sábado, 24 de julho de 2021

Manifesto de 40 coletivos de igrejas evangélicas apoia o movimento “Fora, Bolsonaro”

Toda uma série de grupos evangélicos levanta sua voz contra os abusos de um Governo e de um presidente que, dizendo-se cristão, age em total desacordo com os ensinamentos dos livros sagrados

Apoiadora do presidente Jair Bolsonaro levanta a Bíblia em manifestação de 1º de maio, em São Paulo. (AMANDA PEROBELLI / REUTERS)

As igrejas evangélicas começam a abandonar Bolsonaro, que aposta na morte contra a vida. Mais de 40 movimentos e coletivos dessas igrejas assinaram, segundo o site Brasil 247, um manifesto denominado “Coalizão evangélica contra Bolsonaro”.

O manifesto é todo baseado em demonstrar que a política de Bolsonaro contradiz os textos evangélicos e será lançado em uma transmissão ao vivo da Frente Evangélica pelo Estado de Direito. O documento começa com um duro texto do Evangelho de João (10:10), que diz: “O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.

Todo o manifesto evidencia que a política de Bolsonaro que valoriza a destruição da vida e esquece os fragilizados e desamparados se opõe diretamente aos valores do cristianismo original, todos eles voltados para salvar vidas e resgatar o que o mundo despreza.

“Na contramão disso”, diz o texto, “vemos o (des)governo do presidente Jair Bolsonaro como um agir maligno, que já permitiu a morte desnecessária de mais de meio milhão de irmãos e irmãs em nosso querido Brasil”.

O texto dos evangélicos afirma, sem rodeios, que “Bolsonaro não esconde suas pretensões autoritárias de implantar novamente uma ditadura, tendo loteado seu Governo com milhares de militares, de quem espera apoio aos seus planos de opressão e poder, destruindo de vez a Constituição Federal de 1988, que promete ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária, sem discriminação de raça, sexo, cor, religião ou quaisquer formas de discriminação’”.

O texto dos evangélicos destaca as “inúmeras ameaças de golpe feitas ao país, tanto pelo presidente Jair Bolsonaro como por alguns de seus aliados”, e afirma, com dureza, que Bolsonaro “veio para roubar, matar e destruir” e por isso, diz, “nos colocamos ao lado das inúmeras organizações que se movimentam em defesa do nosso povo e contra os avanços autoritários dos dominadores do poder”.

Uma das afirmações mais graves é quando assevera que Bolsonaro “governa à base de mentiras e manipulando o discurso do Evangelho” e acrescenta que “as vidas dos brasileiros, principalmente dos negros, dos pobres, dos indígenas, das mulheres, dos LGBTQIA+ e dos favelados estão sendo roubadas todos os dias”. Por tudo isso, os evangélicos, diz o manifesto, “em nome da vida e em nome de Jesus, clamamos pelo Fora Bolsonaro!”

O documento termina com uma citação da Bíblia, a de Provérbios 31.8, que diz:

“Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados”.

É a primeira vez no Brasil que toda uma série de grupos evangélicos levanta sua voz contra os abusos de um Governo e de um presidente que, dizendo-se cristão, age em total desacordo com os ensinamentos dos livros sagrados. Esses evangélicos desmascaram com o manifesto a farsa de um movimento político como o bolsonarismo, que em nome de Deus pisoteia todos os valores essenciais dos ensinamentos de Jesus.

O manifesto deverá ter ressonância não só no Brasil, mas no exterior, onde é acompanhada com interesse e preocupação a involução do movimento das igrejas evangélicas com a conduta genocida e golpista de Bolsonaro. É o início de uma ruptura que deverá ter reflexos nos próximos movimentos da política negacionista e golpista em que o Brasil se precipita, ameaçado a cada dia com um golpe militar que cerceia as liberdades conquistadas com tanto esforço por uma sociedade que apostou na democracia que hoje, como escreveu Jamil Chade neste jornal, “está mais ameaçada do que nunca”.

O fato de 40 grupos de igrejas evangélicas terem aderido ao “Fora, Bolsonaro”, acusando-o de governar contra a vida e a favor da morte e da democracia, é uma novidade importante, pois até agora o evangelismo parecia apoiar maciçamente o bolsonarismo, em clara contradição com os ensinamentos cristãos de que o líder golpista se serviu para atrair votos evangélicos, com o slogan “Deus acima de todos”.

A dissidência evangélica que parece ter tomado o caminho do “Fora, Bolsonaro” poderá ter repercussão nas próximas manifestações nacionais de protesto contra o genocida. Pode ser um precedente para que outras entidades continuem aderindo a esse movimento para arrancar do poder um presidente que se mostra cada vez mais radical em seus afãs autoritários e golpistas enquanto crescem as massas de brasileiros que mergulham na pobreza e até na miséria.

Este despertar das igrejas evangélicas, que começam a ver a contradição de um presidente que se proclama cristão enquanto toda a sua política se baseia em atropelar os ensinamentos da Bíblia, pode ser um germe de oposição capaz de contagiar outros grupos que estão se conscientizando de que o Brasil com Bolsonaro está mergulhando no abismo autoritário do desprezo pela vida e a cada dia se distancia mais dos princípios de democracia e liberdade cunhados na Constituição.

Juan Arias, o autor deste artigo, é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse grande desconhecido’, ‘José Saramago: o amor possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado no EL PAÍS, em 23.07.2021.

Brasileiros voltam às ruas contra Bolsonaro

Pela quarta vez, protestos em todo o país defendem o impeachment do presidente e pedem mais vacinas contra a covid-19. Milhares se reúnem em capitais como Rio e Salvador. Em São Paulo, ato fecha Avenida Paulista.

Protesto em São Paulo fechou a Avenida Paulista

Manifestantes voltaram às ruas neste sábado (24/07) para novos protestos contra o presidente Jair Bolsonaro, convocados por partidos de oposição, centrais sindicais, movimentos de renovação política e grupos descontentes com o governo.

Mais de 100 cidades brasileiras registraram manifestações, incluindo capitais como Belo Horizonte, Recife, Belém, Curitiba, Goiânia, Florianópolis, João Pessoa e Maceió. Em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, milhares participaram dos protestos.

Ao todo, estão marcados atos em quase 500 cidades, incluindo em 17 outros países, de acordo com os organizadores. Na Alemanha, protestos ocorreram em cidades como Berlim e Freiburg.

Entre as principais pautas estão a defesa da democracia, o impeachment de Bolsonaro, o fim da corrupção, vacinas para todos, volta do auxílio emergencial de R$ 600 e geração de empregos de qualidade.

É a quarta vez em que os brasileiros saem às ruas para grandes protestos nacionais contra o presidente, após os atos de 29 de maio, 19 de junho e 3 de julho, e a primeira após uma pesquisa Datafolha indicar reprovação recorde de Bolsonaro.

A maior concentração era esperada em São Paulo, onde o protesto chegou a fechar os dois lados da Avenida Paulista ao longo da tarde. Os participantes começaram a se reunir por volta das 14h (hora local) no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), e logo todos os quarteirões da avenida estavam tomados. A circulação na via voltou a ser liberada a partir das 18h.

Cartazes pediam o impeachment de Bolsonaro, o fim da davastação da Amazônia e mais vacinas contra a covid-19 para a população. Muitos ainda erguiam bandeiras do Brasil, que costumam ser associadas a apoiadores do presidente.

Suspeitas de corrupção envolvendo o governo federal na compra de imunizantes também foram lembradas. "Bolsonaro priorizou propina em vez da vacina", dizia um cartaz na Paulista.

Diversos políticos estiveram presentes e discursaram em carros de som durante o ato, incluindo os ex-presidenciáveis Guilherme Boulos (Psol) e Fernando Haddad (PT), que foi também prefeito de São Paulo e ministro da Educação nos governos petistas.

"Hoje nós temos 8 milhões de universitários neste país, de todas as cores e orientações. O Brasil está representado, e temos uma massa crítica que não vai abrir mão da democracia e de seus direitos sociais, civis e políticos, e da sua liberdade", declarou Haddad.

Boulos, por sua vez, afirmou: "Vai ter eleição em 2022. E mais do que isso. Nós vamos trabalhar para que, antes da eleição, tenha impeachment. Nós vamos trabalhar para que, em 2022, Bolsonaro não esteja na urna."

Capitais como o Rio de Janeiro registraram manifestações

No Rio de Janeiro, manifestantes saíram às ruas do centro da cidade ainda durante a manhã. A concentração ocorreu na avenida Presidente Vargas, em frente ao monumento a Zumbi dos Palmares, e a marcha seguiu até a praça da Candelária.

Manifestantes erguiam cartazes pedindo também a saída de Bolsonaro, aceleração da campanha de vacinação contra a covid-19 e mais proteção ao meio ambiente e à Amazônia. Presentes aproveitaram ainda para criticar as privatizações de órgãos públicos, como os Correios. Grupos ambientalistas, de defesa dos negros e dos LGBTQs também se uniram ao ato.

O deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara, lançou críticas a Bolsonaro em pronunciamento em cima de um carro de som. Além de defender o impeachment do presidente, ele rechaçou o voto impresso, que vem sendo defendido pelo governo federal. 

Em Recife, a marcha ocorreu também pela manhã no centro da cidade. Muitos vestindo vermelho e a grande maioria de máscara, os participantes condenaram a gestão da pandemia de covid-19 por parte do governo federal e pressionaram o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a dar andamento ao impeachment de Bolsonaro.

"Dia de unir o país"

Os atos foram convocados pelo chamado Bloco Democrático, formado por partidos de oposição, tanto de esquerda quanto de direita (Cidadania, PV, PCdoB, PDT, PSB, PSDB, Rede Sustentabilidade e Solidariedade), centrais sindicais, movimentos estudantis, movimentos de esquerda e grupos a favor da renovação política.

