sábado, 10 de julho de 2021

Mundo tem 11 mortes por fome por minuto, estima Oxfam

Taxa supera atual mortalidade por covid-19. Número de pessoas afetadas pela fome aumentou cinco vezes desde que a pandemia começou, e o pior está por vir, alerta ONG. Brasil está entre países onde situação se agravou.

Mulher africana ao lado de seus dois filhos segura uma tigela em Madagascar. 

Alta dos alimentos agravou ainda mais a fome no mundo, afirma Oxfam

Um ano e meio após o início da pandemia de covid-19, o número de pessoas que morrem de fome está ultrapassando o de vítimas do coronavírus, afirmou nesta sexta-feira (09/07) a organização humanitária Oxfam.

Segundo relatório elaborado pela ONG internacional, estima-se que atualmente 11 pessoas morram de fome por minuto. "Esse número supera a atual taxa de mortalidade pandêmica, que é de sete pessoas por minuto", aponta a ONG.

Cerca de 155 milhões de indivíduos vivem atualmente sob níveis extremos de insegurança alimentar, 20 milhões a mais do que no ano passado, aponta o relatório, intitulado "O vírus da fome se multiplica". O número de pessoas que vivem em condições de fome estrutural aumentou cinco vezes desde que a pandemia começou, para mais de 520 mil.

A ONG calcula ainda que, até o final de 2021, cerca de 12 mil pessoas poderão morrer diariamente de fome associada à pandemia, potencialmente mais do que os óbitos pela própria covid-19.

"O pior ainda está por vir, a menos que governos enfrentem com urgência a insegurança alimentar e suas raízes", alertou a organização em comunicado.

"As estatísticas são chocantes, mas devemos lembrar que esses números são compostos por indivíduos enfrentando sofrimentos inimagináveis. Uma única pessoa já seria demais", disse a presidente e diretora executiva da Oxfam America, Abby Maxman.

Eixos da fome

A Oxfam listou os países que considera serem mais vulneráveis à fome no mundo e onde a crise alimentar já existente foi agravada pela pandemia do coronavírus. Afeganistão, Etiópia, Sudão do Sul, Síria e Iêmen – todos dilacerados por conflitos – viram aumentar os níveis extremos de fome desde o ano passado, diz o relatório.

Drama nas favelas do Brasil: morrer de fome ou de covid-19

Venezuela, República Centro-Africana e Sahel também estavam na lista de polos da fome da Oxfam, assim como Índia e Brasil, que atualmente amargam altos índices de infecção e morte por covid-19.

No Brasil, o percentual da população que vive em extrema pobreza quase triplicou desde o início da pandemia, passando de 4,5% para 12,8%, aponta a Oxfam. "No final de 2020, mais da metade da população – 116 milhões de pessoas – enfrentava algum nível de insegurança alimentar, das quais quase 20 milhões passavam fome", diz o relatório.

As causas da crise

Segundo a Oxfam atribuiu o aumento a uma combinação de três fatores: conflitos armados em curso em diversas partes do mundo, o impacto econômico da atual pandemia e à crise climática global. Tal combinação de fatores teria aprofundado a pobreza e a insegurança alimentar nos locais já afetados pelo problema, além de criar novos epicentros da fome pelo mundo.

Cerca de dois terços das 155 milhões de pessoas que enfrentam níveis extremos de insegurança alimentar vivem em países com conflitos militares.

A Oxfam aponta que, apesar da pandemia, os gastos militares globais aumentaram no ano passado em 51 bilhões de dólares – seis vezes mais do que a ONU afirma ser necessário para acabar com a fome no mundo.

De acordo com o relatório, os efeitos econômicos da pandemia, combinados com o aquecimento global, causaram um aumento de 40% nos preços globais dos alimentos – o maior em mais de uma década.

"Os governos devem se concentrar no financiamento de programas urgentes de resposta à fome e proteção social para salvar vidas agora, em vez de fechar negócios no setor armamentista que só perpetuam os conflitos, a guerra e a fome", apelou a ONG. "Precisamos de mais ação para criar formas mais justas, resilientes e sustentáveis de alimentar o mundo."

Deutsche Welle Brasil, em 10.07.2021

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Número acumulado de mortes passa de 530 mil.

 Total de casos notificados da doença se aproxima da marca de 19 milhões.

O Brasil registrou oficialmente nesta quinta-feira (08/07) 1.639 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados  53.725 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções reportadas no país chega a 18.962.762, e os óbitos oficialmente identificados somam 530.179.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga o número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 17.352.670 pacientes haviam se recuperado da doença até esta quinta-feira, mas o número não aponta quantos ficaram com sequelas.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 606 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,7 milhões) e Índia (30,7 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 252,3 no Brasil, a 8ª mais alta do mundo, atrás apenas de alguns pequenos países europeus e do Peru.

Ao todo, mais de 185 milhões de pessoas contraíram oficia

Deutsche Welle Brasil, em 08.07.2021

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Reprovação a Bolsonaro bate novo recorde

Após escândalos de corrupção que vem sacudindo governo, Datafolha aponta que 51% dos brasileiros avaliam gestão de Bolsonaro como ruim ou péssima - pior índice desde a posse. Aprovação se mantém estável em 24%.

Bolsonaro é um dos presidentes em primeiro mandato mais impopulares desde a década de 80

Pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira (08/07) aponta que a reprovação ao governo do presidente Jair Bolsonaro atingiu a marca de 51%, o índice mais alto entre todos os levantamentos realizados pelo instituto desde a posse, em janeiro de 2019.

Segundo o Datafolha, a pesquisa foi realizada entre os dias 7 e 8 de julho e já mede o impacto dos casos de corrupção que vem pressionando o governo, entre eles compras suspeitas de vacinas, que levaram a abertura de um inquérito para investigar Bolsonaro por prevaricação.

Os resultados da pesquisa:

Ótimo/bom: 24%

Regular: 24%

Ruim/péssimo: 51%

Não sabe: 1%

Na última pesquisa Datafolha, divulgada em 12 de maio, a reprovação do governo Bolsonaro era de 45%. Já o percentual que avalia o governo como ótimo ou bom se manteve estável, no mesmo nível de 24% detectado em maio. Já o percentual daqueles que avaliam o governo como regular teve uma queda de seis pontos percentuais, passando de 30% para 24%.

A aprovação ao governo está em queda desde o início de dezembro do ano passado, quando alcançou o maior patamar (37%). A satisfação com a gestão de Bolsonaro passou a cair com o agravamento da epidemia de covid-19 no país, o colapso do sistema hospitalar em diversos estados e a lentidão da campanha de vacinação.

A gestão de Bolsonaro na pandemia é atualmente alvo de uma CPI no Senado, que investiga as ações e omissões do governo federal no combate à covid-19. Desde o registro dos primeiros casos no país, o presidente vem negando a gravidade da doença, que já deixou mais de 528 mil mortos, e ignorando medidas sanitárias reconhecidas cientifica e internacionalmente como necessárias para conter a propagação do coronavírus.

A pesquisa Datafolha ouviu 2.074 pessoas acima de 16 anos em 146 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou menos.

Bolsonaro é o segundo presidente com a pior avaliação desde a redemocratização de 1985, quando considerados os eleitos pelas urnas e que cumprem seu primeiro mandato. Ele só ganha de Fernando Collor (1990-1992), que era rejeitado por 68% do eleitorado e aprovado por apenas 9% na mesma altura do mandato.

Deutsche Welle Brasil, em 08.07.2021

"Caguei para a CPI. Não vou responder nada", diz Bolsonaro

Presidente afirma que não vai responder à carta encaminhada por senadores com questionamentos sobre suspeitas na compra da Covaxin. Presidente é investigado por suspeitas de acobertar corrupção no negócio.

