quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Braga Netto e militares do governo receberam supersalários de até R$ 1 milhão no auge da pandemia

Vice-presidente na chapa de Bolsonaro, general Braga Netto recebeu R$ 926 mil em 2 meses; Exército fala em indenizações

Candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PL), o general Walter Braga Netto (acima com o chefe) recebeu R$ 926 mil em dois meses de 2020, no auge da pandemia de covid-19. Só de férias, foram R$ 120 mil pagos ao general em um único mês. 

Outros militares do governo tiveram a folha de pagamento turbinada naquele ano. Estão na lista o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, e o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque.

Os benefícios pagos pelo governo levaram oficiais e pensionistas a ganhar até R$ 1 milhão na folha de pagamento em um único mês, conforme dados do Portal da Transparência. O deputado Elias Vaz (PSB-GO), autor do levantamento, vai cobrar explicações do Ministério da Defesa sobre o que classifica como “supersalários” pagos aos militares.

Ramos disse que os valores têm caráter indenizatório ou de ressarcimento relativos à sua ida para a reserva. O Exército afirmou que os pagamentos aos generais são legais. Foto: Marcos Corrêa/PR

Procurados, Braga Netto e Bento Albuquerque não responderam. Ramos disse que os valores têm caráter indenizatório ou de ressarcimento relativos à sua ida para a reserva. O Exército afirmou que os pagamentos aos generais são legais. A Marinha não respondeu.

Braga Netto tem um salário bruto mensal de R$ 31 mil como general da reserva do Exército, mas recebeu um montante de R$ 926 mil nos meses de março e junho de 2020 somados, sem abatimento do teto constitucional. O teto limita os salários a R$ 39,3 mil por mês no serviço público. Somente a título de férias, o vice de Bolsonaro ganhou R$ 120 mil em março de 2020.

Bento Albuquerque, almirante de esquadra reformado da Marinha, teve R$ 1 milhão em ganhos brutos nos meses de maio e junho somados, enquanto o salário habitual do ex-ministro é de R$ 35 mil por mês como militar. Luiz Eduardo Ramos, por sua vez, recebeu um montante de R$ 731,9 mil em julho, agosto e setembro de 2020, também somados, apesar de ganhar um salário de R$ 35 mil por mês em períodos “normais” como general. Na época dos ganhos extras, Ramos comandava a Secretaria de Governo. Hoje, é chefe da Secretaria-Geral e um dos ministros mais próximos a Bolsonaro.

A folha de pagamento aumentou, sobretudo, no período em que os oficiais foram para a reserva. O governo Bolsonaro patrocinou uma mudança que aumentou a indenização paga quando os militares saem do serviço ativo e adquirem essa condição, equivalente a uma aposentadoria. Ramos, por exemplo, só foi para a reserva após a nova lei ser aprovada e entrar em vigor.

Na Marinha também há valores pagos num único mês superiores a R$ 1 milhão. O tenente-brigadeiro da reserva Juniti Saito, ex-comandante da Aeronáutica, recebeu um montante bruto de R$ 1,4 milhão, em abril de 2020, enquanto o salário habitual é de R$ 35 mil. A Marinha contesta o valor divulgado pelo próprio governo e diz que o correto é R$ 717 mil.

“Queremos ver se os pagamentos estão dentro do princípio da moralidade pública. Professores, médicos e o pessoal de outros ministérios não recebem esse tipo de coisa”, disse o deputado Elias Vaz.

Em 2019, no primeiro ano de governo, Bolsonaro apresentou um projeto de lei que aumentou os benefícios pagos a militares. A indenização paga quando eles são transferidos para a reserva, por exemplo, subiu de quatro para oito vezes o valor do soldo. O gasto com os salários aumentou de R$ 75 bilhões em 2019 para R$ 86 bilhões.

No caso de Braga Netto, o Exército afirmou que os pagamentos incluem indenização por férias não usufruídas e adicionais não recebidos ao longo da carreira. Para Ramos, os valores entraram no contracheque em função da passagem para a inatividade e indenização por férias e licença especial não usufruídas. Em todos os casos, as Forças Armadas argumentaram que os pagamentos estão fundamentados em instrumentos legais.

Daniel Weterman para O Estado de S. Paulo, em 11.08.22

Saiba o que pesa contra Trump na Justiça dos EUA

Processos vão de sumiço de documentos da Casa Branca a suspeita de fraude, passando pela invasão do Capitólio

Ex-presidente Donald Trump fala com jornalistas em Mar-a-Lago - Carlos Barria - 21.dez.16/Reuters

O ex-presidente dos EUA Donald Trump se recusou nesta quarta (10, ontem) a responder a perguntas feitas durante depoimento em Nova York no caso que apura supostas fraudes fiscais envolvendo as Organizações Trump.

O republicano há muito era esperado para depor, mas vinha adiando o comparecimento. Poucos após chegar ao local, ele divulgou comunicado à imprensa dizendo que usaria seu direito à Quinta Emenda, permanecendo em silêncio para não construir potenciais provas contra si mesmo.

O comparecimento à Procuradoria-Geral nova-iorquina vem apenas dois dias após um revés para o republicano, quando o FBI, a polícia federal americana, realizou uma operação de busca na casa dele em Mar-a-Lago, em um caso que apura a remoção e destruição ilegal de arquivos da Casa Branca pelo ex-presidente.

Veja quais são os principais processos envolvendo Donald Trump

SUMIÇO DE ARQUIVOS NACIONAIS

A Administração Nacional de Arquivos e Registros (Nara, na sigla em inglês) notificou o Congresso dos EUA em fevereiro dizendo que tinha recuperado aproximadamente 15 caixas de documentos da Casa Branca na residência de Trump na Flórida —alguns de conteúdo sigiloso. Entre os papéis estariam cartas trocadas com o ditador norte-coreano Kim Jong-un.

Trump tinha dito que concordava com a devolução e que isso era um procedimento ordinário. A Câmara pediu mais informações à Nara e abriu uma investigação para apurar a responsabilidade de Trump no desaparecimento dos papéis.

INVASÃO DO CAPITÓLIO

A vice-presidente da comissão que investiga o ataque ao Capitólio, a republicana Liz Cheney, quer provar que o ex-presidente violou a lei ao tentar invalidar as eleições em que foi derrotado.

Cheney disse que podia encaminhar ao Departamento de Justiça diversas acusações de crime contra Trump. Uma audiência do comitê em março detalhou os esforços do ex-presidente para sabotar as eleições de 2020.

A comissão não pode, entretanto, indiciar Trump por crimes federais. A decisão compete ao Departamento de Justiça, na figura do secretário de Justiça, Merrick Garland.

Trump pode, no âmbito do processo que corre na Câmara, ser indiciado por conspiração sediciosa pelos episódios do 6 de Janeiro, um dispositivo jurídico raramente usado.

FRAUDE ELETRÔNICA

Durante audiência em junho do comitê que investiga a invasão ao Capitólio, congressistas democratas disseram que Trump arrecadou por volta de US$ 250 milhões (R$ 1,28 bilhão) de seus apoiadores alegando que usaria o montante para recorrer do resultado das eleições em tribunais.

A quantia teve outra alocação, levantando a possibilidade de Trump ser denunciado por fraude eletrônica, delito que proíbe a obtenção de recursos com base em pretexto falso ou fraudulento.

ADULTERAÇÃO DE ELEIÇÃO NA GEÓRGIA

Um júri popular foi convocado em maio no estado da Geórgia para avaliar os esforços coordenados por Trump para influenciar o resultado das eleições locais. O cerne da investigação é uma ligação feita pelo ex-presidente ao então secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, em 2 de janeiro de 2021.

Na chamada telefônica, Trump teria pedido ao secretário para "encontrar" 11.780 votos necessários para reverter a derrota do republicano nas eleições no estado.

Juristas afirmam que Trump pode ter violado ao menos três legislações eleitorais da Geórgia nesse caso: conspiração para fraudar eleição; solicitação de crime para fraudar eleição; e interferência intencional no desempenho de funções eleitorais.

PROCESSO CRIMINAL CONTRA AS ORGANIZAÇÕES TRUMP

Alvin Bragg, democrata e promotor do distrito de Manhattan, investiga na esfera criminal se a companhia familiar de Trump ocultou ou declarou bens com valor reduzido para conseguir empréstimos bancários e vantagens tributárias. Dois procuradores que lideravam a investigação deixaram o caso, mas Bragg afirma que ela continua em andamento.

PROCESSO CIVIL DAS ORGANIZAÇÕES TRUMP

A procuradora-geral de Nova York, Letitia James, apura se a Organização Trump fez avaliações fraudulentas dos ativos da companhia na tentativa de obter benefícios econômicos e deduções fiscais.

DIFAMAÇÃO CONTRA E. JEAN CARROLL

E. Jean Carroll, ex-colaboradora da revista Elle, processou Trump em 2019, após ele negar sua alegação de tê-la estuprado em uma loja de departamentos em Nova York, nos anos 1990. Trump disse que a escritora mentiu para alavancar as vendas de um livro. Já os advogados do republicano entendem que o ex-presidente é protegido por uma lei federal que deixa funcionários públicos imunes à difamação.

TRUMP PODE SER PROCESSADO SE CONCORRER NOVAMENTE À PRESIDÊNCIA?

Sim. Há um entendimento de décadas na Justiça americana de que um presidente em exercício não pode ser denunciado, mas a proteção não se estende a candidatos à Presidência.

Publicado originalmente pela Folha de S. Paulo, em 10.08.22

Quantos Bolsonaro deixou morrer

Licenças para armas de fogo dispararam no atual governo

Arma apreendida pela polícia com membro do PCC. - Divulgação

"Eu quero todo mundo armado. Que povo armado jamais será escravizado", disse Bolsonaro, em abril de 2020. 72% da população discorda dele. Mesmo assim, licenças para armas de fogo dispararam: 473% nos últimos quatro anos; no primeiro ano do atual governo (2019), cresceu em 68% o número de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). Nos estados onde Bolsonaro ganhou no 1 turno em 2018, houve explosão no número de armas.

