consumo privado.

Inácio Fariza, o autor deste artigo, é o editor da seção de Economia do EL PAÍS. Trabalhou nas delegações do jornal em Bruxelas e na Cidade do México. Estudou Economia e Jornalismo na Universidade Carlos III e mestrado em Jornalismo no EL PAÍS e na Universidade Autônoma de Madri. Publicado originalmente em 14.02.22

Escândalo de spyware da Pegasus gera suspeita de estado policial em Israel

O governo planeja uma investigação sobre as escutas telefônicas de cidadãos israelenses sem mandado. Julgamento de corrupção contra Netanyahu é suspenso por possível coleta ilegal de provas por agentes

Uma mulher usa um telefone celular do lado de fora da sede da NSO, fabricante do programa Pegasus em Herzliya (Israel). (Foto de JACK GUEZ (AFP)

Por Juan Carlos Sanz

O escândalo sobre o uso ilegal do spyware Pegasus pela polícia decolou em Israel. O software que rouba dados móveis sem ser notado é fabricado pela empresa israelense NSO, incluída na lista negra do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos por exportá-los para países com regimes autoritários que o utilizaram para intervir em dispositivos de segurança. jornalistas ou defensores dos direitos humanos. As informações sobre espionagem cibernética sem ordem judicial a altos funcionários e cidadãos comuns veiculadas há um mês pelo Calcalist , um diário econômico de referência, abalaram Israel.

A polícia negou todas as informações a princípio, mas novas revelações têm dado indícios de que os agentes que investigaram o então primeiro-ministro, o conservador Benjamin Netanyahu, a partir de 2015, em diversos casos de corrupção , ultrapassaram os limites e ultrapassaram os prazos de uma autorização judicial . para grampear telefones celulares de uma posição alta. Entre as dezenas de telefones apreendidos estão o de Avner Netanyahu, filho do ex-chefe de governo, e o do ex-diretor-geral do Ministério das Telecomunicações, Shlomo Filber, que se tornou uma das principais testemunhas de acusação depois de ter chegado a um acordo com os promotores para livrar-se de uma frase longa.

A declaração desse arrependido é a base da acusação no chamado caso 4.000 ou caso Bezeq, em homenagem ao nome do gigante grupo de telecomunicações israelense. Os telefones celulares de diretores e jornalistas do portal de informações Walla —ao qual Netanyahu reivindicou cobertura favorável e de Iris Elovitch, esposa do proprietário do meio digital e principal acionista de Bezeq— também teriam sido apreendidos sem o aval de um tribunal .

Em meio à torrente de revelações jornalísticas, o ministro da Segurança Pública, Omer Barlev, responsável pela polícia, e o chefe do Executivo, Naftali Bennett, anunciaram a criação de uma comissão oficial de investigação. Ambos aguardam o resultado das investigações iniciadas pela Procuradoria Geral da República com a ajuda do Shin Bet e do Mossad, os serviços de inteligência nacional e estrangeiro, respectivamente, conhecidos por seu domínio da espionagem cibernética.

O tribunal de Jerusalém que julga Netanyahu desde 2020 por acusações de suborno, fraude e abuso de poder também suspendeu o processo desde a semana passada, aguardando esclarecimentos sobre a legalidade das provas obtidas por meio de perfurações policiais.

Michael Birnhack , especialista jurídico em direito à privacidade e tecnologia, reconhece que “os regulamentos que regulam as intervenções da polícia israelense são caóticos”. “Existe uma lei para buscas no computador, outra para metadados e outra que regula as escutas telefônicas”, especifica este professor da Faculdade de Direito da Universidade de Tel Aviv em uma troca de e-mail, “mas nenhuma autoriza o uso de programas de espionagem”.

Além de altos funcionários ou parentes de Netanyahu, a sombra de Pegasus também foi projetada em prefeitos ou ativistas da sociedade civil, de acordo com as revelações calcalistas . Os agentes iniciaram suas buscas aleatoriamente sem autorização judicial. Os telefones dos supostos suspeitos foram intervencionados com o programa Pegasus, que captura os dados móveis. Se conseguissem pegar alguma evidência, solicitavam autorização do tribunal para branquear o caso e regularizar a investigação retroativamente.

“Há um amplo consenso em Israel sobre a necessidade de esclarecer por lei os limites das investigações policiais. Obviamente, os policiais estão pedindo melhores ferramentas tecnológicas para processar criminosos, o que também é de interesse público. No entanto, as limitações devem ser estabelecidas e o uso de todas as tecnologias possíveis não deve ser permitido”, alerta Birnhack, ex-membro do Conselho Público de Proteção de Dados de Israel.

O CEO da NSO, Shalev Hulio , disse no verão passado que o spyware não foi projetado para operar em telefones israelenses. Ele garantiu isso logo após uma investigação jornalística internacional informar que cinquenta governos o usaram para controlar dissidentes e repórteres. A NSO sustenta que seus funcionários não operam a Pegasus e se limitam a “fornecer tecnologia às agências de inteligência do Estado” no combate ao terrorismo ou crime organizado, sempre com autorização do governo israelense.

Doutrina do "fruto da árvore venenosa"

Em um relatório preliminar, a Procuradoria Geral da República avançou no domingo perante o tribunal de Jerusalém que julga Netanyahu que ele não observou uma intervenção telefônica ilegal da polícia. Estes são os primeiros dados da investigação ordenada em janeiro pelo procurador-geral, com a assessoria do Shin Bet e do Mossad, cujos resultados devem ser apresentados na quarta-feira.

“Se qualquer prova for obtida ilegalmente ou sem autorização, essa prova específica pode ser declarada inadmissível. No entanto, outras buscas baseadas nessas mesmas pistas podem ser permitidas”, afirma o professor Birnhack. Em Israel, não se aplica a doutrina jurídica do "fruto da árvore envenenada" , que estabelece que as provas obtidas por meios ilícitos também são ilícitas e não podem valer no processo, que surgiu há um século nos Estados Unidos.

"A incorporação de provas obtidas por meio de tecnologias de spyware fica a critério do tribunal em um julgamento criminal", esclarece o professor da Universidade de Tel Aviv. "É cedo para dizer se houve uma ação policial ilegal e se ela forneceu provas relevantes no processo de Netanyahu", conclui.

Investigadores da Procuradoria-Geral examinaram cerca de 1.500 telefones celulares supostamente afetados por espionagem cibernética por meio de um banco de dados interno fornecido pela empresa NSO, anunciou o Ministério da Justiça de Israel no domingo, citado pela Reuters. A empresa fabricante da Pegasus garantiu que o registro de controle que forneceu oferece informações exatas sobre quais telefones foram intervencionados.

O veterano colunista Nahum Barnea lembra que o uso desse tipo de tecnologia coincidiu com a chegada na polícia, a partir de 2015, de comandantes do Shin Bet, acostumados à espionagem cibernética massiva na Palestina. "Tornou-se uma espécie de Stasi", reflete Barnea nas páginas do Yedioth Ahronoth , "uma organização que espionava quem não gostava [na Alemanha Oriental]". As críticas sobre o uso de programas de espionagem cibernética israelenses no resto do mundo mal chamaram a atenção do público. Até agora.