Negociações para aquisição da Covaxin são investigadas pelo MPF, PF e TCU

O presidente Jair Bolsonaro reagiu de maneira agressiva e vulgar na noite de quinta-feira (09/07) ao pedido de esclarecimentos enviado pela cúpula da CPI. ""Sabe qual a minha resposta? Caguei. Caguei para a CPI. Não vou responder nada!", disse Bolsonaro durante sua live semanal.

Em uma carta endereçada ao Planalto mais cedo, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e o relator Renan Calheiros (MDB-AL) pediram que o presidente a se manifestasse sobre o depoimento do deputado Luis Miranda (DEM-DF) a respeito do caso Covaxin.

Durante a live, Bolsonaro ao se refeir à cúpula da CPI, usou xingamentos como "imbecil", "hipócrita", "analfabeto" e "saltitante".

Há duas semanas, o deputado Luis Miranda e seu irmão, o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda, disseram à CPI relataram que havia pressão dentro do Ministério da Saúde  para agilizar o processo de liberação da vacina indiana Covaxin. Os irmãos ainda afirmaram que alertaram o presidente Jair Bolsonaro sobre problemas no contrato e que o presidente teria afirmado que acionaria a Polícia Federal, mas nenhum inquérito foi aberto após a conversa.

O deputado Miranda também afirmou em seu depoimento que Bolsonaro teria dito na ocasião que a Covaxin era um "rolo" do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

Mesmo antes de entrar no radar da CPI, a vacina indiana já levantava questionamentos por causa do seu preço (15 dólares, a mais cara de todas as vacinas compradas pelo Brasil), a velocidade com que o governo fechou o negócio (em contraste com outros laboratórios, como a Pfizer), a falta de aval da Anvisa (Bolsonaro afirmou em 2020 que não compraria vacinas não autorizadas pela agência) e pelo fato de a compra não ter sido feita diretamente com a fabricante, mas com uma empresa intermediária, a Precisa.

Além de estarem no alvo da CPI, as negociações para aquisição da Covaxin são investigadas pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União. Na sexta-feira, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou ainda a abertura de um inquérito contra Bolsonaro para investigar se ele cometeu o crime de prevaricação ao ignorar denúncias sobre as negociações de compra da vacina indiana Covaxin.

Nos últimos dias, diante do aumento da pressão exercida pela CPI e sucessivos escândalos na gestão da pandemia, Bolsonaro tem lançado mão de factoides e outras táticas diversionistas para manter sua base mobilizada e tirar o foco dos problemas na Saúde. Nesta quarta-feira, por exemplo, ele fez novos ataques ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas e disse "ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições".

Deutsche Welle Brasil, em 08.07.2021

À CPI, ex-coordenadora critica postura de Bolsonaro

Responsável pelo Programa Nacional de Imunizações afirma que deixou cargo por causa da "politização" da vacinação e que seu departamento sofreu com falta de doses. CPI cobra Bolsonaro sobre acusações dos irmãos Miranda.


A servidora Francieli Fantinato comandava o PNI até esta semana. Aos senadores ela afirmou que seu departamento sofreu com falta de vacinas

Em depoimento à CPI da Pandemia nesta quinta-feira (08/07), a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) Francieli Fontana Fantinato criticou a falta de vacinas e de campanhas publicitárias sobre vacinação e disse que deixou o cargo por causa da "politização" em relação à vacinação "por meio do líder da nação", em uma referência ao presidente Jair Bolsonaro, que regularmente divulga falas que desencorajam o uso de vacinas ou alimenta paranoia sobre os imunizantes.

Aos senadores, Fantinato descreveu que seu departamento não era ouvido sobre decisões como a adesão ao consórcio Covax, e que sugestões sobre a organização dos grupos prioritários eram ignoradas pela cúpula da pasta, dominada por militares.

"Trabalhei incansavelmente 24 horas por dia, sete dias por semana para vacinar a população brasileira. Bem, senhoras e senhores, para um programa de vacinação ter sucesso, é simples. É necessário ter vacinas, e é necessário ter campanha publicitária efetiva. Eu não tive nenhum dos dois", disse. "Pela politização do assunto em relação à vacinação, decidi seguir meus planos pessoais", disse a ex-coordenadora sobre sua saída do PNI, que foi oficializada na quarta-feira.

Fantinato também indicou que falas do presidente Jair Bolsonaro contra vacinas atrapalharam a efetividade da campanha de vacinação. "É uma opinião pessoal, eu enquanto coordenadora preciso de apoio que seja favorável a fala. Quando ele [Jair Bolsonaro] não fala favorável isso pode trazer prejuízo", disse. "Eu não saí pela pressão da CPI. Eu saí por todo o cenário."

A ex-coordenadora se negou a prestar juramento de que falaria a verdade na comissão durante o início dos trabalhos, por orientação de seu advogado – provavelmente como reflexo da decisão do presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), de dar voz de prisão ao ex-diretor de Logística da Saúde Roberto Dias, no dia anterior. Apesar desse início tortuoso, Fantinato arrancou elogios dos senadores independentes e da oposição por suas falas e a descrição de suas atividades. Servidora de carreira, ela trabalha no Ministério da Saúde desde 2014 e passou a ocupar o cargo de coordenadora do PNI em outubro de 2019.

O papel do coronel Elcio Franco

Fantinato também lançou luz sobre o papel do coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde e que atuava como braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello. Franco, um coronel que permaneceu no Exército até 2019 e que, assim como o general Pazuello, tinha experiência mínima em assuntos de saúde, está no centro de vários escândalos na gestão da pasta, incluindo transações suspeitas para a compra de imunizantes e a promoção da cloroquina.

Fantinato relatou, por exemplo, que seu departamento não foi ouvido nas negociações para a adesão do Brasil ao consórcio de vacinas Covax Facility, organizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O governo Jair Bolsonaro aderiu apenas à cobertura mínima de vacinas oferecidas pelo consórcio, suficiente para atender somente 10% da população, quando as regras do grupo permitiam até 50%.


Coronel Elcio Franco atuava como braço direito de Pazuello

Ela contou que o coronel Franco justificou a decisão pela cobertura mínima afirmando que "não poderia colocar todos os ovos na mesma cesta". No seu depoimento à CPI em 9 de junho, Franco afirmou que as decisões sobre a Covax foram tomadas em conjunto com a área técnica do ministério – uma declaração que entra em choque com o que foi relatado pela ex-coordenadora Fantinato.

"A CPI descobre que a gestão era mais Elcio que Pazuello. Ele deve ser o primeiro indiciado. A mando de quem estava matando gente?", afirmou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele também disse que Franco parece ser uma espécie de "Eichmann" brasileiro, em referência ao nazista Adolf Eichmann (1906-1962), que se tornou uma espécie de síntese do burocrata que comete atrocidades e é incapaz de reconhecer o impacto de seus atos.

Fantinato ainda relatou que pressões da cúpula da pasta para incluir cada vez mais grupos prioritários no plano atrapalharam a campanha de vacinação. "Sofrer pressão de todos os segmentos para entrada de grupos trouxe dificuldades para a campanha. Se tivesse vacina suficiente, não precisaria dessa fragmentação", disse.

Fantinato relatou que o próprio coronel Franco exigiu a retirada da população carcerária dos grupos prioritários da lista. Ela disse ter sido contra, e que se o coronel fosse em frente, teria que fazer isso sem o apoio do PNI. Fantinato contou que a inclusão de presos nos grupos prioritários levava em conta a superpopulação de présidios e o ambiente propício à disseminação de doenças. "Quem pediu para tirar o grupo de população privada de liberdade foi o coronel Elcio. (...) Eu me neguei. Se vocês quiserem, vão tirar sem o aval do programa [PNI]", disse Fantinato.

Nesse momento, o senador bolsonarista Marcos do Val (Podemos-ES) fez uma provocação para tumultuar a sessão. "Mas não tem que ter prioridade. O preso já está em isolamento", disse. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), reagiu: "Não acredito que eu estou ouvindo uma asneira dessa." Os dois bateram boca.