O mote dos protestos diz que é "dia de unir o país em defesa da democracia, da vida dos brasileiros e do Fora Bolsonaro".

"Vacina e impeachment", pede um manifestante em cartaz no Rio

"É hora de unir os brasileiros, independente de colorações partidárias e ideológicas, na defesa intransigente da democracia", destacou o grupo em nota.

O bloco afirma ainda que a "ação do governo federal tem sido marcada de maneira criminosa pela irresponsabilidade e descaso com a defesa da vida do nosso povo, atacando a ciência e sabotando a vacinação, usando o momento de dor e perda por que passamos como uma oportunidade para ações corruptas, reveladas pela CPI da pandemia".

A nota acrescenta que "ao mesmo tempo em que sabota todos os esforços da sociedade para vencer o coronavírus, Bolsonaro ataca diariamente o regime democrático brasileiro e busca, inequivocamente, as condições para a imposição de um regime autoritário que destrua as instituições republicanas para acabar com as liberdades democráticas".

O protesto acontecerá mais cedo, para tentar evitar a ação de grupos isolados que, em 3 de julho, quebraram vidraças e incendiaram uma agência bancária na rua da Consolação.

Renovação política

Desta vez, o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua optaram por não convocar os apoiadores para o ato, já que a iniciativa tem o apoio de muitos partidos de esquerda. Os dois grupos marcaram um protesto pelo impeachment de Bolsonaro para 12 de setembro, com o apoio de partidos como PSL e Novo.

No entanto, outros movimentos intitulados de "renovação política" estarão nas ruas, como Acredito e Agora, que surgiram em 2013 e defendem trazer nomes de fora da política partidária para disputar as eleições.

Enquanto os dois primeiros protestos se concentraram, sobretudo, na gestão catastrófica de Bolsonaro em relação à pandemia, o último, em 3 de julho, passou a englobar, também, pautas anticorrupção, impulsionados  pelo escândalo da Covaxin. Além disso, os últimos protestos ganharam a adesão de partidos da direita e da centro-direita.

Deutsche Welle Brasil, em 24.07.2021

Brasil tem 1.108 mortes por covid-19 em 24 horas

País se aproxima de 550 mil óbitos ligados ao coronavírus. Total de infectados chega a 19,67 milhões após autoridades estaduais confirmarem 38 mil novos casos neste sábado.

Funcionários de cemitério em Manaus carregam caixões para serem enterrados

O Brasil registrou oficialmente neste sábado (24/07) 1.108 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 38.091 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções reportadas no país chega a 19.670.534, e os óbitos oficialmente identificados se aproximam de 550 mil, somando agora um total de 549.448.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. As cifras também costumam ser mais baixas no fim de semana, quando as equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida.

A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.169, e a média móvel de novos casos, em 46.869.

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 261,5 no Brasil, a 8ª mais alta do mundo, atrás apenas de alguns pequenos países europeus e do Peru.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, depois dos Estados Unidos, que somam mais de 610 mil óbitos, mas têm população bem maior. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (34,4 milhões) e Índia (31,3 milhões).

O Conass não divulga o número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 18.331.462 pacientes no Brasil haviam se recuperado da doença até sexta-feira.

No entanto, o governo não especifica quantos desses recuperados ficaram com sequelas ou outros efeitos de longo prazo. A forma como o governo propagandeia o número de "recuperados" já foi criticada por cientistas, que classificam o número como enganador ao sugerir que os infectados estão completamente curados da doença após a fase aguda ou alta hospitalar.

Estudos no exterior estimaram que entre 10% e 38% dos infectados sofrem efeitos da "covid longa" meses após o vírus ter deixado o organismo. Um estudo alemão apontou que sequelas podem surgir até meses depois da fase aguda da doença. Já uma pesquisa da University College London em 56 países listou mais de 200 sintomas observados em pacientes com sequelas pós-covid.

Ao todo, mais de 193,1 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e foram notificados 4,1 milhões de mortes associadas à doença, segundo contagem da Universidade Johns Hopkins, dos EUA.

Deutsche Welle Brasil, em 24.07.2021

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Joice Hasselmann reconstitui episódio sobre seus ferimentos

Ao ‘Estadão’, deputada mostra cenário onde ela relata que acordou ensanguentada, domingo, em seu apartamento; polícia legislativa investiga o caso

 

A deputada Joice Hasselmann em seu apartamento onde teria sido agredida; ‘São muitos hematomas para uma queda’, afirma Foto: Gabriela Biló/Estadão

Com hematomas pelo rosto, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), desconfia que alguém poderia ter se escondido, ainda durante o dia, no seu apartamento funcional em Brasília, no último sábado, 17, para agredi-la durante a madrugada. Em entrevista ao Estadão, a parlamentar reconstitui seus passos no fim de semana do acontecimento e mostra o cenário onde as agressões podem ter ocorrido. 

Joice mostra que há três cômodos poucos utilizados na moradia, entre seu quarto e o local onde seu marido, o neurocirurgião Daniel França, dormem. Segundo ela, uma pessoa poderia ter feito a tocaia em um desses espaços sem que o casal percebesse.

Joice mostra também a cama onde assistia o episódio 78 da primeira temporada da série Resurrection – O Grande Guerreiro Otomano e onde acabam suas memórias daquela dia. A partir daí, ela diz não se lembrar de mais nada até acordar ensanguentada no chão do closet já no domingo, 18, pela manhã. 

Joice Hasselmann em seu apartamento, em Brasília; deputada acionou polícia legislativa Foto: Gabriela Biló/Estadão

“Eu levantei. Inicialmente eu achei que era só essa parte do rosto, dente e tal. Mas estou com hematoma aqui (cotovelo), essa patela do joelho também estava machucada, mas agora está um pouco melhor, um galo na cabeça, embaixo do seio. São muitos hematomas para uma queda”, disse Joice ao mostrar como estava quando acordou. 

Joice Hasselmann em seu aparamento em Brasília; deputada diz não se lembrar de mais nada até acordar ensanguentada no chão Foto: Gabriela Biló/Estadão

Ex-líder do governo de Jair Bolsonaro no Congresso, Joice está com diversas fraturas e hematomas espalhados pelo corpo, inclusive uma fatura na coluna. A deputada acionou o Departamento de Polícia Legislativa (Depol) para abrir investigação sobre o caso. As imagens das câmeras de segurança do prédio devem ser analisadas.

Joice Hasselmann em seu apartamento, em Brasília; deputada está com diversas fraturas e hematomas espalhados pelo corpo Foto: Gabriela Biló/Estadão

A deputada acionou o Depol porque se trata do órgão responsável por cuidar da segurança dos parlamentares. Segundo interlocutores, ela não teria procurado a Polícia Federal por receio de interferência de terceiros. A assessoria da Câmara informou que as investigações já estão em andamento e têm caráter sigiloso. “O Departamento de Polícia Legislativa iniciou as investigações imediatamente após ter sido comunicado do fato. O Depol está ouvindo pessoas e analisando imagens do circuito fechado de TV do prédio em que a deputada reside”, diz a nota da Câmara.

Camila Turtelli e Gabriela Biló, O Estado de S.Paulo, em 23 de julho de 2021 | 17h41,Atualizado 23 de julho de 2021 | 19h37.


Brasil registra mais 1.324 mortes por covid-19

Número acumulado de mortes passa de 548 mil, e total de casos notificados da doença supera os 19,6 milhões.

                                    

O Brasil registrou oficialmente nesta sexta-feira (23/07) 1.324 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 108.732 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções reportadas no país chega a 19.632.443, e os óbitos oficialmente identificados somam 548.340.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 609 mil óbitos, mas têm uma população bem maior. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (34,3 milhões) e Índia (31,3 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 260,9 no Brasil, a 8ª mais alta do mundo, atrás apenas de alguns pequenos países europeus e do Peru.

Ao todo, mais de 192,9 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e foram notificadas 4,1 milhões de mortes associadas à doença, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

O Conass não divulga o número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 18.259.711 pacientes no Brasil haviam se recuperado da doença até quinta-feira.

No entanto, o governo não específica quantos desses recuperados ficaram com sequelas ou outros efeitos de longo prazo. A forma como o governo propagandeia o número de "recuperados" já foi criticada por cientistas, que classificaram o número como enganador ao sugerir que os infectados estão completamente curados da doença após a fase aguda ou alta hospitalar.

Estudos no exterior estimaram que entre 10% e 38% dos infectados sofrem efeitos da "covid longa" meses após o vírus ter deixado o organismo. Um estudo alemão apontou que sequelas podem surgir até mesmo meses depois da fase aguda da doença. Já uma pesquisa da University College London em pacientes de 56 países listou mais de 200 sintomas observados em pacientes com sequelas pós-covid."

Deutsche Welle Brasil, em 23.07.2021

Os espasmos de um governo fraco

Com ameaça, Jair Bolsonaro confirma definhamento político, algo que nenhum arreganho travestido de advertência militar é capaz de reverter

O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, mandou dizer ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que não haverá eleições no ano que vem se não houver voto “auditável”, com comprovante impresso, conforme revelou reportagem do Estado publicada ontem. Quando fez a advertência, Braga Netto estava acompanhado dos chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Não é a primeira vez que o governo de Jair Bolsonaro faz esse tipo de ameaça golpista. O próprio presidente, no dia 8 passado, mesmo dia em que Braga Netto passou seu perigoso recado, declarou: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. Para Jair Bolsonaro, a eleição só será “limpa” se for com o tal voto impresso, que o Congresso tende a rejeitar.

