quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Inflação desorienta mercado e preço do mesmo item chega a variar mais de 500%

Levantamento das cotações de 15 produtos de consumo básico revela diferenças de até 578%; especialistas atribuem essa disparidade à incerteza dos estabelecimentos quanto à economia e reforçam a importância de comparar concorrentes.

A disparada da inflação, que bateu 10% em 12 meses até setembro, segundo o IPCA-15, trouxe um problema adicional para os brasileiros na hora de ir às compras: uma grande variação de preço de um mesmo produto entre estabelecimentos diferentes.

Levantamento das cotações de 15 itens de consumo básico, entre alimentos e produtos de higiene e limpeza, revela diferença de até 578% no preço do mesmo creme dental. A embalagem do produto com 90 gramas, da mesma marca, foi encontrada pelo menor preço de R$ 1,18 e o maior, de R$ 8.

Discrepâncias na casa de três dígitos entre a maior e a menor cotação de um mesmo produto – algo que não era incomum encontrar antes do Plano Real – também foram constatadas no leite de caixinha (408,3%), sabonete (328,3%), macarrão (184,3%), sal (155,2%), feijão (126,8%), café (106,7%) e detergente líquido (104,7%). O óleo de soja e o arroz apareceram na pesquisa com variações de 69,5% e 70,7%, respectivamente.

Assaí

Grande variação nos preços é resultado das estratégias escolhidas pelos varejistas, aponta especialista. Foto: Ari Ferreira/Estadão

O levantamento, feito a pedido do Estadão pelo economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fábio Bentes, mostra que todos os 15 itens registraram variações significativas. A diferença mais modesta, de 20,8%, apareceu no pão de forma industrializado, cujo maior preço foi R$ 7,20 e o menor, de R$ 5,96.

Os preços foram pesquisados na última sexta-feira, por meio da ferramenta do Google Shopping Brasil. Entre os critérios usados para fazer o levantamento, de âmbito nacional e que incluiu grandes varejistas, estão o fato de o produto ser representativo do consumo básico do brasileiro e estar disponível em pelo menos dez lojas físicas ou virtuais.

Inflação alta amplia as diferenças

Variação entre o maior e o menor preço de produtos básicos*

Valores em reais

Produto Menor preço Maior preço variação

Creme dental Colgate Máxima Proteção 90 gramas 1,18 8,00

578,0%578,0%

Leite integral UHT Piracanjuba 1 litro 1,09 5,54

408,3%408,3%

Sabonete Phebo Toque de Lavanda 90 gramas 2,89 9,20

218,3%218,3%

Macarrão de arroz espaguete sem glúten Urbano 500 gramas 2,67 7,59

184,3%184,3%

Sal Lebre refinado 1  quilo 1,45 3,70

155,2%155,2%

Feijão carioca Camil 1 quilo 6,39 14,49

126,8%126,8%

Café Pilão Tradicional 500 gramas 10,69 22,10

106,7%106,7%

Detergente Limpol neutro 500 mililitros 1,49 3,05

104,7%104,7%

Farinha de trigo Renata 1 quilo 5,49 9,49

72,9%72,9%

Sabão em pó Omo Lavagem Perfeita 800 gramas 7,99 13,69

71,3%71,3%

Arroz Tio João Tipo 1 1 quilo 5,29 9,03

70,7%70,7%

Óleo de soja Liza 900 mililitros 6,99 11,85

69,5%69,5%

Margarina Qualy com sal 500 gramas 6,01 9,99

66,2%66,2%

Açúcar refinado Da Barra 1 quilo 3,79 5,77

52,2%52,2%

Pão de forma Bauducco Tradicional 400 gramas 5,96 7,20

20,8%20,8%

*Produtos idênticos, com o mesmo código de barras, marca, embalagem e especificações

Tabela: Estadão  Fonte: pesquisa realizada pela CNC em 24/09/2021,  com base nos dados da Google Shopping Brasil  Obter dados  Criado com Datawrapper

“As variações entre o maior e o menor preço de um mesmo produto tendem a aumentar geralmente quando as expectativas de inflação são divergentes”, afirma Bentes.

No momento atual, em que a inflação em 12 meses passa de 10%, e as expectativas de inflação, segundo o Boletim Focus do Banco Central, são crescentes por 25 semanas seguidas (cerca de seis meses), estabelecer um preço é uma tarefa bastante complexa, diz Bentes.

“A dispersão entre o maior e o menor preço é alimentada pelas expectativas de inflação maior, porque, quando os agentes econômicos vão formar preço, eles têm de levar em consideração o custo da energia, a negociação com o fabricante e também a expectativa de inflação futura para poder resguardar a sua margem”, argumenta.

Essa grande variação de preços é resultado das estratégias escolhidas pelos varejistas. “Não são todos os varejistas que vão colocar gordura nos preços, há aqueles que vão manter preço baixo para tentar ganhar no volume de venda.” O resultado dessas estratégias é uma grande dispersão de preços.

Pandemia

Além da grande volatilidade nas expectativas de inflação, o economista Fábio Silveira, sócio da consultoria MacroSector, atribui essa grande dispersão entre preços à desorganização das cadeias de produção por conta da pandemia.

“Desde março do ano passado, o processo de produção está volátil e desorientado”, lembra o economista. Nesse período, as linhas de produção foram interrompidas e depois retomadas, com insumos comprados por diferentes preços no mercado doméstico e internacional. “Há uma descoordenação imensa não só por causa dos ciclos de produção, mas também por custos de matérias-primas, variação de câmbio e giro de estoques”, observa Silveira.

Na sua avaliação, a economia mundial enfrenta uma grande irracionalidade nas cadeias produtivas e nos processos de formação de preços, sendo pior o quadro no Brasil. Silveira acredita que serão necessários até dois anos para que o equilíbrio seja restabelecido e os preços de um produto comecem a convergir para um mesmo patamar.

A partir do levantamento da CNC, a reportagem escolheu seis itens – arroz, feijão, açúcar, café, leite e óleo de soja – e calculou qual seria o custo dessa cesta pelo maior e pelo menor preço. As contas do valor da cesta foram feitas considerando a quantidade consumida por uma família de quatro pessoas, critério seguido pela Fundação Procon de São Paulo.

A cesta com os produtos mais caros custaria R$ 428,98, mais do que o dobro do valor da mesma cesta com os produtos mais baratos (R$ 204,92).

Bentes lembra que a alimentação no domicílio representa 25% do orçamento do brasileiro comum, segundo Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE. 

Hoje, a internet é uma ferramenta importante para pesquisar preços. “Ficou mais fácil para quem tem acesso à informação”, afirma o economista.

Márcia De Chiara, O Estado de S.Paulo, em 30 de setembro de 2021 

Combustível para a demagogia

Pretender que problemas como o do preço dos combustíveis sejam resolvidos com passes de mágica fajuta é típico de quem vive de vender terrenos na Lua.      

O presidente Jair Bolsonaro ganhou um reforço de peso em sua campanha para confundir a opinião pública a respeito dos preços dos combustíveis e atribuir a terceiros uma responsabilidade que é parcialmente sua e de seu governo. Trata-se do presidente da Câmara, Arthur Lira, que, na terça-feira passada, sem nenhum pudor, disse que “ninguém aguenta mais” a alta da gasolina e anunciou que vai colocar em debate um projeto para fixar o valor do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre os combustíveis.