Covaxin

Fantinato também falou sobre a aquisição da Covaxin. Ela contou que seu departamento também não participou das negociações, mas que ela avaliou que seria vantajoso comprar a vacina indiana, diante da falta crônica de imunizantes no Brasil. No entanto, durante o depoimento ela leu uma nota técnica do Ministério da Saúde que alertava ser necessário que o fabricante enviasse mais dados sobre segurança, eficácia, e potencial contra novas variantes. O documento foi encaminhado em 17 de fevereiro. O governo fechou o contrato oito dias depois, apenas com dados preliminares sobre eficácia e segurança.

A compra da Covaxin é um dos principais alvos da CPI. Ao colegiado, os irmãos Miranda – o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda – descreveram que houve pressão do alto escalão da pasta para que o negócio fosse aprovado. Os irmãos também relataram que alertaram o presidente Jair Bolsonaro sobre aspectos suspeitos do negócio. O presidente, segundo o relato, disse que mandaria investigar o assunto, mas nada foi feito.

Mesmo antes de entrar no radar da CPI, a vacina indiana já levantava questionamentos por causa do seu preço (15 dólares, a mais cara de todas as vacinas compradas pelo Brasil), a velocidade com que o governo fechou o negócio (em contraste com outros laboratórios, como a Pfizer), a falta de aval da Anvisa (Bolsonaro afirmou em 2020 que não compraria vacinas não autorizadas pela agência) e pelo fato de a compra não ter sido feita diretamente com a fabricante, mas com uma empresa intermediária, a Precisa.

As negociações para aquisição da Covaxin também são investigadas pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União. Na sexta-feira passada, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou ainda a abertura de um inquérito contra Bolsonaro para investigar se ele cometeu o crime de prevaricação ao ignorar denúncias sobre as negociações de compra da Covaxin.

No meio da sessão, diante das falas de Fantinato, os senadores da CPI decidiram retirar a ex-coordenadora da condição de investigada perante o colegiado. Ela passou a ser testemunha.

Aziz reage a ataques de Bolsonaro

Durante a sessão, o presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que a cúpula da comissão vai enviar uma carta a Jair Bolsonaro, questionando se o deputado Luis Miranda estava falando a verdade quando mencionou ter relatado ao presidente irregularidades. O deputado Miranda também afirmou em seu depoimento que Bolsonaro teria dito na ocasião que a Covaxin era um "rolo" do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

"É só uma resposta, senhor presidente. Por favor, diga para a gente que o deputado Luís Miranda é mentiroso, diga para a nação brasileira que seu líder na Câmara é um homem honesto", disse Aziz.

Durante a sessão, Aziz também respondeu a ataques que o presidente fez nesta manhã ao presidente da CPI durante um encontro com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada. Na ocasião, Bolsonaro afirmou que Aziz "desviou 260 milhões de reais".

"Eu nunca te chamei de genocida, nunca o chamei de ladrão, nunca disse que o senhor fazia rachadinha no seu gabinete", disse Aziz em reposta a Bolsonaro. "E o senhor vai para o cercadinho onde devem ficar pessoas que não têm conteúdo para debater a crise nacional", completou.

Na quarta-feira, Aziz já havia sido alvo de uma nota agressiva divulgada pelo Ministério da Defesa e a cúpula das Forças Armadas por ter mencionado "membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua".

Nos últimos dias, diante do aumento da pressão exercida pela CPI e sucessivos escândalos na gestão da pandemia, Bolsonaro tem lançado mão de factoides e outras táticas diversionistas para manter sua base mobilizada e tirar o foco dos problemas na Saúde. Nesta quarta-feira, por exemplo, ele fez novos ataques ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas e disse "ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições".

Deutsche Welle Brasil, em 08.07.2021

Diretor que teria autorizado reverendo a negociar vacina é exonerado

Laurício Cruz, diretor de Imunização do Ministério da Saúde, teria dado aval para um reverendo evangélico negociar com a empresa Davati 

Negociações suspeitas para a compra de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca nunca foram concretizadas

O governo federal exonerou o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Laurício Monteiro Cruz. Ele teria dado aval para que um reverendo negociasse doses de vacina em nome do governo.

A exoneração foi publicada nesta quinta-feira (08/07) no Diário Oficial da União e assinada pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos. Ele é mais um servidor a deixar o cargo no âmbito do caso que envolve negociações suspeitas para a compra de 400 milhões de doses extras da vacina contra a covid-19 produzida pela AstraZeneca.

Cruz foi citado por Luiz Paulo Dominghetti Pereira, policial militar em Minas Gerais que também atuava como representante da empresa Davati Medical Supply. As acusações contra o agora ex-diretor também foram reveladas em e-mails aos quais a TV Globo teve acesso.

Em seu depoimento à CPI da Pandemia, Dominguetti disse que três diretores do Ministério da Saúde sabiam sobre a proposta de compra de 400 milhões de doses que seria intermediada pela Davati: além de Cruz, também o então secretário-executivo Élcio Franco, braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello, e Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística da pasta.

Dominguetti afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo e, depois, em depoimento à CPI da Pandemia, que Dias cobrou propina de 1 dólar por dose para que a pasta fechasse a compra. Dias foi exonerado do cargo no mesmo dia em que a reportagem foi publicada, em 29 de junho. Nesta quarta-feira, o ex-servidor prestou depoimento à CPI e acabou preso pela Polícia Legislativa, acusado de ter mentido durante a oitiva.

Desde o início, a história tinha elementos suspeitos. A Davati, sediada nos Estados Unidos, foi formada em 2020 e tem apenas três funcionários. A AstraZeneca declarou que não negocia vacinas com entes privados, negou ter trabalhado com a Davati e afirmou que todas as vendas no Brasil foram tratadas com a Fiocruz.

Suposto envolvimento de reverendo

Se as circunstâncias da negociação detalhadas por Dominguetti já eram inusitadas, elas ficaram ainda mais estranhas com novas revelações feitas pelo Jornal Nacional, da TV Globo, no último fim de semana.

Laurício Cruz, exonerado nesta quinta-feira, teria dado aval formal, em 9 de março, a um reverendo evangélico, Amilton Gomes, para que este negociasse com a Davati, em nome do governo brasileiro, a compra dos supostos 400 milhões de doses.

Gomes é fundador e presidente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), uma organização privada. Ele já havia sido mencionado no depoimento de Dominguetti como alguém que o ajudou a agendar uma reunião com Élcio Franco. Nessa reunião, Dominguetti teria apresentado novamente a proposta de venda de vacinas ao ministério.

Em 10 de março, a tratativa entre Gomes e Cruz já estava formalizada no sistema eletrônico do Ministério da Saúde, e foi em seguida enviada para a Secretaria Executiva da pasta.

Cruz também enviou e-mails a Herman Cardenas, presidente da Davati, confirmando que a Senah tinha aval do Ministério da Saúde para negociar a compra de vacinas. Nesse contato, o reverendo pede que a oferta de venda seja corrigida para o valor de 17,50 dólares por dose – três vezes mais do que o próprio governo pagou por doses da AstraZeneca em janeiro, comprada de um laboratório na Índia.

Segundo a TV Globo, a Senah informou à Davati o nome de duas empresas nos Estados Unidos onde poderia ser feito o pagamento de comissão, caso a compra fosse finalizada, ambas associadas ao reverendo. Uma delas também tem como diretor Daniel Fernandes Rojo Filho, que em 2015 chegou a ser preso nos EUA por fraude.

Cruz, por sua vez, disse ter sido designado para negociar com Gomes, confirmou ter se reunido com ele e que deu andamento às tratativas, e afirmou que a pasta não conferia a idoneidade das pessoas que ofereciam vacinas.