Como se sabe, a defesa do voto “auditável” é pretexto de Bolsonaro para anunciar, com meses de antecipação, que não aceitará o resultado das eleições do próximo ano caso seja derrotado. Ao se envolver nessa ameaça, o ministro Braga Netto, general da reserva, arrasta os militares perigosamente para o centro da crise – e, mais do que nunca, o que se espera é que os comandantes das Forças Armadas, que não são políticos nem devem ter compromisso com este ou aquele governo, devem se esforçar para deixar claro seu respeito pela democracia, diferenciando-se dos liberticidas bolsonaristas.

No entanto, esses mesmos comandantes, dois dias antes da ameaça de Braga Netto, deixaram subentendida a possibilidade de uma ruptura institucional, em uma nota do Ministério da Defesa em repúdio ao presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz, depois que este disse haver um “lado podre nas Forças Armadas envolvido na falcatrua dentro do governo”. Na nota, os comandantes e o ministro da Defesa dizem que as Forças Armadas “não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.

O fato é que os militares da ativa e da reserva hoje no governo pleiteiam o melhor dos dois mundos: querem o bônus do poder sem o ônus do escrutínio democrático. E, com ambições diversas, se deixam usar por Bolsonaro para chantagear os brasileiros, o que é, isso sim, fator de risco à democracia e à liberdade que os militares dizem defender.

Na nota em que pretendeu negar as informações publicadas pelo Estado a respeito de suas ameaças, o ministro Braga Netto reiterou a defesa do tal voto impresso. “Acredito que todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes”, disse Braga Netto na mensagem, sem explicar, no entanto, o que o Ministério da Defesa tem a ver com o sistema de votação.

O fato, incontornável, é que Bolsonaro investe na crise do voto “auditável”, enredando os militares, para tentar esconder a extrema fragilidade de seu governo. Não parece ser por acaso que o atrito protagonizado pelo ministro da Defesa, tendo os comandantes das Forças Armadas como coadjuvantes, tenha ocorrido na semana em que Bolsonaro deu a Casa Civil, centro nervoso do governo, ao líder mais relevante do Centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). Com isso, o Centrão, que já colonizava o governo, passa efetivamente a comandá-lo.

Ao Centrão, que agora dispõe de dedos e anéis, não interessa a crônica baderna bolsonarista, razão pela qual o presidente da Câmara, Arthur Lira, depois de receber o recado ameaçador do ministro Braga Netto, disse a Bolsonaro que continua disposto a apoiá-lo, mas avisou que não dará aval a nenhuma aventura golpista.

No entanto, a natureza de Bolsonaro sempre fala mais alto, e o presidente voltou a dizer que não aceitará o resultado da eleição se for mantido o atual sistema de votação, sugerindo que a Justiça Eleitoral opera fraudes em segredo. “Não posso admitir que meia dúzia de pessoas tenha a chave criptográfica de tudo e, de forma secreta, conte votos numa sala secreta lá no Tribunal Superior Eleitoral”, declarou o presidente à Rádio Banda B, de Curitiba.

Ao reiterar suas ameaças, Bolsonaro apenas confirma seu definhamento político, algo que nenhum arreganho travestido de advertência militar é capaz de reverter.

Editorial de O Estado de São Paulo, edição de 23.07.2021

Bolsonaro joga as últimas cartas

Nessa reta final de governo, o capitão resolveu tentar de tudo para se salvar do cadafalso. Movimenta-se agora em torno de uma nova reforma ministerial que tem por objetivo, basicamente, atender ao “sobrepreço” de pedidos do Centrão para manter o seu apoio, garantindo assim a redentora base de aliados arrivistas na sonhada campanha à reeleição. 

Caiu no colo do capo da camarilha política, Ciro Nogueira — por exigência inegociável do bloco fisiológico, diga-se de passagem —, a cobiçada pasta da Casa Civil, que em outros tempos e enredo abrigou o inefável José Dirceu, espécie de eminência parda petista, de onde mandou e desmandou na tessitura do Mensalão. Nogueira entra na vaga deixada pelo general Luiz Eduardo Ramos, dispensado dos préstimos de ajudante de ordem do psicopata.

Bolsonaro não mede esforços para tratar com rapapés e mesuras os verdadeiros donos do seu destino. Ele está absolutamente refém do Centrão. E sabe disso. Quem diria! Para um mandatário que disputou a eleição prometendo jamais se lambuzar na manteiga rançosa do compadrio, do toma lá, dá cá de postos e verbas, foi bem além. Entregou as cartas uma a uma e, praticamente, a cadeira. 

O presidente hoje se equilibra no cargo por benevolência alheia. Com mais de 130 pedidos de impeachment nas costas — a maior parte repleta de crimes de responsabilidade facilmente comprováveis —, o Messias “mito”, que costuma bravatear valentia alegando que “apenas Deus” lhe tira daquele lugar, parece sempre prestar homenagem aos fiadores de seu poder. As “divindades” das quais depende atendem pelos nomes de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e Augusto Aras, o PGR que lhe presta vassalagem e deve ser reconduzido ao cargo para assegurar, em contrapartida, a tal proteção legal de divina providência. 

Frente aos avanços do Congresso, Bolsonaro encena indignação quando, na verdade, compartilha dos mesmos anseios e planos dos antigos pares. Adorou (embora tenha feito o jogo combinado de mostrar discordância) a aprovação imoral do reajuste do fundão eleitoreiro até os estratosféricos R$ 5,7 bilhões. Era o bode na sala. Agora, após tratativas com seus tutores da bancada de Nogueira, vai vetar o valor e ajustar, um pouco para baixo, contendo, ainda assim, uma remarcação generosa e sem precedentes do bolo, capaz de engordar, e muito, o dinheiro do caixa financiador dos seus planos de vitória nas urnas. 

É o método Bolsonaro de assaltar a verdade e a boa-fé dos eleitores. Posa de paladino. Ventila um aumento populista e indevido do programa assistencial do Bolsa Família e depois sai de redentor de justas causas. Que fique claro a todos: quem encaminhou, articulou e arranjou votos para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com o tal fundão de quase R$ 6 bilhões, foi o próprio governo e, agora, Bolsonaro se faz de desentendido e procura encontrar outros responsáveis pela lambança. 

O jogo de cena é uma rotina ali e nos discursos do mandatário. Vale lembrar: o fundão eleitoral passou de R$ 1,7 bilhão em 2018 para R$ 2,03 bilhões em 2019 até alcançar os inacreditáveis R$ 5,7 bilhões de hoje. Vem aumentando consecutivamente desde que o capitão tomou posse e, buscando terceirizar responsabilidades, na base de encontrar outros culpados e motivos paralelos, ele desce até o nível das desculpas risíveis. O presidente apontou que seus aliados, afoitos apoiadores do reajuste, ao votarem a favor em plenária não leram bem o que estavam aprovando. Dá para engolir? 

Todos os bolsonaristas do PSL, os filhos inclusive — Flávio Bolsonaro, no Senado, e Eduardo Bolsonaro, na Câmara —, votaram unidos pelo fundão. O elenco inteiro enganado ingenuamente? Dá até pena dos coitadinhos. Uma base completa endossando de forma majoritária o projeto, nas duas Casas, e ninguém se atentou para o que estava lá contido. Também pudera! A desculpa vai no mesmo padrão do usado pelo Ministério da Saúde, que alegou não ter gente com inglês suficiente para entender as cláusulas de um contrato e fechar com a rapidez necessária o acordo da compra de vacinas da Pfizer. 

Ao que tudo indica, os representantes do Planalto não sabem ler nem inglês, para acertar importantes acordos, nem em português, para evitar a barbeiragem de gastos indevidos. Talvez fosse melhor cada um deles voltar para os bancos da escola antes de tomarem a frente das decisões de um País. É preciso dar um basta na desfaçatez. O fundão foi uma obra coletiva do time bolsonarista, e mesmo dos opositores, em conluio, para levar adiante a boiada eleitoral. O mandatário esforça-se para criar uma narrativa tortuosa aqui e alhures. 

Da mesma maneira, recorre à lenda de fraudes nos votos, algo sem o menor cabimento ou registro passível de discussão, em 25 anos de funcionamento das urnas eletrônicas. É mais uma falácia para capturar a atenção e tumultuar o processo. No início falava que a eleição na qual ele próprio saiu vitorioso foi fraudada. Desistiu da alegação. Passou a argumentar que Aécio Neves foi o verdadeiro escolhido em 2014, apesar de o próprio tucano ter reconhecido a vitória da opositora Dilma Rousseff e não buscar contestar o resultado. É de dar pena assistir a um mandatário submetido a tamanho grau de insensatez e papel ridículo. Pena do Brasil, por ter um chefe de governo dessa estirpe. Não dele.

José Carlos Marques, o autor deste artigo, é Editor Executivo da Editora Três.

Intimidação monstruosa

Veio a público na última quinta-feira, dia 22, a notícia de que o general Walter Braga Netto, ministro da Defesa, chantageou o Poder Legislativo ao enviar ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, um recado golpista. Por intermédio de um interlocutor político, o general pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022 se não houvesse voto impresso e auditável. Acompanharam o ato os chefes do Exército, Aeronáutica e Marinha. Na própria quinta-feira, Braga Netto desmentiu a história.

É óbvio que o faria, pois se confirmasse que partira dele tal intimidação monstruosa seria indiscutível motivo de prisão — conforme prevê a Constituição, é crime contra a Nação conspirar com olhos no desmonte da democracia. Também a Constituição prevê eleições periódicas pelo sufrágio universal e voto secreto. Ou seja: o ministro estaria conspirando igualmente contra a realização das eleições presidenciais do ano que vem, caso a Câmara não aprovasse o pleito pelo voto impresso, como quer Jair Bolsonaro — que, de forma aventureira, espalha a mentira de que as urnas eletrônicas são vulneráveis à fraude.