Mossad pediu ajuda à NSO para grampear celulares

Apesar de ter suas próprias ferramentas de espionagem de comunicações, o Mossad também apreendeu celulares e aparelhos de Israel com o programa Pegasus, segundo o jornal Haaretz , que citou confidencialmente funcionários do grupo NSO. Agentes do serviço de inteligência estrangeira pediram aos técnicos do fabricante Pegasus que acessassem alguns telefones em seu nome, presumivelmente porque não podiam fazê-lo com seus próprios programas ou para não deixar vestígios de sua intervenção.

Funcionários do Mossad costumavam visitar a sede da NSO em Herzliya (norte de Tel Aviv) junto com delegações estrangeiras, principalmente de países árabes e africanos, interessadas em adquirir o programa Pegasus . Tendo servido como ferramenta para a expansão da ciberdiplomacia israelense, a tecnologia de espionagem telefônica projetada por empresas como a NSO tornou-se parte do rígido sistema de segurança interna do Estado de Israel.

Juan Carlos Sanz, o autor deste artigo, é o correspondente do EL PAÍS no Oriente Médio a partir de Jerusalém desde 2015. Antes disso, ele foi chefe de Internacional. Em 20 anos como enviado do EL PAÍS cobriu conflitos nos Bálcãs, Magrebe, Iraque e Turquia, entre outros destinos. É licenciado em Direito pela Universidade de Saragoça e mestre em Jornalismo pela Universidade Autónoma de Madrid. Publicado originalmente em 14.02.22

Moscou garante que o diálogo está "longe de esgotado" apesar da escalada de tensão na Ucrânia

O Kremlin preparou um documento de cerca de 10 páginas com as respostas aos Estados Unidos e à OTAN sobre suas demandas de segurança para a Rússia

Putin e Lavrov, durante seu encontro nesta segunda-feira em Moscou. (Foto: SPUTNIK (VIA REUTERS)

Por Javier G. Cuesta 

Todas as luzes estavam acesas no Parlamento russo, que entrou em cena nesta segunda-feira com seu pedido ao presidente para reconhecer a independência do leste da Ucrânia. No entanto, foram Vladimir Putin e seu ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, que encenou uma breve troca de palavras minutos antes do debate que arrebatou todo o protagonismo do drama que está sendo escrito nestes meses no Leste Europeu. "Existe uma oportunidade de chegar a um acordo com nossos parceiros sobre as principais questões que nos preocupam ou é apenas uma tentativa de nos arrastar para um processo de negociação sem fim?", começou o presidente russo. Lavrov admitiu que as negociações estão demorando muito, mas abriu a porta para o otimismo. "Ainda assim, como chefe do Ministério das Relações Exteriores, devo dizer que sempre há uma oportunidade." Putin então ordenou que ele continuasse negociando.

Putin realizou duas breves reuniões televisionadas na segunda-feira com Lavrov e o ministro da Defesa, Sergei Shoigu. Apesar dos ultimatos lançados de Moscou nos últimos meses sobre uma contagem regressiva que estava se esgotando , o chefe da diplomacia russa foi enfático ao afirmar que ainda há espaço para diálogo. “Tenho a impressão de que nossas chances estão longe de se esgotarem. É claro que eles não devem continuar indefinidamente, mas neste estágio sugiro prolongá-los e intensificá-los", disse Lavrov ao presidente, ambos separados por uma mesa enorme, como aconteceu uma semana antes com o presidente francês Emmanuel Macron .

O Kremlin já preparou sua resposta às respostas oferecidas pelos Estados Unidos e pela OTAN às suas demandas por garantias de segurança para a Rússia. Lavrov confirmou que o documento está finalizado e sua extensão é de “cerca de 10 páginas”.

Shoigu revisou os exercícios maciços que as tropas russas estão realizando com a Ucrânia, tanto no sul do país quanto em sua aliada Bielorrússia. O ministro da Defesa indicou que parte das manobras terminará em breve, embora não tenha entrado em mais detalhes sobre o retorno ou não das tropas.

Essas reuniões ocorreram pouco antes de a Duma Estatal (Parlamento) abordar uma nova medida de pressão sobre Kiev. Essa câmara deveria debater nesta segunda-feira um projeto de lei apresentado em janeiro pelo Partido Comunista para pedir ao presidente que reconheça as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk na Ucrânia. No entanto, a formação de Putin, Rússia Unida, apresentou outro rascunho para que a iniciativa seja analisada antes por Lavrov. O presidente da câmara baixa, Vyacheslav Volodin, anunciou que os dois textos serão votados na terça-feira.

Até agora, Moscou defendia que a região ficasse dentro da Ucrânia com um status especial, conforme constava dos acordos de paz assinados há sete anos . Os protocolos de Minsk foram selados pela primeira vez pela Rússia, Ucrânia e pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) em setembro de 2014, quando a ofensiva do Exército ucraniano colocou os separatistas nas cordas, e revistos novamente em fevereiro de 2015 após uma bem sucedida contra-ofensiva das milícias apoiadas pela Rússia.

Moscou exige que Kiev converse com as autoridades das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk para concordar com a realização de eleições locais, conforme consta no ponto 12 dos protocolos. Além disso, o Kremlin insta o governo ucraniano a reformar a Constituição e dar a Donbas um status especial, uma questão que deveria ter sido resolvida em 2015, de acordo com o ponto 11. No entanto, Kiev, por sua vez, exige que a Rússia cumpra outros compromissos importantes, pontos 9 e 10: o retorno à Ucrânia do controle da fronteira entre a zona separatista e a Rússia e a retirada de todas as formações armadas e equipamentos militares da região.

Movimentos de tropas ucranianas

Apesar dos apelos ao diálogo, o porta-voz de Putin denunciou na segunda-feira "um agravamento significativo da situação" devido ao movimento de tropas "das Forças Armadas da Ucrânia e unidades de outra natureza" ao longo da linha de contacto de Donbas e da fronteira com a Rússia. Dmitri Peskov enfatizou que esses desdobramentos não são menos importantes do que os realizados pelas Forças Armadas Russas em seu território e na Bielorrússia.

Com a tensão máxima no leste do continente, o Kremlin saudou a entrevista concedida ao BCC pelo embaixador ucraniano no Reino Unido, Vadym Prystaiko, que afirmou que seu país poderia reconsiderar a adesão à OTAN , uma das linhas vermelhas do Kremlin . "Poderíamos. Especialmente sendo ameaçado dessa forma, chantageado e pressionado a fazê-lo”, disse o diplomata.

As suas palavras foram refutadas pelo porta-voz do Presidente da Ucrânia, Sergei Nikiforov, que respondeu publicamente que este retrocesso não foi de forma alguma considerado porque o desejo de aderir à Aliança Atlântica está contido na própria Constituição. O próprio presidente Zelenski se expressou da mesma forma após se encontrar na segunda-feira em Kiev com o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Olaf Scholz. No entanto, o porta-voz de Putin não perdeu a oportunidade de trazer à tona uma das principais demandas de Moscou. "Este seria, sem dúvida, um passo que contribuiria significativamente para dar uma resposta mais significativa às preocupações russas", sublinhou o representante do Kremlin, embora considere "improvável" que esta ideia tenha mais viagens por parte de Kiev.