Deutsche Welle Brasil, em 08.07.2021

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Defesa diz que CPI ‘desrespeita’ militares; presidente de comissão se diz ‘intimidado’

Senador Omar Aziz criticou o ‘lado podre’ das Forças Armadas por envolvimento em ‘falcatrua’ no governo Jair Bolsonaro; nota de resposta foi articulada pelo ministro Braga Netto

        O senador Omar Aziz, presidente da CPI da Covid no Senado Foto: Dida Sampaio/Estadão

O Ministério da Defesa e a cúpula das Forças Armadas entraram em colisão política com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Os militares reagiram nesta quarta-feira, dia 7, ao presidente da CPI, senador Omar Aziz, que criticou o "lado podre" das Forças Armadas por envolvimento em "falcatura" no governo Jair Bolsonaro. Os comandantes e o ministro da Defesa acusaram Aziz de desrespeitar as Forças Armadas e generalizar "esquemas de corrupção" na CPI. Aziz retrucou no plenário do Senado, dizendo-se "intimidado" pela primeira ofensiva sobre o Congresso realizada em conjunto pelos novos comandantes militares nomeados por Bolsonaro.

As investigações da CPI levantaram suspeitas de envolvimento de uma série de oficiais, da ativa e da reserva, em irregularidades durante a pandemia do novo coronavírus. Parte deles foi levada para o Ministério da Saúde durante a gestão do general de Divisão Eduardo Pazuello, ex-ministro alvo da CPI, enquanto outros estariam ligados a tentativas de venda de vacinas ao governo.

Nesta quarta-feira, Aziz determinou a prisão em flagrante por falso testemunho do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, que foi controlador de voo da Força Aérea Brasileira (FAB). Ele depôs à CPI na condição de testemunha depois de ser acusado de cobrar propina para fechar um contrato de vacinas com a empresa Davati. Segundo Aziz, Dias mentiu aos senadores reiteradamente.

Em determinado momento, o presidente da CPI desabafou: "As Forças Armadas, os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo. Fazia muitos anos. Aliás, eu não tenho nem notícia disso na época da exceção que houve no Brasil, porque o Figueiredo morreu pobre, porque o Geisel morreu pobre, porque a gente conhecia... E eu estava, naquele momento, do outro lado, contra eles. Uma coisa de que a gente não os acusava era de corrupção, mas, agora, Força Aérea Brasileira, Coronel Guerra, Coronel Elcio, General Pazuello e haja envolvimento de militares das Forças Armadas".

A manifestação de Aziz irritou os governistas. O senador bolsonarista Marcos do Val (Podemos-ES) disse que o presidente da CPI se desfez das Forças Armadas. Aziz voltou a reiterar a crítica: "O que eu quero explicar é que, infelizmente, o que nós temos ouvido aqui nos relatos do depoente é que geralmente tem alguém das Forças Armadas. Isso não é bom para o Brasil. Não é bom".

A nota de resposta foi articulada pelo ministro Braga Netto, general de Exército da reserva escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro como interventor na Defesa. Ele foi o responsável por coordenar a troca inédita de toda a cúpula da Defesa, no fim de março, quando o presidente cobrava alinhamento político ao seu governo. A nota pública foi assinada também pelos comandantes da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, e do Exército, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira."Essa narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável", rebateram os militares. "As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro."

Leia a íntegra da nota do Ministério da Defesa e da cúpula das Forças Armadas

O Ministro de Estado da Defesa e os Comandantes da Marinha do Brasil, do Exército Brasileiro e da Força Aérea Brasileira repudiam veementemente as declarações do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, Senador Omar Aziz, no dia 07 de julho de 2021, desrespeitando as Forças Armadas e generalizando esquemas de corrupção.

Essa narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável.

A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira são instituições pertencentes ao povo brasileiro e que gozam de elevada credibilidade junto à nossa sociedade conquistada ao longo dos séculos.

Por fim, as Forças Armadas do Brasil, ciosas de se constituírem fator essencial da estabilidade do País, pautam-se pela fiel observância da Lei e, acima de tudo, pelo equilíbrio, ponderação e comprometidas, desde o início da pandemia Covid-19, em preservar e salvar vidas.

As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro.

Walter Souza Braga Netto, Ministro de Estado da Defesa

Alte Esq Almir Garnier Santos, Comandante da Marinha

Gen Ex Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, Comandante do Exército

Ten Brig Ar Carlos de Almeida Baptista Junior, Comandante da Aeronáutica

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo, em 07 de julho de 2021 | 21h15

"Temos provas cabais no caso Covaxin", diz Simone Tebet

Líder da bancada feminina no Senado afirma que só falta CPI juntar todas as peças para comprovar irregularidades envolvendo a vacina indiana. Ela diz que antes de abrir processo de impeachment é preciso "pensar no país".

"Não tenho dúvidas de que o centro pode sim estar com Lula no segundo turno", afirma Simone Tebet

Líder da bancada feminina no Senado, Simone Tebet (MDB-MS) se projetou nacionalmente quando, em  2019, brigou dentro de seu partido para ser um nome alternativo à presidência da Casa. A investida não prosperou. Em 2020 ela voltou à carga e disputou com Rodrigo Pacheco (DEM-MG), na primeira candidatura de uma mulher à presidência do Senado. Foi derrotada e nem seu próprio partido ficou ao seu lado integralmente.

Agora, à frente da bancada feminina, atuou para assegurar a participação das mulheres na CPI da Pandemia. Em um colegiado exclusivamente masculino, Tebet foi a parlamentar que arrancou, no depoimento do deputado federal bolsonarista Luis Miranda (DEM-DF), o envolvimento do líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), em suposto esquema de corrupção na aquisição da vacina indiana Covaxin contra a covid-19.

Nesta terça-feira (06/07), a senadora afirmou durante sessão da CPI que documentos apresentados pelo governo para rebater acusações de irregularidades nas negociações para compra da Covaxin foram fraudados, incluindo erros de grafia em inglês e indícios de montagem.

Em entrevista à DW Brasil, ela afirma já haver "provas cabais" no caso Covaxin e que "só falta juntar todas as peças e ouvir todas as testemunhas". Ao mesmo tempo, afirma que, antes de abrir um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, é preciso "pensar no país".

Filha de Ramez Tebet, que presidiu o Senado no início dos anos 2000, Simone agita discretamente os bastidores do MDB como uma opção de nome para a terceira via em 2022. A senadora diz acreditar que essa terceira via possa tirar Bolsonaro do segundo turno e se recusa a repetir o gesto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que deixou clara a intenção de votar no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva caso ocorra a disputa do petista com Bolsonaro em 2022.

"Quem é do centro democrático não pode responder a essa pergunta. O centro democrático, se quiser, tem todas as condições de estar no segundo turno. Pelo andar da carruagem, não tenho dúvidas de que o centro pode sim estar com Lula no segundo turno. Então não é escolha de Sophia", afirma.

DW Brasil: Tem sido marcante sua atuação na CPI da Covid. A senhora conseguiu arrancar o nome do líder do governo, Ricardo Barros (PP), no depoimento do deputado Luis Miranda [que denunciou suposto esquema de corrupção na compra de vacinas]. Foi sorte, intuição feminina, ou habilidade?

Simone Tebet: A política não pode mais viver sem as mulheres, não porque somos melhores, mas porque somos diferentes. Na CPI nós [a bancada feminina] somos mais detalhistas, ficamos mais atentas a certos tipos de sinais corporais, o tom emocional. Meu pai, que era criminalista, falava sempre que o depoente, quando entra numa fase de cansaço, e fica abalado, precisa de acolhimento e de se sentir protegido. Minha fala inicial ao deputado [que prestava depoimento] era invocar o espírito público. Fiz o processo reverso, disse que entendia a posição dele, porque ele não queria falar. Aí na primeira tentativa ele já soltou. Foi um conjunto de situações que levou a isso. Teve um pouco de tudo: destino, estar no lugar certo na hora certa, ter lembrado do que meu pai ensinou. Tive sorte.