Há outro motivo, ainda óbvio, para Braga Netto negar a chantagem: nenhum golpista confirma o golpe que pretende dar, com dia e hora marcados. Existe uma preocupante coincidência de atitudes autoritárias em tudo isso: no mesmo dia em que Braga Netto ameaçou Lira, o seu chefe, o capitão, declarava: “ou fazemos eleições limpas (leia-se voto impresso) no Brasil ou não temos eleições”. Lira procurou o presidente e contou-se sobre o grave recado do ministro. Mais: disse-lhe que não contasse com a Câmera para a promoção de ruptura institucional. Dentro da estratégia neopopulista, Bolsonaro vai em direção à implantação de um regime autoritário, roendo por dentro as instituições e tentando jogar a população contra os Poderes republicanos. Braga Netto é das antigas: valeu-se de métodos no mínimo anacrônicos para ultrapassar todos os limites na afronta à democracia.

Braga Netto tem nostalgia do mais execrável período da vida brasileira, que foi a ditadura militar

Cabe perguntar ao general, como ele imagina proibir as eleições. Cercando a Câmara e apontando tanques de guerra contra ela? Fazendo o mesmo com o Senado, Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral? Prendendo a ministra Rosa Weber, que à época das eleições presidirá essa Corte? Colocando tropas em marcha pela principais avenidas das cidades brasileiras? Mandando deter populares que se oponham ao golpe? Convenhamos, é muita nostalgia do mais execrável período da vida brasileira, que foi a ditadura militar, no qual a lei morreu sob tortura. Não estamos mais em 1964, muito menos em 1968, ano do AI-5.

A monstruosidade da ameaça de impedir a votação por urnas eletrônicas foi desmentida por Braga Netto com muita timidez e demasiada discrição — e isso é estranho porque, quando se fala inverdades sobre militares, eles costumam fazer um banzé ensurdecedor. Pode ser, também, que com a publicidade da notícia, o genral tenha percebido que o tiro saiu pela culatra: o voto impresso está sepultado definitivamente, porque os parlamentares não vão querer passar ao País a imagem de que o aprovaram por puro medo.

Antonio Carlos Prado, o autor deste artigo, é Editor Executivo da ISTOÉ.

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Brasil registra mais 1.412 mortes por covid-19

Número acumulado de mortes passa de 547 mil. Total de casos notificados da doença supera os 19,5 milhões.

O Brasil registrou oficialmente nesta quinta-feira (22/07) 1.412 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 49.757 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções reportadas no país chega a 19.523.711, e os óbitos oficialmente identificados somam 547.016.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 609 mil óbitos, mas têm uma população bem maior. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (34,2 milhões) e Índia (31,3 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 260,3 no Brasil, a 8ª mais alta do mundo, atrás apenas de alguns pequenos países europeus e do Peru.

Ao todo, mais de 192,3 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e foram notificadas 4,1 milhões de mortes associadas à doença, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

O Conass não divulga o número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 18.206.173 pacientes no Brasil haviam se recuperado da doença até quarta-feira.

No entanto, o governo não específica quantos desses recuperados ficaram com sequelas ou outros efeitos de longo prazo. A forma como o governo propagandeia o número de "recuperados" já foi criticada por cientistas, que classificaram o número como enganador ao sugerir que os infectados estão completamente curados da doença após a fase aguda ou alta hospitalar.

Estudos no exterior estimaram que entre 10% e 38% dos infectados sofrem efeitos da "covid longa" meses após o vírus ter deixado o organismo. Um estudo alemão apontou que sequelas podem surgir até mesmo meses depois da fase aguda da doença. Já uma pesquisa da University College London em pacientes de 56 países listou mais de 200 sintomas observados em pacientes com sequelas pós-covid."

Deutsche Welle Brasil, em 22.07.2021

Intimidação golpista de Braga Netto enterra voto impresso no Congresso

O Ministro da Defesa negou que tivesse mandado dizer ao Presidente da Câmara que se não houver voto impresso auditável não haverá eleições no ano que vem. 

O Presidente do TSE, Ministro Luiz Roberto Barroso, diz que conversou com o Ministro da Defesa e que ele negou que tivesse dito o que lhe foi atribuído. 

O Presidente da Câmara, Artur Lira, também desmentiu que tivesse recebido o recado. O jornal O Estado de São Paulo informou que mantém a reportagem.

Barroso: 

          Conversei com o Ministro da Defesa e com o Presidente da Câmara e ambos desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições. Temos uma Constituição em vigor, instituições funcionando, imprensa livre e sociedade consciente e mobilizada em favor da democracia.

Artur Lira:

            A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano.

Braga Neto:

            Nota Oficial (...) O Ministro da Defesa informa que não se comunica com os Presidentes dos Poderes por meio de interlocutores. Trata-se de mais uma desinformação que gera instabilidade entre os Poderes da República. (...)

João Caminoto:

            Diante das diversas reações, considero importante reafirmar na íntegra o teor da reportagem publicada hoje no Estadão sobre os diálogos do ministro da Defesa. O compromisso inabalável do Estadão segue sendo a qualidade jornalística e o respeito ao Estado de Direito.

Analista político do UOL, Leonardo Sakamoto escreveu:

É exatamente de onde não se espera nada de bom é que não vem nada mesmo. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, recebeu um recado do ministro da Defesa, general Braga Netto, no dia 8 de julho, de que se não houver voto impresso e auditável, não haverá eleição em 2022. Ele estaria acompanhado dos comandantes das Forças Armadas. A mensagem foi a mesma repetida abertamente e à exaustão por Jair Bolsonaro.

O golpismo foi revelado por reportagem de Andreza Matais e Vera Rosa, no jornal O Estado de São Paulo, nesta quinta (22).

A urna eletrônica já é auditável e o general sabe disso. A pressão criminosa sobre o parlamento pela aprovação da impressão do voto teria o objetivo de pavimentar a estratégia do presidente da República para tumultuar as eleições do ano que vem em caso de derrota, o que abriria caminho para um golpe de Estado.

Assim, ele teria sucesso naquilo em que Donald Trump fracassou. Lembrando que, por lá, revelações recentes mostraram que o comando militar norte-americano deixou claro que não embarcaria em golpismo eleitoral.

Se os envolvidos confirmarem a denúncia, Braga Netto terá demonstrado ser o mais bolsonarista dos ministros. Pois a facilidade com a qual trata de golpe de Estado, ameaça um dos Poderes da República e faz silêncio diante do envolvimento de militares no escândalo de corrupção da compra de vacinas significaria que o general compartilha integralmente dos mesmos valores distorcidos do seu chefe, o capitão reformado.

Vale lembrar que Braga Netto e os três comandantes das Forças Armadas já haviam ameaçado, através de uma nota, o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), quando este afirmou que "membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo" e que os honestos devem estar muito envergonhados.

Mais do que uma demonstração de indignação boba, uma vez que toda categoria de servidores tem sua banda podre, era uma tentativa de auto-preservação. Como também é esse tipo de ameaça às eleições, ainda mais no momento em que a CPI indica uma tropa de coronéis e um general citados nas denúncias de cambalachos.

Curiosamente, no documento que tentou emparedar Aziz e o Senado, o ministro da Defesa não escreveu uma linha sequer de repúdio à corrupção, mostrando que isso não estava em sua lista de prioridades.

E, vale lembrar, que tentar tirar um cascalho da saúde pública, superfaturando preços e cobrando propinas é uma falcatrua terrível. Mas destruir a democracia é uma falcatrua ainda pior.

Esse tipo de comportamento é exatamente aquilo que Bolsonaro esperava de Braga Netto ao coloca-lo no lugar do general Fernando Azevedo e Silva à frente do ministério da Defesa em março deste ano. Desejava alguém que saísse em seu auxílio e em oposição a quem o fiscaliza e o investiga, mesmo que isso signifique um atentado à Constituição. Mostraria, portanto, que o presidente acertou ao indicar alguém à sua imagem e semelhança no cargo.

Ironicamente, a declaração golpista vem à tona num momento em que militares perdem espaço no centro do poder, com a retirada do general Luiz Eduardo Ramos da Casa Civil (posto que já foi ocupado por Braga Netto), substituído por um dos líderes do centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). A mudança enterrou de vez a cantoria do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que, na campanha eleitoral de 2018, parodiou Bezerra da Silva: "Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão".

A revelação também deve enterrar as pretensões de aprovar a impressão de voto a tempo de ser usado nas eleições de 2022, independentemente do que digam os envolvidos.

A pauta já tinha sido quase arquivada no último dia antes do recesso parlamentar, após um grupo de 11 partidos políticos fecharem questão contra a proposta.

Os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, conversaram com os parlamentares sobre os riscos do projeto, o que enfureceu Bolsonaro. Desde então, ele vem xingando Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em público.

Agora, com a repercussão negativa de um ministro da Defesa colocando uma faca no pescoço do presidente da Câmara, que também é um dos líderes do centrão, é que a pauta deve virar fumaça.

Mesmo sendo sócio de Bolsonaro, o centrão sabe que a aprovação da medida significaria sua submissão aos militares. Seja por respeito à Constituição ou pela disputa de espaço de poder dentro do governo, a medida deve ser engavetada.

Bolsonaro terá que encontrar outra forma de dar um golpe nas eleições do ano que vem. Criatividade e recursos não faltam a ele. E aliados. Menos nas Forças Armadas e mais nas polícias estaduais.

No mesmo tema, Thaís Oyama:

Arthur Lira, diz O Globo, negou ter recebido um recado do ministro Braga Netto dizendo que sem voto impresso não haverá eleições em 2022, conforme revelou reportagem do Estadão de hoje. O próprio Braga Netto disse ser a apuração do jornal "uma invenção".