“Sabe o que faz o combustível ficar caro? São os impostos estaduais”, declarou o deputado, acrescentando que os governadores têm arrecadado muito na pandemia – sugerindo haver interesse dos Estados na carestia.

Trata-se de uma farsa em múltiplas dimensões, a começar por uma inexistente relação de causalidade. De fato, os Estados estão aumentando expressivamente sua arrecadação, graças em parte ao aumento dos preços dos combustíveis e da tarifa da energia elétrica, principais fontes de cobrança de ICMS. Mas, no caso dos combustíveis, o ICMS é cobrado sobre o preço médio ponderado ao consumidor final – ou seja, mesmo na hipótese maluca de que o ICMS fosse zero (o que, diga-se, o presidente Bolsonaro já teve a audácia de propor, ignorando a enorme importância desse imposto para os Estados), o preço provavelmente seria pouco afetado. 

Por isso, não é o aumento da arrecadação do ICMS que faz subir o preço do combustível, como dizem os bolsonaristas; é, ao contrário, o aumento do preço dos derivados de petróleo que faz crescer a arrecadação, porque a base de cálculo sobre a qual incide o tributo é o preço final do combustível; se essa base aumenta, necessariamente aumentará a arrecadação sobre esse produto, sem que tenha havido mudança nas regras de cálculo ou aumento da alíquota.

Na segunda-feira passada, o presidente da República queixou-se de novo do alto preço dos combustíveis. De maneira elegante, o presidente da Petrobras, general da reserva Joaquim Silva e Luna – escolhido por Bolsonaro com a intenção óbvia de interferir na estatal para frear os preços dos combustíveis –, disse que a empresa não alteraria sua política de preços, que procura acompanhar as alterações do mercado internacional. Ato contínuo, a Petrobras aumentou o preço do diesel, o que afetará os fretes rodoviários, num país cuja matriz de transporte é predominantemente rodoviária.

Em favor de Bolsonaro e Arthur Lira, é preciso reconhecer que os dois não são os únicos demagogos a oferecer aos incautos a ilusão de que o preço dos combustíveis sobe ou desce por ato de vontade, e não por força das circunstâncias de mercado. A política da Petrobras foi criticada também pelo antípoda de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para o chefão petista, “o que está acontecendo é que a Petrobras está acumulando verba para pagar acionista americano”. É o estado da arte da vigarice lulopetista – a mesma que, sob o infausto governo de Dilma Rousseff, obrigou a Petrobras a subsidiar gasolina barata para segurar a inflação, o que quase quebrou a estatal. 

A explicação para a alta dos preços dos combustíveis é bem mais complexa do que pretendem fazer crer os populistas irresponsáveis. O cenário econômico difícil e uma conjuntura política tensa, graças à incompetência e à truculência de Bolsonaro, tiveram como uma de suas consequências a disparada do dólar – e, por tabela, dos derivados de petróleo.

Ademais, a desvalorização do real potencializa, no caso dos combustíveis, um problema mundial, que é o crescimento muito rápido da demanda. O alívio proporcionado pelo avanço da vacinação estimula a procura por muitos bens, inclusive os da área energética. O resultado é o aumento dos preços – o petróleo alcançou, nesta semana, sua cotação mais alta em três anos – e, agora, o temor de sua escassez.

Pretender que problemas dessa extensão sejam resolvidos com passes de mágica fajuta é típico de quem, como Bolsonaro, Lula, Arthur Lira e companhia bela, vive de vender terrenos na Lua.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 30 de setembro de 2021 

Justiça francesa condena Sarkozy por financiamento ilegal de campanha

É a 2ª condenação do ex-presidente francês, que em março foi sentenciado por corrupção e tráfico de influência e é alvo de outras acusações e investigações.

Nicolas Sarkozy, ex-presidente da França, participa de cerimônia no Arco do Triunfo, em Paris, em 11 de novembro de 2019 — Foto: Ludovic Marin/Pool via AP

A Justiça da França declarou nesta quinta-feira (30) o ex-presidente Nicolas Sarkozy culpado por financiamento ilegal de campanha, por ter excedido o limite de gastos autorizados nas eleições presidenciais de 2012. A pena ainda não foi divulgada.

A Promotoria pediu um ano de prisão para o ex-presidente, incluindo seis meses em regime fechado, e multa. Foram gastos € 42,8 milhões na eleição de 2012 (cerca de R$ 270 milhões na cotação atual), quase o dobro do limite legal.

É a segunda condenação de Sarkozy, que em março foi sentenciado à prisão por corrupção tráfico de influência. Ele não compareceu ao julgamento.

O político de 66 anos, que governou o país entre 2007 e 2012 e foi derrotado pelo socialista François Hollande, é o primeiro ex-presidente da Quinta República (regime iniciado em 1958) a ser condenado.

Outras 13 pessoas também foram condenadas. "Gostaria que explicassem o que fiz a mais na campanha em 2012 do que 2007", afirmou Sarkozy.

Outros processos

O ex-presidente conservador é réu em outros processos, inclusive pela eleição de 2007, em que é acusado de corrupção passiva e associação criminosa, entre outros delitos, na campanha que o levou ao Palácio de Eliseu.

A Promotoria também o investiga por tráfico de influência e lavagem de dinheiro por suas atividades de consultoria na Rússia.

Fonte: AFP / Agência France Press. Publicado no Brasil por g1, em 30.09.21.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Direitos Humanos no Brasil necessitam de uma construção coletiva de política nacional

Matheus de Carvalho Hernandez e Marrielle Maia falam sobre o desmonte e a necessidade de construção de um novo horizonte para os direitos humanos no Brasil

Uma das principais missões da Constituição brasileira é dar vigência aos direitos humanos – Foto: Freepik

Na próxima sexta-feira (1º), a partir das 14h, acontecerá o evento Construção e Desmonte das Políticas Nacionais de Direitos Humanos no Brasil, que compõe o Ciclo de Memórias da Política Institucional Brasileira de Direitos Humanos, do grupo de pesquisa Direitos Humanos, Democracia e Memória do Instituto de Estudos Avançados da USP (GPDH-IEA), do qual Matheus de Carvalho Hernandez e Marrielle Maia fazem parte. Como coordenadores do evento, eles contam um pouco mais sobre o projeto ao Jornal da USP no Ar 1° Edição.

De acordo com Marrielle, o encontro reunirá 11 ex-ministros e ex-secretários dos governos FHC, Lula e Dilma. “O objetivo é reconstruir a memória institucional e advogar pela reconstrução da política nacional de direitos humanos”, destaca. Ela também ressalta que o atual momento é de desmonte das políticas públicas de direitos humanos, momento que está sendo marcado por ataques às instituições democráticas e ao Estado de Direito, pela apologia aos crimes cometidos durante a ditadura militar e por medidas de apagamento de memórias. “É resultado também especialmente de ações do governo atual, com claro objetivo de desconstruir, mas também de redefinir os direitos humanos de forma unilateral, sem a participação social, sem respeito às diversidades e às conquistas desde a redemocratização”, avalia Marrielle.