Qual a importância da bancada feminina hoje, sobretudo num país cujo presidente com posturas misóginas?

A minha candidatura à presidência do Senado foi fundamental para que o presidente [do Senado] Rodrigo Pacheco [DEM-MG] fizesse um compromisso com as senadoras, e muitas não votaram em mim, de criar a liderança da bancada feminina. Essa liderança permitiu às senadoras ter espaço no colégio de líderes. Com isso, nós emplacamos toda semana um projeto de interesse da mulher brasileira. Ou na igualdade salarial, como aprovado e que agora está na Câmara, ou no combate à violência à mulher. São projetos que fazem a diferença. Votamos nesta semana [passada] a criação de um tipo penal importante que é a violência psicológica, que não era tipificada.

A bancada feminina está surpreendendo positivamente o Senado. Para alguns têm até gerado algum incômodo. Quando pulamos para dentro da CPI, num gesto generoso do presidente do colegiado, senador Omar Aziz, isso mudou o rumo da comissão. Porque passou a ter uma voz da sensibilidade, do detalhe. A CPI já cumpriu uma missão que é comprovar a conduta errática, equivocada, negligente, negacionista do governo do presidente Bolsonaro em relação à pandemia e todas as consequências nefastas deste negacionismo, a ponto de hoje termos muito mais mortes do que teríamos se eles tivessem feito o dever de casa.

Isso vai constar no relatório e está comprovado. Quando a CPI já estava exaurindo seu objeto, tivemos outra denúncia bombástica, feita por um deputado bolsonarista, acusando outro deputado em rede nacional de corrupção. Coisa que eu nunca vi em meus 20 anos de vida pública. Começa agora uma nova fase da CPI. Sorte ou não, instinto, feeling, destino, foi feito por alguém da bancada feminina. Só homens teriam chegado a isso? Não sabemos dizer. Mas a participação feminina na CPI tem sido no mínimo a cereja do bolo.

A senhora diz que a CPI comprovou o negacionismo, a negligência e a omissão que levaram milhares de pessoas à morte. Mas a corrupção, que passa a ser investigada agora, parece erodir mais a base bolsonarista. Por quê?

Grande parte da sociedade se distanciou deste governo no momento em que se deu conta de que ele realmente foi omisso, negligente, agiu contra a ciência, contra a vida, a favor de uma tese obscura de imunidade de rebanho, uso de medicamentos ineficazes [tratamento precoce] e atrasando a compra de vacinas.

Uma parte significativa da população brasileira, e as pesquisas mostram isso, passou a não acreditar mais no governo e até a culpá-lo pelas mortes de familiares e amigos. Só que isso aconteceu e houve estagnação.

O presidente ainda tem um segmento muito firme com ele. Veio agora essa denúncia gravíssima, – crime de corrupção ativa e passiva, prevaricação, peculato, tráfico de influência – não de um único contrato, mas em relação a pelo menos três, e já se fala em "propinoduto", "vacinoduto".

O governo era tido como não conivente com a corrupção. Estamos hoje diante de uma travessia, em cima de uma ponte, e não sabemos para onde esse eleitor, que ainda confiava no governo, vai. Na minha modesta opinião, o eleitor vai atravessar essa ponte e abandonar essa base do governo. Não só fora, a opinião pública, mas também dentro do Congresso Nacional.

Começo a ver alguns congressistas do Centrão, que não são da cúpula, abandonando esse barco. Não estou dizendo que estamos caminhando para o impeachment. Estou dizendo que estamos caminhando para um governo que não vai ter mais a quantidade de congressistas o defendendo. Podem até continuar votando com o governo em pautas importantes para o país, como eu faço, mas não mais defendendo esse governo, como eu não faço.

A CPI passa agora a investigar denúncias referentes a três contratos de compra de vacinas?

Sim. No caso da Covaxin já temos provas e documentos. O contrato foi assinado antes da Medida Provisória que permitiria essa assinatura. Contrato é um ato administrativo. Você não pode fazer nada no direito público sem lei anterior que permita. Como o contrato [da Covaxin] seria de uso emergencial, não tinha ainda autorização por lei.

Isso dependeria de uma lei que permitiria a compra de vacinas autorizadas por uma autoridade sanitária indiana, e no Brasil não tínhamos essa lei ainda. Temos nota de empenho, contrato assinado, fax e documentos comprovando a tentativa de venda e um funcionário público que se recusou a assinar [a liberação de recursos] e foi pressionado. No caso da Covaxin só falta juntar todas as peças e ouvir todas as testemunhas.

E surgiu no meio do caminho outra denúncia, em relação a uma negociação para compra de doses vacina da AstraZeneca, com cobrança de propina.

Embora neste caso não tenhamos nenhuma materialidade, essa denúncia não foi negada pelo governo. O depoimento [do policial militar Luiz Paulo Dominguetti] ajudou a comprovar a autoria [do suposto esquema de propina]. Os autores e personagens envolvidos são os mesmos da Covaxin, onde, aí sim, temos provas cabais.

E, por fim, há um contrato maior ainda, que não se efetivou porque foram com muita sede ao pote, mas que é com o mesmo personagem. É o laboratório CanSino [Biologics], a vacina Convidecia. O contrato seria de R$ 5 bilhões.

Agora, acho que precisamos focar na Covaxin. Temos já a comprovação de que o negacionismo e a conduta errática do governo, sem contratação de vacinas no tempo devido, caracterizam crime contra a saúde pública e, inclusive, crime de responsabilidade aí.

Se a Câmara vai abrir impeachment é outra história. Mas já há elementos para o Ministério Público acionar os personagens na área cível e criminal. E, agora, temos também fortes indícios e elementos claros de crime de corrupção. A dúvida é quando a CPI vai tratar, e isso é um terceiro ponto, de prevaricação. Quem é que prevaricou?

Como parlamentar e com formação em direito, a senhora não considera que todos esses casos que citou justificam um pedido de impeachment?

Aí é uma decisão política. CPIs dão embasamento para um processo de impeachment, mas o objetivo principal é ter trazer elementos para encaminhar ao Ministério Público os indícios de irregularidades. O que se extrai de uma CPI são sim elementos que comprovam crime de responsabilidade. Mas é decisão política da Câmara dos Deputados acionar [o presidente] por crime de responsabilidade.

A CPI precisa ser concluída. Vamos precisar de pelo menos mais três semanas para amarrar as pontas. Vejo no dia a dia o governo perdendo apoio dentro do Congresso, vejo a economia combalida e vejo criando corpo a rejeição ao governo do presidente Bolsonaro. Talvez o que possa levar sim a se pensar na abertura de um processo de impeachment seja efetivamente essas três próximas semanas comprovando crime de corrupção dentro do Ministério da Saúde. Temos que aguardar.

Mas a senhora é a favor de um impeachment?

É preciso que os indícios se transformem em elementos de prova, e não só prova testemunhal, que é a mais frágil das provas. Precisamos amarrar as provas testemunhais com análises de vídeos, áudios, provas documentais, periciais. Isso leva duas, três semanas. É um momento delicado, de polarização nas redes sociais, de radicalismo.

Temos que pensar no país. Para abrir um processo de impeachment, antes de mais nada, é preciso saber se vai dar certo. A gente não sabe sequer se tem número, na Câmara, para abrir o processo e mandar ao Senado, que apura. Temos que ter equilíbrio emocional agora, usar a razão, além da emoção, para sentir tudo isso. É fundamental a CPI cumprir essa primeira fase, cumprir o tempo normal de jogo, antes da prorrogação, que ainda não terminou. Eu aguardaria.

Já há assinaturas necessárias para prorrogar a CPI, a senhora assinou, mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não sinalizou abertamente que acatará.

Acho que ele pode estar sendo pressionado pela base governista para aguardar o término da CPI [o período oficial de 90 dias de funcionamento, que só se encerra ao final de julho], numa tentativa frustrada do governo de retirar assinaturas [a favor da prorrogação]. O governo não consegue retirar. Há um apelo popular.