Tenha ou não o presidente da Câmara recebido a mensagem de Braga Netto, e admitindo ou não o ministro da Defesa as suas convicções, o fato é que não apenas o general apoia a ameaça de Jair Bolsonaro de impedir a realização da eleição presidencial caso não se implemente o voto impresso no Brasil — também os três comandantes das Forças estão alinhados com a determinação do presidente da República.

Os chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica — general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, o almirante de esquadra Almir Garnier e o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior— escoram esse apoio em dois argumentos, um pronto para consumo público e outro restrito às conversas militares privadas.

O argumento público é de que ao condicionar a realização das eleições à criação do voto impresso, as Forças Armadas não estariam se alinhando ideologicamente com Bolsonaro, mas sim, se empenhando em evitar um "grave conflito social" que poderá advir de uma eleição que tenha sua lisura questionada.

"Queremos eleições com resultados justos e verificáveis. Se isso não ocorrer, haverá confusão e a confusão cairá no colo dos militares", afirma um integrante da cúpula das Forças Armadas.

Em privado, porém, a conversa é outra —e ela cita explicitamente o ex-presidente Lula. Diz esse integrante da cúpula das Forças: "O sentimento dos militares — incluindo o dos três comandantes— é de que não irão conseguir fazer Lula subir a rampa do Palácio do Planalto de qualquer jeito". O petista é execrado por nove entre dez generais do Exército, com igual rejeição na Marinha e Aeronáutica.

À afirmação de que a mensagem de Braga Netto revelada pelo Estadão configuraria não um "alerta", mas um crime e uma ameaça institucional, a fonte militar responde apenas: "Cada um que entenda como quiser".

No último dia 8, Bolsonaro afirmou que não haverá eleições em 2022 se o Brasil não adotar o voto impresso. "As eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições". Ao contrário do que insinuou o presidente sem fundamentar sua afirmação, nunca houve fraude comprovada nas eleições brasileiras desde a adoção das urnas eletrônicas.

E Reinaldo Azevedo, também no UOL, assim:

Jair Bolsonaro arrendou o governo para o PP na esperança de continuar ao menos como síndico incompetente do edifício. Em vez de apostar no "esquema militar" de Braga Netto, vociferando ameaças golpistas, preferiu o esquema de Arthur Lira e Ciro Nogueira, numa costura feita por Fábio Faria, o crescentemente ambicioso ministro das Comunicações. Bolsonaro está de olho na reeleição? O presidente, por ora, fez um seguro para não cair. O governo acabou. Começou a gestão Ciro Nogueira-Arthur Lira. Ah, sim: como se nota, não vai mesmo ter golpe. Diria até que o centrão golpeou os generais...

A trapalhada do Fundo Eleitoral ameaçou trincar o condomínio. O governo participou de cada etapa da negociação que resultou nos estimados R$ 5,7 bilhões, logo tomados como escândalo por setores consideráveis da opinião pública. E, ora vejam!, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) saiu atirando para fazer embaixadinha para seus fanáticos. O próprio presidente veio em seguida, colocando na mira o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara, que reagiu com dureza.

Bolsonaro tonitruou: "Vou vetar". E vai. Para negociar depois, quando o assunto der uma esfriada. Mas muita gente passou a se ver como bucha de canhão de um governo hoje moribundo. Na Presidência da Câmara, Lira mata no peito os pedidos de impeachment. O prêmio ainda compensa o desgaste. Até porque é o senhor do orçamento secreto. Mas é preciso ter mais a distribuir para uma base que tem de sustentar um governo impopular.

E então Faria — que está se mudando de mala, cuia e grandes ambições para o PP — costurou a união com o partido. Silvio Santos, seu sogro, tinha um quadro em seu programa dominical chamado "Em Nome do Amor". O ponto alto se dava quando o apresentador perguntava aos casais que se formavam ao longo da atração: "É namoro ou amizade?". No caso do PP, estamos assistindo a um casamento. Que será eterno enquanto durar.

Ao assumir a Casa Civil — com o general Luiz Eduardo Ramos sendo escanteado para a Secretaria-Geral —, o senador Ciro Nogueira (PI), que preside a sigla, leva bem mais do que a chave do cofre e uma lista imensa de cargos. Há uma boa possibilidade de o próprio Bolsonaro migrar para legenda. Ainda que não aconteça, é certo que o partido se torna o principal polo de negociação da candidatura à reeleição. Até porque Faria cuida hoje da sua postulação ao posto de vice na chapa. Bolsonaro até pode escolher uma outra sigla para facilitar composições, mas é certo que a agremiação comandada por Nogueira e Lira se torna o eixo do governo e do projeto reeleitoral.

Quem sabe, nas suas noites insones, decida o presidente passear pela biblioteca do Alvorada. Levado pelo acaso, topa com um volume de poemas de Fernando Pessoa. Abrindo-o ao acaso, dá de cara com o poema "O das Quinas". E lê então: "Os deuses vendem quando dão/ Compra-se a glória com desgraça". Matutando um pouco, acaba por concluir: "O centrão é como os deuses disso daí: vende quando dá". E um desassossego inútil vai lhe tomar a alma porque não há o que fazer. Afinal, nada assegura que terá a glória. Quanto ao resto...

Por óbvio, nunca caí na conversa de um Bolsonaro liberal, reformador, moralizador ou qualquer outra característica que possa, sob certo ponto de vista, ser considerada virtuosa. Mas muita gente acreditou. Mesmo os fanáticos que ficariam a seu lado ainda que o vissem roubando pirulito de criança — e se fez um pouco mais do que isso no Ministério da Saúde — apelam à estridência moral para arrotar a superioridade do governo que apoiam.

O ataque ao centrão e à tal velha política foi um dos motes da campanha bolsonarista. Como esquecer o general Augusto Heleno a cantar na convenção do PSL: "Se gritar pega centrão, não fica um..." Pois é. Ele e outros generais passam agora a dividir o governo com aqueles que tanto demonizavam. O bolsonarismo mais extremado — aquelas parcelas que se deixam seduzir pelas milícias digitais — arrumará, é certo, uma desculpa. Mas Bolsonaro perde a aura de líder alheio aos arranjos de Brasília. Sempre foi uma bobagem. Mas o discurso mobilizava uma parcela considerável da opinião pública.

O centrão vende apoio, não dá. E Bolsonaro terá de pagar. O PP passa a ter o controle político do governo. Nogueira é uma pessoal hábil, com trânsito no Parlamento. Há pouco mais de três anos, dizia que Bolsonaro era um fascista desocupado e sem projeto. E Lula, então, era, a seu juízo, o maior presidente da história. Agora, terá de comandar, em parceria com Lira e Faria, a nau da insensatez e de tentar tornar viável o projeto da reeleição. E se não ser? Bem, lembrem-se de que ele achava Lula etc...

Sobrando um tantinho de bom senso a Bolsonaro, ele diminui a exposição, para de criar crispações inúteis, põe fim aos discursos golpistas, abandona o negacionismo ensandecido e se fixa na aposta de que a retomada da economia será percebida pelos mais pobres não apenas na forma de inflação de alimentos, como acontece hoje. Há ainda a reformulação do Bolsa Família. Os atuais R$ 35 bilhões se transformarão em R$ 53 bilhões no ano que vem. Há quem aposte que isso muda o humor de parte do eleitorado. A ver.

De todo modo, há algo a saudar, não é? Como sabem, eu nunca temi a possibilidade de um golpe — temo a degeneração permanente, esta sim. Creio que, agora, os receios se dissipem de vez. Já imaginaram uma quartelada para garantir o poder ao centrão? Em certa medida, é preciso admitir, o centrão é que deu um golpe nos generais.

Vai cantar o quê, agora, general Heleno?

PS - E que se note: o centrão é um aglomerado. Há particularidades por ali. O PP terá todos os instrumentos para sossegar a turma. Mas dará trabalho.

CPI alcança militares em compras suspeitas de vacinas

Comissão foca em contratos da gestão Pazuello e arrasta Forças Armadas para o centro das investigações

       Omar Aziz (sentado), presidente da CPI da Covid; Randolfe Rodrigues, vice (esq.); e o relator Renan Calheiros Foto: Edilson Rodrigues/Ag. Senado

As investigações da CPI da Covid do Senado Federal arrastaram os militares do governo de Jair Bolsonaro para o centro das suspeitas de corrupção envolvendo a compra de vacinas contra o novo coronavírus e a má condução da pandemia.

Dos sete núcleos de investigação em funcionamento na CPI, pelo menos três – justamente os de maior potencial explosivo – estão apurando fatos diretamente ligados à atuação de militares, principalmente durante a gestão do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. 

As digitais dos militares estão presentes na tentativa da empresa Precisa Medicamentos de vender doses da vacina indiana Covaxin ao Ministério da Saúde, no fim de 2020. A negociação é a principal linha de apuração da CPI. 

Também há a participação de pessoas oriundas da caserna na suposta negociação de 400 milhões de doses do imunizante do laboratório britânico AstraZeneca pela empresa americana Davati, representada no Brasil pelo cabo da PM Luiz Paulo Dominghetti Pereira.

Finalmente, o Laboratório do Exército produziu, a mando do governo federal, o super estoque de cloroquina, um medicamento antimalárico sem ação contra a covid-19. Esta é mais uma linha de investigação.

A apuração desses três casos está avançando durante o recesso do Congresso, que vai até o começo de agosto. Ao menos sete militares já foram citados pela CPI da Covid em casos de suspeitas de irregularidades durante o período em que comandaram o Ministério da Saúde, durante a gestão Pazuello, general da ativa do Exército. Ele comandou o ministério de maio de 2020 a março de 2021, durante alguns dos piores momentos da pandemia.