“Esse grupo de pesquisa existe desde 2016 e foi criado para dar continuidade às atividades da Cátedra Unesco de Educação para Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, mas também para aprofundar as pesquisas sobre temas de interesse com uma abordagem transdisciplinar”, explica Marrielle. Ela também destaca que o projeto Ciclo de Memórias da Política Institucional Brasileira de Direitos Humanos é motivado pelos estudos da memória social e política, que estão relacionados às reflexões sobre os direitos humanos e preocupados com o desmonte pelo qual as políticas públicas de direitos humanos enfrentam nesse governo. “Os expositores são convidados a falar sobre as lutas, os avanços, os obstáculos, a promoção dos direitos humanos, mas também a institucionalização e a implementação dessas políticas e abordar as ameaças e ataques que colocam em risco as conquistas alcançadas”, diz Marrielle.

Para Hernandez, uma das principais missões da Constituição brasileira é dar vigência aos direitos humanos. “Justamente por isso, é uma construção coletiva que depende de políticas públicas que devem atravessar governos de diferentes colorações políticas. É preciso que haja uma política de direitos humanos que seja contínua, perene, ou uma política de Estado”, analisa. Ainda de acordo com Hernandez, é preciso que se siga o preceito constitucional de construção coletiva para que os diagnósticos também sejam realizados de maneira coletiva, de modo que agentes sociais e políticos se comprometam com os valores dos direitos humanos, independentemente das suas diferenças políticas. “A ideia do nosso evento é justamente isso: evidenciar os direitos humanos como um projeto coletivo de Estado e, ao mesmo tempo, compartilhar um diagnóstico conjunto dessas pessoas que passaram pela pasta para demonstrar a situação de desmonte e enxergar um horizonte de reconstrução dos direitos humanos”, finaliza Hernandez.

O encontro é gratuito, não necessita de inscrição prévia e será transmitido pelo canal no YouTube do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

Publicado originalmente pelo Jornal da USP, em 28.09.21.

Um Poeta

Bonfim Tobias

MORDAÇA

Vivo em um país bem impossível,

Tornado inviável e estranho!

Povo bom mas agora impassível,

De orgulhoso, tornou-se tão bisonho!


E o Brasil no mundo não é crível,

(Alguns até chamados de rebanho),

Virou uma colônia, sem nível,

Perdendo a esperança e o sonho!


E a gente brasileira, em pouco tempo,

Ficando obtusa, sem alento,

Não houve, não reage, nem diz nada,

Vai perdendo assim a dignidade,

Perde até das conquistas a saudade

Como árvore em pé mas calcinada!

Mariliz: Bolsonaro, mil dias de pesadelo

Um assunto que bomba mais no meu WhatsApp do que política são as drogas. Aquelas vendidas em farmácia, teoricamente controladas, para o sistema nervoso central. Que está todo mundo meio mal, não há dúvida. E parece uma óbvia vitória que doenças mentais deixem aos poucos de ser tabu, mas o lado sinistro dessas discussões é que não há pudor em trocar impressões sobre tratamentos, medicamentos, efeitos colaterais.

Reportagem da jornalista Claudia Collucci, nesta Folha, mostra que a venda de antidepressivos e estabilizadores de humor tem aumentado sem parar. Em 2019, 12%. No ano seguinte, 17%. Nos primeiros cinco meses de 2021 a alta já foi de 13%.

Uma luz vermelha acendeu por aqui quando uma amiga, adepta de namastê, lavanda e banho de mar, trocou a meditação por um coquetel de tarjas preta e vermelha. Um conhecido contou que compra tudo pelo celular numa farmácia que vende sem receita. Engorda? Tira libido? Dá taquicardia? Deixa feliz? São os questionamentos nos grupos. É mais fácil a indicação de um ansiolítico do que uma receita de pão que dê certo.

Quem sou eu para julgar? Num país com um presidente que faz propaganda de cloroquina no palanque da ONU e seu governo, ao que tudo indica, andou de conchavo com um plano de saúde para atochar "kit covid" em gente idosa, quem consegue atravessar o dia com a cara limpa só pode estar distraído.

Especialistas discutem os custos psicológicos do isolamento, da perda de laços afetivos, do home office, do luto, das sequelas. Qual é a conta da devastação mental causada por este governo? Sua gestão é um pesadelo que já dura mil dias, e o efeito Bolsonaro é desemprego, fome, má gestão da crise sanitária, economia em frangalhos, ataques à democracia, polarização política. O brasileiro vive duas pandemias, uma de doenças mentais causada por um verme. Para isso já há remédio na Constituição.

Mariliz Pereira Jorge, a autora deste artigo, é Jornalista e roteirista de TV. Publicado originalmente na Folha de São Paulo, em 29.09.2021.

CPI da Covid: Hang confirma morte da mãe por Covid e fala que Prevent Senior errou em atestado de óbito

Dono da Havan soube que na certidão da mãe não constava informação sobre coronavírus; mais cedo, empresário bolsonarista se recusou a assinar compromisso de dizer a verdade à comissão.


Luciano Hang passeia sem capacete na garupa do presidente Bolsonaro em Porto Velho, capital de Rondônia Foto: Anderson Riedel / Agência O Globo - 07/05/2021

O empresário bolsonarista Luciano Hang, que presta depoimento na CPI da Covid nesta quarta-feira, confirmou que no atestado de óbito da mãe dele —  morta por Covid-19 em fevereiro — não consta a informação sobre a doença, o que segundo ele foi um erro do plantonista. O empresário negou ter pedido para omitir esse dado no documento e afirmou ter procurado a Prevent Senior para entender o ocorrido. Ele também confirmou que a mãe recebeu remédios do tratamento precoce, comprovadamente ineficazes no combate à doença, e apenas solicitou aos médicos que fizessem todo o possível por ela.

Hang é investigado pela CPI em diferentes linhas de apuração. Uma delas é a respeito da omissão d causa da morte no atestado de óbito da mãe dele, que morreu vítima do coronavírus após ser medicada com remédios do chamado kit-Covid em hospital da Prevent Senior. A operadora de plano de saúde foi acusado por médicos que trabalharam na empresa de omitir a causa da morte por covid-19 durante estudo com medicamentos sem comprovação científica contra a doença.

Hang exibiu um papel que, segundo ele, é um outro documento da Prevent Senior mostrando que ela entrou no hospital com Covid-19 e morreu com a doença. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), perguntou então se ele tinha também o atestado de óbito. Hang disse que não. Randolfe afirmou que o atestado não contém a informação da morte por Covid-19, ao contrário do documento exibido pelo empresário.

— Achei estranho de não estar no óbito, mas eu sou leigo. Segundo eles, quem preencheu o atestado de óbito foi o plantonista. No dia seguinte, existe uma Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, essa comissão viu o erro do plantonista.

À CPI, Hang dissera, mas cedo, que soube da omissão da Covid-19 no atestado de óbito da mãe pela CPI. Omar Aziz leu, então em outro momento da sessão, trecho de reportagem do G1 segundo a qual a equipe de Hang sabia desde abril que o atestado não continha esse dado. O presidente da CPI também lembrou que Hang disse à CPI que não sabia disso. O empresário então deu outra versão.