A senhora sempre defendeu a terceira via em 2022. Pelas pesquisas atuais, está claro que o ex-presidente Lula é um candidato fortíssimo, e poderia vencer Bolsonaro. Há mesmo espaço para essa terceira via?

Sem a menor dúvida, mais do que nunca. E acho que essa terceira via poderia, inclusive, tirar Bolsonaro do segundo turno. Sessenta porcento não querem olhar para o retrovisor, para o passado, e não estão satisfeitos com o presente. Querem um nome novo para o futuro. Advogo que os partidos têm que lançar seus candidatos e, no final do ano, testados esses nomes, sentamos numa mesa para decidir quem pode representar a cara do Brasil que queremos. Não se pode, agora, sacar um nome da manga.

O seu nome está em algumas rodas. A senhora teria essa disposição?  O MDB bancaria seu nome?

A única certeza que eu tenho é que o MDB vai ser peça fundamental como foi, no passado, para unir o centro. O que não significa unir o centro com nome próprio. O ideal seria que tivéssemos alguém do MDB com envergadura e condições. Pode ser que tenha. Mas o que eu advogo é: o partido que uniu lá atrás, no momento mais delicado da história, hoje continua sendo o maior partido de centro.

O MDB em matéria de votos é fundamental nesse processo. E tem hoje um presidente muito equilibrado, que é o Baleia Rossi. O MDB vai ter um encontro, em 30 dias, para entender o seu papel exato. Vamos lançar candidato agora? Isso o partido ainda não definiu. Mas defendo que o MDB deve estar no centro da conversa. O que converge esse centro é a defesa das instituições democráticas que dia a dia são abaladas por esse governo. O país está sendo comandado por um governo tão à direita que conseguiu a façanha de colocar na mesma mesa todas as matrizes ideológicas.

A senhora quer tentar a reeleição ou colocará seu nome nesse projeto nacional?

Nunca fugi de responsabilidades, ainda que isso tenha custos políticos. Fui para a linha de frente na defesa intransigente da democracia, contra um governo que quer ditar regras contra minorias, num retrocesso humanitário, e tentando combater uma pauta tão conservadora a ponto de me jogar na oposição. Quando esse governo viola direitos sagrados, civis, as liberdades públicas, eu coloco esse projeto de defesa das instituições democráticas acima do meu projeto político. A princípio eu sou candidata à reeleição, mas não fujo do que o destino reservar para mim. Em política a gente não escolhe missão, ainda mais agora.

No início do governo Bolsonaro a senhora tinha muita interlocução, sobretudo com a equipe econômica. Hoje é oposição?

Sou independente, porque, de alguma forma, voto com o governo em tudo o que acho que é importante para o país. O que está me tirando desta independência é o fato de ver que nem mais pauta econômica o governo tem. Tem uma pauta eleitoreira. Apresentou uma reforma administrativa que de reforma não tem nada e jogou no colo do Congresso. Entrega uma reforma tributária que não é reforma, ali só tem aumento disfarçado de imposto para um segmento muito importante, que é o setor de serviços. Vão usar dinheiro público com fins eleitoreiros.

Eles estão brincando com a economia brasileira. Não consigo entender como o mercado ainda não visualizou isso. Eles podem quebrar o país, como a Dilma fez lá atrás. Os gastos públicos crescem, a receita caiu, vai ter aumento de inflação. Eles se recusam a cortar gastos, porque querem a agenda populista. A dúvida é se o Congresso vai cair nessa e se o Centrão vai se submeter a isso. O MDB se posicionou radicalmente contra esse engodo de reforma tributária.

Se houver segundo turno entre Lula em Bolsonaro em 2022, em quem a senhora vai votar?

Não respondo a essa questão porque é um erro de quem busca a terceira via responder. Quem é do centro democrático não pode responder a essa pergunta, a meu ver. Porque só divide quem está sentado numa mesma mesa. O centro democrático, se quiser, tem todas as condições de estar no segundo turno. Pelo andar da carruagem, como o santo é, sim, de barro, não tenho dúvidas de que o centro pode sim estar com Lula no segundo turno. Então não é escolha de Sophia. Por tudo o que eu já disse, acho que a resposta está dada. Mas o externar isso enfraquece a construção de uma alternativa de poder. A terceira via é melhor, e eu acredito nela.

Deutsche Welle Brasil, em 07.07.2021

Brasil registra mais 1.648 mortes por covid-19

Número acumulado de mortes passa de 528 mil. Total de casos notificados da doença passa de 18,9 milhões.


O Brasil registrou oficialmente nesta quarta-feira (07/07) 1.648 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 54.022 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções reportadas no país chega a 18.909.037, e os óbitos oficialmente identificados somam 528.540.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 17.262.646 de pacientes haviam se recuperado da doença até terça-feira, mas os números não indicam quantos ficaram com sequelas.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 606 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,7 milhões) e Índia (30,6 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 251,5 no Brasil, a 8ª mais alta do mundo, atrás apenas de alguns pequenos países europeus e do Peru.

Ao todo, mais de 184 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e foram notificadas 3,99 milhões de mortes associadas à doença.

Deutsche Welle Brasil, em 07.07.2021

Reunião com Davati foi encaixada por coronel bolsonarista em agenda de outro empresário

 Foi a esse coronel que o cabo Dominghetti se referiu quando disse que "um colega de turma" de Elcio Franco viabilizou o encontro. Segundo Dominghetti, Helcio Almeida tinha acesso ao 02 do ministério "por ele ser dos comandos". Em conversa ontem, por telefone e mensagens, Helcio (com H) confirmou que seu acesso ao coronel Elcio (com E) vem das Forças Especiais. "Serve como boa credencial", escreveu. 

O coronel da reserva Helcio Bruno Almeida (à esquerda), que organizou a reunião para a oferta de 400 milhões de doses de vacina ao número 2 do Ministério da Saúde, Elcio Franco

Desde que o cabo da PM Luiz Paulo Dominghetti afirmou na CPI da Covid ter recebido um pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina oferecida ao Ministério da Saúde, a cada dia surgem mais detalhes da negociação que colocou, de um lado, o PM, um reverendo e um executivo de uma empresa obscura dos Estados Unidos – e de outro, funcionários indicados pelo Centrão do deputado Ricardo Barros (PP-PR) e coronéis subordinados a Eduardo Pazuello. Na última sexta-feira (01), na CPI, um novo personagem passou a fazer parte desse enredo. 

Trata-se do coronel da reserva Helcio Bruno de Almeida, presidente do Instituto Força Brasil, que defende causas bolsonaristas como o armamento da população, o voto impresso e o tratamento precoce. O vice-presidente da entidade é o empresário Otavio Fakhoury, investigado na CPI das fake news. Helcio também é egresso das Forças Especiais do Exército, assim como o secretário-executivo do ministério, Elcio Franco, Pazuello e vários ministros palacianos. 

Foi a esse coronel que o cabo Dominghetti se referiu quando disse que "um colega de turma" de Elcio Franco viabilizou o encontro. Segundo Dominghetti, Helcio Almeida tinha acesso ao 02 do ministério "por ele ser dos comandos". Em conversa ontem, por telefone e mensagens, Helcio (com H) confirmou que seu acesso ao coronel Elcio (com E) vem das Forças Especiais. "Serve como boa credencial", escreveu. 

O Instituto Força Brasil foi criado emsetembro do ano passado, já em meio à pandemia. O site oficial diz que a entidade sem fins lucrativos "se propõe a fazer frente à hegemonia da esquerda como participante do poder, bem assim ao crime organizado nas instituições" e "deste modo, oferecer subsídios para o fortalecimento dos movimentos ativistas conservadores". 