Peskov também falou sobre a visita do ministro das Relações Exteriores Scholz a Moscou na terça-feira . Em seu encontro com Putin, eles abordarão não apenas toda a crise em torno da Ucrânia e a busca de um novo sistema de segurança com a Rússia, mas também a paralisação do gasoduto Nord Stream 2 , cujas obras foram concluídas em janeiro, mas ainda não receberam a aprovação de Bruxelas para operar porque sua gestão pertence ao monopólio estatal russo Gazprom e o risco de se tornar um instrumento de pressão do Kremlin.

Washington e Londres ainda veem "um espaço crucial para a diplomacia"

O presidente dos EUA, Joe Biden, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, quiseram enfatizar que "ainda há um espaço crucial [uma janela crucial, segundo o comunicado oficial] para a diplomacia e para a Rússia recuar em suas ameaças contra Ucrânia”, informou Downing Street na segunda-feira. Ambos os dignitários tiveram uma conversa telefônica para analisar a crise atual. Os dois queriam deixar claro que "qualquer incursão na Ucrânia resultará em uma extensão da crise para a Rússia, com danos muito maiores tanto para aquele país quanto para o resto do mundo". 

Washington e Londres, que vêm insistindo desde este fim de semana que uma invasão russa pode ser iminente, concordaram que os aliados ocidentais devem manter sua unidade diante das ameaças russas, "mesmo ao impor um grande pacote de sanções". sua escala de agressão”, diz o comunicado do governo britânico. Biden e Johnson reiteraram a necessidade de os países europeus reduzirem sua dependência do gás russo. "Um movimento que, mais do que qualquer outro, atingiria o coração dos interesses estratégicos da Rússia." R de M .

Javier G. Cuesta é correspondente do EL PAÍS em Moscou. Publicado originalmente em 14.02.22

BBVA cresce no Brasil com investimento de 263 milhões no banco digital Neon

A entidade facilita o acesso a serviços financeiros entre pessoas físicas, freelancers e pequenas empresas brasileiras e tem 15 milhões de contas cadastradas

Sede do BBVA em Madrid.

Por Álvaro Sanchez

O BBVA anunciou esta segunda-feira um investimento de 300 milhões de dólares (263 milhões de euros) no banco digital brasileiro Neon, onde já detinha uma participação de 8% através do fundo de capital de risco Propel. A nova compra eleva a posição da entidade espanhola para 29,7% da Neon e reforça a estratégia de tentar crescer em outros mercados por meio de plataformas digitais financeiras: em 2015 entrou no britânico Atom Bank —do qual detém 40%—, e em 2018 no Solarisbank alemão —16%—.

A Neon, fundada em 2016, facilita o acesso a serviços financeiros para pessoas físicas, freelancers e pequenas empresas brasileiras e possui 15 milhões de contas cadastradas. O BBVA vê duas grandes vantagens em adquirir mais ações do banco. “Além de uma clara aposta na inovação, o investimento permite ao BBVA ter exposição ao negócio da banca de retalho no Brasil, um dos mercados com maior potencial do mundo”, explica em comunicado enviado segunda-feira.

A área da América do Sul é a quarta maior área de influência do BBVA. Em 2021, obteve lá um lucro de 491 milhões, 10,1% a mais que no ano anterior, mas atrás dos lucros no México, Espanha e Turquia. O banco realizou nos últimos meses uma redistribuição geográfica de seus ativos. Em novembro, vendeu seus negócios nos Estados Unidos para o PNC Financial Services Group por 9,7 bilhões de euros , o que lhe deu força financeira. Nesse mesmo mês lançou uma OPA pela metade que não controlava do banco turco Garanti em troca de 2.249 milhões. E agora está crescendo no segmento de banco digital brasileiro.

A oferta de serviços financeiros da Neon inclui contas correntes gratuitas, cartões de débito e crédito, empréstimos e produtos especializados para microempresas. Seu desempenho chamou a atenção da BlackRock, maior gestora de fundos de investimento do mundo, que faz parte de sua participação acionária. O mesmo que a plataforma de pagamento PayPal. Antes do investimento do BBVA, a empresa havia levantado 423 milhões em várias rodadas de financiamento. E entre seus parceiros estão também o fundo General Atlantic, Vulcan e Banco Votorantim, com sede no Brasil.

Fintech: concorrentes e aliados

Pedro Conrade, fundador da Neon, acredita que o investimento do BBVA irá ajudá-los a alcançar mais clientes. “Queremos alcançar mais brasileiros e promover nosso propósito de reduzir as desigualdades e fazer a diferença na vida das pessoas no Brasil”, disse. A subscrição das ações e a integralização ocorrerão em fevereiro. E de acordo com o banco espanhol, a operação consumirá aproximadamente 10 pontos base no índice de capital CET1 totalmente carregado do BBVA , a mais alta qualidade, que no final de 2021 era de 12,75%.

O desembolso surge num ambiente de crescente competição entre a banca tradicional e um ecossistema de fintech , neobancos e aplicações financeiras ao qual as entidades que agora dominam o mercado temem que gigantes tecnológicos como Google, Amazon, Facebook ou Apple se juntem. Para tentar contrariar, os bancos estão a atuar em duas vertentes: internamente, com uma digitalização acelerada das suas operações que está a gerar algumas tensões por deixar para trás clientes mais antigos habituados ao atendimento presencial e em certos casos desligados do universo digital . E a externa, com a aquisição de ações em plataformas financeiras digitais.

No campo das operações corporativas, o BBVA também está acompanhando de perto a venda do Banamex, que começará na primavera, depois que o banco norte-americano Citigroup, seu proprietário, anunciou que pretende vender suas empresas de banco de consumo e pequenas empresas no México. O BBVA é atualmente líder no mercado mexicano, mas alguns de seus concorrentes, como o Banco Santander, ameaçam esse lugar de privilégio se crescerem no México com a aquisição do negócio do Citi.

Álvaro Sanchez, o autor deste artigo, é Editor de Economia. Foi correspondente do EL PAÍS em Bruxelas e colaborador da rede SER na capital da União Europeia. Antes, passou pelo jornal mexicano El Mundo e pela mídia local, como o Diario de Cádiz. É formado em Jornalismo pela Universidade de Sevilha e mestre em jornalismo pelo EL PAÍS. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 14.02.22.

Já não basta surpreender, é preciso "chocar"

As normas da informação clássica com seus rígidos padrões de veracidade das notícias estão sendo explodidas. O importante é o primeiro impacto

Um homem lê um jornal com a manchete em português "Isolado. Rio em guerra contra o coronavírus" no Rio de Janeiro, Brasil, em 20 de março de 2020. (Silvia Esquerda / AP)

Por Juan Árias

Vivemos não apenas em uma modernidade líquida e na era da pós-verdade, onde as cartas de hoje se misturam e se confundem. Já não nos basta surpreender quando apresentamos uma notícia como acontecia no jornalismo antigo. Hoje precisamos de mais em nosso desejo de surpreender. Precisamos chocar. Quanto mais melhor. O escândalo também dá lucro. Se no século XVII, o filósofo francês René Descartes, em seu Discurso do Método , cunhou a famosa frase “Penso, logo existo”, hoje a reflexão não é suficiente para confirmar que existimos. Precisamos dar um salto que pode acabar sendo mortal. O lema de hoje poderia ser "escandalizo logo existo".