— Não. Sabia. Quando eu perguntei ao Pedro [Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior] "no atestado não está marcado", ele disse: "é normal" — disse Hang.

O empresário rebateu a acusação do relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), de que teria negado que a mãe recebeu esse tipo de tratamento. Hang explicou que, na verdade, ele lamentou não ter sido oferecido tratamento preventivo, que é diferente de tratamento precoce, em vídeo exibido pela comissão.

Renan Calheiros rebateu a resposta dada pelo empresário.

— Nós temos muitos documentos comprobatórios — disse Renan.

— Não, vocês têm narrativa. Vocês não têm provas — reagiu o empresário.

Segundo Hang, sua mãe fez o tratamento precoce, que se dá no momento inicial da enfermidade, e não o preventivo, que ocorre antes de contrair a doença.

— A minha mãe não fez tratamento preventivo. Fez tratamento inicial [precoce]. São coisas diferentes — afirmou o empresário que ressaltou também ter contraído a doença e ter sido tratado no mesmo hospital e ficado curado.

Questionado novamente pelo relator se fez algum pedido aos médicos, como o uso de remédios do tratamento precoce, para salvar a mãe, Hang disse que apenas solicitou que fizesse todo o possível por ela. Questionado se autorizou a mãe a receber tratamentos experimentais, como a ozonioterapia, ele disse que sim.

— Autorizei a Prevent Senior a fazer tudo que fosse possível para salvar a minha mãe — afirmou Hang

Durante o interrogatório, Renan citou o vídeo em que o empresário aparece de algema e provoca CPI da Covid dizendo que isso é para caso os senadores não aceitem o que ele falar no depoimento. O relator perguntou se as mortes por Covid-19 eram uma brincadeira. Hang afirmou que fez apenas uso do humor e não quis afrontar a CPI. Omar Aziz disse então que essa era uma desculpa esfarrapada.

O dono da Havan também foi confrontado com inquérito do Ministério Público do Trabalho que investiga se o empresário pressionou funcionários para que votassem em Bolsonaro na eleição de 2018. Hang disse que jamais forçou seus funcionários para votar em qualque candidato. No entanto, há um vídeo dele mostrando o oposto; a gravação foi o que originou o inquérito no MPT.

No depoimento à CPI, Hang também negou ter participado de reuniões com o presidente Jair Bolsonaro para tratar da pandemia da Covid-19. Em uma transmissão ao vivo pela internet no início do ano, o empresário pressionou o governo a liberar a aquisição de vacinas para a iniciativa privada. Hang Ele também afirmou não ter levado demandas do setor empresarial ao presidente.

Em postagem em abril deste ano nas redes sociais, entretanto, Hang escreveu que estava em Brasília com outros empresários e o presidente "em uma visita ao gabinete de crise no combate ao coronavírus".

Depois de ser confrontado com a publicação, o empresário disse que foi ao gabinete em que há uma sala para monitorar dados da pandemia em todo o país. Hang disse ainda que a visita "não tinha nada da Covid", e sim preocupação com economia para que o país voltasse a crescer.

Bate-bocas e pedido de desculpas

O depoimento do empresário bolsonarista foi marcado por bate-bocas e constantes interrupções por parte dos senadores governistas e da oposição. Por causa das discussões frequentes, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), suspendeu a oitiva por cerca de 40 minutos na parte da manhã até que o advogado de Hang, Beno Brandao, deixasse a sala por ter ofendido o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

O senador Rogério Carvalho reclamou do comportamento de Hang e disse que ele deveria se ater às perguntas. Ao reclamar novamente do empresário, o senador foi rebatido pelo advogado de Hang. Rogério Carvalho se irritou e pediu sua retirada por entender que ele estava desrespeitando um parlamentar.

Em razão das divergências sobre a ocorrência de ofensa ou não do advogado, o depoente ironizou:

— Chama o VAR. Foi gravado. Volta o vídeo.

Depoimento de Luciano Hand na CPI da Covid foi interropido várias vezes por bate-boca e discussões Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Na volta da sessão, o advogado Beno Brandão pediu desculpas e disse que não houve intenção de ofender Carvalho. Com isso, foi permitido que ele continuasse no local. Logo no início da sessão, o advogado lembrou que, apesar de ter sido convocado como testemunha, Hang foi  incluído na lista de investigados na comissão. Assim, exerceu o direito de se recusar a assinar o termo em que se comprometeria a dizer a verdade.

Após o início do tumulto, Luciano Hang também mostrou alguns cartazes, como um que diz "não me deixam falar". Omar ordenou que ele os entregasse para a segurança da comissão. O presidente da CPI também determinou que apenas um advogado poderia ficar ao lado de Hang.

Antes, Omar Aziz já tinha reclamado de Hang:

— Eu na sua condição, que fica aqui cantando de bom galo, e alguns aqui pegando corda, eu levava minha mãe à lua. Não era à Prevent Senior não. Não venha aqui dar uma de mais honesto. O senhor não é mais honesto do que ninguém aqui. E não é mais trabalhador do que nenhum brasileiro. O senhor gera emprego, mas ganha dinheiro. Agora, quando foi acusado lá atrás de ser sócio dos filhos da Dilma, do Lula, coloca a estátua da liberdade na frente da loja. Esse é o patriota.

Senadores governistas disseram que ele tem liberdade para fazer isso. Em seguida, houve novo bate-boca em razão da atuação do advogado de Hang.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) reclamou da presença de um homem que estava gravando vídeo atrás dele falando mal da CPI e atrapalhando que ele pudesse acompanhar o depoimento. O homem foi identificado como sendo o deputado federal Daniel Freitas (PSL-SC).

Mais tarde, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) criticava Luciano Hang, quando o empresário o interrompeu. Isso levou a um novo bate-boca, em que senadores governistas saíram em defesa de Hang. Depois disso, o senador Humberto Costa (PT-PE) disse que Luciano Hang é um réu confesso, por ter confirmado tudo. Flávio Bolsonaro interveio, irritando Humberto. Em outro ponto, Humberto disparou para Hang:

— Não pense o senhor que estamos falando sem ter documento — disse Humberto.

Após o discurso do senador petista, que não fez perguntas, Hang reagiu.

— Fico muito triste por não fazer perguntas para mim, e ficar dez minutos de narrativas, de mentiras — disse o empresário, que, depois de ser repreendido pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), retirou a palavra "mentiras" e manteve apenas "narrativas".

A estratégia de Hang foi usar o holofote proporcionado pela CPI para antagonizar principalmente com o relator da comissão, Renan Calheiros, um dos principais inimigos do presidente Jair Bolsonaro hoje. Isso foi visto logo na chegada do depoente ao Senado, rodeado de senadores governistas. Ele deu uma declaração de poucos minutos antes do começo da sessão e afirmou que chegou à comissão sem um habeas corpus e pediu para que o deixem falar.

— Com muita tranquilidade, com muita serenidade, com paz e amor no coração, com o peito aberto, sem habeas corpus. É muito importante. Eu acho que quase todo mundo que veio à CPI trouxe um habeas corpus. Desde o princípio eu avisava aos meus advogados: eu não preciso de habeas corpus. Nada melhor do que estar sentado na frente de um delegado, de um juiz, de um promotor, e ter a verdade ao seu lado — disse Hang.