A reunião dos coronéis aconteceu na manhã do dia 12 de março e estava prevista na agenda oficial do ministério. Mas não era para falar com a Davati, e sim para tratar do  "Contrato Beep". Em tese, deveria servir para o dono de uma rede privada de vacinação do Rio de Janeiro, a Beep, dar sugestões para regulamentação da lei que permitia a compra de vacinas para o setor privado. 

Mas, no horário marcado, o coronel Helcio apareceu com Dominghetti, o executivo da Davati Cristiano Carvalho e o reverendo Amilton Gomes de Paula, da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), entidade religiosa com sede em Brasília.

Quando o secretário de Pazuello chegou, havia cerca de dez pessoas numa sala anexa ao seu gabinete, incluindo funcionários do Ministério e o presidente da Beep, Vander Corteze. 

Mas a pauta da Davati tomou a maior parte dos 15 a 20 minutos reservados para os visitantes. Segundo um executivo destacado pela Beep para dar informações a esta reportagem, o presidente da empresa ficou atrás do grupo, no fundo da sala, enquanto Dominghetti, Carvalho e o reverendo Amilton Gomes de Paula falavam da proposta das 400 milhões de doses de AstraZeneca – que havia começado a ser discutida a um preço de US$ 3,50, mas já  estava cotada a US$ 17,50 por dose. 

"Alguns dias antes da minha audiência eu tive um contato com a Davati e eles comentaram sobre uma proposta de vacinas que haviam feito à secretaria-executiva. E que o assunto estava lá. Como essas vacinas também poderiam ser oferecidas ao setor privado, eu entendi que eles também poderiam participar dessa audiência"

Àquela altura, Dominghetti já tinha feito a oferta ao diretor de logística do ministério, Roberto Dias, que segundo afirmou à CPI pediu propina de US$ 1 por vacina. O pedido teria sido feito no dia 25 de fevereiro, num shopping de Brasília. Dias nega. 

Depois disso, os representantes da Davati se encontraram com o secretário de Vigilância em Saúde, Laurício Monteiro, na tentativa de fazer a venda se concretizar. Mas o secretário disse que cabia ao 02 do ministério decidir sobre compra de vacinas. 

No dia 11 de março, o reverendo Amilton enviou email ao sócio da Davati nos Estados Unidos, Herman Cardenas, avisando da reunião.

Esses emails foram exibidos pelo Jornal Nacional, da TV Globo, no sábado (3). Neles, o reverendo diz que o encontro do dia 12 seria para "tratar de questões relacionadas à aquisição de vacinas da Astrazeneca via Davati, fortalecendo assim a confiabilidade dos laços para futuras aquisições”. Diz, ainda, que a reunião era importante para validar a proposta de preço.

À CPI, Dominghetti que, ao chegar ao ministério, percebeu que Elcio Franco não sabia nada da proposta. "O que nos espantou o Sr. Coronel Elcio Franco não ter conhecimento dessa proposta", afirmou. "Então, ela foi novamente validada."

Depois do encontro, os representantes da Davati, o da Beep e os membros do Instituto Brasil foram almoçar na casa de uma amiga do grupo. Não havia restaurantes abertos, porque a capital federal estava em lockdown. 

Os emails em poder da CPI informam ainda que o reverendo esperava assinar o contrato no próprioa dia 12, mas isso não aconteceu nem naquele dia, nem depois. A Davati afirma oficialmente que não recebeu mais nenhum contato do ministério. Tampouco há provas de que os representantes da Davati tivessem mesmo 400 milhões de doses de AstraZeneca para vender. A farmacêutica afirma que a Davati não tinha procuração para representá-la. 

O coronel Helcio Almeida – que, em seus perfis, se apresenta como especialista em geopolítica e segurança – diz que só levou os negociadores de vacina ao ministério porque checou "com os Estados Unidos" e confirmou que "eram idôneos". Perguntei com quem nos Estados Unidos ele conferiu a informação. Resposta: com interlocutores da própria Davati.  

"Meu assunto não tem nada a ver com vacina. Somos inclusive a favor do tratamento preventivo. Eu fiquei seguro porque a informação que eu recebi foi de uma pessoa idônea dos Estados Unidos, um consultor da Davati. Eu conferi as informações que eu tinha no momento. Estava absolutamente tranquilo de que não havia nenhum problema nessa relação", disse o coronel.  

Há divergências entre o relato feito pelo representante da Davati à CPI e as informações que o coronel Helcio deu à coluna. O coronel afirma que foi procurado pela Davati dois dias antes da reunião no ministério, e só então se ofereceu para levá-los ao encontro. 

Mas, a senadores da CPI, os representantes da Davati afirmaram ter recebido um contato de Helcio no final de janeiro, junto com o reverendo Amilton, se oferecendo para facilitar o acesso do grupo ao Ministério da Saúde.

O executivo indicado pela Beep para prestar informações também afirmou que Helcio foi indicado por pessoas do mercado de laboratórios que o descreveram como alguém que abria portas no governo. 

"As portas já estavam abertas, porque já tinha uma audiência marcada", diz Helcio Almeida. De fato, estavam. Mas a conversa não evoluiu.

Segundo Dominghetti, "houve uma troca de olhares, ele  (Elcio) abaixou a cabeça, simplesmente saiu e pediu para que dois estagiários pegassem os nossos nomes, que entrariam em contato, que ele ia validar a proposta da Davati."

Apesar de ter feito a intermediação da reunião, o coronel Helcio Almeida diz que não há relação comercial entre ele e a Davati. Segundo ele, o único objetivo era ajudar o ministério a conseguir vacinas.  "Eu fiz o que pude, por altruísmo, naquele momento."

Além do contato próximo com os militares, o coronel Helcio Almeida tinha como cartão de visitas o próprio Instituto Força Brasil.

Segundo o coronel, embora tenha sido formada só em setembro do ano passado, a  entidade vinha sendo planejada junto  com Otavio Fakhoury e outros sócios desde 2018, quando se juntaram para militar a favor de Jair Bolsonaro. 

Seu primeiro projeto era desenvolver um aplicativo "de teleconsulta e diagnóstico imediato pelo médico" para oferecer "tratamento preventivo" aos primeiros sintomas de Covid.

Algo semelhante ao TrateCov, que foi depois criado pelo Ministério da Saúde. Assim como no caso das vacinas, não foi adiante. 

Malu Gaspar para O GLOBO, em 07/07/2021 • 04:30

PM discutiu "esquema" na Saúde bem antes de suposto pedido de propina

Mensagens do celular do PM Luiz Paulo Dominguetti mostram que ele já falava sobre superfaturamento no ministério semanas antes de suposta cobrança de propina sobre doses de vacina denunciada à CPI da Pandemia.


Celular de Dominguetti foi apreendido durante seu depoimento à CPI da Pandemia

Luiz Paulo Dominguetti Pereira, policial militar que também atuava como representante da empresa Davati Medical Supply e denunciou a cobrança de propina no Ministério da Saúde para a compra de vacinas, já falava sobre superfaturamento dentro da pasta semanas antes do suposto pedido de suborno, indicam mensagens de seu celular divulgadas nesta terça-feira (06/07) pelo Jornal Nacional.

Dominguetti disse em entrevista publicada em 29 de junho pelo jornal Folha de S.Paulo que Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística do Ministério da Saúde, cobrou propina de 1 dólar por dose para que a pasta fechasse a compra de 400 milhões de doses da vacina contra covid-19 produzida pela AstraZeneca. Dias foi exonerado do cargo no mesmo dia. 

Em depoimento à CPI em 1º de julho, Dominguetti repetiu a versão relatada à Folha e disse ter se reunido em 25 de fevereiro, em um restaurante de Brasília, com Dias e o tenente-coronel da reserva Marcelo Blanco, que então era assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde. Ali, Dias teria feito o pedido de propina.

Nas mensagens agora divulgadas pelo Jornal Nacional, trocadas no início de fevereiro, Dominguetti conversa com um contato identificado como coronel Romualdo, que já havia sido citado por ele à CPI, sobre um suposto esquema de superfaturamento.