Bolsonaro precisa explicar como um homem de 27 anos está menos escravizado agora que foi morto por um menino de 5 anos na última segunda-feira (8) em Jacareí (SP), por uma arma de tiro esportivo deixada no banco traseiro do carro. Bolsonaro precisa explicar quantas pessoas ele deixou morrer desde que assinou decretos sugerindo que atiradores esportivos andassem armados por aí, mesmo longe de clubes de tiro, por vezes sob efeito de drogas e álcool.

Bolsonaro precisa explicar como pode um membro do PCC (Primeiro Comando da Capital) ser registrado como atirador esportivo, com o aval do Exército. Bolsonaro precisa explicar por que segurança pública para ele significa permitir que policiais armados fora de serviço possam balear na cabeça um campeão mundial de jiu-jítsu ou atirar em um motoboy numa briga de trânsito.

Bolsonaro precisa explicar como um dono de um clube de tiro em Pirassununga (SP) de 62 anos estaria mais seguro agora que entregou 12 armas para criminosos que invadiram sua casa e fizeram sua mulher de refém. Nos últimos cinco anos, criminosos levaram de residências 5.978 armas em SP. Bolsonaro precisa explicar por que quer beneficiar milícias armadas.

Bolsonaro precisa explicar por que humilhou a Polícia Federal ao esvaziar o controle de armas. Bolsonaro precisa explicar como o Exército quer fazer uma contagem alternativa das urnas eletrônicas quando sequer sabe padronizar o registro de armas numa planilha. Bolsonaro precisa explicar quantas pessoas sua política armamentista matou. E, sim, deveria ser preso por isso.

Thiago Amparo, o autor deste artigo, é advogado e professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. É Doutor pela Central European University (Budapeste). Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 11.08.22

Adesão de elites a manifestos isola Bolsonaro

Lidas nesta quinta na USP, cartas em defesa do Estado democrático de direito reuniram nomes de peso da política e economia. Para analistas, manifestos têm efeito dissuasivo contra estratégia golpista


Faculdade de Direito da USP no Largo de S. Francisco, S. Paulo - Capital

A sociedade brasileira – sobretudo, as elites políticas e econômicas do país – emitem um recado contundente com os atos democráticos realizados nesta quinta-feira (11/08) a partir da leitura da Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito! e do manifesto Em defesa da democracia e da Justiça, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), afirmam analistas e cientistas políticos ouvidos pela DW Brasil.  O evento no Largo de São Francisco, replicado em várias universidades do país, em diferentes regiões, é interpretado como um marco histórico da campanha eleitoral de 2022.

Para além da simbologia de que a sociedade brasileira não admitirá qualquer arbitrariedade e desrespeito ao resultado das urnas, os manifestos têm um efeito de dissuasão relevante, que poderá desestruturar grupos apoiadores de Jair Bolsonaro e atores institucionais dispostos a embarcar numa estratégia autoritária golpista, consideram os analistas.

"[As cartas] renovam algo basilar em qualquer democracia, que é o compromisso das pessoas em geral, mas principalmente das elites, com o jogo democrático. Esse princípio precisa ser renovado de forma permanente, porque é contingente. A adesão à democracia pode se erodir", afirma Magna Inácio, cientista política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, e editora do Pex Network (Executives, presidents and cabinet politics).

"O que temos assistido nestes anos de governo tem sido a tentativa do presidente e de seus apoiadores de provocarem a erosão desdes valores, dessa adesão à democracia", aponta.

Signatários de peso pressionam por respeito às urnas

A relevância econômica e política dos signatários das cartas serve de alerta e exerce pressão às próprias instituições, pontua Andrea Freitas, professora no Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

"Estamos falando não apenas de um número muito grande de pessoas, indivíduos que assinaram, mas de um número grande de organizações basilares, tanto da economia, quanto da academia e da elite política brasileira. Temos um conjunto de atores relevantes assinando a carta, além de um conjunto muito grande de cidadãos, assinando, o que dá muita força a esse ato simbólico e pressiona as instituições responsáveis por garantir a continuidade do sistema democrático a ficarem atentas", considera.

A Carta às brasileiras e aos brasileiros, articulada por antigos alunos da USP, foi inspirada na chamada Carta aos Brasileiros de 1977, um texto de repúdio a ações da ditadura militar, redigido pelo jurista Goffredo da Silva Telles. Até a manhã desta quinta-feira, o manifesto já contava com mais de 900 mil assinaturas. 

Entre os signatários estão os banqueiros Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, do Itaú Unibanco; Candido Bracher, ex-presidente do banco; e o ex-presidente do Credit Suisse no Brasil José Olympio Pereira.

Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, que é novamente candidato ao Planalto, também assinaram. Michel Temer, que se formou em Direito na USP e foi professor de Direito constitucional, prometeu assinar.

Empresários que simbolizam a elite econômica, como o ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) Horácio Lafer Piva também não hesitaram em endossar o documento. Ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), artistas, acadêmicos e entidades de peso, de diferentes espectros da sociedade, também assinaram a carta.

O segundo manifesto, intitulado Em defesa da democracia e da Justiça e apelidado de "carta das entidades" ou "carta dos empresários", foi articulado pela Fiesp e assinado também pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Para o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a adesão da Fiesp e da Febraban à "carta dos empresários" é um fato sem precedentes históricos. "Estamos falando de setores muito poderosos, e por isso poderosos também politicamente, e que muito raramente se manifestam."

A ameaça à democracia é real, considera Couto, e a mobilização da sociedade é uma clara resposta de que rechaça uma saída que não seja democrática e de acordo com o sistema eleitoral vigente.

"Estamos lidando com um grupo político muito radical, extremista e inclusive armado. Tudo isso têm produzido ações de violência política, como temos visto. Este ato [democrático] mostra que, se houver tentativa de permanência no poder pela força, isso vai ser dificultado. Esse é o recado mais importante. Pode funcionar como elemento de dissuasão", analisa o professor da FGV.

Tiro no pé e isolamento de Bolsonaro

Para o analista político Carlos Melo, professor do Insper, a reunião de Jair Bolsonaro com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho, em que o presidente mais uma vez suscitou dúvidas sobre a lisura do processo eletrônico de votação e sugeriu que militares garantissem a segurança de eleições, foi um tiro no pé.

"Essa reunião foi o gatilho para esse manifesto. E ali ficou claro que Bolsonaro está diplomaticamente isolado, economicamente isolado do ponto de vista internacional", afirma. O vídeo da reunião foi retirado do ar pelo YouTube nesta quarta-feira.

Segundo Melo, a recente declaração do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd J. Austin III, na Conferência dos Ministros da Defesa das Américas, realizada em Brasília no fim de julho, teve um efeito "vexatório" para o governo brasileiro. Lloyd defendeu o controle civil firme dos militares nas democracias. Os sinais enviados pelos Estados Unidos são claros, além de várias outras democracias que rechaçam um golpe no Brasil, aponta Melo.

"Bolsonaro pode contar com quem? Com a Hungria? A Rússia tem coisas mais importantes para resolver neste momento", ironiza o professor.

Se por um lado há os signatários de sempre, comprometidos, por princípio e por valor, com a democracia, por outro, os manifestos e abaixo-assinados em defesa da democracia trazem novidades, de acordo com o analista.

"O que tem de novo aí é que setores econômicos e agentes econômicos importantes passaram a assinar. Pode até ser que assinem por princípios democráticos, obviamente, mas certamente também porque perceberam que a democracia tem um valor econômico, não é só um capital político."

Para Melo, expoentes do PIB brasileiro perceberam que qualquer tentativa de ruptura no Brasil criará um ambiente de instabilidade que afetará, de imediato, os negócios, as exportações brasileiras e a economia como um todo. "O Brasil vai perder clientes", sentencia.

O efeito eleitoral

Apesar de já contar com mais de 900 mil assinaturas, é pouco provável que Carta às brasileiras e aos brasileiros mude o cenário eleitoral, avaliam os analistas políticos ouvidos pela DW Brasil. Os organizadores dos atos democráticos pelo país e do documento fazem questão de pontuar que se trata de uma mobilização suprapartidária e que os votos de cada um não estão em jogo, e sim o compromisso democrático. Além de Lula, assinaram a carta os candidatos Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).

"Do ponto de vista eleitoral o efeito é relativo. Talvez [o ato] consiga a adesão de alguns setores que estavam mais resistentes em relação ao Lula. É evidente que o manifesto, embora não tenha sido feito para favorecer o Lula, favorece a oposição ao Bolsonaro. Chama a atenção de alguns setores para a dramaticidade do momento. Mas, em termos eleitorais, de quantidade de votos, talvez não seja um grande efeito. O valor desse ato é político e econômico. Tem um poder dissuasivo", analisa Melo.

Para a professora Magna Inácio, a carta tem um impacto eleitoral na medida em que reforça um compromisso dos candidatos com a democracia e impõe essa agenda na campanha. "Isso tem uma importância fundamental na medida em que cria a ambiência para a construção de compromissos políticos entre os candidatos e esses setores da sociedade. Tem um processo de construção e de reforço da democracia que deve ser parte de compromisso de qualquer candidato. Essa mobilização tem esse potencial."

O efeito de dissuasão dos atos democráticos pode abrir pontes para um diálogo futuro, complementa a cientista política da UFMG: "Mais do que pensar nos efeitos desta mobilização sobre o eleitor individual, que obviamente tem efeitos, é importante entender como esse processo deflagra a construção de compromissos dentro das elites políticas e econômicas com outros setores estratégicos da sociedade."

Silêncio do Congresso e a sombra do Capitólio

Neste movimento de pressão, que empareda as instituições em defesa da democracia, o silêncio do Legislativo federal, em especial da Câmara, causa incômodo e surpresa, segundo os especialistas.

As mobilizações em defesa da democracia têm efeito preventivo, afirma Andrea Freitas, da Unicamp. "O Supremo e o TSE têm passado mensagens muito fortes sobre não aceitarem notícias falsas relacionadas às urnas eletrônicas, em especial. Acho que essa é uma medida de contenção que está sendo realizada para evitar que aconteça o que aconteceu nos Estados Unidos, a invasão do Congresso americano. Algumas instituições estão reagindo, mas sinto falta da reação do Legislativo, por exemplo. Seria muito importante que estivesse junto com o STF e o TSE nesta antecipação e criando barreiras, contenção para qualquer ação violenta após a eleição."