O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, esteve presente na CPI, uma demonstração da importância que o governo dá a este depoimento. O parlamentar costuma aparecer apenas a sessões consideradas relevantes para o Planalto e costuma incitar confusões para atrapalhar o andamento do colegiado.

No começo do depoimento do empresário bolsonarista, Renan Calheiros reclamou da figura do "bobo da corte" que bajula o rei e desvia a atenção dos reais problemas. Flávio, entre outros senadores governistas, reclamaram que o relator estava ofendendo Hang. A fala gerou outro bate-boca entre os presentes.

— Em todas as eras do nosso país, houve a figura do bobo da corte, independentemente dos trajes usados ao longo dos tempos, são úteis para bajular o rei e criar cortinas de fumaça para desviar a atenção dos dramáticos e reais problemas — disse Renan. Relator da CPI da Covid chama Luciano Hang de 'bobo da corte', e Flávio Bolsonaro reage:

— Que cinismo. Tenha respeito — reagiu Flávio.

Contas no exterior

Em resposta ao relator da CPI, Hang disse que tem três contas no exterior, mas todas foram declaradas à Receita e são auditadas. O presidente da comissão explicou o motivo da pergunta: a CPI tem indícios de que ele usa tais contas para financiar fake news. Renan também questionou se a empresa já recebeu benefício fiscal dos governos federal, estaduais e municipais. Hang rodeou o assunto, mas ao fim disse que sim.

Ele também negou que a empresa tenha sido financiada pela BNDES, com exceção da compra de máquinas pelo Finame, uma linha de financiamento do banco de fomento. Ele afirmou que no ano passado, em razão da crise provocada pela pandemia, pegou empréstimos de bancos privados, como Bradesco, Itaú e Santander, mas não de bancos estatais.


Luciano Hang com Omar Aziz e Renan Calheiros Foto: Leopoldo Silva / Agência Senado

Posteriormente, questionado de novo se a empresa já recebeu subsídios do poder público, ele disse não se lembrar. Em seguida, afirmou que deve ter recebido alguma coisa. Renan se irritou com a demora de Hang em responder a questão.

— Nós não estamos aqui para bater palma para doido. Estamos aqui para fazer perguntas — afirmou Renan.

O empresário também afirmou que, em 35 anos de empresa, trabalhou com bancos estatais. Perguntado se já operou com bitcoin, ele respondeu que nem sabia o que era isso.

Omar Aziz disse que ele já fez 57 operações com o BNDES. Hang contra-argumentou:

— A maioria delas para comprar equipamentos e máquinas e o terreno que comprei [em Franca-SP] — disse Hang.

Segundo a versão dele, a Havan livrou o BNDES de um abacaxi ao adquirir o terreno em Franca. Segundo Hang, uma outra empresa tinha comprado o terreno financiado, mas quebrou. Em passagem pela cidade, o empresário disse ter gostado do imóvel e fechou negócio para adquiri-lo.

'Não sou negacionista'

O empresário disse não ser negacionista.

— Eu não sou negacionista. Nunca neguei ou duvidei da doença. Tanto que minhas ações pró-saúde não ficaram só no discurso. Mandei 200 cilindros de oxigênio para Manaus, no valor de R$ 1 milhão, respiradores, máscaras, camas, utensílios, ajudamos na reforma de UTI, e destinamos R$ 5 milhões para a área da saúde. Nunca fui contra a vacina. Tanto que disponibilizamos os estacionamentos das nossas megalojas como pontos de vacinação — disse Hang, acrescentando:

— Nunca fiz parte de gabinete paralelo. Nunca financiei fake news.

Nas redes: Hang diz ser alvo de fake news, mas cita mentira compartilhada por sua aliada Carla Zambelli

Ele disse que, até cinco anos atrás, era uma pessoa desconhecida, mas teve que se manifestar para negar boatos de que suas lojas seriam na verdade de filhos dos ex-presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Para aumentar a ironia, uma das pessoas que propagaram tais boatos na época é a hoje deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP).

O empresário disse também, em outro momento, que não tomou vacina de Covid-19. Questionado sobre o motivo, ele afirmou:

— Eu tenho neutralizante natural — disse o empresário.

Defesa do presidente

O líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), entregou nesta quarta-feira a Renan Calheiros um parecer jurídico feito pelo pelo advogado Ives Gandra Martins e outros juristas para que eles opinassem se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes no enfrentamento à pandemia. Ele afirmou que o teor do texto ainda será divulgado à imprensa.

Na terça-feira, Fernando Bezerra já havia dito que, entre outras coisas, o documento aborda questões como os limites da atuação do governo federal no enfrentamento da pandemia, em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu a autonomia de estados e municípios para adotar medidas no combate à doença. Bolsonaro já disse várias vezes, de forma incorreta, que teve seus poderes limitados pelo STF. O que a Corte fez foi permitir que os estados e municípios possam enfrentar a pandemia dentro do âmbito de seus poderes sem sofrerem restrições do governo federal.

A lista de possíveis crimes que podem ser atribuídos ao presidente é extensa. A consulta aborda tanto crimes de responsabilidade, quanto os comuns, como, por exemplo, charlatanismo, exercício ilegal da medicina, estelionato, corrupção passiva, advocacia administrativa, e exposição de outras pessoas ao risco em razão de sua participação em eventos públicos com aglomeração. A consulta também trata da responsabilidade de Bolsonaro no colapso do sistema de saúde de Manaus no começo do ano, de negligência ou inoperância na aquisição de vacinas da Pfizer, de atos de improbidade administrativa, e de crimes contra humanidade.

André de Souza, de Brasília para O Globo, em 29/09/2021 - 09:44 / Atualizado em 29/09/2021 - 17:43

Apoio de Tasso Jereissati a Eduardo Leite empata prévias no PSDB; veja a posição de cada diretório estadual

Governador gaúcho, que tem apoio de sete estados, acredita que influência de senador pode ajudá-lo no Nordeste. Doria tem endosso de cinco diretórios.

Tasso anuncia apoio à pré-candidatura de Eduardo Leite à Presidência pelo PSDB Foto: Divulgação

Anunciado ontem em Brasília, o apoio do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) nas prévias do PSDB ajuda a campanha do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, a ter condições de igualdade na disputa com João Doria.

O governador paulista teve uma vantagem inicial por comandar o maior estado do país, onde está a maior parte dos filiados ao PSDB, um dos quatro grupos do colégio eleitoral tucano. Por outro lado, Leite já conseguiu o apoio de sete diretórios estaduais — seu adversário tem o endosso de cinco.

Como os estados têm números diferentes de filiados e políticos eleitos, que formam os outros três grupos do colégio eleitoral, o apoio conquistado pelos dois candidatos é parecido quando se analisa o peso total dos estados na votação interna.

Os sete estados que declararam apoio a Leite (MG, RS, PR, BA, CE, AL e AP) têm peso de 33,36% nas prévias, segundo levantamento interno do PSDB. Já os cinco diretórios que fecharam com Doria (SP, PA, DF, AC e TO) correspondem a 30,89%. Os outros estados não se posicionaram. A projeção não é totalmente precisa porque há dissidências, para um lado e para outro, dentro de cada estado.

