quarta-feira, 29 de setembro de 2021

CPI da Covid: Hang confirma morte da mãe por Covid e fala que Prevent Senior errou em atestado de óbito

Dono da Havan soube que na certidão da mãe não constava informação sobre coronavírus; mais cedo, empresário bolsonarista se recusou a assinar compromisso de dizer a verdade à comissão.


Luciano Hang passeia sem capacete na garupa do presidente Bolsonaro em Porto Velho, capital de Rondônia Foto: Anderson Riedel / Agência O Globo - 07/05/2021

O empresário bolsonarista Luciano Hang, que presta depoimento na CPI da Covid nesta quarta-feira, confirmou que no atestado de óbito da mãe dele —  morta por Covid-19 em fevereiro — não consta a informação sobre a doença, o que segundo ele foi um erro do plantonista. O empresário negou ter pedido para omitir esse dado no documento e afirmou ter procurado a Prevent Senior para entender o ocorrido. Ele também confirmou que a mãe recebeu remédios do tratamento precoce, comprovadamente ineficazes no combate à doença, e apenas solicitou aos médicos que fizessem todo o possível por ela.

Hang é investigado pela CPI em diferentes linhas de apuração. Uma delas é a respeito da omissão d causa da morte no atestado de óbito da mãe dele, que morreu vítima do coronavírus após ser medicada com remédios do chamado kit-Covid em hospital da Prevent Senior. A operadora de plano de saúde foi acusado por médicos que trabalharam na empresa de omitir a causa da morte por covid-19 durante estudo com medicamentos sem comprovação científica contra a doença.

Hang exibiu um papel que, segundo ele, é um outro documento da Prevent Senior mostrando que ela entrou no hospital com Covid-19 e morreu com a doença. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), perguntou então se ele tinha também o atestado de óbito. Hang disse que não. Randolfe afirmou que o atestado não contém a informação da morte por Covid-19, ao contrário do documento exibido pelo empresário.

— Achei estranho de não estar no óbito, mas eu sou leigo. Segundo eles, quem preencheu o atestado de óbito foi o plantonista. No dia seguinte, existe uma Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, essa comissão viu o erro do plantonista.

À CPI, Hang dissera, mas cedo, que soube da omissão da Covid-19 no atestado de óbito da mãe pela CPI. Omar Aziz leu, então em outro momento da sessão, trecho de reportagem do G1 segundo a qual a equipe de Hang sabia desde abril que o atestado não continha esse dado. O presidente da CPI também lembrou que Hang disse à CPI que não sabia disso. O empresário então deu outra versão.

— Não. Sabia. Quando eu perguntei ao Pedro [Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior] "no atestado não está marcado", ele disse: "é normal" — disse Hang.

O empresário rebateu a acusação do relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), de que teria negado que a mãe recebeu esse tipo de tratamento. Hang explicou que, na verdade, ele lamentou não ter sido oferecido tratamento preventivo, que é diferente de tratamento precoce, em vídeo exibido pela comissão.

Renan Calheiros rebateu a resposta dada pelo empresário.

— Nós temos muitos documentos comprobatórios — disse Renan.

— Não, vocês têm narrativa. Vocês não têm provas — reagiu o empresário.

Segundo Hang, sua mãe fez o tratamento precoce, que se dá no momento inicial da enfermidade, e não o preventivo, que ocorre antes de contrair a doença.

— A minha mãe não fez tratamento preventivo. Fez tratamento inicial [precoce]. São coisas diferentes — afirmou o empresário que ressaltou também ter contraído a doença e ter sido tratado no mesmo hospital e ficado curado.

Questionado novamente pelo relator se fez algum pedido aos médicos, como o uso de remédios do tratamento precoce, para salvar a mãe, Hang disse que apenas solicitou que fizesse todo o possível por ela. Questionado se autorizou a mãe a receber tratamentos experimentais, como a ozonioterapia, ele disse que sim.