Foi o pensador coreano Byung Chul Han quem sublinhou que hoje "o debate foi substituído pelo escândalo", ou seja, quem for capaz de chamar mais a nossa atenção com algo escandaloso "receberá mais toques na Internet". Isso acaba, dizem os especialistas em comunicação, nos arrastando para uma tentativa de ver quem choca mais e melhor. A surpresa é conservadora. Temos as notícias do mundo ao segundo através de informações online. Já não nos surpreendem nem nos excitam. Precisamos de algo mais substancial. É assim que nasce a notícia que causa escândalo, não importa se é verdadeira ou falsa.

Isso explica o crescimento dos boatos nas redes sociais, das mentiras descaradas, do lance para ver quem é mais escandaloso e quem é capaz de mentir melhor. As normas da informação clássica com suas severas normas sobre a veracidade das notícias estão sendo explodidas. O importante é o primeiro impacto da surpresa. É a fama construída sob a força do escândalo.

O Brasil vive nos dias de hoje vários exemplos da febre de chocar para obter notoriedade. Um dos advogados mais renomados apareceu em uma reunião profissional virtual vestido de terno e gravata, mas em vez de calça ele estava vestindo um maiô. Certamente aquela imagem sem vergonha lhe deu mais eco nacional do que muitas das defesas de personalidades ilustres.

Por sua vez, no podcast Flow, um dos mais ouvidos do país para o qual personalidades e políticos famosos são convidados, uma verdadeira guerra eclodiu na semana passada. O famoso apresentador Monark defendeu que a Alemanha errou ao "condenar o nazismo". Ele foi seguido pelo deputado do PMB Kim Kataguiri dando mais um passo no desejo de escandalizar e defendeu que um partido nazista deveria ser criado também no Brasil.

Ambos sabiam que a Constituição brasileira condena qualquer um que defenda o nazismo e o Holocausto a vários anos de prisão, para os quais a criação de um partido nazista seria impensável. O escândalo rendeu ao apresentador e ao deputado mais de 200 mil interações nas redes sociais. Se fosse uma discussão simples, sem escandalizar, as afirmações dos defensores do nazismo não teriam chamado a atenção. O que os enriqueceu em visibilidade foi o escândalo produzido.

Dias antes, na TV Jovem Pan, o comentarista Adriles Jorge se permitiu, na tentativa de chamar a atenção, fazer um típico gesto nazista que o lançou nas redes. Resultado? O partido conservador, PTB, imediatamente lhe ofereceu uma vaga como candidato nas próximas eleições. Como comentou o advogado André Masiglia, especialista em questões de comunicação de massa, “chamar a atenção de alguém hoje é mais do que apenas ser alguém”.

Na discussão sobre o nazismo hoje no Brasil, chegou ao clímax que o partido do deputado Katiguiri, em vez de repreender o político por seus excessos na análise do nazismo, anunciou que vai processar quem pede o impeachment de O político.

Hoje se sabe que, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 graças ao bombardeio de notícias falsas e mentiras que inundaram as redes amplificadas por centenas de robôs financiados por alguns empresários de extrema direita. E toda a sua política hoje é baseada em suas reuniões matinais com um grupo de seus seguidores mais fanáticos. Nessas reuniões, o presidente se dedica a contar mentiras descaradas e agredir verbalmente jornalistas que tentam lhe fazer uma pergunta comprometedora, mesmo com frases sexuais grosseiras. E isso lhe dá notoriedade e imprensa.

Se hoje o importante é conseguir fama a qualquer preço, nada melhor do que a mentira dura e grosseira, lançada sem escrúpulos, que é apenas a antítese do que deveria ser o escrúpulo de dizer a verdade dos fatos. Fatos que às vezes podem ser discutíveis, mas sem uma vontade explícita ao publicá-los para enganar para chocar.

Hoje o Prêmio Nobel Espanhol de Literatura Camilo José Cela, que ficou conhecido pela força de sua ironia, riria do viés que certos meios de comunicação e sites da internet adotaram para conseguir seguidores e dinheiro. Na década de 1980, Cela passou por Roma, a convite da Embaixada da Espanha. Nós, correspondentes, conhecíamos as saídas de ácido que ele dava às perguntas que lhe faziam. Naquela época, celulares e redes sociais ainda não existiam, e embora nós, jornalistas, procurássemos surpreender com notícias que outros não tinham, ainda não existia a febre de querer “chocar” a qualquer custo. Num intervalo, durante um jantar, um correspondente espanhol atreveu-se a perguntar a Cela o que era preciso para poder “surpreender” face ao excesso de notícias veiculadas pela rádio e televisão naquela altura. O Nobel, com sua voz clássica de barítono e sua natureza burlesca, respondeu: "Bem, cara,

Diante da atual vontade de escandalizar ainda que seja com mentiras e calúnias, a brincadeira do ilustre Cela soa como algo angelical.

Juan Árias, o autor deste artigo, é correspondente do EL PAÍS no Brasil. Publicado originalmente em 14.02.22.

Entre o ruim e o pior

Ante o desafio da adequação das leis às inovações do mercado de trabalho, o bolsonarismo só oferece a anarquia, e o lulopetismo, o retrocesso

Um mercado de trabalho em acelerada transformação exige uma legislação trabalhista em constante renovação. Essa obviedade seria indigna de nota se o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, não tratasse os direitos do trabalho como meros empecilhos a serem removidos, e se o líder das pesquisas de intenção de voto à Presidência não propusesse o oposto de uma modernização desses direitos: longe de revisar a reforma de 2017, muito menos aprimorá-la ou complementar suas lacunas, Luiz Inácio Lula da Silva propõe revogá-la por completo.

Promovida pelo governo Temer e laboriosamente deliberada pelo Congresso, a reforma foi um marco jurídico sofisticado de raro equilíbrio social e econômico que atualizou a legislação anacrônica herdada da era Vargas, proporcionando mais liberdade e flexibilidade nas condições de trabalho.

O ex-presidente Lula repete o mantra de que a reforma não gerou empregos e de que flexibilização é sinônimo de precarização.

Em primeiro lugar, não há uma relação causal direta entre reforma e emprego. Uma boa legislação é condição necessária para criar empregos, mas não suficiente. Ofertas de empregos e boas condições de trabalho dependem de investimentos e crescimento econômico. Mas justamente a irresponsabilidade fiscal da gestão lulopetista mergulhou o País na recessão que destruiu milhões de empregos não resgatados até hoje.

Lula gosta de citar como modelo a contrarreforma recém-aprovada na Espanha. De fato, após a crise de 2008, os legisladores espanhóis apostaram na redução à proteção de diversas formas de contratação como uma tentativa de estimular as empresas a empregarem.

Mas a reforma aprovada no Brasil não extinguiu um único direito. Ao contrário, criou novas formas de proteção não contempladas antes dela, como no caso dos trabalhadores terceirizados. Todas as novas modalidades criadas garantem as proteções previstas na Consolidação das Leis do Trabalho e na Constituição.