As citações a militares resultaram num atrito entre a caserna e a CPI – a tensão culminou com uma nota pública assinada pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica criticando o presidente do colegiado, o senador Omar Aziz (PSD-AM). 

Na volta do recesso da comissão, mais altercações estão contratadas: o colegiado quer ouvir o ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto. O colegiado quebrou o sigilo dos e-mails do general.

Requerimentos

 Há dois requerimentos para convocação de Braga Netto. Um foi motivado pela reunião realizada no Planalto que chegou a tratar de uma proposta de mudar a bula da hidroxicloroquina para que ela pudesse ser recomendada contra a covid. O remédio não funciona contra a doença.

Outro requerimento busca detalhar o papel do general à frente do Comitê de Crise montado para traçar planos para conter o avanço do vírus. O trabalho desse núcleo é criticado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que faz auditorias na governança do trabalho.

A ofensiva sobre militares marca uma mudança da cúpula da CPI. No início dos trabalhos, o relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL–, buscava reforçar que Braga Netto não estava entre os alvos. Agora, o alagoano quer interrogar o general.

André Shalders e Vinícius Valfré, O Estado de S.Paulo, em 22 de julho de 2021 | 05h00

Ministro da Defesa faz ameaça e condiciona eleições de 2022 ao voto impresso

General Braga Netto usa interlocutor político para duro recado: sem ‘voto auditável’, disposição das Forças é que pleito não seja realizado       

Nomeado após pedido de demissão dos três comandantes das Forças Armadas e do então chefe da pasta, ministro da Defesa, general Braga Netto, comandava a Casa Civil. Foto: Dida Sampaio/Estadão

No último dia 8, uma quinta-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), recebeu um duro recado do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, por meio de um importante interlocutor político. O general pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022, se não houvesse voto impresso e auditável. Ao dar o aviso, o ministro estava acompanhado de chefes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

O presidente Jair Bolsonaro repetiu publicamente a ameaça de Braga Netto no mesmo 8 de julho. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, afirmou Bolsonaro a apoiadores, naquela data, na entrada do Palácio da Alvorada.

‘Eu não sabia. Fui atropelado por um trem’, diz general Ramos sobre demissão

A portas fechadas, Lira disse a um seleto grupo que via aquele momento com muita preocupação porque a situação era “gravíssima”. Diante da possibilidade de o Congresso rejeitar a proposta de emenda à Constituição que prevê o voto impresso – ainda hoje em tramitação numa Comissão Especial da Câmara –, Bolsonaro subia cada vez mais o tom. 

Em transmissão ao vivo nas redes sociais, no dia 6 de maio, o presidente já dizia, sem apresentar provas, que o atual sistema de urna eletrônica permite fraude. “Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Não vou nem falar mais nada. (...) Se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter a eleição. Acho que o recado está dado”, afirmou Bolsonaro. O que não se sabia, àquela altura, é que o presidente contava com o apoio da cúpula militar para suas investidas autoritárias.

Lira considerou o recado dado por Braga Netto como uma ameaça de golpe e procurou Bolsonaro. Teve uma longa conversa com ele, no Palácio da Alvorada. De acordo com relatos obtidos pelo Estadão, o presidente da Câmara disse ao chefe do Executivo que não contasse com ele para qualquer ato de ruptura institucional. Líder do Centrão, bloco que dá sustentação ao governo no Congresso, Lira assegurou que iria com Bolsonaro até o fim, com ou sem crise política, mesmo se fosse para perder a eleição, mas não admitiria golpe.

Bolsonaro respondeu que nunca havia defendido um golpe. Afirmou, ainda, que respeitava “as quatro linhas da Constituição”, como sempre costuma dizer em público. Lira rebateu, observou que o emissário havia sido muito claro ao dar o alerta e avisou o presidente de que a Câmara não embarcaria em nada que significasse rompimento com a democracia.

Sigilo

O recado dos militares e a reação de Lira são de conhecimento de um restrito grupo da política e do Judiciário com quem o Estadão conversou nas últimas duas semanas. Pela delicadeza do tema, todos pediram para manter os relatos sob sigilo. Desde segunda-feira o Estadão vem procurando o Ministério da Defesa, mas não obteve respostas para os questionamentos.

“A conversa que eu soube é que o ministro da Defesa disse a um dirigente de partido: ‘A quem interessar, diga que, se não tiver eleição auditável, não terá eleição’. Teve um momento de muita tensão. Não foi brincadeira, não”, descreveu um dos envolvidos no assunto, sob a condição de anonimato. 

Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) a par dos diálogos avaliou que o comando militar procurou repetir agora o episódio protagonizado pelo então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, que, em post com 239 caracteres publicado no Twitter no dia 3 de abril de 2018, tentou constranger a Corte para que não fosse concedido um habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No dia do julgamento que poderia pôr o petista em liberdade, Villas Bôas escreveu nas redes sociais que o Exército brasileiro julgava compartilhar “o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade” e se mantinha “atento às suas missões institucionais”. O Supremo manteve Lula preso. De volta à arena política, o petista é hoje o principal adversário de Bolsonaro para as eleições de 2022.

“Os militares estão tentando fazer uma ameaça, mas, no fundo, ninguém está com medo deles. O Arthur (Lira) passou um recado duro. Disse que é parceiro até para perder eleição, mas não para aventura, para ruptura”, confidenciou um magistrado. Para ministros do Supremo, a ameaça de golpe não passa de um blefe para tentar evitar a investigação de militares pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.

Comissão

Na prática, a escalada da crise política que culminou com a ameaça dos militares foi motivada por um episódio. Na última semana de junho, os ministros do Supremo Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes haviam se reunido com dirigentes de 11 partidos. As conversas reverteram a tendência de aprovação do voto impresso na Câmara.

Os encontros ocorreram após o Estadão publicar uma enquete mostrando que, ao contrário do que se imaginava, a proposta do voto impresso seria aprovada pela Comissão Especial que analisa o tema. A influência dos ministros nessa reviravolta partidária fez Bolsonaro partir para o ataque contra Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), chamado por ele de “imbecil” e “idiota”.

Além disso, ao mesmo tempo em que o principal projeto de Bolsonaro para obter o segundo mandato era desmontado, a CPI da Covid enveredou por um caminho que apura o possível envolvimento de um núcleo fardado em esquemas de corrupção nas negociações para compra de vacinas pelo Ministério da Saúde. O movimento de apontar o dedo para os militares foi reforçado pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), para quem as Forças Armadas têm um “lado podre”. 

A resposta veio no dia 7 de julho, 24 horas antes da ameaça feita por Braga Netto. “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano”, dizia nota assinada pelo ministro e pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em repúdio a Aziz. Foi também naquele dia que Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde e ex-sargento da Aeronáutica, foi preso pela CPI. Os senadores agora querem convocar Braga Netto, após o recesso parlamentar, para explicar a nota à comissão.

Não foi à toa que Lira fez uma série de posts nas redes sociais em defesa da democracia. Sabe-se agora que foi sua forma de registrar o que havia afirmado para Bolsonaro. Foi também nesse contexto que o tema semipresidencialismo entrou de vez na agenda da Câmara. Lira conversou com o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) e pediu que ele acelerasse a coleta de assinaturas para a emenda que pode instituir o novo sistema de governo no País. Para tramitar, a proposta precisa de 171 assinaturas. Adotado em países como França e Portugal, o modelo tira poderes do presidente.

Afinidade

Braga Netto assumiu a Defesa após Bolsonaro demitir o ministro Fernando Azevedo e Silva, e toda a cúpula militar, na esteira da tentativa de politização das Forças Armadas. À saída, Azevedo disse em nota que as Forças não compartilhavam com atitudes inconstitucionais. 

Foi a afinidade entre Bolsonaro e Braga Netto que levou o general para a Defesa. Antes, ele comandava a Casa Civil. Seu sucessor e padrinho de indicação, general Luiz Eduardo Ramos – hoje de saída da pasta – tem defendido publicamente o voto auditável para dar “mais transparência à eleição e fortalecer a democracia”.

O comandante da Aeronáutica também. No último dia 7, o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior curtiu um post no qual um internauta pedia intervenção das Forças Armadas para aprovar esse sistema. “Comandante, obrigado pelo canal de comunicação. Precisamos do voto impresso auditável. Vocês precisam impor o voto auditável”, dizia a mensagem.

Andreza Matais e Vera Rosa, O Estado de S.Paulo, em 22 de julho de 2021 | 05h00

A pena de morte política para Bolsonaro

Hoje o presidente é acusado até de genocídio por seu comportamento na pandemia. Ele ou quem o aconselha poderia ter entendido que transformar seus ataques de soluço em moeda eleitoral poderia se tornar um bumerangue contra ele.

Presidente Jair Bolsonaro conversa com jornalistas após receber alta médica, alguns dias depois de ter dado entrada no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo (Brasil), com uma obstrução intestinal. (Crédito: Sebastião Moreira / EFE)

Nos últimos dias, quando o presidente Jair Bolsonaro foi internado com urgência por problemas intestinais, logo houve quem desejasse sua morte, lembrando que hoje ele é acusado de ser responsável por muitas vidas perdidas com sua política negacionista e desastrosa da pandemia.

É uma questão delicada e pessoal desejar a morte de um semelhante, por muitos que sejam os crimes que pesem sobre sua consciência. A pena de morte foi abolida na maior parte dos países civilizados, entre eles o Brasil, porque se considera que a vida deve prevalecer sobre a morte.

A Igreja Católica manteve a pena de morte no pequeno Estado do Vaticano até 1929. Foi abolida pelo papa Paulo VI em 1971, depois do Concílio Vaticano II, e só em 2001 foi excluída definitivamente das leis do Vaticano.