— Autorizei a Prevent Senior a fazer tudo que fosse possível para salvar a minha mãe — afirmou Hang

Durante o interrogatório, Renan citou o vídeo em que o empresário aparece de algema e provoca CPI da Covid dizendo que isso é para caso os senadores não aceitem o que ele falar no depoimento. O relator perguntou se as mortes por Covid-19 eram uma brincadeira. Hang afirmou que fez apenas uso do humor e não quis afrontar a CPI. Omar Aziz disse então que essa era uma desculpa esfarrapada.

O dono da Havan também foi confrontado com inquérito do Ministério Público do Trabalho que investiga se o empresário pressionou funcionários para que votassem em Bolsonaro na eleição de 2018. Hang disse que jamais forçou seus funcionários para votar em qualque candidato. No entanto, há um vídeo dele mostrando o oposto; a gravação foi o que originou o inquérito no MPT.

No depoimento à CPI, Hang também negou ter participado de reuniões com o presidente Jair Bolsonaro para tratar da pandemia da Covid-19. Em uma transmissão ao vivo pela internet no início do ano, o empresário pressionou o governo a liberar a aquisição de vacinas para a iniciativa privada. Hang Ele também afirmou não ter levado demandas do setor empresarial ao presidente.

Em postagem em abril deste ano nas redes sociais, entretanto, Hang escreveu que estava em Brasília com outros empresários e o presidente "em uma visita ao gabinete de crise no combate ao coronavírus".

Depois de ser confrontado com a publicação, o empresário disse que foi ao gabinete em que há uma sala para monitorar dados da pandemia em todo o país. Hang disse ainda que a visita "não tinha nada da Covid", e sim preocupação com economia para que o país voltasse a crescer.

Bate-bocas e pedido de desculpas

O depoimento do empresário bolsonarista foi marcado por bate-bocas e constantes interrupções por parte dos senadores governistas e da oposição. Por causa das discussões frequentes, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), suspendeu a oitiva por cerca de 40 minutos na parte da manhã até que o advogado de Hang, Beno Brandao, deixasse a sala por ter ofendido o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

O senador Rogério Carvalho reclamou do comportamento de Hang e disse que ele deveria se ater às perguntas. Ao reclamar novamente do empresário, o senador foi rebatido pelo advogado de Hang. Rogério Carvalho se irritou e pediu sua retirada por entender que ele estava desrespeitando um parlamentar.

Em razão das divergências sobre a ocorrência de ofensa ou não do advogado, o depoente ironizou:

— Chama o VAR. Foi gravado. Volta o vídeo.

Depoimento de Luciano Hand na CPI da Covid foi interropido várias vezes por bate-boca e discussões Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Na volta da sessão, o advogado Beno Brandão pediu desculpas e disse que não houve intenção de ofender Carvalho. Com isso, foi permitido que ele continuasse no local. Logo no início da sessão, o advogado lembrou que, apesar de ter sido convocado como testemunha, Hang foi  incluído na lista de investigados na comissão. Assim, exerceu o direito de se recusar a assinar o termo em que se comprometeria a dizer a verdade.

Após o início do tumulto, Luciano Hang também mostrou alguns cartazes, como um que diz "não me deixam falar". Omar ordenou que ele os entregasse para a segurança da comissão. O presidente da CPI também determinou que apenas um advogado poderia ficar ao lado de Hang.

Antes, Omar Aziz já tinha reclamado de Hang:

— Eu na sua condição, que fica aqui cantando de bom galo, e alguns aqui pegando corda, eu levava minha mãe à lua. Não era à Prevent Senior não. Não venha aqui dar uma de mais honesto. O senhor não é mais honesto do que ninguém aqui. E não é mais trabalhador do que nenhum brasileiro. O senhor gera emprego, mas ganha dinheiro. Agora, quando foi acusado lá atrás de ser sócio dos filhos da Dilma, do Lula, coloca a estátua da liberdade na frente da loja. Esse é o patriota.