Entre outras conquistas, a reforma introduziu a regulação do trabalho remoto; criou novas modalidades de contratação temporária, intermitente ou terceirizada; reduziu o excesso de litígios que sobrecarregavam a Justiça do Trabalho; reduziu a insegurança jurídica e consagrou a autonomia e a liberdade de empregados e empregadores ao ampliar suas prerrogativas de negociar condições específicas de suas relações de trabalho; e eliminou a imoral e inconstitucional “contribuição” obrigatória dos trabalhadores aos sindicatos.

A maior crítica que se pode fazer à reforma é que ela não foi suficientemente abrangente. A mazela possivelmente mais grave do mercado brasileiro, a alta taxa de informalidade, que atinge cerca de 40% da força de trabalho, e a consequente lacuna entre os custos e proteções do trabalhador formal e do informal, ainda precisa de soluções mais robustas. Tampouco a legislação brasileira oferece uma regulação satisfatória para contratos entre trabalhadores nacionais e empresas internacionais, ou vice-versa, essencial em uma economia cada vez mais digitalizada e globalizada.

Isso sem falar das megatendências que estão desafiando todo o mundo, como o envelhecimento da população ou as inovações tecnológicas, que exigirão políticas capazes de recriar os sistemas de formação e realocação dos profissionais.

Como já dito neste espaço (O PT não sabe o que é cidadania, 9/1/22), “assim como todo Direito, a legislação trabalhista deve proporcionar, por meio de uma regulação adequada das relações sociais, autonomia e liberdade. Não é barbárie ou anarquia (como propõe Jair Bolsonaro), como também não é cabresto ou sujeição (como propõe Lula)”.

A reforma trabalhista não é um dogma. Como toda legislação ou política pública ela deve ser reavaliada e pode ser revisada pelo Parlamento. Mas não é isso o que propõe o PT. Em seu negacionismo econômico característico, ele quer não só resgatar as políticas que mergulharam o País no desastre econômico no qual agoniza até hoje; deseja retroceder a legislação trabalhista em mais de meio século, de volta às leis da ditadura varguista.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 14 de fevereiro de 2022 | 03h00

‘Decepção’ e ‘vergonha’ são os sentimentos mais relacionados ao governo Bolsonaro, diz pesquisa

Vergonha e desapontamento aparecem na sequência entre os sentimentos negativos, com 30% e 19%. A pesquisa foi feita com 2 mil entrevistados em todo o País no início do fevereiro.  

 Uma pesquisa da Genial/Quaest a que a Coluna teve acesso com exclusividade mapeou o sentimento da população em relação ao governo de Jair Bolsonaro e mostrou que “decepção” é o sentimento mais relacionado ao governo, para 36% dos entrevistados.

Vergonha e desapontamento aparecem na sequência entre os sentimentos negativos, com 30% e 19%. A pesquisa foi feita com 2 mil entrevistados em todo o País no início do fevereiro.

Entre os sentimentos positivos sobre o governo, “esperança” foi citada por 28% dos entrevistados. “Confiança” (14%) e “admiração” (13%) vieram na sequência.

“O governo Bolsonaro é sinônimo de vergonha para os eleitores de Lula, sinônimo de decepção para eleitores do Moro e do Doria, e sinônimo de otimismo e esperança para os eleitores de Bolsonaro. Sentimentos divergentes, que vão do otimismo eleitoral à frustração de quem acreditou no projeto”, disse Felipe Nunes, cientista político e diretor da Quaest.

Camila Turtelli / O Estado de S.Paulo, em 14 de fevereiro de 2022 | 05h00

Da comida à religião: as semelhanças entre Rússia e Brasil

 Em termos populacionais, o Brasil está na frente. Tem a sexta maior população do mundo, com 216 milhões de habitantes. Os russos são 145 milhões — figuram na nona colocação.

Catorze horas de avião separam Brasília de Moscou — e olhando bem, há muito em comum entre brasileiros e russos. (Getty Images)

Catorze horas de avião separam Brasília de Moscou — são mais de 11 mil quilômetros. E um sem-número de diferenças históricas, culturais, étnicas, sociais, geográficas e climáticas, é claro. Mas, olhando bem, há também muito em comum entre brasileiros e russos.

"O Brasil exerce uma espécie de fascínio sobre os russos, e a Rússia, sobre os brasileiros", diz a jornalista Vivian Oswald, em seu livro Com Vista para o Kremlin. "A grande distância entre estes países continentais — quase intangível para aqueles que nunca a percorrerão — se encarrega de apimentar os imaginários coletivos com uma dose de exotismo e muitas pitadas de estereótipos em relação ao outro."

"Além da dimensão continental e as temperaturas extremas, o Brasil para mais, a Rússia para menos, há pouca coisa [em comum entre os países]", comenta o pesquisador e escritor Paulo Rezzutti, que já escreveu livros sobre as duas nações. "Eles [os russos] têm um respeito e conhecimento pelo seu passado e pela sua cultura que o brasileiro médio não chega aos pés. Eles são simpáticos, mas mais fechados."

A seguir, algumas curiosidades sobre esses dois países.

Gigantes

Ambos estão na seleta lista dos países de dimensões continentais. A Rússia — que na época da União Soviética chegou a ter uma área de 22,5 milhões de quilômetros quadrados — lidera o ranking mundial com impressionantes 17 milhões de quilômetros quadrados. Caberiam na Rússia quase 39 milhões de Vaticanos.

O Brasil não perde feio. Com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, é o quinto maior país do mundo.

Essas enormidades fazem de ambos os territórios espaço para diversidades climáticas e culturais. E isso se reflete até nos fusos horários: o Brasil tem quatro, a Rússia tem 11.

Em termos populacionais, o Brasil está na frente. Tem a sexta maior população do mundo, com 216 milhões de habitantes. Os russos são 145 milhões — figuram na nona colocação.

Por outro lado, parece que atraímos mais os russos do que o contrário. Dados mais recentes do Ministério das Relações Exteriores registram apenas 1,1 mil brasileiros vivendo na Rússia. Segundo a Embaixada da Federação Russa no Brasil, há 35 mil russos vivendo no Brasil. No livro Imigrantes Russos no Brasil, o pesquisador Igor Chnee afirma que vivem em solo brasileiro 1,8 milhão de descendentes de imigrantes russos atualmente.


Novelas e futebol

Russos e brasileiros compartilham alguns gostos em comum. As novelas, por exemplo. Produções nacionais são exibidas por lá desde a época soviética — com A Escrava Isaura. E seguem sendo um hit.

"Fonte inesgotável de informações sobre cenários e comportamentos tipicamente brasileiros, as nossas novelas continuam fazendo sucesso na Rússia", diz Oswald, em seu livro. "Acho que boa parte da simpatia que nutrem por nós […] vem das imagens que guarda das novelas. Descobri, inclusive, que as novelas brasileiras estão entre os itens mais pirateados da internet russa, segundo dados de uma empresa de segurança que acompanha movimentos suspeitos de cópias e reproduções piratas na rede."

Vágner Love fez história no CSKA Moscou, onde jogou de 2004 a 2012 e, depois, novamente em 2013.(Getty Images)

"É comum vê-los sonhando com as praias cariocas", acrescenta ela.