As ameaças de Bolsonaro à democracia, segundo a professora Magna Inácio, já saíram do campo da retórica há tempos, e há movimentos institucionais, com a participação de agentes do Estado, dentro do Executivo, que dão suporte à posição do presidente.

"Há uma diferença quando essa defesa se amplia, sai do âmbito de apenas atores institucionais, e de uma forma ambígua, como é o caso do presidente da Câmara [Arthur Lira], e transita para uma mobilização mais ampliada", avalia.

Malu Delgado para Deutsche Welle Brasil, em 11.08.22.

2022 e advogados ainda são ofendidos e humilhados em seu ofício

Hoje é o Dia do Advogado. Em 1827 um decreto criava as duas primeiras faculdades do Brasil.


Faculdade de Direito de Olinda (acima) foi fundada em 11 de agosto de 1827 por lei do imperador Dom Pedro I. Nessa data foram criados, simultaneamente, dois cursos de ciências jurídicas e sociais, um na cidade de Olinda e outro na cidade de São Paulo (Faculdade de Direito de São Paulo), sendo assim a mais antiga faculdade de Direito do Brasil ao lado do curso paulistano. Em 1854 foi transferida para o Recife, quando foi renomeada Faculdade de Direito do Recife. (Fonte: Wikipédia)

O que há a comemorar? Com o aviltamento da profissão? Com o ensino jurídico prê-à-porter? Com a tiktokização em marcha? Com parte dos causídicos jogando contra a profissão, apostando em robôs e quejandos? Diz um deles dia desses aqui na ConJur: a inovação com metaverso é inexorável. Hum, hum. Teremos audiência em metaverso, causídico? Você gostaria disso? Conta mais. Até a ConJur entrou nessa, dias atrás.

Impressiono-me com o fascínio que a tecnologia exerce sobre a comunidade jurídica. Estudar, mesmo, nem falar. Algo como colocar totens nos aeroportos. Os funcionários das companhias aéreas gostaram. Vibraram. E perderam o emprego! Bingo.

Assisti a um julgamento esses dias e o desembargador chamou o causídico de "toupeira". Pois é. Pobre da profissão de advogado. Assistindo e tomando conhecimento de  julgamentos pindorama a fora, parece que muitos magistrados não gostam do que fazem. Ou odeiam advogados.

Talvez o lema esteja em Henry 6º, do bardo: "Kill all the lawyers".

Não é difícil perceber que ser advogado, hoje, exige (i)matar dois leões por dia, (ii) desviar das antas, (iii) saltar sobre um fosso de jacarés, (iv) dar um drible no estagiário do juiz ou tribunal, (v) vender a mãe e (não) entregar e, ainda por cima, (vi) levar um esporro do assessor ("o dr. não está atendendo ninguém, deu para entender"?) e (vii) ouvir um assessor falando para o outro assessor no elevador: "não costumo deferir embargos". Bingo.

Por vezes, se sobreviver aos obstáculos iii e iv, o causídico pode ouvir coisas como "se você estudar mais, pode vir a sentar nesta cadeira" (lembram da juíza em São Paulo recentemente?).

Ou o causídico, depois de ultrapassar os itens i, ii, iii e v, receber de "presente" um comentário do magistrado, chamando-o de "toupeira" — ao vivo para todo o Brasil.

Advocacia é, de fato, para fortes. Para resilientes. Porque ser advogado é entrar com embargos para que o juiz esclareça que ele errou o nome das partes e, ainda assim, ler que "nada há a ser esclarecido" e, se entrar com embargos dos embargos, será multado.

Ser advogado é, na justiça do trabalho, ler essa advertência já no voto... em que, exatamente, vicejaram omissões, contradições e quejandos. Para que servem os embargos, afinal?

Quer dizer, ser advogado é não conseguir sequer esclarecer desacordos empíricos em uma sentença ou acórdão.

Ser advogado é ser derrotado por um enunciado feito em workshop, com teor contrário a expresso texto legal;

Ser advogado é invocar o artigo 489 do CPP ou 315 do CPP e o acórdão ignorar o argumento; invocada a omissão em embargos (pobre dos ED), ler que "nada há a ser esclarecido" ou "não é necessário apreciar todos os argumentos", como se texto legal fosse "mero argumento".

Advogado é stoik mujic (ponham no Google e encontrará facilmente o que é o fator stoik mujic; ponha assim: "Streck-stoik mujic").

O camponês estoico (stoik mujic) — eis o que é o advogado no seu cotidiano. Apanha e levanta; apanha e levanta; e só sobrevive porque levanta. É o Sandoval, do filme A Ponte dos Espiões.

Minha solidariedade — e penso que falo em nome da ConJur e de todos os causídicos pindoramenses — para o advogado chamado de "toupeira" em julgamento no TJ-RS. Ficou feio isso, pois não?

É. E hoje é 11 de agosto. Dia da leitura da Carta no Largo São Francisco. Eu assinei! E você?

Lenio Luiz Streck,o autor deste artigo, é advogado. Publicado originalmente no Consultor Jurídico, em 11.08.22

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Janaina Paschoal diz que Bolsonaro tenta ‘destruí-la’ e que carta da USP é ‘pró-Lula’

Candidata ao Senado por São Paulo critica decisão do presidente de apoiar Marcos Pontes e diz que atos em defesa da democracia se transformaram em manifesto a favor do petista

A deputada estadual Janaina Paschoal durante entrevista ao ‘Estadão’; candidata ao Senado sobe o tom nas críticas a Bolsonaro, a quem apoiou em 2018 Foto: Marcelo Chello/Estadão

A deputada estadual Janaina Paschoal subiu o tom nas críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem apoiou e de quem quase foi vice em 2018. 

Na primeira entrevista da série do Estadão com postulantes ao Senado em São Paulo, a candidata do PRTB disse que Bolsonaro está “fazendo tudo para lhe destruir”. 

“Ele (Bolsonaro) lançou o astronauta (ex-ministro Marcos Pontes) para me atrapalhar. Tenho muito potencial de votação”, afirmou a parlamentar de 48 anos. 

Ela declarou ainda não saber se vai apoiar o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), nome escolhido pelo presidente na corrida pelo governo paulista, a quem acusou de ser desleal.

Na entrevista, a advogada e professora de direito da USP também criticou o “momento histórico” do ato na Faculdade de Direito da USP em defesa democracia. “A carta se transformou em um manifesto pró-Lula”, disse.

Crítica da obrigatoriedade da vacina no serviço público, Janaina afirmou que teve uma reação alérgica ao imunizante contra a covid-19 e, por isso, tomou apenas a primeira dose. Para ela, a indústria farmacêutica inventou as demais doses para faturar.

A deputada estadual Janaina Paschoal durante entrevista ao ‘Estadão’; candidata ao Senado sobe o tom nas críticas a Bolsonaro, a quem apoiou em 2018

A deputada estadual Janaina Paschoal durante entrevista ao ‘Estadão’; candidata ao Senado sobe o tom nas críticas a Bolsonaro, a quem apoiou em 2018 Foto: Marcelo Chello/Estadão

A seguir, leia a entrevista

A sra. apoia o presidente Jair Bolsonaro? Vai fazer campanha para ele?

Provavelmente vou votar nele porque não voto na esquerda e hoje temos uma divisão muito clara. Os candidatos que se apresentam como alternativa a Lula e Bolsonaro têm 1% de intenção de voto. Não vejo muita possibilidade de se alterar esse quadro. O candidato que tinha potencial o sistema neutralizou: o Sérgio Moro. Mas é subir no palanque de uma pessoa (Bolsonaro) que está fazendo tudo para lhe destruir.

Bolsonaro que destruir a sra.?

Não tenho dúvida disso. Eu coloco o País acima de verdade. Entendo que a esquerda voltar é algo ruim, por isso (voto) no Bolsonaro. Mas o que ele está fazendo para me atrapalhar... Ele não precisaria me apoiar. Entendo que não tenho o perfil das pessoas que o circundam, que são pessoas que o aplaudem em qualquer circunstância. Mas ele lançou o astronauta (Marcos Pontes) para me atrapalhar. Tenho muito potencial de votação. A última pesquisa me deu 16% (de intenção de voto). Ele disse que o astronauta é o candidato dele. Bolsonaro tem um público cativo que obedece qualquer ordem. O eleitorado que naturalmente estaria comigo se dividiu. Numa eleição de um único turno esse movimento é fatal. Bolsonaro está, na verdade, agindo para eu não chegar ao Senado. Ele prefere dar a cadeira para a esquerda do que permitir que uma pessoa que não é aduladora chegue ao Senado. Eu não me dobro. Ele quer aduladores no Senado.

A sra. acha que Bolsonaro não a escolheu por isso?

No primeiro biênio teria sido muito difícil o nosso convívio se eu fosse vice dele. Eu demorei para entender como ele funciona. Eu demorei muito para entender essas convocações para manifestações. Eu teria batido muito de frente com ele. Foi a melhor decisão. Apoio quando acho que ele está certo e contesto quando está errado. A dinâmica do Bolsonaro é muito parecida com a do Lula: quer ser reverenciado.

Essa sua posição não deixa o eleitor confuso?

Nunca me apresentei como uma bolsonarista. Eu disse e digo: não quero o PT no comando do meu País e a esquerda de volta. Qual alternativa que tínhamos em 2018? Bolsonaro. Em 2022? Bolsonaro. É uma decisão de racionalidade, e não de adesão. Mas para o petismo e o bolsonarismo só vale a adesão.

A sra. assinou o manifesto e vai ao ato na Faculdade de Direito da USP pela democracia? O movimento teve apoio do ex-ministro Miguel Reale Júnior, que assinou com a sra. o impeachment da Dilma Rousseff.