Senadores governistas disseram que ele tem liberdade para fazer isso. Em seguida, houve novo bate-boca em razão da atuação do advogado de Hang.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) reclamou da presença de um homem que estava gravando vídeo atrás dele falando mal da CPI e atrapalhando que ele pudesse acompanhar o depoimento. O homem foi identificado como sendo o deputado federal Daniel Freitas (PSL-SC).

Mais tarde, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) criticava Luciano Hang, quando o empresário o interrompeu. Isso levou a um novo bate-boca, em que senadores governistas saíram em defesa de Hang. Depois disso, o senador Humberto Costa (PT-PE) disse que Luciano Hang é um réu confesso, por ter confirmado tudo. Flávio Bolsonaro interveio, irritando Humberto. Em outro ponto, Humberto disparou para Hang:

— Não pense o senhor que estamos falando sem ter documento — disse Humberto.

Após o discurso do senador petista, que não fez perguntas, Hang reagiu.

— Fico muito triste por não fazer perguntas para mim, e ficar dez minutos de narrativas, de mentiras — disse o empresário, que, depois de ser repreendido pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), retirou a palavra "mentiras" e manteve apenas "narrativas".

A estratégia de Hang foi usar o holofote proporcionado pela CPI para antagonizar principalmente com o relator da comissão, Renan Calheiros, um dos principais inimigos do presidente Jair Bolsonaro hoje. Isso foi visto logo na chegada do depoente ao Senado, rodeado de senadores governistas. Ele deu uma declaração de poucos minutos antes do começo da sessão e afirmou que chegou à comissão sem um habeas corpus e pediu para que o deixem falar.

— Com muita tranquilidade, com muita serenidade, com paz e amor no coração, com o peito aberto, sem habeas corpus. É muito importante. Eu acho que quase todo mundo que veio à CPI trouxe um habeas corpus. Desde o princípio eu avisava aos meus advogados: eu não preciso de habeas corpus. Nada melhor do que estar sentado na frente de um delegado, de um juiz, de um promotor, e ter a verdade ao seu lado — disse Hang.

O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, esteve presente na CPI, uma demonstração da importância que o governo dá a este depoimento. O parlamentar costuma aparecer apenas a sessões consideradas relevantes para o Planalto e costuma incitar confusões para atrapalhar o andamento do colegiado.

No começo do depoimento do empresário bolsonarista, Renan Calheiros reclamou da figura do "bobo da corte" que bajula o rei e desvia a atenção dos reais problemas. Flávio, entre outros senadores governistas, reclamaram que o relator estava ofendendo Hang. A fala gerou outro bate-boca entre os presentes.

— Em todas as eras do nosso país, houve a figura do bobo da corte, independentemente dos trajes usados ao longo dos tempos, são úteis para bajular o rei e criar cortinas de fumaça para desviar a atenção dos dramáticos e reais problemas — disse Renan. Relator da CPI da Covid chama Luciano Hang de 'bobo da corte', e Flávio Bolsonaro reage:

— Que cinismo. Tenha respeito — reagiu Flávio.

Contas no exterior

Em resposta ao relator da CPI, Hang disse que tem três contas no exterior, mas todas foram declaradas à Receita e são auditadas. O presidente da comissão explicou o motivo da pergunta: a CPI tem indícios de que ele usa tais contas para financiar fake news. Renan também questionou se a empresa já recebeu benefício fiscal dos governos federal, estaduais e municipais. Hang rodeou o assunto, mas ao fim disse que sim.

Ele também negou que a empresa tenha sido financiada pela BNDES, com exceção da compra de máquinas pelo Finame, uma linha de financiamento do banco de fomento. Ele afirmou que no ano passado, em razão da crise provocada pela pandemia, pegou empréstimos de bancos privados, como Bradesco, Itaú e Santander, mas não de bancos estatais.