Estima-se que durante a Idade Média, principalmente durante a Inquisição, foram condenadas à morte pela Igreja 1.250 pessoas, segundo o historiador Andrea Del Col. São Tomás de Aquino, Doutor Universal da Igreja, defendia que se pudesse assassinar o tirano, pelo bem da comunidade.

Que Bolsonaro é a favor da tortura e da pena morte, é evidente para todos. Ainda hoje ele lamenta que a ditadura militar não tenha assassinado pelo menos mais 30.000 pessoas. Sua política está impregnada de destruição e morte.

Se hoje a abolição da pena de morte é considerada uma conquista civilizatória, o que não deve ser proibido é o desejo da morte política dos tiranos e ditadores que ameaçam a democracia e os valores fundamentais nos quais se baseia nossa civilização moderna. Eles devem ser condenados nas urnas, essas que o presidente tanto teme.

No Brasil, está claro que o presidente Bolsonaro atenta contra os valores da liberdade e da democracia, como bem revelou o trabalho investigativo “O método Bolsonaro: um assalto à democracia em câmera lenta”, realizado por sete jornalistas deste jornal e publicado no domingo. O estudo revela como o presidente vai minando dia a dia os fundamentos da democracia conquistada com tanto esforço após a ditadura militar.

Nestes casos em que um político coloca em perigo os valores da liberdade e ameaça todos os dias com um golpe militar, desejar sua morte política está mais do que justificado e é até um dever para aqueles que não renunciam a viver em liberdade.

O cenário montado em torno da hospitalização de Bolsonaro em São Paulo por seus problemas de soluço acabou se voltando contra ele. Ficou evidente que se destinou a fortalecer a campanha eleitoral, repetindo a instrumentalização feita com o atentado contra ele durante a campanha que o levou a poder em 2018. Desta vez, a campanha de mau gosto foi um tiro no pé, porque não só não despertou um movimento de compaixão, como também foi objeto de zombarias e piadas de todos os tons.

Segundo as primeiras sondagens, essa instrumentalização serviu, na verdade, para piorar seu declínio político. As redes sociais se divertiram muito produzindo memes e comentários jocosos sobre a montagem armada no hospital de luxo que o acolheu. Houve até comentários sangrentos lembrando que o presidente não só não se comoveu durante a pandemia que já ceifou mais de meio milhão de vidas, como também chegou a imitar o estertor dos doentes que estavam morrendo asfixiados em Manaus por falta de oxigênio, enquanto hoje está sendo descoberta uma suposta rede de corrupção dentro do Ministério da Saúde, à custa dos falecidos.

Desta vez, esse cenário no hospital de luxo de São Paulo foi visto e vivido pela maioria das pessoas mais como um espetáculo de marketing eleitoral do que com compaixão. Nem a entrevista que o presidente concedeu no hospital a uma TV amiga emocionou, obtendo pouca audiência.

Se sua operação após o atentado sofrido durante a campanha presidencial chegou a comover muitas pessoas, que acabaram votando nele por compaixão, e até o transformou em mito, desta vez o espetáculo, além de não convencer, foi objeto de comédia.

Aqueles que aconselham o presidente a fazer esses shows com suas doenças para despertar compaixão e empatia se equivocaram desta vez. Se o objetivo era criar uma vitimização para recuperar o consenso que está se perdendo, eles se enganaram. E o problema é que a partir de agora esse tipo de marketing eleitoral que apela para os sentimentos de compaixão das pessoas começou a se desfazer.

Hoje Bolsonaro é acusado até de genocídio por seu comportamento na pandemia. O presidente ou quem o aconselha poderia ter entendido que transformar seus ataques de soluço em moeda eleitoral, movendo sentimentos de compaixão, poderia se tornar um bumerangue contra ele.

O que fizeram, efetivamente, foi transformar seu mal-estar em chacota. Todos sabemos que a publicidade é hoje a alma do comércio, e até na política os bons marqueteiros são pagos a preço de ouro. Mas quando se tenta fazer essa publicidade explorando a dor e o sofrimento, ela acaba sendo contraproducente.

As pessoas, até as mais simples e sem cultura, podem ser enganadas uma vez, mas não duas. Essa publicidade fracassada das dores abdominais do presidente demonstraram isso. Que seus conselheiros publicitários estejam atentos, sejam seus filhos ou profissionais, porque as pessoas são mais inteligente do que imaginamos e sabem distinguir muito bem um drama verdadeiro de uma pura manobra para tentar ressuscitar o consenso político perdido.

Os brasileiros que sofreram e continuam sofrendo na pandemia as perdas de seus entes queridos dificilmente poderiam, neste momento, comover-se e chorar por ver o presidente padecer uma dor intestinal. E, como se sabe, quando a opinião pública se vê enganada e ludibriada uma vez, é difícil recuperar a confiança perdida.

As próximas manifestações nacionais marcadas para sábado poderão ser um termômetro para medir se roda essa montagem publicitária em torno da nova doença do presidente, que ele disse e repetiu até o cansaço que era consequência da facada recebida de um suposto “filiado ao PSOL, braço esquerdo do PT”, serviu para aumentar ou diminuir o já clássico “Fora Bolsonaro”, que equivale a lhe desejar a pena de morte “política” para que o Brasil possa recuperar sua normalidade democrática, cada dia mais ameaçada por um presidente que insiste em aparecer como um mito e um messias enviado por Deus.

Os mitos, porém, acabam, as mentiras são descobertas, os valores triunfam no final sobre as farsas, e os instintos de vida e anseios de liberdade acabam prevalecendo, cedo ou tarde, contra as fúrias assassinas dos tiranos.

Juan Arias, o autor deste artigo, é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado por EL PAÍS, em 19 JUL 2021

Guerra política na igreja da paz: a perseguição ao padre Lino por criticar Bolsonaro em missa

Padre Lino Allegri, 82 anos, foi ameaçado e hostilizado por fiéis bolsonaristas, entre eles militares reformados, ao lamentar gestão da pandemia. Teve que parar de rezar missas na igreja de Fortaleza e pediu ajuda ao programa estadual de proteção a defensores dos direitos humanos


Padre Lino Allegri durante entrevista em uma casa paroquial de Fortaleza. (Crédito da foto: Fernanda Siebra)

São 8h da manhã de domingo, 18 de julho. Do lado de dentro da Paróquia da Paz ―uma igreja católica instalada no coração de uma ilha bolsonarista de Fortaleza―, os bancos de madeira vão sendo ocupados por pessoas vestindo camisas verde-amarelas, algumas delas com o nome do presidente Jair Bolsonaro estampado nas costas. O dress code pouco usual para uma celebração religiosa e divulgado em vários vídeos nas redes sociais tinha uma razão: mostrar a articulação de um grupo de aproximadamente 20 pessoas, formado majoritariamente por militares reformados e empresários, contra o credo progressista do padre italiano Lino Allegri, de 82 anos, que algumas vezes por mês celebra missas naquela paróquia.

Adepto da Teologia da Libertação e leal à visão de que é papel da igreja adaptar o Evangelho à realidade atual em defesa dos pobres, Allegri viu formar-se contra si uma espécie de patrulha aos seus sermões depois de fazer críticas, no início do mês, ao descaso de Bolsonaro na crise sanitária e dizer que o presidente também tem responsabilidade pelos mais de 544.000 mortos registrados no país. O grupo, apelidado pejorativamente pelos outros frequentadores de “pijamas patriotas”, achou que a missa daquele domingo seria celebrada por Allegri e compareceu em peso. Todos prontos para reagir caso ele voltasse a criticar o Governo. Do lado de fora, policiais militares vigiavam para evitar que a situação saísse do controle.

Mas Allegri não celebrou a missa na Igreja da Paz naquele dia por “orientação” de seus superiores, que argumentavam questões de segurança. O padre acatou. Já havia sido intimidado logo que acabou a missa de 4 de julho, o fatídico dia em que fez críticas à política bolsonarista frente a uma das maiores tragédias sanitárias do país. O culto transcorreu normalmente, mas após a missa um grupo de cerca de oito pessoas entrou na sacristia aos gritos. “O senhor deveria rezar pelo presidente, que é um exemplo de cristão”, ouviu. Tentou dialogar sobre o que significava ser um bom cristão, sem sucesso. “O senhor deveria voltar para a Itália. Nós não precisamos do senhor aqui”, bradou outro fiel bolsonarista, segundo fontes ouvidas pelo EL PAÍS.

Na missa do domingo seguinte, uma nota da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outra de várias entidades foram lidas em solidariedade ao padre Lino Allegri, que não estava presente. Uma das entidades apoiadoras era o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Foi o suficiente para que um coronel reformado do Exército levantasse e desse gritos em protesto. “Este padre transformou o altar em um palanque político”, bradou. Acabou deixando a igreja após alguns fiéis gritarem “respeito”. O militar passou então a organizar, com outros bolsonaristas, uma presença massiva à igreja em protesto ao que considera “comunismo”. No último domingo, 18, eles comemoravam o sucesso do boicote em áudios que circulavam pelo Whatsapp. “Estava cheio de general, coronel, foram tudo de verde-amarelo. Não apareceu um dos vermelhos. Os padres pediram arrego, perdão. ʽAqui é pra rezarʼ... Já afastaram o padre lá. (...) Foi uma beleza a missa com a nossa presença”, diz um integrante do grupo. “Botamos os comunistas pra correr”, emenda no mesmo áudio. Allegri diz que cancelou uma celebração após ser aconselhado por superiores, mas espera voltar para a Igreja da Paz em breve.