Não assinei e não assinarei. Mas não diminuo o movimento. Conheço muitas pessoas que votaram no presidente Bolsonaro e assinaram. Neste momento histórico a carta se transformou em um manifesto pró- Lula. Também não assinei o manifesto-resposta, que a deputada Bia Kicis organizou e se não me engano tem até mais assinaturas. Não é o momento.

Como avalia as atitudes e declarações do Bolsonaro em relação às mulheres?

Não são falas que me agradam. Ele poderia ter se esforçado para cumprir a liturgia do cargo.

A sra. acredita em pesquisa de intenção de voto?

A pesquisa mostra o retrato de um determinado momento.

Então a sra. acha que hoje o Lula lidera a disputa presidencial?

As pesquisas mostram uma tendência. As pesquisas até o momento dão a liderança ao ex-presidente Lula, mas as mais recentes mostram uma inversão. Os números não são absolutos, mas não vivemos sem eles.

Por que a sra. indicou seus irmãos como suplentes no Senado?

Diferentemente dos demais candidatos ao Senado ao longo da história, eu não vou fazer acordo de me afastar do cargo para o suplente assumir. A prática é colocar alguém muito rico para bancar a campanha. Ou pode haver acordo político. Alguém muito conhecido e com menos resistência vai para cabeça de chapa. Aí o presidente oferece para essa pessoa um ministério para o 2° assumir. Esse é o caso do Márcio França. O Lula ofereceu um ministério para ele. Se a esquerda ganhar o nosso senador será o Juliano Medeiros, presidente do PSOL.

Defende outra forma de escolher o substituto de senador?

Que a segunda pessoa mais votada assuma. Olha a situação do astronauta (Marcos Pontes, candidato do PL). Ele é o único suplente do senador (Luiz) Giordano que ocupou a cadeira do falecido Major Olímpio. Ele pode concorrer? Eu entendo que não. Se ele concorrer e ganhar, o senador Giordano fica sem suplente. Se ele precisar se afastar, quem assume? Seria preciso fazer uma nova eleição. Tem suplente que compra a suplência. Muitas pessoas me procuraram querendo ser meus suplentes e financiar a minha campanha. Alguns presidentes de partido.

A sra. vai apoiar o Tarcísio de Freitas para governador?

Eu não sei. Ele não foi leal comigo. Me disse que eu era a predileta para fazer par na chapa, mas fecharia com o Datena porque ele tinha 33% de intenção de voto. Eu entendi. Só que o Datena saiu. Aí tentaram o Feliciano, Carla Zambelli, Skaf e acabaram lançando o astronauta. Qual o argumento agora, se eu tenho 16% das intenções de voto e ele 10%?

Se o PT ou o PSDB vencerem a eleição para governador em São Paulo, a sra. vai lutar com eles pelo Estado no Senado?

Amigo, veja minha atuação na vida. O que é certo eu apoio e o que é errado eu combato. Jamais combato uma ideia boa para aniquilar um grupo ou fazer subir outro.

‘Tarcísio de Freitas não foi leal comigo’, diz Janaina sobre ex-ministro de Bolsonaro candidato ao governo de SP  Foto: Marcelo Chello/Estadão

A sra. se vacinou contra a covid?

Tomei a primeira dose da Pfizer e tive uma reação alérgica muito forte. Fui orientada a não tomar as demais doses.

A sra. é contra a obrigatoriedade dos funcionários públicos serem vacinados. Isso não colocaria as pessoas em risco nas repartições públicas?

Entendo que não. A esmagadora maioria se vacinou ou quer se vacinar. Não vejo sustentação jurídica, sobretudo depois do final do estado de emergência sanitária, para a imposição de vacinação para quem quer seja. Entre os que se vacinaram há uma porcentagem pequena de gente que não quer tomar infinitas doses. Existem estudos mostrando que muitas doses de vacinação têm impacto negativo no sistema imunológico.

Quais estudos?

Não tenho aqui. Se você me pedir eu trago. Mas tem um monte.

A sra. tem certeza que são estudos confiáveis e não fake news?

Tenho. Pode conversar com imunologistas. Se você expõem o corpo a muita produção de anticorpos, isso acaba diminuindo o sistema imunológico. A indústria farmacêutica inventou reforços de três em três meses. Isso não tem precedente.

A sra. é antivacina?

Claro que não.

Mas esse é um discurso antivacina...

Não. É um discurso científico.

Nunca li nada científico nesse sentido. Os infectologistas dizem o oposto disso: é preciso tomar quantas doses forem necessárias

Vou levantar e mandar pra você. Isso é lobby. Só ajuda a indústria farmacêutica. O tempo vai mostrar. Há um endeusamento da indústria farmacêutica sem precedentes. A história dessa indústria é circundada de experiências com seres humanos sem que eles sejam avisados.

O presidente Jair Bolsonaro insinuou numa live que a vacina podia causar HIV. A sra. concorda com ele?

Ele está equivocado, muito embora ele tenha se pautado em uma matéria que saiu em uma revista.

Ele se pautou numa fake news...

Não. Foi numa matéria de uma revista de circulação grande, não era fake news. Hoje se denomina fake o que não se concorda. Era assim no mensalão, petrolão...

Mas nesse caso da vacina causar Aids é de fato fake news, certo?

É errado, mas estava numa matéria.

A sra. defendia a cloroquina também?

Não. Inclusive não tomei quando tive covid.

Como candidata a senadora, quais propostas pretende apresentar para ajudar São Paulo?

Não vemos São Paulo representado com altivez no Senado para limitar o agigantamento dos outros poderes. Hoje há um agigantamento do Poder Judiciário.

Como deve se limitar o Poder Judiciário?

A casa legislativa competente para segurar os arroubos do Supremo é o Senado, mas o Senado hoje está de joelhos.

Que tipo de reforma tributária a sra. defende?

Acho muito difícil a gente conseguir um tributo único, mas defendo a redução do número de tributos e a permanência maior deles no Estado de São Paulo para a geração de empregos. Tenho preocupações também com a questão da soberania.

A sra. vai adotar uma agenda de costumes se chegar ao Senado?

Sou defensora da vida desde a concepção. É o direito de uma pessoa nascer.

A sra. demonstrou preocupação com o excesso religioso nos discursos do presidente e da primeira-dama. Por que?

Tenho preocupação com excesso do envolvimento da política com uma única religião. O estado laico, que não significa estado ateu, fomenta a existência e a convivência de todas as religiões. Atenta contra a ideia constitucional de estado laico haver um estado com uma única religião.

Isso está acontecendo com Bolsonaro e a primeira-dama Michelle?

Tenho preocupação com o tom que a primeira dama está dando. Tenho muito respeito por ela, mas não o tom não me parece apropriado. Todo o discurso político é trazido a público sob a perspectiva de uma religião. Quem a conhece a história pode se preocupar. Essa não é uma preocupação por ser evangélico.

Pedro Venceslau para o Estado de S. Paulo, em 10.08.22 às 17hs45

Por que meus generais não podem ser como os de Hitler?, disse Trump, segundo livro

Obra mostra bastidores de relação entre ex-presidente e chefes militares que ele via como desleais

O general Mark Milley conversa com o então presidente Donald Trump em dezembro de 2018 - (Jim Young - 8.dez.18/Reuters)

Donald Trump disse a seu assessor-chefe na Casa Branca que gostaria de ter generais como os que trabalharam para Adolf Hitler, afirmando que eles foram "totalmente leais" ao líder do regime nazista. A informação consta de um livro sobre o 45º presidente americano que está prestes a ser lançado.

"Por que vocês não podem ser como os generais alemães?", teria dito Trump a John Kelly, seu chefe de gabinete, antepondo um palavrão à pergunta, segundo um trecho de "The Divider: Trump in the White House" (o divisor: Trump na Casa Branca), de Peter Baker e Susan Glasser, publicado pela revista The New Yorker nesta segunda-feira (8).

Baker é correspondente-chefe do jornal The New York Times na Casa Branca e Glasser faz parte da equipe da New Yorker.

O trecho retrata Trump como profundamente frustrado com seus chefes militares, a quem considerava insuficientemente leais ou obedientes a ele. Os autores escrevem que na conversa com Kelly, anos antes do ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio, o chefe de gabinete disse a Trump que os generais alemães "fizeram três tentativas de matar Hitler e quase conseguiram".

Trump teria rejeitado a ideia, aparentemente ignorando a história da Segunda Guerra Mundial, que Kelly, general quatro estrelas da reserva, conhecia muito bem. "'Não, não, não, eles eram totalmente leais', respondeu o presidente", segundo os autores. "Em sua versão da história, os generais do Terceiro Reich haviam sido completamente subservientes a Hitler. Era esse o modelo que ele queria para seus militares. Kelly disse a Trump que não existiam generais americanos desse tipo, mas o presidente estava determinado a pôr a ideia à prova."

Boa parte do trecho enfoca o general Mark A. Milley, que foi chefe do Estado-Maior Conjunto —comandante militar chefe do país. Quando o presidente lhe ofereceu o cargo, Milley lhe disse: "Farei o que o senhor me pedir". Mas ele não demorou a enxergar o presidente sob uma ótica negativa.

A frustração chegou ao auge no dia 1º de junho de 2020, quando manifestantes do movimento Black Lives Matter lotaram a praça Lafayette, nas proximidades da Casa Branca. Trump exigiu que forças armadas fossem despachadas para tirá-los do local, mas Milley e outros assessores se negaram a fazê-lo. Trump, segundo o livro, teria reagido gritando: "Vocês são todos uns perdedores!".

"Voltando-se a Milley, Trump disse: 'Você não pode simplesmente atirar neles? Atirar nas pernas deles ou alguma coisa assim?’", escrevem os autores. Depois de a Guarda Nacional e a polícia terem expulsado os manifestantes, Milley acompanhou por pouco tempo o presidente e outros assessores, percorrendo a pé a praça esvaziada para que Trump pudesse ser fotografado diante de uma igreja do outro lado.

Os autores disseram que Milley mas tarde considerou sua decisão de juntar-se ao presidente "um erro de julgamento que o assombraria para sempre, um ‘momento como o [de Saulo] na estrada para Damasco’, como ele diria mais tarde".