O futebol é outra paixão em comum. E aí russos não pestanejam em exaltar nomes como Pelé, Ronaldinho, Kaká, Neymar… E Vágner Love, atacante que está longe de ter se tornado uma unanimidade no Brasil, mas que fez história no clube CSKA Moscou, onde jogou de 2004 a 2012 e, depois, novamente em 2013.

Coincidentemente, Brasil e Rússia foram os países-sede das últimas duas Copas do Mundo, respectivamente em 2014 e 2018.

Religião

Mais de 100 milhões de russos se declaram cristãos da Igreja Ortodoxa — embora se estime que o número de fiéis ativos esteja entre 20 e 30 milhões. No Brasil, são quase 119 milhões de católicos — e 170 milhões que se dizem cristãos.

Igreja do Sangue em Honra de Todos os Santos que Resplandeceram na Terra Russa, em Ecaterimburgo, no mesmo local onde os Romanov foram executados.( Edison Veiga)

Além da religiosidade em si, a história das duas principais denominações religiões também diz muito sobre a formação social de ambos os países. Isto porque as igrejas Católica Apostólica Romana e Ortodoxa Russa têm uma raiz comum — e guardam semelhanças e uma relação de respeito mútuo.

O racha histórico entre esses dois mundos ocorreu em 1054, no episódio chamado de Cisma do Oriente. Conforme explica o vaticanista Filipe Domingues, doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e vice-diretor do Lay Centre em Roma, uma diferença importante é que a Igreja Ortodoxa "não tem a autoridade central, como os católicos têm o papa".

"São igrejas autocéfalas, com patriarcas, que são líderes locais. No caso russo, há a figura do patriarca de Moscou, atualmente Cirilo 1º. Para os ortodoxos, papa Francisco seria o "patriarca de Roma".

A relação é amigável. Em 2016, Francisco e Cirilo se encontraram, em um gesto histórico. "Ao mesmo tempo, é uma relação de cuidado, diplomática. Porque a Igreja Russa é muito influenciada pelo governo russo", diz Domingues.

Nesse sentido, pode haver algum paralelo com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que costuma adotar pautas moralistas, se aproximando do eleitorado cristão conservador.

"[O presidente russo Vladimir] Putin usa a Igreja Ortodoxa como um meio de controle. É quase a religião oficial. Os bispos agem como parte do governo russo", analisa Domingues.

Uma nostalgia reacionária

Na política, o pesquisador Paulo Rezzutti, autor de diversas biografias sobre personalidades do antigo império brasileiro e do recém-lançado Os Últimos Czares - Uma Breve História Não Contada dos Romanov, observa que "as simpatias monarquias em ambos os países nunca morreram".

"Acabaram se metamorfoseando com o tempo", pontua ele. "A extrema-direita, em ambos os países, é anticomunista e tradicionalista, autoritária e nacionalista. O que une muitos dentro desse espectro político é o tradicionalismo, representado pela monarquia, tanto que diversos políticos brasileiros não tiveram o menor escrúpulo em surfar na onda o movimento, sem saber o mínimo sobre nossa história e seus personagens e ainda tentando emplacar fake news a respeito deles."

"Aqui no Brasil, a bandeira do Império brasileiro retornou em alguns gabinetes políticos e até chegou a ser hasteada em algumas cidades", lembra Rezzutti. "Na Rússia, houve ameaças de bombas em cinemas e uma crítica feroz ao filme Mathilde, de 2017, sobre uma bailarina que foi amante do czar Nicolau 2º."

Nesse sentido, a religiosidade também permeia os discursos. Se entre parcela dos monarquistas brasileiros há um movimento que pede a canonização da princesa Isabel, os Romanov já gozam dessa prerrogativa dos altares.

"Nicolau, Alexandra e os cinco filhos foram canonizados em 1981 como neomártires pela Igreja Ortodoxa Russa no exterior. Para esse ramo, por ter sido chefe espiritual da Igreja Ortodoxa, Nicolau fora sacrificado por causa de sua fé, e isso era prova de sua santidade", contextualiza o pesquisador.

"A Igreja Ortodoxa Russa, depois de muito debate, também canonizou posteriormente Nicolau, Alexandra e os filhos, mas como portadores da paixão, ou seja, pessoas que encararam a morte com resignação. A evidência disso seria o sinal da cruz feito por Alexandra e Olga antes de morrerem", completa.

Vícios

Bebe-se muito em ambos os países, é verdade. Nos dois casos, acima da média global — em torno de 6,2 litros por pessoa ao ano. Mas entre cachaças e vodcas, os russos são muito mais exagerados do que os brasileiros: 15,2 litros anuais per capita, contra 8,7.

"O risco de morte violenta entre os homens […], em geral causada pelo abuso de álcool ou drogas, é de três a quatro vezes superior ao de outros países da Europa e das Américas", pontua Oswald, em seu livro sobre a Rússia. "O álcool, o tabaco e, mais recentemente, as drogas estão entre os principais responsáveis pela morte precoce dos locais, sobretudo dos homens."

Segundo a autora, o álcool é visto como um dos maiores vilões da nação. "Chama a atenção do estrangeiro a relação dos russos com a bebida. Homens e mulheres podem ser vistos a qualquer carregando garrafas graúdas de cerveja pela rua", frisa ela.

"Uma das imagens clássicas do inverno é a de garrafas de vodca enterradas parcialmente na neve", conta. "Alguns dos seus donos acabam na mesma situação. Reza a lenda que se a nevasca for muito intensa e o gelo durar por muito tempo, só são encontrados depois de passado o inverno."

E se no Brasil cigarro é algo visto como fora de moda, e principalmente os jovens não demonstram interesse pelo tabagismo, na Rússia o cenário é preocupante. De acordo com dados do livro Com Vista para o Kremlin, 75% dos homens fumam e 70% dos estudantes na faixa entre os 13 e 18 anos também alimentam o vício. Além disso, o tabagismo faz parte do cotidiano de metade das grávidas.


No prato

De um lado, delícias como a feijoada. De outro, pratos famosos como estrogonofe.

Que, vale ressaltar, ganhou também suas versões brasileiras e caiu no gosto popular. A jornalista Vivian Oswald conta, em seu livro, que os russos "surpreendem-se ao descobrir que o brasileiro come seu aportuguesado estrogonofe sempre, desde criança".

Estrogonofe, um prato russo, caiu no gosto popular brasileiro (Getty Images)

Mas as diferenças estão nos ingredientes. Na Rússia, não vai tomate. E o creme de leite é uma versão um pouco diferente, chamada de smetana, comum aliás aos países de cultura eslava. "O prato costuma ser servido com batatas cozidas ou purê de batatas", detalha a jornalista. "Arroz, muito de vez em quando. E não é lenda: as russas, de fato, têm a receita na ponta da língua."

O mais importante, contudo, é a carne. Ao contrário das invenções brasileiras — com versões de frango e até camarão —, para um russo não é admissível estrogonofe que não seja feito de carne de boi.

Na alta gastronomia os russos também têm seus expoentes. No mesmo estilo do brasileiro Alex Atala — ou seja, com a ideia de fazer um mergulho nas tradições culinárias e reinventá-las com pose contemporânea e preços exorbitantes — o White Rabbit faz sucesso em Moscou. Em comum, ambos são há anos figurinhas fáceis nos rankings dos melhores restaurantes do mundo e estrelam episódios da cultuada série Chef's Table, da plataforma Netflix.