Brasil tucano

Veja como os diretórios estaduais estão divididos na corrida pelas prévias do PSDB

azul escuro, Dória - azul claro, Leite - cinza, indefinido


*Deve apoiar Arthur Virgílio, mas ainda não oficializou

Peso de cada estado dentro do colégio eleitoral do PSDB

Com a influência de Tasso no Nordeste, aliados acreditam que Leite poderia ampliar seu alcance na região. Ontem, durante o ato em que confirmou apoio a Leite, o senador cearense afirmou que se somar seus aliados somados aos de Leite rendem um apoio de 80% dos comandos nos estados.

— Não estou exagerando. Quem conhece sabe bem disso — completou.

Apesar do otimismo de Tasso, a disputa segue aberta. Doria tem apoios encaminhados no Rio Grande do Norte e no Espírito Santo.

Estados onde a cúpula local já tomou lado registram dissidências. Nos próximos dias, Doria terá um evento em Belo Horizonte numa tentativa de conseguir votos mineiros. Controlado por aliados de Aécio, o diretório de Minas apoia o gaúcho.

Já Leite vai a Santa Catarina, onde o diretório tenta adiar a decisão de fechar questão. Aliados do gaúcho fazem pressão com ajuda de caciques da política local. No entanto, o secretário de Turismo de São Paulo, Vinicius Lummertz, que também é de Santa Catarina, afirma que o diretório de Joinville está com Doria.

Nos bastidores, tucanos afirmam que a ascensão de Leite no partido se deve mais à rejeição a Doria do que ao mérito do governador do Rio Grande do Sul, que é considerado jovem para uma disputa nacional. O coordenador da campanha de prévias de Doria, Wilson Pedroso, suavizou o impacto do apoio de Tasso a Leite. “Ainda temos um período grande até a votação interna do partido e articulações são bem-vindas”.

O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), de saída do PSDB, tem ajudado a viabilizar a candidatura de Leite:

— O Alckmin está nos ajudando. Isso com certeza. Ele ainda tem muita influência no partido — disse Tasso.

Ao comentar a possível saída de Alckmin do partido, Leite disse que o respeita:

— Ele tem muito a cumprir pelo seu estado.

Gustavo Schmitt e Eduardo Gonçalves, de São Paulo e Brasília para O Globo, em 29/09/2021 - 04:30 / Atualizado em 29/09/2021 - 10:38

Em encontro com Leite, FH diz que quem agregar partidos e pessoas ganha a eleição

Com apoio de Tasso, governador gaúcho trabalha para reverter apoio de ex-presidente a Doria nas prévias presidenciais do PSDB

Ex-presidente Fernando Henrique recebe o governador Eduardo Leite e o senador Tasso Jereissati em sua casa em São Paulo para tratar das prévias do PSDB Foto: Divulgação / Governo do Rio Grande do Sul

Em encontro com o governador Eduardo Leite nesta quarta-feira em São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique recomendou ao gaúcho que agregue partidos em uma tentativa de unir a terceira via.

Eleições 2022:Temos juntos 80% das Executivas, diz Tasso ao anunciar apoio a Leite

A visita ao ex-presidente ocorreu um dia após o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) manifestar apoio a Leite nas prévias presidenciais do PSDB, cuja disputa vai indicar um nome do partido para concorrer ao Planalto em 2022.

— O importante nessa eleição é capacidade de agregar partidos e pessoas e dar um rumo ao Brasil. Se você fizer isso, ganha a eleição — disse Fernando Henrique num vídeo em que o ex-presidente aparece ao lado de Tasso e Leite.

Ao lado de Tasso, Leite trabalha para reverter o apoio do ex-presidente ao governador de São Paulo, João Doria, principal adversário do gaúcho nas primárias tucanas que acontecem em 21 de novembro.

Nos bastidores, a declaração do ex-presidente foi lida como um recado a Doria, que é visto no partido como alguém com mais dificuldade de compor com outros partidos e, eventualmente, até de abrir mão da cabeça de chapa.

Em entrevista ao GLOBO na semana passada, o ex-presidente reiterou seu apoio a Doria, a quem descreveu como "amigo". Mas em tom semelhante ao desta tarde, disse que o candidato ideal será aquele que conseguirá aglutinar apoios e unir o partido e complementou que este terá seu voto.

Gustavo Schmitt, de São Paulo para O Globo, em 29/09/2021 - 17:39 / Atualizado em 29/09/2021 - 18:08hs

A Lei de Segurança Nacional e a segurança do Estado Democrático de Direito

A boa-nova da ab-rogada LSN vem embalada por alvíssaras, mas suscita dúvidas.

Já que os de hoje não se incumbiram da tarefa, os historiadores do futuro terão o desafio de explicar por que, ao longo de três décadas das mais amplas liberdades democráticas da História do Brasil, permaneceu em vigor a Lei de Segurança Nacional (LSN), reformada em 1983, nos estertores da ditadura. Redemocratizado o País a partir de 1985, promulgada a Constituição em 1988, a Lei n.º 7.170 resistiu incólume ao descarte do entulho autoritário até poder ser hoje ab-rogada em razão da decisão do Congresso no dia 10/8/2021 e sancionada em 1.º/9/2021 pelo presidente da República.

Casamata da antipolítica e da criminalização da oposição, garrote vil para o que a ditadura estigmatizou como “subversão”, será agora substituída pela Lei n.º 14.197, que introduziu um título (XII) na Parte Especial do Código Penal de 1940, a definir os “crimes contra o Estado Democrático de Direito”. A boa-nova vem embalada por alvíssaras, mas suscita dúvidas, a começar pela não opção por um diploma extravagante específico, por afigurar-se a uma colcha de retalhos e, ainda, por excessiva concessão à conjuntura política.

Do ponto de vista da estrutura do nosso ordenamento jurídico, seria mais apropriado substituir o estatuto da ditadura por uma lei específica de defesa do Estado, em vez de fazê-la um título do Código Penal – a exemplo do que se passou com a de n.º 13.260/2016, conhecida como Lei Antiterrorismo. Talvez os congressistas tenham desejado, com toda razão, esconjurar de vez o fantasma da LSN. Em certa medida, porém, extingue-se o crime político e trata-se razões de Estado no catálogo geral dos delitos comuns.

Na trilha correta da defesa do Estado, a lei é certeira ao tipificar os clássicos delitos de atentado à soberania e integridade nacionais, espionagem em favor de estrangeiro, sabotagem da defesa nacional, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Exorbita, no entanto, na utilização da elementar conceitual da “grave ameaça”. Se é indiscutível em crimes de roubo praticado mediante atemorização da vítima, por exemplo, tal violência, de aspecto subjetivo, mostra-se demasiado aberto na tipificação do golpe de Estado tentado, assim desenhado no artigo 359-M: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Pena: reclusão, de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.

Intentar putsch com as balas de festim da “grave ameaça”, mas sem violência, hipótese enunciada pela lei, é retórica. As redes sociais e as ruas estão repletas de palavras de ordem pela deposição do atual governo. Mais efetivo seria criminalizar a incitação, por qualquer meio, do golpe de Estado. Nos degraus da História, o velho coup d’État dos franceses é sempre uma tomada violenta do poder, como ocorreu na autêntica Revolução de 1930 e na mal chamada “revolução de 1964”. Mas convém atentar para sua modalidade por antonomásia de autogolpe, aplicado pelo próprio governo, de que são exemplo o famoso de 18 de brumário de Luís Bonaparte, em 1851, na França, e, no Brasil, o Estado Novo de 1937 e a intraditadura do AI-5 de 1968. Eis o sonho do presidente.