Luciano Hang com Omar Aziz e Renan Calheiros Foto: Leopoldo Silva / Agência Senado

Posteriormente, questionado de novo se a empresa já recebeu subsídios do poder público, ele disse não se lembrar. Em seguida, afirmou que deve ter recebido alguma coisa. Renan se irritou com a demora de Hang em responder a questão.

— Nós não estamos aqui para bater palma para doido. Estamos aqui para fazer perguntas — afirmou Renan.

O empresário também afirmou que, em 35 anos de empresa, trabalhou com bancos estatais. Perguntado se já operou com bitcoin, ele respondeu que nem sabia o que era isso.

Omar Aziz disse que ele já fez 57 operações com o BNDES. Hang contra-argumentou:

— A maioria delas para comprar equipamentos e máquinas e o terreno que comprei [em Franca-SP] — disse Hang.

Segundo a versão dele, a Havan livrou o BNDES de um abacaxi ao adquirir o terreno em Franca. Segundo Hang, uma outra empresa tinha comprado o terreno financiado, mas quebrou. Em passagem pela cidade, o empresário disse ter gostado do imóvel e fechou negócio para adquiri-lo.

'Não sou negacionista'

O empresário disse não ser negacionista.

— Eu não sou negacionista. Nunca neguei ou duvidei da doença. Tanto que minhas ações pró-saúde não ficaram só no discurso. Mandei 200 cilindros de oxigênio para Manaus, no valor de R$ 1 milhão, respiradores, máscaras, camas, utensílios, ajudamos na reforma de UTI, e destinamos R$ 5 milhões para a área da saúde. Nunca fui contra a vacina. Tanto que disponibilizamos os estacionamentos das nossas megalojas como pontos de vacinação — disse Hang, acrescentando:

— Nunca fiz parte de gabinete paralelo. Nunca financiei fake news.

Nas redes: Hang diz ser alvo de fake news, mas cita mentira compartilhada por sua aliada Carla Zambelli

Ele disse que, até cinco anos atrás, era uma pessoa desconhecida, mas teve que se manifestar para negar boatos de que suas lojas seriam na verdade de filhos dos ex-presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Para aumentar a ironia, uma das pessoas que propagaram tais boatos na época é a hoje deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP).

O empresário disse também, em outro momento, que não tomou vacina de Covid-19. Questionado sobre o motivo, ele afirmou:

— Eu tenho neutralizante natural — disse o empresário.

Defesa do presidente

O líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), entregou nesta quarta-feira a Renan Calheiros um parecer jurídico feito pelo pelo advogado Ives Gandra Martins e outros juristas para que eles opinassem se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes no enfrentamento à pandemia. Ele afirmou que o teor do texto ainda será divulgado à imprensa.

Na terça-feira, Fernando Bezerra já havia dito que, entre outras coisas, o documento aborda questões como os limites da atuação do governo federal no enfrentamento da pandemia, em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu a autonomia de estados e municípios para adotar medidas no combate à doença. Bolsonaro já disse várias vezes, de forma incorreta, que teve seus poderes limitados pelo STF. O que a Corte fez foi permitir que os estados e municípios possam enfrentar a pandemia dentro do âmbito de seus poderes sem sofrerem restrições do governo federal.

A lista de possíveis crimes que podem ser atribuídos ao presidente é extensa. A consulta aborda tanto crimes de responsabilidade, quanto os comuns, como, por exemplo, charlatanismo, exercício ilegal da medicina, estelionato, corrupção passiva, advocacia administrativa, e exposição de outras pessoas ao risco em razão de sua participação em eventos públicos com aglomeração. A consulta também trata da responsabilidade de Bolsonaro no colapso do sistema de saúde de Manaus no começo do ano, de negligência ou inoperância na aquisição de vacinas da Pfizer, de atos de improbidade administrativa, e de crimes contra humanidade.

André de Souza, de Brasília para O Globo, em 29/09/2021 - 09:44 / Atualizado em 29/09/2021 - 17:43

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