A nostalgia pelo passado

São dois lados opostos, mas muito provavelmente da mesma moeda: a nostalgia russa e a saudade brasileira tem bem aquele espírito que jocosamente costuma ser chamado de "viúvo da ditadura".

Assim como no Brasil muitos celebram com "bons tempos" aquele período de regime militar opressor, muito provavelmente pela memória embaçada pelo passar do tempo, pela censura que não permitia saber das corrupções e das violência impostas pelas instituições, na Rússia não são poucos os que lamentam pelo passado glorioso — no caso, o período socialista soviético.

"[A nostalgia] está na maneira como idealizam o passado da potência que querem ressuscitar com o capitalismo e velhos sonhos prometidos pela propaganda soviética que alguns juram ter sido realizados", comenta Oswald, em seu livro.

"Fala-se com saudade dos tempos em que a vida era mais dura, mas em que os aposentados não precisavam arranjar bicos ou pedir esmolas para viver os anos que lhes restavam depois de uma vida inteira de trabalho", exemplifica ela.

Como brincam os memes, são as "saudades do que não vivi". Quem nunca?

Edison Veiga, de Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil, em 14.02.22.

O Crime e a ameaça

 Por José Sarney

A sociedade se organizou como Estado para enfrentar o medo da morte violenta, diz a velha fórmula de Hobbes. Se não evita a morte, todo o Estado desmorona, como um castelo de cartas. E, infelizmente, há muito tempo o Brasil tem falhado nesta tarefa.

Tenho escrito aqui repetidamente contra a violência, que nos cobra preço maior do que o de muitas guerras, atingindo os que morrem e suas famílias, também vítimas irremediavelmente marcadas. Os episódios recentes no Rio de Janeiro acentuam uma das faces mais terríveis desse massacre: o aspecto racial das mortes.

As estatísticas mostram que as vítimas são principalmente os negros, e os negros jovens; e como é grande essa preferência. Os que defendem as armas dizem que armas não matam, que as pessoas matam. A verdade é que as armas matam porque estão na mão de pessoas que querem matar.

O caso de Moïse Kabogambe, o refugiado congolês, que foi morto a pauladas, mostra que as pessoas matam com as mais diversas armas. A brutalidade do ato, longo e prolongado pela agonia, não pode esconder sua causa. Moïse não era suspeito de nada, mas culpado de ser negro e estrangeiro em terra de milicianos. Sua morte ignominiosa, crudelíssima, a pauladas e pontapés, põe de joelhos o Brasil.

Também gratuito foi o assassinato de Durval Teófilo Filho, que, sendo negro, era vizinho de brancos preconceituosos. Seu assassino, ao entrar no condomínio em que ambos moravam, viu aproximar-se um negro com a mão numa mochila e, tendo um revólver — não é por ser sargento que ele tinha a arma, mas pela leniência da regulamentação da lei —, achou que devia atirar em “legítima defesa”.

Há quem pense, portanto, que a presunção de ameaça legitima o crime. A extensão desse raciocínio absurdo é que o diferente — e o diferente no Brasil nem sempre é minoria numérica, pois são maioria de nossa população os descendentes de africanos e as mulheres — é uma ameaça para os que se pensam superiores. Essa ideia desintegra não somente o Estado, como também a sociedade, nos aproximando do que os Estados Unidos têm de pior, que nunca jamais, em tempo algum, deveria ser copiado.

Uma continuação desse raciocínio de legitimidade da intolerância e da violência é o espetáculo da defesa do direito ao nazismo e dos nazistas fazerem o que quiserem, debate que 2/3 dominou as mídias sociais essa semana. Eu exagero ao dizer que é esta a síntese do que se discutiu nos últimos dias? Creio que não.

O nazismo, como outras intolerâncias, pouco se importa com o argumento dos outros. O seu argumento é ação, e a sua ação é a destruição do outro. A intolerância foi sempre fonte de violência. Não podemos esquecer que a intolerância religiosa causou as terríveis guerras de religião e ainda hoje alimenta o terrorismo. Não podemos esquecer que a intolerância está na origem dos genocídios que envergonham a Humanidade. Estes crimes são uma ameaça à sobrevivência do Estado e das pessoas. Por isso é preciso dizer não à violência.

José Sarney, o autor deste artigo, é Jornalista e Escritor. Foi Presidente da República. Publicado originalmente n'O Estado do Maranhão, edição online, em 12.02.22.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

"Simetria entre comunismo e nazismo é indevida"

Para especialista, Bolsonaro erra ao equiparar as duas ideologias. Cientista político diz que enquanto há partidos comunistas que aceitam a democracia, não há nazistas que respeitem direitos humanos.

Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro declarou, em uma manifestação em redes sociais, que "a ideologia nazista deve ser repudiada de forma irrestrita e permanente". No texto, que aparenta ser uma reação ao caso do Flow Podcast sobre a possibilidade da criação de um partido nazista no Brasil, o chefe de governo afirma que a ideologia nazista deve ser repudiada "sem ressalvas", assim como qualquer ideologia totalitária. Nisso, ele inclui explicitamente o comunismo

"A ideologia nazista deve ser repudiada de forma irrestrita e permanente, sem ressalvas que permitam seu florescimento, assim como toda e QUALQUER ideologia totalitária que coloque em risco os direitos fundamentais dos povos e dos indivíduos, como o direito à vida e à liberdade", escreveu. 

"É de nosso desejo, inclusive, que outras organizações que promovem ideologias que pregam o antissemitismo, a divisão de pessoas em raças ou classes, e que também dizimaram milhões de inocentes ao redor do mundo, como o comunismo, sejam alcançadas e combatidas por nossas leis”, prosseguiu.

Em entrevista à DW Brasil, o jurista e cientista político Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito de São Paulo, diz ser um erro o paralelo entre comunismo e nazismo feito por Bolsonaro. "A simetria me parece absolutamente indevida", avalia, acrescentando que ninguém negaria que ambos os regimes cometeram crimes graves contra a humanidade, "Mas há também partidos comunistas que abdicaram do uso da força e de uma ideologia anti-democrática", pondera. "O que não se tem é um movimento nazista aceitando os direitos humanos e as premissas de um regime constitucional, o que ocorreu por partes de diversos partidos de esquerda ao redor do mundo."

Mas a manifestação veemente contra o nazismo feita por Bolsonaro surpreendeu o especialista. Vilhena sublinha que "o histórico do presidente não respalda uma posição tão contundente", devido aos constantes elogios do chefe de governo a regimes autoritários. O especialista atribui a declaração à pressão de aliados. "Ele a faz certamente impulsionado por sua base de apoio no Congresso, que hoje é o Centrão Que não é uma base de direita radical, mas um grupo muito pragmático"

No Brasil, discute-se a possibilidade de se ter um partido nazista. Falar desse assunto em pleno 2022 é uma surpresa?

Não chega a me surpreender, pois evidentemente estamos vivendo um período em que temos um presidente de extrema direita, que é apoiado por grupos muito radicais, entre eles, simpatizantes do nazismo. Me parece que é uma decorrência da própria radicalização da política brasileira por um presidente de extrema direita.