Caso de distopia legislativa, o Congresso Nacional espelhou por demais a quadra política polarizada, e sobretudo se projetou em outras searas ao repassar ao Código Penal temas próprios de outras áreas, como a eleitoral. No influxo da conjuntura, foi claro o propósito de alcançar as chamadas fake news que infestam as redes sociais. A propósito, um parêntese: os feitos em tramitação com base na revogada LSN deverão ser extintos. Penetrando em solo eleitoral, o artigo 359-N prevê reclusão, de três a seis anos, e multa, a quem “impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado (...)”. Parece roman à clef que dissimulam o presidente da República e seus áulicos – tanto que, ao sancionar o novo diploma legal, sua excelência vetou o seguinte artigo 359-O, que tratava de “comunicação enganosa em massa”, de que até um de seus filhos é acusado.

Novidade a ser destacada na decisão do Congresso foi a introdução no Código Penal de outro galicismo, “crimes contra a cidadania”, a punir pelo artigo 359-S quem “impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação (...)”. O presidente vetou a rubrica francesa e a criminalização desta prática a que tanto se dedicam seus acólitos.

No entanto, escapou da tesoura palaciana que ainda talha o figurino antidemocrático da antiga LSN a auspiciosa descriminante do artigo 359-T: “Não constitui crime previsto neste título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.

Se toda lei de defesa do Estado tende a restringir a liberdade do indivíduo, essa excludente de ilicitude contempla a segurança da democracia.

José Roberto Batochio, o autor deste artigo, é advogado criminalista. Foi Presidente nacional da OAB e Deputado Federal por São Paulo. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 29.09.21.


Em depoimento, dono da Havan mente sobre empréstimos recebidos do BNDES e faz alegações enganosas sobre pandemia

Luciano Hang participa da CPI da Covid do Senado nesta quarta-feira e divulgou dados enganosos

Empresário Luciano Hang em depoimento à CPI da Covid. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Dono das lojas Havan, o empresário bolsonarista Luciano Hang depõe à CPI da Covid nesta quarta-feira, 29. Ele disse que nunca pegou empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), o que é falso — foram 57 operações entre 1993 e 2014. Hang também citou dados enganosos sobre sua cidade natal, Brusque, em Santa Catarina, ao se posicionar contra a adoção de lockdowns. Veja a checagem do Estadão Verifica abaixo.

O que Hang disse: que nunca pegou um empréstimo do BNDES, “principalmente quando o PT esteve no poder”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O BNDES informa que a empresa Havan Lojas de Departamentos LTDA (CNPJ 79.379.491/0001-83) realizou 57 operações entre 1993 e 2014. O PT governou o País de 2003 a 2016, período em que foram feitos 50 empréstimos.

As operações foram celebradas na modalidade indireta e automática, sob a qual bancos parceiros credenciados ao BNDES são os responsáveis pela análise, aprovação e acompanhamento do crédito. Caso o beneficiário final não pague as parcelas, o agente financeiro o fará junto ao BNDES, negociando os valores devidos diretamente com o beneficiário final.

Segundo o banco, não há vínculo entre a Havan e o BNDES. Há um vínculo entre o BNDES e o banco intermediário, e outro entre o banco intermediário e a Havan.

O que disse Luciano Hang: que Brusque “foi uma das cidades que menos fecharam no Brasil” e teve taxa de mortalidade por covid-19 de 2.011 por milhão e taxa de letalidade de 1,1%.

O Estadão Verifica investigou o conteúdo e concluiu que: é enganoso. Hang coloca em dúvida a eficácia do isolamento social e do lockdown para conter a covid-19 por meio de dados isolados da cidade de Brusque (SC). Com essa alegação não é capaz de sustentar a tese, pois há vários fatores que podem influenciar no número de casos e mortes em uma localidade.

Estudos científicos que estimam o impacto desse tipo de medida de forma mais adequada observam, por exemplo, os períodos específicos em que aqueles locais promoveram determinadas políticas ou não. É o caso de um artigo publicado na revista Science, em fevereiro de 2021, que analisou a evolução da pandemia e as intervenções governamentais em 41 países. O estudo aponta que o fechamento de serviços não essenciais contribuiu para diminuir a velocidade de transmissão do vírus.

A reportagem checou os dados citados por Hang por meio de uma página oficial do Ministério da Saúde. A cidade de Brusque havia registrado 30.264 casos confirmados e 319 mortes por covid-19 até esta quarta-feira, 29 de setembro. Dessa forma, a taxa de mortalidade era de 237 a cada 100 mil habitantes (ou 2.370 por milhão de habitantes), e a taxa de letalidade (número de mortes em relação ao total de casos confirmados) era de 1,05%. 

A mortalidade em Brusque é menor do que a média brasileira, de 285 casos a cada 100 mil habitantes, e também que a do Estado de Santa Catarina, 269, conforme informações do Ministério da Saúde. Se fosse um país, no entanto, Brusque seria o 14º com mais mortes por habitante do planeta, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos. O Brasil aparece na 8ª posição.

O que Luciano Hang disse: que nunca foi contra a vacina.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: não é bem assim. Uma busca pela palavra “vacina” no perfil de Luciano Hang no Instagram indica que ele fez diversas publicações favoráveis à vacinação, mas também divulgou conteúdos que descredibilizam a eficácia da Coronavac.

“Você usaria um paraquedas com 50% de chances de abrir?”, escreveu Hang ao comentar sobre o índice de eficácia do imunizante em uma postagem na rede social. Ele ainda fez referências a tratamentos sem eficácia comprovada contra a covid. 

Como explica uma reportagem do Comprova, esse tipo de comparação com o índice de eficácia da Coronavac é enganoso. A imunização consiste em uma estratégia coletiva, e a vacina reduz significativamente as chances de pacientes desenvolverem formas sintomáticas de covid.

O que Luciano Hang disse: que não se vacinou pois tem um “índice de anticorpos altíssimo”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O Estadão Verifica já mostrou em outras checagens que a proteção das vacinas vai além da presença de anticorpos no sangue. Exames sorológicos apenas detectam a presença de anticorpos em determinado momento, mas apresentam risco de falsos negativos e não são capazes de avaliar todos os mecanismos essenciais no processo de defesa proporcionados pelas vacinas. A Anvisa divulgou nota em junho em que explicava que “não existe até o momento definição da quantidade mínima de anticorpos neutralizantes necessária para conferir proteção imunológica contra a infecção pelo SARS-CoV-2”.

Mesmo quem já foi infectado pela covid-19 deve se vacinar. O Estadão explicou neste guia que a imunidade natural ao vírus não é constante na população e não é mensurável. Quer dizer, ainda não se sabe quanto dura a proteção gerada pelo contágio.