Uma semana após esse episódio, Milley escreveu –mas não chegou a entregar— uma carta de renúncia em tom fortemente crítico, acusando o presidente a quem servia de politizar os militares, "arruinar a ordem internacional", deixar de valorizar a diversidade e abraçar a tirania, a ditadura e o extremismo que os membros das Forças Armadas juram combater

"Acredito que o senhor está fazendo um mal grave e irreparável ao meu país", escreveu o general na carta, que não havia sido revelada antes e foi publicada na íntegra pela New Yorker. Milley afirmou que Trump não honrava aqueles que lutaram contra o fascismo e os nazistas na Segunda Guerra Mundial.

"Está claro para mim agora que o senhor não entende essa ordem mundial", escreveu. "O senhor não entende o que motivou a guerra. Na verdade, o senhor subscreve muitos dos princípios contra os quais lutamos. E eu não posso compactuar com isso."

Porém, segundo os autores do livro, Milley acabou decidindo permanecer no cargo para poder assegurar que as Forças Armadas atuassem como baluarte contra um presidente cada vez mais fora de controle. "Vou combatê-lo, simplesmente", disse à sua equipe, segundo o trecho publicado na New Yorker. "O desafio, na visão dele, era impedir Trump de causar mais danos e ao mesmo tempo agir de maneira coerente com sua obrigação de cumprir as ordens de seu comandante em chefe. ‘Se quisessem me levar à corte marcial ou me colocar na prisão, que fossem adiante.’"

Os trechos trazem ainda novos detalhes sobre as interações de Trump com seus assessores militares e de segurança e documenta esforços drásticos feitos pelas autoridades mais seniores para prevenir uma crise doméstica ou internacional nas semanas depois de Trump ser derrotado na eleição.

O secretário de Estado Mike Pompeo nunca contestou publicamente as alegações desvairadas de Trump sobre o pleito e raramente o criticou desde então. Mas, falando reservadamente, descartou as alegações de fraude do republicano.

Na noite de 9 de novembro de 2020, depois de a mídia declarar a vitória de Joe Biden, Pompeo telefonou a Milley e pediu para vê-lo, segundo o livro. Numa conversa em volta da mesa da cozinha do general, o então secretário de Estado foi franco sobre o que pensava das pessoas que cercavam o presidente. "'Os malucos tomaram conta’", teria dito. Segundo os autores, longe dos holofotes Pompeo rapidamente aceitou que a eleição havia terminado e recusou-se a promover a derrubada de seu resultado.

" 'Ele foi totalmente contra isso’, recordou um funcionário sênior do Departamento de Estado. Pompeo justificou cinicamente o contraste chocante entre o que dizia em público e na esfera privada. ‘Perto do final, era importante também para ele não ser demitido, continuar ali até o amargo final’, disse o assessor sênior", segundo o livro.

Os autores detalham o que descrevem como "um arranjo extraordinário" de Pompeo e Milley nas semanas após a eleição para ter telefonemas matinais diários com Mark Meadows, chefe de gabinete da Casa Branca, num esforço para garantir que o presidente não tomasse iniciativas perigosas.

"Pompeo e Milley logo começaram a chamar essas ligações de telefonemas para ‘preparar o pouso do avião’", escrevem os autores. "'Nossa tarefa é fazer esse avião pousar em segurança e realizar a transferência pacífica de poder em 20 de janeiro’, Milley disse à sua equipe. 'Essa é a nossa obrigação para com esta nação.’ Mas havia um problema. ‘Os dois motores estão em pane e o trem de pouso está encalhado. Estamos em situação de emergência.’"

Milley não é o único alto funcionário que pensou em renunciar em resposta aos atos do presidente, escrevem os autores. O trecho detalha conversas reservadas entre membros da equipe de segurança nacional, discutindo o que fazer caso ele tentasse adotar ações que eles consideraram que não poderiam tolerar. Os autores relatam que Milley consultou Robert Gates, ex-secretário da Defesa e ex-diretor da CIA.

O conselho que ele ouviu de Gates teria sido curto e grosso: "Mantenha os chefes sintonizados com seu pensamento e deixe claro para a Casa Branca que, se você sair, sairão todos, para a Casa Branca saber que não se trataria apenas de demitir Mark Milley. Todo o Estado-Maior Conjunto renunciaria."

O trecho deixa claro que Trump nem sempre conseguiu os subordinados puxa-sacos que desejava. Em uma troca de palavras no Salão Oval, Trump perguntou ao general Paul Selva, oficial da Força Aérea e vice-presidente do Estado-Maior Conjunto, o que ele achava do desejo do presidente de que fosse realizado um desfile militar na capital nacional no dia 4 de Julho.

A resposta de Selva, não divulgada até agora, foi direta e, segundo os autores do livro, não foi o que o presidente queria ouvir.

"'Eu não cresci nos EUA, cresci em Portugal’, disse. 'Portugal era uma ditadura, e os desfiles militares eram feitos para mostrar ao povo quem tinha os canhões. Neste país não fazemos isso.' E acrescentou: ‘Não é quem somos'."

Michael D. Shear, de Washignton-DC para o New York Times. Tradução de Clara Allain. Publicado no Brasil pela Folha de S. Paulo, em 10.08.22.

Mourão se declara branco ao TSE quatro anos após se declarar indígena

Em 2018, ele disse que Brasil herdou 'indolência' dos indígenas; hoje é candidato ao Senado pelo RS

O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) - Gabriela Biló-23.mai.22/Folhapress

O vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos), registrou sua candidatura no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nesta terça-feira (9) e se autodeclarou como branco, diferentemente do que fez em 2018, quando informou ser indígena.

Preterido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que indicou o general Braga Netto para ser seu vice, Mourão decidiu disputar a vaga de senador pelo Rio Grande do Sul.

Antes filiado no PRTB de Levy Fidelix, o vice-presidente migrou para o Republicanos em março e será candidato na chapa em que o deputado Onyx Lorenzoni (PL-RS) concorrerá ao governo estadual.

Há quatro anos, Mourão se chamou de "cacique Mourão", disse que seu pai era amazonense e sua avó "era cabocla de Humaitá".

"Eu sou pardo? Eu sou negro? Eu sou asiático? Eram as opções que eu tinha, e a quinta opção era indígena", disse o então candidato a vice na chapa de Bolsonaro.

Dias antes, em um evento em Caxias do Sul (RS), ele havia dito que o Brasil herdou a "indolência" dos indígenas e a "malandragem" dos africanos. Em seguida, negou que a declaração tinha sido preconceituosa e disse que, inclusive, era descendente de indígenas.

"Temos uma herança cultural, uma herança que tem muita gente que gosta do privilégio (...) Essa herança do privilégio é uma herança ibérica. Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem (...) é oriunda do africano", afirmou. "Então, esse é o nosso cadinho cultural. Infelizmente gostamos de mártires, líderes populistas e dos macunaímas", disse.

A região Sul, onde Mourão concorrerá neste ano, é uma das mais brancas do país.

Mas uma pesquisa divulgada no mês passado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que, em uma década, a população brasileira teve aumento na participação de pessoas autodeclaradas pretas e pardas. Enquanto isso, a proporção de brancos diminuiu.

O registro do nome de urna de Mourão neste ano também não conta com o "general" em seu nome, diferentemente de quando disputou a Vice-Presidência da República.

O candidato a senador declarou ainda bens no valor de R$ 1.145.761,85 –duas aplicações em renda fixa (R$ 660.870,52 e R$ 219.891,33), veículo automotor (R$ 61.000) e um apartamento (R$ 204.000).

Há quatro anos, o general da reserva declarou à justiça eleitoral bens no valor de R$ 414.470,04.

Também nesta terça foi divulgado o pedido de registro de candidatura à reeleição do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). No documento, o parlamentar se declara pardo, assim como fez em 2018. Em 2014, porém, Lira havia se autodeclarado branco.

O Congresso aprovou no ano passado mudança na lei para que, no cálculo da divisão das verbas dos fundos Partidário e Eleitoral, o voto dados em mulheres e negros (pretos e pardos) seja contado em dobro.

Essas verbas, que neste ano estão na casa dos R$ 6 bilhões, são distribuídas, em grande parte, com base nos votos obtidos pelos candidatos dos partidos às eleições para a Câmara dos Deputados.

Marianna Holanda e Ranier Bragan, de Brasília - DF para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 10.08.22

PSDB vai reforçar estrutura para Mara Gabrilli na chapa de Tebet

Partido deve gastar R$ 7,5 milhões com auxílio pessoal e político para senadora

Senadora Mara Gabrilli, candidata à Vice Presidência da República na chapa de Simone Tebet (MDB, PSDB, Cidadania, Podemos)

O PSDB deve montar uma estrutura de campanha reforçada para a senadora Mara Gabrilli (SP), indicada pelo partido para ser a vice na chapa presidencial de Simone Tebet (MDB).​

A ideia é que esse reforço seja tanto no apoio pessoal a Gabrilli, quanto na parte política. A senadora é tetraplégica e requer uma estrutura diferenciada para poder viajar e participar de atos de campanha.

O diretório nacional tucano separou 2,5% de seu fundo eleitoral exclusivamente para financiar a campanha da candidata a vice, o equivalente a R$ 7,5 milhões.

A agenda dela ainda está sendo fechada, mas deve se concentrar em São Paulo e estados de maior densidade populacional do Sul e Sudeste.

"Uma vice com o tamanho da Mara pode ter uma agenda própria. Ela é uma pessoa de muita envergadura, muito respeito", diz o tesoureiro nacional do partido, César Gontijo.

Segundo ele, a participação da senadora na campanha dependerá de uma avaliação caso a caso. "A princípio, quem solicitar ela vai", afirma.

comentários

WILSON OLIVEIRA Ontem às 13h17

Quem não é conformado com a mediocridade política e moral têm nessa chapa a melhor opção para o país voltar aos trilhos da civilidade e do desenvolvimento social. Assisti ao Roda Viva ontem e posso dizer que a senadora apresentou propostas realistas e posições firmes contra a fome, desemprego e desigualdades que assolam o país. Se as mulheres desejam protagonismo, o momento e esse na política.