Para muitos, ouvir Bolsonaro repudiar o nazismo de forma tão clara foi uma surpresa. O que o senhor achou da declaração presidencial?

É uma reação positiva. Ainda que o histórico do presidente não respalde uma posição tão contundente. O presidente sempre foi um apoiador dos regimes autoritários, não só no Brasil, como em outros países. Sempre fez muitas homenagens a ditadores como (o ditador chileno Augusto) Pinochet. O presidente sempre esteve ao lado de regimes autoritários.

Evidente que nós devemos reconhecer a distinção entre regimes autoritários e regimes totalitários como o nazismo. Há uma distinção relevante, inclusive em função de uma ideologia de supremacia racial, o que não necessariamente regimes autoritários têm.

O presidente navegou, ao longo de todo a sua história, ao lado de movimentos de direita, movimentos autoritários e simpáticos a causas de discriminação. Então, a manifestação dele me surpreendeu.

Ele a faz certamente impulsionado por sua base de apoio no Congresso, que hoje é o Centrão. Que não é uma base de direita radical, mas um grupo muito pragmático. E que tem, nos últimos meses, pressionado o presidente quando ele faz ameaças ao Supremo e ao Congresso. Agora, com essa questão, o Centrão certamente contribuiu para que ele fosse pressionado a repudiar esse tipo de manifestação.

Bolsonaro também falou em combater, com leis, o comunismo. Já havia, no passado, várias falas de Bolsonaro contra o comunismo e a China. Isso não prejudica a relação do Brasil com seu maior parceiro comercial?

A ação internacional do governo Bolsonaro é absolutamente temerária e medíocre. É um governo que não tem uma capacidade de pensar estrategicamente, que não se comporta em conformidade aos dispositivos da Constituição brasileira, que regula a ação do poder do governo nas relações internacionais.

O governo brasileiro conduziu a política externa de forma equivocada e, eu diria até, de forma contrária aos princípios constitucionais. As nações que têm políticas externas mais consistentes reconhecem essa irresponsabilidade do presidente. Portanto, acho que hoje poucos levam a sério esses movimentos que ele faz.

Certamente, essa forma conflitiva com que ele agiu em relação à China gera prejuízos à política brasileira. O governo Bolsonaro tem uma politica externa errática, e isso já foi percebido pelos governantes. No final do governo dele, o modo como ele se comporta não terá grandes consequências (para o Brasil).

Na sua declaração, Bolsonaro equipara o comunismo ao nazismo, provavelmente já preparando o campo da batalha eleitoral. Mas equipar os dois movimentos faz sentido?

É uma tentativa de criar uma simetria entre dois movimentos que têm distinções e nuances muito fortes. Ninguém sério negaria que tanto regimes comunistas quanto regimes nazistas cometeram crimes gravíssimos contra a humanidade. O stalinismo cometeu tais crimes.

Então, dentro dos regimes comunistas houve violações brutais aos direitos humanos, assim como ocorreu dentro dos regimes fascistas e do regime nazista. Mas há também partidos comunistas que se democratizaram e abdicaram do uso da força e de uma ideologia anti-democrática, como o PCdoB.

O que não se tem é um movimento nazista aceitando os direitos humanos e as premissas de um regime constitucional, o que ocorreu por partes de diversos partidos de esquerda ao redor do mundo. Então, a simetria (entre o comunismo e o nazismo) me parece absolutamente indevida.

No Flow Podcast, o apresentador Monark tinha defendido que no Brasil deveria haver um partido nazista "reconhecido pela lei". Isso faz sentido?

Alguém que está propondo um partido que tenha uma ideologia baseada na supremacia racial, que nega o pluralismo, que nega a democracia, num pais que tem uma Constituição que diz que não pode haver um partido que seja contrário à democracia e ao pluralismo, evidentemente está propondo algo inconstitucional. Não há espaço dentro da Constituição brasileira para se criar um partido com ideologia nazista. Isso está vedado pelo artigo 17 de maneira expressa.

Estranho ainda ter de falar destas coisas hoje em dia…

Que tema danado para ressurgir assim! É um atraso. Mas é assim quando você tem pessoas da extrema direita no governo e um presidente o tempo todo achincalhando as instituições. Aí, os grupos mais radicais começam a sentir-se à vontade para falar.

Publicado originalmente pela Deutsche Welle Brasil, em 11.02.22

Dias Toffoli suspende condenação de jornalista a indenizar Luciano Hang

A crítica que os meios de comunicação social e as redes digitais dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade.

Assim entendeu o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli ao suspender os efeitos de uma decisão que condenou o jornalista Luís Nassif a indenizar em R$ 20 mil o dono da Havan, Luciano Hang.

Nassif havia sido condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo pela publicação de uma reportagem, no site GGN, em que acusou Hang de coagir e ameaçar funcionários da Havan para que votassem em Jair Bolsonaro na eleição de 2018. 

Ao acolher o pedido do jornalista, defendido pelos advogados Marco Riechmann, Aroldo Joaquim Camillo Filho, Alfredo Ermírio de Araújo Andrade e Vinícius Dino de Menezes, para derrubar a indenização, Toffoli citou precedentes do STF no contexto específico da crítica jornalística a figuras públicas, como é o caso de Luciano Hang, e concluiu não haver violação a direitos de personalidade do empresário no texto publicado por Luís Nassif.

"Não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública", diz a decisão.

Toffoli também lembrou que, no julgamento do ADPF 130, o Supremo, mais do que proceder ao juízo de recepção, ou não, de dispositivos da Lei 5.250/1967 pela Constituição Federal de 1988, "procedeu a um juízo abstrato de constitucionalidade acerca do exercício do poder de polícia estatal (em sentido amplo) sobre as manifestações intelectuais, artísticas, científicas, de crença religiosa, de convicção filosófica e de comunicação".

Publicado originalmente pelo Consulor Jurídico, em 11.02.22

TSE nega que Forças Armadas tenham apontado vulnerabilidade nas urnas

O Superior Tribunal Eleitoral informou que ainda não finalizou o pedido do representante das Forças Armadas na Comissão de Transparência Eleitoral, pois foi protocolado próximo ao recesso, quando os profissionais das áreas técnicas fazem uma pausa.

Após este período, o conteúdo começou a ser elaborado e as respostas serão encaminhadas nos próximos dias.

"São dezenas de perguntas de natureza técnica, com certo grau de complexidade. Tudo está sendo respondido, como foi devidamente comunicado ao referido representante", esclarece a nota.

O TSE destaca que são apenas pedidos de informações, para compreender o funcionamento do sistema eletrônico de votação, sem qualquer comentário ou juízo de valor sobre segurança ou vulnerabilidades. As declarações que têm sido veiculadas não correspondem aos fatos nem fazem qualquer sentido.

A nota do TSE rebate afirmações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, em transmissão ao vivo em suas redes sociais. De acordo com Bolsonaro, as Forças Armadas teriam levantado "dezenas de vulnerabilidades" no sistema de votação, voltando seu discurso novamente a colocar em dúvida as urnas eletrônicas.

Publicado originalmente pelo Consultor Jurídico, em 11.02.22