O que Luciano Hang disse: que fez uma doação de 200 cilindros de oxigênio ao governo do Amazonas.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdadeiro. A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa da Saúde do Estado ao Estadão Verifica por e-mail. A doação, porém, só foi anunciada depois que agências de checagem como Aos Fatos desmentiram publicações nas redes sociais sobre o assunto.

Pedro Prata, Samuel Lima e Victor Pinheiro, de Brasília e S. Paulo, para O Estado de S.Paulo, em 29.09.21, às 17h,01

Abismo da Prevent Senior se amplia com depoimento de advogada à CPI e ameaça tragar Governo Bolsonaro

Bruna Morato, representante de 12 médicos, afirma que havia um alinhamento da operadora de saúde com o ‘gabinete paralelo’ e o Ministério da Economia com o intuito de manter a economia girando

Bruna Morato, advogada representante de médicos que trabalharam na Prevent Senior, durante seu depoimento na CPI da Pandemia nesta terça-feira, 28 de setembro, em Brasília. (Roque de Sá / Agência Senado)

A advogada Bruna Morato, que diz representar 12 médicos que trabalham ou trabalharam na Prevent Senior, detalhou à CPI da Pandemia nesta terça-feira, 28 de setembro, o modus operandi da operadora de saúde na prescrição de medicamentos ineficazes contra a covid-19 para seus pacientes, que teriam sido cobaias de um experimento ilícito. Morato descreveu ainda o alinhamento da Prevent Senior com o Governo Jair Bolsonaro, mais concretamente com o Ministério da Economia, para promover a hidroxicloroquina e outros medicamentos do chamado kit-covid, ineficazes para combater a infecção pelo coronavírus. O objetivo era boicotar a quarentena e manter a economia girando. Também afirmou que os médicos que representa ficaram receosos de denunciar a Prevent Senior para os conselhos regional e federal de medicina, por causa da proximidade da operadora com as entidades. “O que estamos assistindo é um escândalo macabro com sinais tristes de eugenia, que revela o quão triste é essa página da historia brasileira”, definiu o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

A advogada relatou, sempre falando a partir da versão de seus clientes, que a Prevent Senior buscou, ainda no ano passado, se aproximar do Ministério da Saúde. Diante da resistência do então ministro Luiz Henrique Mandetta, a empresa buscou o chamado gabinete paralelo que assessorava o Governo. O grupo era composto por médicos negacionistas como o toxicologista Anthony Wong, o virologista Paolo Zanotto e a pesquisadora Nise Yamaguchi. De acordo com Morato, esse gabinete estava alinhado a interesses do Ministério da Economia, para que a pandemia não prejudicasse a economia. A intenção, explicou ela, era “conceder esperança para que as pessoas saíssem às ruas sem medo, e essa esperança tinha um nome: hidroxicloroquina”.

Morato afirmou, contudo, que em nenhum momento ouviu “falar da pessoa do ministro da Economia [Paulo Guedes], o que eles falavam era de um alinhamento ideológico”. Em momento posterior, disse ainda que não tinha informações sobre conversas ou a participação de membros do Ministério da Economia no gabinete paralelo. A pasta não se pronunciou oficialmente sobre o caso até o fechamento desta edição, mas fontes afirmam que não há registro de encontros de membros do alto escalão com autoridades da Prevent Senior.

Morato foi convocada dias depois de os senadores ouvirem, na última quinta-feira, o diretor-executivo da operadora de saúde, Pedro Benedito Batista Júnior. No centro da discussão está um dossiê que aponta irregularidades no tratamento de pacientes com covid-19. O documento mostra como a operadora, voltada para idosos, testou em seus hospitais o chamado kit-covid —composto por hidroxicloroquina e ivermectina, entre outros medicamentos ineficazes contra a covid-19— em pacientes infectados sem o aval dessas pessoas ou da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Além disso, a seguradora também teria ocultado mortes pela doença, como forma de apresentar as melhores estatísticas de recuperação.

De acordo com Morato, os médicos da Prevent Senior estavam submetidos ao lema “lealdade de obediência” da empresa. Recebiam um pacote lacrado com medicamentos do kit-covid e uma receita já pronta que deveria ser entregue a pacientes que apresentassem sintomas gripais. “Não existia autonomia com relação à retirada de itens desse kit. Quando o médico riscasse algum item da receita, o paciente ainda assim recebia o kit completo”, relatou à CPI. Ela disse que os plantonistas davam o pacote aos pacientes dizendo que, caso não entregassem, poderiam ser demitidos. Também pediam informalmente que se tomassem algo do kit, que escolhessem somente proteínas e vitaminas. Os demais, além de ineficazes, poderiam ser perigosos para idosos.

Caso não prescrevessem, os médicos sofriam constrangimentos públicos e acabavam demitidos. Questionada por senadores sobre por que os profissionais de saúde que representa não denunciaram a Prevent Senior ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), a advogada afirmou que as entidades não aceitam denúncias anônimas. Também citou uma suposta proximidade da operadora de saúde com esses organismos. Ao longo da pandemia, a CFM mostrou um alinhamento ideológico ao Governo Bolsonaro e, sob a justifica de defender a autonomia do médico, não colocou freios à prescrição de cloroquina contra a covid-19. Os senadores acabaram aprovando, então, um requerimento pra investigar com urgência os conselhos, assim como a Agência Nacional de Saúde Suplementar —que regulamenta o setor de seguros privados de saúde.

O tratamento precoce com kit-covid foi adotado também como forma de reduzir custos, acrescentou Morato, “uma vez que é mais barato disponibilizar medicamentos do que realizar internação em UTI”, explicou durante a sessão. Assim, pacientes chegavam a receber o kit em casa antes de qualquer tipo de exame ou internação. Era uma estratégia de reduzir custos, reafirmou ela, diante de senadores estarrecidos. Além disso, pacientes não sabiam que estavam assinando termos de consentimento para fazer parte de um experimento com medicamentos. De acordo com ela, os clientes deveriam assinar termos genéricos, no hospital ou por SMS, com a justificativa de que era necessário para a retirada dos medicamentos.

Antes de apresentar o dossiê à CPI, a advogada diz que procurou o setor jurídico da Prevent Senior para buscar um acordo. Os médicos pediram três atitudes para a empresa: que assumisse publicamente que o estudo com o kit-covid não foi conclusivo; que a operadora admitisse que havia um protocolo institucional de tratar com o kit-covid, já que os médicos não tinham autonomia; e, em terceiro, que a empresa assumisse suas responsabilidades diante de quaisquer ações judiciais por parte de pacientes que foram tratados.

Em julho deste ano, a Prevent Senior contava com 542.471 clientes, um aumento de quase 12% em relação a agosto do ano passado. Cerca de 4.000 pacientes internados na rede de hospitais da operadora morreram com covid-19 ao longo da pandemia, ou 22% dos 18.000 usuários que chegaram a ser hospitalizados por conta da doença nas unidades administradas pela empresa. No início da pandemia, a Prevent Senior chegou a acumular 30% das mortes por covid-19 no Brasil, concentrando muita atenção negativa naquele momento. A tentativa de reação desencadeada naqueles dias acabou devolveu a empresa aos olhos da população brasileira, e de uma forma ainda mais comprometedora.

FELIPE BETIM, de São Paulo para o EL PAÍS, em 28/09/21