SAMUEL GUEIROS JR Ontem às 12h05

Tebet e Gabrilli podem resgatar o desânimo e conformismo de muitos que votarão em Lula para descartar Bolsonaro e aqueles que sabem que Bolsonaro é um estúpido mas votam nele para evitar a volta do Lula. Não será difícil essas duas mulheres sensibilizarem os 52% do eleitorado do sexo feminino que é o que vai decidir a eleição. Elas são a maioria dos brasileiros que estão na linha abaixo da pobreza. Dos filhos deste solo elas serão as mães gentis para uma verdadeira pátria amada Brasil!

MARIA JOSE DOS SANTOS Ontem às 9h50

Eu vou votar nelas e conversar sobre elas com as pessoas .No entanto a Senadora Simone Tebet e totalmente desconhecida .da massa onde os votos tem mais capilaridade pessoas de até 2 salários mínimos não as conhecem ...Nao sei como seu comitê de Campanha vai fazer com pouco tempo ....

Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 10.08.22

Envolvimento com Bolsonaro tira credibilidade das Forças Armadas

Não é preciso ser um Sherlock Holmes para concluir isso


Ministro da Defesa e comandantes das Forças Armadas durante reunião com Bolsonaro - 2.fev.2022/@ Ministério da Defesa no Twitter

O Estado e suas instituições fazem parte daquilo que o historiador israelense Yuval Harari chama de realidades imaginárias, que são coisas que só existem em nossas cabeças, mas que, como todos creem nelas, acabam se tornando reais. Entram nessa categoria itens como dinheiro, pessoas jurídicas, religiões e a própria ideia de nação. Entra também o respeito a instituições.

Se ninguém acreditar que a polícia está aí para solucionar crimes e ajudar o cidadão, ela terá bem mais dificuldades para desempenhar essas tarefas, da mesma forma que o dinheiro perderia todo seu valor se as pessoas achassem que cédulas não passam de papel colorido. Os generais brasileiros têm, portanto, motivos para preocupar-se com a pesquisa Ipsos que mostra que a credibilidade das Forças Armadas caiu em relação a 2021 e é a quarta ou quinta mais baixa entre 28 países analisados.

Pela sondagem, só 30% dos brasileiros confiam nos militares. São 11 pontos percentuais a menos que a média global. Ficaram pior na foto só os efetivos da Colômbia (29%), África do Sul (28%) e Coreia do Sul (25%). Empatamos com os poloneses. Em relação ao ano passado, a queda foi de cinco pontos percentuais. Levantamento periódico do Datafolha, que segue outra metodologia, também capturou queda na confiança entre 2019 e 2021.

Embora as pesquisas não explorem as causas do fenômeno, não é preciso ser um Sherlock Holmes para concluir que a proximidade entre os militares e o governo de Jair Bolsonaro, que é mal avaliado, tem algo a ver com isso. Os vários pequenos escândalos de compras duvidosas (uísque, picanha, Viagra e próteses penianas) decerto também não ajudam.

O ponto central é que, se há instituições como Presidência, Congresso, STF e imprensa, que não podem se furtar aos desgastes da política, as Forças Armadas têm o dever de ficar tão longe dela quanto possível. É isso que os generais não estão vendo.

Hélio Schwartsman, o autor deste artigo, é Jornalista. Foi Editor de Opinião da Folha de São Paulo. É autor de "Pensando bem..." Publicado originalmente em 10.08.22.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Até 80 mil russos mortos e feridos na Ucrânia, estimam EUA

Segundo Pentágono, de três a quatro mil veículos blindados russos também foram perdidos em menos de seis meses. Para Departamento de Defesa dos EUA, números são "notáveis", visto que Putin não atingiu seus objetivos.

Graças ao preparo dos soldados e ao apoio de países ocidentais, Ucrânia está conseguindo conter ofensiva russa (Foto: Vyacheslav Madiyevskyy/REUTERS)

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos estima que até 80 mil russos tenham morrido ou sido feridos na guerra da Ucrânia, divulgou o Pentágono nesta segunda-feira (08/08).

"Os russos provavelmente tiveram de 70 mil a 80 mil vítimas em menos de seis meses, entre mortos e feridos", disse o subsecretário de Defesa para Política, Colin Kahl, destacando que o número é aproximado e pode ser "um pouco menor ou um pouco maior".

Segundo Kahl, as forças russas também perderam entre "três e quatro mil" veículos blindados. Para ele, as perdas são "notáveis", considerando que os russos "não alcançaram nenhum dos objetivos de Vladimir Putin no início da guerra".

"Fizeram alguns progressos no Leste, embora muito poucos nas últimas semanas", observou. "Mas isto teve um custo extraordinário para os militares russos, devido à qualidade dos militares ucranianos e à assistência internacional que receberam".

De acordo com Kahl, a desaceleração no uso de mísseis guiados de maior alcance e precisão pelas forças russas é um indicativo que seus suprimentos caíram, perto do que seria necessário para Moscou manter os estoques.

Kahl ponderou que o lado ucraniano também teve perdas significativas, mas não citou números. "Ambos os lados estão tendo baixas", admitiu. "Mas os ucranianos têm muitas vantagens, entre elas a vontade de lutar", acrescentou.

Kiev comunicou pelo menos 10 mil mortos e 30 mil feridos em suas tropas. Segundo uma fonte militar, que falou sob condição de anonimato, o Exército ucraniano, que era composto por 170 mil soldados na ativa e 100 mil reservistas no início da guerra, cresceu para entre 300 mil a 350 mil soldados.

Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, cerca de 150 mil a 200 mil soldados russos foram destacados para as fronteiras da Ucrânia, de acordo com estimativas ocidentais. 

Mais 1 bilhão de dólares em ajuda

Também nesta segunda-feira, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, anunciou um novo pacote de ajuda militar à Ucrânia - o maior até agora -, no valor de 1 bilhão de dólares (cerca de R$ 5,12 bilhões). Em comunicado, o chefe da diplomacia americana indicou que a assistência inclui armas, munições e outros tipos de equipamentos de defesa.

Com o valor anunciado nesta segunda, os Estados Unidos já destinaram 9 bilhões de dólares em ajuda em defesa para a Ucrânia desde a chegada do presidente Joe Biden ao poder, em janeiro deste ano.

O anúncio sobre o envio de um novo e massivo carregamento de armas para as forças de Kiev surge num momento em que analistas indicam uma movimentação de tropas e equipamento das forças russas em direção a cidades portuárias do sul do país, com o objetivo de enfrentar uma anunciada contraofensiva ucraniana, que ainda não se concretizou. 

O novo material incluiu lança-foguetes múltiplos High Mobility Artillery Rocket Systems (Himars), milhares de munições de artilharia, sistemas de morteiros, lança-mísseis antitanque Javelin e outras munições e equipamentos.

Comandantes militares e especialistas consideram que os Himars e os sistemas de artilharia têm sido cruciais para impedir que as forças russas conquistem mais territórios. 

"Em cada fase do conflito, estamos focados em fornecer aos ucranianos aquilo que eles necessitam, dependendo da evolução das condições no campo de batalha", disse Kahl.

Em paralelo, o Banco Mundial anunciou uma ajuda suplementar de 4,5 bilhões de dólares à Ucrânia provenientes de fundos também fornecidos pelos Estados Unidos, com o objetivo de ajudar o governo de Kiev a enfrentar "necessidades urgentes motivadas pela guerra". 

Em comunicado, o Banco Mundial precisou que a ajuda suplementar vai permitir que as autoridades assegurem despesas sociais, pensões e gastos com o setor da saúde. 

Tentativa de assassinatos neutralizada

Ainda nesta segunda, o Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) revelou que neutralizou uma tentativa de assassinato do ministro da Defesa, Oleksiï Reznikov, e do chefe de inteligência militar, Kyrylo Boudanov, acrescentando que deteve dois suspeitos do "serviço secreto russo".

A detenção dos dois homens, um dos quais teria chegado à Ucrânia via Belarus, ocorreu em Kovel, no noroeste do território ucraniano.

De acordo com o SBU, os detidos estavam preparando "a eliminação física" das duas altas autoridades da Defesa ucraniana e de um "conhecido ativista ucraniano", cujo nome não foi divulgado.

Cada um dos criminosos seria recompensado com uma quantia que variava entre 100 mil e 150 mil dólares, acrescentou o SBU.

le (AFP, Lusa, EFE)

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 09.08.22. (https://www.dw.com/pt-br/r%C3%BAssia-teve-at%C3%A9-80-mil-mortos-e-feridos-na-ucr%C3%A2nia-estimam-eua/a-62749998)


Pobreza se espalha pelas metrópoles brasileiras e atinge 20 milhões

Os dados são resultados de um trabalho feito em colaboração por três instituições nacionais e foram compilados no nono boletim Desigualdade nas Metrópoles

(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Um estudo divulgado ontem revelou que cerca de 23% da população brasileira que vivia em metrópoles, em 2021, se encontrava em situação de pobreza. O número, que representa quase 20 milhões de pessoas, é o maior da série histórica desde 2012. Outra estatística que também registrou recorde durante o período foi a de indivíduos na faixa de extrema pobreza. De acordo com a pesquisa, mais de 5 milhões de brasileiros, o que corresponde a 6,3% dos residentes dos grandes centros urbanos, estavam entre a parcela mais vulnerável da população.

Os dados são resultados de um trabalho feito em colaboração por três instituições nacionais — o Observatório das Metrópoles do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL) — e foram compilados no nono boletim Desigualdade nas Metrópoles.

Para as análises, foram utilizadas estatísticas anuais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 20 Regiões Metropolitanas entre os anos de 2012 e 2021. Segundo o boletim, uma das vantagens da Pnad é que ela traz informações de outras fontes de renda mensal per capita das famílias brasileiras, para além dos rendimentos de empregos, como auxílios de programas sociais, aposentadoria, seguro-desemprego, entre outros. Atualmente, quase 40% da população brasileira, ou mais de 80 milhões de pessoas, vivem em alguma das regiões metropolitanas do país.