“Foi uma intimidação”, define o padre italiano em entrevista ao EL PAÍS, com uma voz tão baixa quanto assertiva. “O presidente criou uma situação de antagonismo e ódio”, acrescenta ele, que teme que a situação piore com as eleições do ano que vem. Há semanas ele sofre ameaças e xingamentos pelo Whatsapp e pelas redes sociais. O vocabulário usado contra ele e o padre Oliveira Braga Rodrigues ―pároco oficial da Igreja da Paz, que passou a sofrer represálias por lhe dar espaço― é vasto: “comunista safado”, “picareta”, “imbecil”, “desagregador”, “comunista com a batina de padre” e por aí vai. Em alguns áudios, militantes bolsonaristas afirmam que a polícia destacada pelo governador petista Camilo Santana “será pouca” para o que preparam, sem dar detalhes. Santana mandou instaurar um inquérito para apurar as ameaças à segurança do padre.

“A tolerância precisa ser recíproca, mas eles não querem dialogar. Me chamam de comunista e esquerdista. Essas palavras não me ofendem”, diz Allegri. Ele não minimiza a gravidade da intolerância política que nos últimos anos vem ganhando mais espaço nas igrejas. Instado pela Defensoria Pública, aceitou se inscrever no programa estadual de proteção aos defensores de direitos humanos por precaução. Mesmo assim, o padre diz que ainda não perdeu o sono pela patrulha dos autointitulados patriotas.

Embates com grileiros e ameaças de morte na ditadura militar

A trajetória de mais de meio século no sacerdócio ajuda a entender a postura do italiano. Filho de operários, Lino Allegri foi ordenado padre na Itália em 1965. Tentou atuar em seu país como padre-operário, um missionário que atua em ambientes de trabalhadores, mas recebeu negativa de seus superiores na igreja. “Naquele tempo eu era bastante obediente”, ri. Poucos anos depois, na década de 1970, conseguiu ser enviado ao Brasil. Movido por uma forma diferente de viver a religião e ancorado nos resultados do Concílio Vaticano II ―uma série de conferências realizadas entre 1962 e 1965 para modernizar o catolicismo―, Allegri queria mergulhar na vertente da igreja latinoamericana cuja missão extrapola os muros dos templos, pois parte da premissa de que o Evangelho exige a opção preferencial pelos pobres.

Chegou ao país em plena ditadura militar, durante o duro Governo Médici (1969-1974), quando padres considerados subversivos eram presos e reprimidos. Mesmo assim, sempre direcionou sua atuação religiosa para além das paredes da igreja. Trabalhou na Paraíba com comunidades de base, braço da igreja que atua em locais mais pobres. Depois, já no interior da Bahia, viu-se no centro das ameaças de grileiros e fazendeiros a agricultores que lutavam pelo direito à terra. Recebia tantas ameaças de morte ao apoiar os mais pobres que precisou buscar o Ministério da Justiça por proteção. “Eu sabia que não era brincadeira”, diz.

Padre Lino Allegri foi hostilizado por militares e empresários bolsonaristas em igreja de Fortaleza, no Ceará. (Crédito da foto: Fernanda Siebra)

Somente nos anos 1990, Allegri seguiu em missão para Fortaleza, onde abraçou trabalhos sociais especialmente nas comunidades carentes, com apoio a menores em vulnerabilidade e à população em situação de rua. Coordena atualmente a Pastoral do Povo da Rua e, já aposentado, tornou-se também padre auxiliar da Paróquia da Paz, onde faz celebrações pontuais e agendadas a cada início do mês. Seu interesse é trabalhar nas “ilhas de pobreza” como as comunidades das Quadras e Trilhos do Senhor, que resistem na “área nobre” da capital cearense. “Não queria ser pároco nem vigário. Sempre trabalhei nas pastorais sociais”, conta.

Um sacerdote progressista na ilha do bolsonarismo

Seu perfil progressista, porém, pode soar como um contraste ao perfil conservador e elitista da comunidade que cerca aquela igreja, localizada no bairro de maior IDH (índice de desenvolvimento humano) e com um dos mais caros metros quadrados de Fortaleza, o Meireles. A Igreja da Paz também está a poucos metros do maior palco da direita e da ultradireita fortalezense: a Praça Portugal. É lá que bolsonaristas costumam se reunir para protestar. Já houve manifestações em favor do presidente, contra o Supremo e o Congresso e até em prol da ditadura militar. Curiosamente, o bairro da igreja está na 3ª Zona Eleitoral, a única da capital cearense em que Bolsonaro venceu no primeiro turno das eleições de 2018, desbancando até mesmo o então candidato local, Ciro Gomes.

Padre Lino Allegri conta que, especialmente nos últimos anos, vinha percebendo que parte das pessoas que frequentam aquela paróquia não estava afinada às suas pregações, mas sempre considerou normal que nem todos concordassem com ele. “O jeito que falo e o que prego é igual para ricos e para pobres. O que eu faço é juntar a palavra de Deus com a vida das pessoas. Me sinto mais confortável nas comunidades, mas não agrado a todos lá. Haver discordâncias é normal, mas chegar a este ponto é uma violência e um desrespeito”, afirma.

Reprodução de mensagens de militantes bolsonaristas sobre boicote ao padre Lino Allegri. 

Ele diz que acredita na igreja que exalta um Evangelho “pé no chão” e que não se fecha apenas às celebrações e ao culto a Deus. Seu papel, aponta, é também trazer reflexões sobre os ensinamentos de Jesus Cristo. “Quando há injustiça social, a gente toma uma posição”, defende. É por isso que, em uma de suas missas, trouxe à tona o assassinato da travesti Dandara dos Santos, linchada por ao menos dez pessoas no Ceará em 2017. “Vocês acham que Deus estava com Dandara ou com os homofóbicos?”, questionou aos fiéis. E deu sua própria visão: “Eu tenho certeza que Deus estava com a Dandara”.

“Há assuntos que não se pode tocar na igreja”

Allegri conta que reações a comentários como este no sermão tornaram-se mais enérgicas nos últimos dois anos, durante o Governo Bolsonaro. O presidente coleciona uma série de declarações machistas, racistas e de ódio a minorias que, nas palavras dele, devem “se curvar às maiorias” ou serão “esmagadas”. “Não quero um Deus como o dele [Bolsonaro] acima de todos. Quero seguir o que Jesus Cristo nos ensinou. Se for para ter um Deus como o dele, prefiro ser ateu. Bolsonaro contraria tudo o que Jesus nos ensinou”, declara o padre, em alusão ao lema bolsonarista “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. Vários ativistas sociais alertam, desde o início do mandato, que as declarações controversas do presidente têm potencial em estimular a cultura do ódio. “Há assuntos que não se pode tocar. Não se pode usar a palavra pobre na igreja. A Teologia da Libertação é como se fosse o capeta. E eu tenho orgulho de ser da Teologia da Libertação”, segue Allegri, referindo-se à corrente teológica cristã latinoamericana.

Allegri prepara seus sermões com antecedência e, várias vezes, usa o ministério contra a homofobia, o racismo, a intolerância. Não costuma falar em candidatos a cargos públicos ou pedir votos. “Acho que eles têm o direito de votar em Bolsonaro. Vivemos em um Estado Democrático de Direito”, lembra. “Mas o respeito e a tolerância têm que ser recíprocos”, reforça ele. O padre toma muito cuidado ao falar sobre que tipo de política acredita caber dentro dos templos religiosos. “Não sei se essa palavra política é a mais adequada porque as pessoas entendem equivocadamente”, pondera. “A política que cabe na igreja é no sentido amplo, é a do bem comum. É a do Evangelho com os pés no chão. Não acredito que a religião seja apenas um culto a Deus, mas é aquela que deixa as pessoas mais humanas.”

Igreja da Paz está localizada em uma ilha bolsonarista de Fortaleza. (Crédito da foto: Fernanda Siebra).

Vertentes antagônicas da igreja, a outra face do embate

“A fala de padre Lino na Igreja da Paz é como se fosse um corinthiano no meio da torcida do Palmeiras que gritou: Vai Corinthians!”, compara, com alguma dose de humor, o articulador paroquial da Igreja da Paz, Mário Fonseca. “É um público majoritariamente de classe média alta, politicamente ultraconservador e religiosamente pentecostal”, define. O episódio com o Padre Lino Allegri, analisa, não está restrito apenas à intolerância política, mas também ao embate de duas vertentes antagônicas da igreja: uma mais tradicional e focada nas celebrações dentro dos templos (pentecostal); e outra mais alinhada a um modelo defendido pelo Papa Francisco e pelo Movimento Igreja Em Saída, que pressupõe uma atuação fora dos templos e junto às comunidades.

“É um ponto de virada na degradação do nosso tecido social”

O cientista político Ricardo Moura, que integra a Rede de Observatórios da Segurança e tem acompanhado as mensagens de ódio contra padres nas redes sociais, afirma que há um acirramento no discurso de confrontamento ideológico no país, e a igreja não está isenta de repercutir internamente este tipo de discurso. Os casos de hostilidade a religiosos de perfil mais progressista são vários. Também no Ceará, o frei Lorrane Clementino, da Ordem dos Frades Menores, vem sofrendo ataques pessoais e ameaças de morte por defender a população LGBTQIA+. Moura avalia que esses casos são ainda isolados e estão distantes de lideranças da política tradicional, mas têm potencial de repercutir em 2022.

“São padres que vivenciaram a ditadura, passaram por áreas bastante vulneráveis da cidade na luta por direitos básicos. Quando esta trajetória chega na atual fase, já octogenários, tendo que pedir proteção governamental para que possam exercer seu ministério, é um fato que preocupa. É um ponto de virada na degradação do nosso tecido social importante″, diz. O próprio Lino Allegri vê a hostilidade como um ensaio para as próximas eleições. “É um sinal do que virá no próximo ano, um acirramento violento”, prevê. “As religiões todas deveriam ajudar as pessoas a serem mais humanas.”

BEATRIZ JUCÁ, de Fortaleza, em 22 JUL 2021 para o EL PAÍS.