Crise

Segundo o professor Andre Ricardo Salata, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, os números podem ser explicados por quatro fatores principais. "Além da crise de 2014, do enfraquecimento das políticas públicas e do choque da pandemia, tem outro fator importante: a inflação. Em 2021, você teve um impacto da inflação que interrompeu a recuperação da renda das famílias brasileiras. Além disso, em 2021, tivemos a decisão do governo de interromper o auxílio emergencial de forma abrupta", disse.

De acordo com a socióloga da Universidade de Brasília (UnB) Hayeska Barroso, a pandemia representou não apenas uma crise sanitária, mas também social e econômica, que afetou classes sociais de diferentes formas. "As crises tendem a tolher as próprias condições de vida da população mais pobre, e ali está em jogo viver ou morrer literalmente de fome, fazer uma refeição por dia ou fazer uma refeição sem ter a certeza do que vai comer a próxima. Isso não alcança, por exemplo, os mais ricos", afirmou.

Em relação à pandemia, o pesquisador Andre Salata destacou a importância do auxílio emergencial, que, segundo ele, "segurou" a desigualdade social em 2020: "A situação piorou muito em 2021, devido à interrupção do auxílio, que volta depois, mas com valores reduzidos, por isso vemos um salto (da taxa de pobreza)."

A pesquisa ainda mostrou que mais da metade das pessoas em situação de extrema pobreza, isto é, 3,1 milhões de indivíduos, passou a integrar essa condição nos últimos sete anos. Desse total, 1,6 milhões foram apenas em 2021. O rendimento médio das famílias brasileiras também foi muito impactado durante esse período, sendo o menor desde 2012: R$ 1.698. A parcela mais pobre da população dos grandes centros urbanos do Brasil, que corresponde a 40% do estrato social, possui rendimento médio inferior a um salário mínimo, com apenas R$ 396,10.

Desigualdade regional

Os índices também escancaram uma desigualdade regional no país. Nas regiões metropolitanas do Norte e do Nordeste do Brasil, mais de um terço da população vive em situação de pobreza, com exceção apenas de Fortaleza e Natal. Na Grande São Luís e em Manaus, 40% das pessoas vivem na camada mais vulnerável da sociedade.

De acordo com Salata, a taxa de pobreza responde por dois fatores: primeiro, pelo volume de recursos, ou seja, o quão rica é uma metrópole, e, segundo, o quão bem ou mal essa cidade distribui seus recursos. Para ele, é possível compreender o contexto das regiões Norte e Nordeste quando analisadas essas questões. "Nessas regiões, você tem uma renda média mais baixa, e, além disso, uma pior distribuição de renda, ou seja, uma desigualdade maior. Quando você junta esses dois fatores, o esperado é que você tenha taxas de pobreza maiores. A estrutura econômica dessas localidades contribui para isso", explicou.

A pesquisa Desigualdade nas Metrópoles também delineou a concentração de renda no Brasil. De acordo com dados do boletim, em 2021, 10% dos mais ricos ganhavam, em média, 19,1 vezes mais do que os 40% mais pobres do país. Essa foi a maior razão de rendimento médio entre os estratos sociais da série histórica de 2012 até o ano de 2021.

Outro dado relevante, o coeficiente de Gini — índice, que, quanto mais próximo de 1, mostra maior desigualdade social — atingiu 0,565 para o conjunto das regiões metropolitanas do país. Em 2014, esse número era de 0,538.

Para Salata, entender as metrópoles é fundamental para entender o Brasil. "Elas têm um peso político e econômico muito relevante. Estamos falando das regiões mais ricas, mas vemos indicadores sociais muito negativos, como os que a gente vem destacando nos nossos boletins", afirmou.

Hayeska Barroso também destacou que para entender o empobrecimento da população urbana é preciso entender o desenvolvimento dos grandes centros. "A gente tem que voltar algumas casas dentro do processo histórico para poder entender quais são as condições sociais, históricas, políticas e culturais de formação das cidades no Brasil, que é marcada por um desenvolvimento desordenado, por um processo de ocupação e de estabelecimento de moradias também de maneira desordenada", argumentou.

"A gente não tem um acompanhamento no mesmo ritmo da garantia das condições de vida e de políticas sociais que deem conta de atender as demandas dessa população urbana", completou ela.

Isadora Albernaz, estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo no Correio Braziliense. Publicado originalmente em 09.08.22

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

'Bolsonaro é mal-agradecido em relação à democracia', diz ex-ministro e orador em ato de 1977

José Gregori, que não vê risco de golpe, diz que Estado democrático de Direito é como o 5G

José Gregori, ex-ministro da Justiça e orador do evento em que foi lida a "Carta aos Brasileiros", em 1977 - (Rubens Cavallari/Folhapress)

O advogado José Gregori estava na Faculdade de Direito da USP em 1977 quando Goffredo da Silva Telles Jr. leu a famosa "Carta aos Brasileiros". Não foi mero espectador do ato histórico; fez o discurso que precedeu o do orador principal.

Hoje com 91 anos, assinou a "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito", que já passou de 750 mil assinaturas. Ao comparar os dois momentos, procura "traduzir" o tema central de ambos os documentos.

"Para as novas gerações eu digo: o Estado democrático de Direito é como se fosse o 5G", afirma Gregori, que foi ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Ele argumenta que, embora o Brasil não viva sob uma ditadura consolidada como naquela época, tem um presidente que acena com um regime fora dos limites do Estado democrático de Direito. Para Gregori, isso é um contrassenso.

"[Bolsonaro] é um mal-agradecido em relação à democracia, regime onde vicejou e procriou", afirma. "Ele deveria ser um dos maiores defensores da democracia e do Estado democrático de Direito, para o qual ele não colaborou em nada."

Afinal, foi por se tornar deputado numa democracia que Jair Bolsonaro (PL), no fim dos anos 1990, pôde falar em fuzilar o presidente da República e dirigir palavras de baixo calão a Gregori, então secretário dos Direitos Humanos.

Apesar da tensão institucional que o país enfrenta, o advogado não vê risco de golpe clássico, por achar que os militares não se entregariam a essa aventura, e considera que a carta a ser lida no dia 11 de agosto na mesma USP poderá ter peso histórico semelhante à versão de exatos 45 anos atrás.

Só não sabe se isso vai conter Bolsonaro caso ele perca a eleição. "Isso é indecifrável", diz. "Porque ele é tão contraditório, de uma lógica deslógica completa, que é difícil saber o que o irrita e o que o satisfaz."

O sr. participou de vários outros manifestos e atos contra o governo Bolsonaro. Nesses últimos dois anos, foi minha tarefa principal: assinar manifestos. Alguns até redigi.

Nenhum desses outros manifestos atingiu a repercussão da "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros", já se aproximando de 1 milhão de assinaturas. A que o sr. atribui esse alcance? A consciência da nação brasileira estava de certa maneira arranhada, para não dizer muito machucada, com alguns fatos que impactaram a opinião pública. Primeiro, aquelas mortes na Amazônia [do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips]. Depois, a troca de tiros no Paraná [em que um bolsonarista matou um militante do PT].

De repente, o presidente toma a iniciativa de chamar todos os embaixadores. Quem tem alguma experiência sobre governar sabe que só se chama embaixador para anunciar uma coisa muito trágica ou então uma grande vitória.

Então todo mundo se interessou por essa notícia e viu uma coisa absolutamente inverossímil em qualquer fita de cinema, qualquer novela, qualquer jornal: o sujeito pôs em dúvida as eleições das quais vai participar, em um sistema do qual ele já foi beneficiário. É desse tipo de situação em que cada um, entre os quatro muros da sua casa, quer se manifestar de alguma maneira.

Bolsonaro afirmou que quem a assinou é cara de pau e sem caráter. O sr. gostaria de comentar? O presidente mais uma vez não está entendendo o Brasil. Quando tantas pessoas acham que é o momento de expressar sua vontade, é porque o elevador bateu na mola. É assim que ele tem que ver. Quem assinou é porque realmente achou que a assinatura evitaria um mal maior.

Mas eu acho muito difícil que as Forças Armadas brasileiras se iludam de que o Brasil possa satisfazer as aspirações de progresso e de liberdade com outro regime que não seja o Estado democrático de Direito. Achar que os militares possam se iludir a respeito de um regime forte é julgar o militar brasileiro atrasado, o que já não corresponde à realidade.

O sr. não vê risco de golpe? Não, porque aqueles que podiam reforçar o golpe são pessoas colocadas em posições que não abandonam o lápis e o papel. E veja que os regimes federais mais criativos, mais progressistas e mais pacíficos que o Brasil teve foram aqueles mais democráticos.

Os militares pecam quando fogem um pouco da sua seara. Qual é o militar que hoje está na berlinda? É alguém que quis ser ministro da Saúde sem entender direito sobre pandemia. Mas nas funções absolutamente militares eles têm poucos defeitos para serem criticados.

Os democratas, ainda que não tenham muita convicção democrática, são mais fortes. O Brasil é mais forte pela democracia do que pela não democracia. E a gente não chega aos 91 anos, com a experiência que eu tenho, com os compromissos que eu tenho pela minha experiência pregressa, sem estar movido por uma sinceridade absoluta.

Presidente, ouça o velho José Gregori. Viva bem esses dois meses [até a eleição]. Procure se reabilitar das dúvidas que o senhor terá deixado e chame, no dia seguinte à eleição, aqueles mesmos embaixadores e diga:

"Vocês tinham dúvidas a meu respeito. Agora vocês viram como eu trabalhei nesses dois meses em prol da democracia, em prol dessa eleição. Elas foram as mais limpas, as mais verdadeiras e as menos perturbadas pelos candidatos à Presidência".

É possível fazer alguma comparação entre este momento e o da "Carta aos Brasileiros" de 1977, na qual a atual se inspirou? A "Carta aos Brasileiros" mostrou que nenhum conceito válido de teoria política estava sendo utilizado pelo regime dos militares. Ela era muito didática no sentido de mostrar o que era aquele governo e como ele poderia ser um governo democrático, desde que seguisse a implementação de certas medidas que [Goffredo] foi lendo.

Eu, no meu discurso, acentuei muito isso, com a esperança de que eles aproveitassem o momento, que já tinha de certa maneira diminuído um pouco em relação ao momento de fúria da ditadura. A gente tinha confiança de que eles, convencidos de que estavam reduzindo o Brasil a um monarca e súditos, fizessem um presidente líder com cidadãos. Tinha uma nota de esperança na "Carta aos Brasileiros".

O momento [atual] é parecido. Quer dizer, não temos uma ditadura consolidada como naquela época, mas a gente está num momento em que o presidente acena com um regime que está extravasando os limites do Estado democrático de Direito.

E nós tínhamos o dever de dizer "Não!". O Estado democrático de Direito é um ideal que a gente dificilmente vai preencher, mas de qualquer maneira tem um núcleo duro do qual nenhum regime que se intitule Estado democrático de Direito pode olvidar.

Nessa carta, isso é colocado e, ao mesmo tempo, mostra que o Estado democrático de Direito é uma das coisas mais avançadas que existem em teoria política. Para as novas gerações eu digo: o Estado democrático de Direito é como se fosse o 5G.

E um camarada sem história que justifique a sua assertiva, sem doutrina nenhuma, quer dizer que o Estado democrático de Direito não é o suprassumo da teoria política?

Então por isso é que foi um movimento quase mais de fora para dentro do que de dentro para fora. A nossa carta de 77, a "carta mãe", não teve essa característica da "carta filha".

O advogado e jurista José Gregori discursa durante ato onde ocorreu a leitura da "Carta aos Brasileiros", em 1977 , no Largo São Francisco (Faculdade de Direito da USP), em São Paulo - Reprodução/TV Cultura

O sr. já disse que aquela carta teve importância não só simbólica. Por quê? Pelo sucesso que ela teve no ponto de vista de divulgação, toda pessoa que se metia a criticar [a ditadura], a primeira coisa que fazia era ler a carta. Ela dá um rumo do que é um Estado de Direito e um Estado de fato. E hoje eu digo que é um dos documentos brasileiros de maior longevidade. Eu não tenho dúvida de considerá-la como um documento de grande densidade.

O sr. imagina que a carta de agora possa ter um peso histórico parecido? Acho que sim, porque nós estamos num momento muito contabilístico. A eleição é daqui a dois meses. Metade da moeda é pesquisa; a outra metade, nesses últimos dias, é a carta. Ela cumpre uma finalidade didática de mostrar o que é um Estado democrático de Direito com uma densidade, com uma taxa ainda não satisfatória, mas muito melhor do que a gente teve no tempo em que mandavam os quartéis.

Mas eu acho que ela vai ter pouco peso eleitoral, embora, em compensação, não há debate que vá se fazer no Brasil em que não haja um jornalista para perguntar aos candidatos o que eles acham dessa carta.

O sr. acha que essa carta pode conter Bolsonaro caso ele perca a eleição? Isso é indecifrável. Nem o psicanalista, se é que ele tem, decifra o que é esse cérebro. Porque ele é tão contraditório, de uma lógica deslógica completa, que é difícil saber o que o irrita e o que o satisfaz. Eu acho que a gente só vai saber quem ele era realmente quando os ministros fizerem as suas memórias.

Bolsonaro há muito tempo defende a tortura e a ditadura. Como é para o sr., com seu histórico de luta pelos direitos humanos, perceber que tantos brasileiros ainda apoiam esse tipo de pensamento? Em primeiro lugar, Bolsonaro é mal-agradecido. A gente sabia [nos anos 1990] que tinha um deputado como ele, do baixo clero congressual, que [aproveitava] tudo que era beirada de legislação a favor de militares.

Mas, quando se pegavam as falas mais compridas dele, era um negócio tão alógico, tão fora de esquadro, que não se dava muita importância. A gente tinha a caneta na mão [durante o governo FHC] e, no entanto, ninguém pediu a cassação dele, ninguém o perseguiu.

E ele prosperou, porque se tornou uma espécie de S.A. política, colocando os filhos na política. Quer dizer que é um mal-agradecido em relação à democracia, regime onde ele vicejou e procriou. Ele devia ser –o que talvez ainda possa ser, porque nunca nego a possibilidade de alguém na 24ª hora se emendar—, mas eu digo que ele deveria ser um dos maiores defensores da democracia e do Estado democrático de Direito, para o qual ele não colaborou em nada.

Agora, sobre a eleição de 2018, essa ainda é uma história que está para ser contada. Tanto o PT como o PSDB não estavam numa situação muito confortável. A Lava Jato estava atuando, e atuando de uma forma diferente do que tinha sido toda a luta anticorrupção no Brasil, porque prendia nomes importantes.

A corrupção estava sendo o grande assunto. Então [surgiu] uma figura desconhecida, mas com muitos anos de Congresso, que se valeu de uma retórica muito apropriada naquele momento. E a facada fez o resto.

RAIO-X

José Gregori, 91

Advogado, foi secretário nacional dos Direitos Humanos e ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso. Em 1977, fez o discurso que precedeu a leitura da "Carta aos Brasileiros" na Faculdade de Direito da USP

Uirá Machado para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 08.08.22

TSE exclui coronel de grupo de inspeção da urna eletrônica

Decisão foi tomada após vir à tona que Ricado Sant´Anna, designado pelo Ministério da Defesa para a equipe de inspeção dos códigos-fonte, fazia postagens nas redes sociais atacando o sistema eleitoral brasileiro.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, enviou nesta segunda-feira (08/08) um ofício ao Ministério da Defesa comunicando ter descredenciado o coronel do Exército Ricado Sant´Anna da equipe de técnicos designados para inspecionar os códigos-fonte da urna eletrônica e de todo o sistema eletrônico de votação.

Na semana passada, veio à tona que uma mensagem compartilhada pelo coronel chegou a ser rotulada como "fake news" pelo Facebook e que Sant´Anna costumava compartilhar conteúdo questionando a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e atacando grosseiramente adversários políticos do presidente Jair Bolsonaro. As informações foram reveladas pela coluna de Rodrigo Rangel, do portal Metrópoles, antes de o perfil do coronel ser apagado.

"Conforme apuração da imprensa, mensagens compartilhadas pelo coronel foram rotuladas como falsas e se prestaram a fazer militância contra as mesmas urnas eletrônicas que, na qualidade de técnico, este solicitou credenciamento junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para fiscalizar", escreveram Fachin e o ministro Alexandre de Moraes, vice-presidente do TSE e que também assina o ofício.

Os dois frisaram que o credenciamento de técnicos para inspecionar os códigos do sistema eletrônico de votação precisa levar em consideração "a necessidade de segurança e de isenção dos que se arvoram como fiscalizadores", conforme disposto em resolução aprovada no ano passado pelo plenário da Corte.

"A posição de avaliador da conformidade de sistemas e equipamentos não deve ser ocupada por aqueles que negam prima facie [à primeira vista] o sistema eleitoral brasileiro e circulam desinformação a seu respeito", acrescenta o texto.

Posições pessoais não interferem, diz Ministério da Defesa

Em nota oficial, o Ministério da Defesa afirmou que o trabalho da equipe das Forças Armadas no âmbito da fiscalização do sistema eletrônico de votação é "técnico" e "estritamente institucional". "Assim, não há interferência das posições pessoais dos integrantes no trabalho da equipe", diz o texto.

A pasta também afirma que "já no fim de semana passado o Exército havia decidido selecionar um novo integrante para a equipe em substituição ao atual" e ressalta que o TSE será informado assim que um substituto for definido.

Desde outubro do ano passado, a inspeção da urna e dos códigos-fonte dos sistemas de votação pode ser feita por dezenas de entidades, incluindo as Forças Armadas, em uma sala designada na sede do TSE.

Técnicos das Forças Armadas designados pelo Ministério da Defesa realizam o procedimento desde a última quarta-feira, após a pasta pedir acesso aos códigos-fonte com caráter "urgentíssimo".

O que diziam as postagens do coronel

De acordo com a coluna de Rodrigo Rangel, do portal Metrópoles, antes de ser apagado, o perfil do coronel Ricado Sant´Anna no Facebook seguia à risca a cartilha do bolsonarismo, com posts grosseiros de ataques a adversários e questionamentos à confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro.

Em um dos posts, ele compartilha um vídeo que compara o exercício do voto à compra de um bilhete de loteria. "Pra quem não entendeu ainda a briga contra esse sistema que nenhum país desenvolvido adotou, SÓ NÓS, então, se ainda confia no sistema, é achar que está tudo certo, então aceite a aposta na lotérica do jeito que está nessa sátira… pra despertar o ÓBVIO!!!!", diz a legenda.

Em outra postagem, Sant'ana questionava os resultados de pesquisas eleitorais. "Votar no PT é exercer o direito de ser idiota", dizia uma imagem compartilhada pelo coronel.

Em um comentário em uma postagem em que a candidata ao Planalto Simone Tebet(MDB) defende que mulheres votem em mulheres, o coronal volta a ser agressivo: "Vaca vota em vaca”, escreveu.

Bolsonaro e seus aliados atacam frequentemente as urnas eletrônicas e o TSE, acusando as eleições brasileiras de serem fraudadas. No entanto, nunca ninguém apresentou nenhuma prova das acusações.

No mês passado, Bolsonaro reuniu dezenas de diplomatas estrangeiros no Palácio da Alvorada para fazer uma apresentação de mentiras sobre o sistema de votação brasileiro, atacar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do TSE. 

A menos de três meses do primeiro turno das eleições, o evento exibiu fotos de Bolsonaro cercado de apoiadores e resumiu teorias fantasiosas sobre as urnas eletrônicas que vêm sendo repetidas pelo presidente e seus apoiadores desde pelo menos a eleição de 2018.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 08.08.22. (https://www.dw.com/pt-br/tse-exclui-coronel-de-grupo-de-inspe%C3%A7%C3%A3o-da-urna-eletr%C3%B4nica/a-62749738)