Em 8 de fevereiro, Romualdo escreve a Dominguetti ser "importante ver quem está nesse esquema lá no MS" e afirma que "para a coisa chegar no presidente... tem que ter informação correta", sem especificar se se referia ao presidente Jair Bolsonaro.

Aparentemente abordando o mesmo assunto, Dominguetti envia então uma imagem de outra mensagem ao coronel e escreve: "Cmt absurdo!". "Queriam que eu superfaturado o valor da vacina para 35 dólares". "Falei que ninguém fazia". Ao que Romualdo responde: "Absurdo".

Romualdo escreve então que Dominguetti tinha lhe falado sobre "um Dias no MS" e envia um link de uma reportagem perguntando se se tratava da pessoa citada no texto.

Junto com uma foto de Roberto Dias, Dominguetti responde: "Se for este, matou a charada". "Ele quem assina as compras e contratos no ministério".

Elementos suspeitos

A CPI da Pandemia removeu nesta terça-feira o sigilo das mensagens de celular de Dominguetti. O aparelho havia sido apreendido para perícia durante o depoimento à comissão no Senado.

Desde o início, a história contada pelo PM tem elementos suspeitos. A Davati, sediada nos Estados Unidos, foi formada em 2020 e tem apenas três funcionários. A AstraZeneca declarou que não negocia vacinas com entes privados, negou ter trabalhado com a Davati e afirmou que todas as vendas no Brasil foram tratadas com a Fiocruz.

Segundo informações reveladas pela Folha e pela TV Globo, no mesmo período em que Dominguetti trocou mensagens com o coronel Romualdo, Dias procurou Cristiano Carvalho, representante oficial da Davati no Brasil. Os contatos sobre a venda de doses de vacina entre os representantes do Ministério da Saúde e da empresa americana teriam começado em 3 de fevereiro.

Também é alvo da CPI uma mensagem enviada por Dominguetti ao coronel Blanco em 8 de março, em que o PM escreve: "Vamos depositar US$ 1 milhão agora". Não está claro se o valor foi de fato depósito, para quem e por quê.

Em outras mensagens do celular de Dominguetti às quais a Folha teve acesso, o PM conversa com o coronel Blanco e com Carvalho, representante  da Davati. Segundo o jornal, as conversas indicam que os três mantiveram expectativas de fechar contrato com o Ministério da Saúde até meados de março, ou seja, semanas depois do suposto pedido de propina por Dias.

A CPI da Pandemia ouvirá Dias nesta quarta-feira. A comissão também já aprovou a convocação de Blanco, que falará aos senadores em data a ser agendada.

Deutsche Welle Brasil, em 07.07.2021

Uma reforma eleitoral desastrada

O ‘distritão’ enfraquece a democracia representativa ao desvalorizar os partidos

A democracia exige eleições periódicas. A cada quatro anos, o eleitor escolhe quem serão seus representantes no Executivo e no Legislativo, nas três esferas da Federação. No Brasil, o Congresso inventou uma outra modalidade de evento recorrente, atrelado às eleições: a reforma eleitoral rotineiramente realizada a cada dois anos. Não tem ano prévio às eleições em que o Congresso não aprove uma reforma eleitoral.

Essa contínua revisão das regras eleitorais é, por si só, disfuncional. No entanto, neste ano, a reforma eleitoral discutida no Congresso não apenas desrespeita a estabilidade mínima de que a lei deve dispor, como tem levantado uma série de propostas que são verdadeiros desastres.

Uma dessas medidas prejudiciais é a criação do chamado “distritão”, sistema de eleição majoritária, em grandes circunscrições, para o Legislativo. Hoje, os deputados são eleitos pelo sistema proporcional, no qual o preenchimento das vagas é definido de acordo com o número de votos para cada partido e o quociente eleitoral. No “distritão”, são eleitos os candidatos com o maior número de votos em cada Estado, sem levar em conta os votos que cada legenda recebeu.

A eleição majoritária em grandes circunscrições para o Legislativo favorece candidatos já conhecidos, como personalidades artísticas, lideranças religiosas e caciques políticos. Além de tornar mais difícil a renovação política, a proposta enfraquece a democracia representativa, desvalorizando os partidos. Com o “distritão”, os eleitos representam apenas a si mesmos.

A proposta é tão prejudicial para a qualidade da representação política que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, tem alertado para as suas consequências danosas. “O ‘distritão’ não barateia as campanhas, talvez encareça. Ele enfraquece os partidos e será dramático para a representação das minorias”, disse o presidente do TSE, em recente debate do Senado.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) lembrou que o “distritão” aumenta a fragmentação partidária das Casas Legislativas, o que é também um evidente retrocesso. Nos últimos anos, o objetivo foi precisamente implementar medidas, como a cláusula de barreira, para reduzir o número de legendas no Legislativo, de modo a melhorar a representação política e a governabilidade.

Com o atual número de partidos – e que tenderia a aumentar com a implementação do “distritão” –, há um incentivo para o toma lá dá cá. Simplesmente, não tem cabimento o Congresso aprovar mudanças que favoreçam, em alguma medida, o uso da política como balcão de negócios.

Além do “distritão”, o Congresso debate, no âmbito da reforma eleitoral, uma possível volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais, proibidas pela Emenda Constitucional (EC) 97/2017.

Aplicada pela primeira vez nas eleições municipais de 2020, a restrição de coligações é importante proteção do voto. Antes, o voto em determinado candidato podia eleger outro candidato, de outro partido, em razão de um acordo entre as legendas. Não faz sentido retirar a proibição das coligações antes de sua aplicação nas esferas federal e estadual.

Também houve a tentativa, por parte de alguns parlamentares, de viabilizar a volta das doações de pessoas jurídicas a candidatos e partidos políticos. Além de ser um desrespeito com a Constituição e com a lisura do sistema político-eleitoral, a manobra é outro grave retrocesso, do ponto de vista das negociatas político-partidárias.

Além disso, a Câmara pôs para tramitar, em regime de urgência, um projeto de lei, apresentado em 2015 no Senado, que tenta burlar a cláusula de barreira. O Projeto de Lei (PL) 2.522/15 possibilita que dois ou mais partidos se reúnam em uma federação.

Com uma taxa inédita de renovação das cadeiras, a atual legislatura foi eleita com o objetivo explícito de renovar as práticas políticas. Seria uma burla com o eleitor que este Congresso, em vez de melhorar a legislação, aprovasse medidas que fortalecem os feudos políticos e distorcem a representação.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 07 de julho de 2021 | 03h00

A estreita visão do governo

O bem-estar da população passa ao largo do rol de preocupações do presidente da República. Jair Bolsonaro só tem olhos para a eleição de 2022.

O presidente Jair Bolsonaro editou medida provisória no início desta semana prorrogando o pagamento do auxílio emergencial por três meses. Cerca de 39 milhões de brasileiros receberão entre R$ 150 e R$ 375 até outubro. A nova rodada de pagamentos, portanto, segue os moldes da anterior, tanto em valores como em público-alvo.

Com o País ainda devastado pelos efeitos da pandemia de covid-19, prorrogar o auxílio emergencial era o mínimo a fazer, até mesmo por imposição humanitária. A taxa de desemprego beira os 15%, a inflação acima do teto da meta corrói a renda dos que ainda a têm e o espectro da fome ronda os lares de milhões de brasileiros. O grande problema é que Bolsonaro é um presidente do tipo que se contenta com o mínimo a fazer, especialmente quando este mínimo é o que ele precisa para tentar estancar a vertiginosa queda de sua popularidade.

A esta altura, já está claro para a maioria dos brasileiros – como pesquisas de opinião sobre o governo podem atestar – que o bem-estar da população passa ao largo do rol de preocupações do presidente da República. Bolsonaro só tem olhos para a eleição de 2022. Neste sentido, prorrogar o auxílio emergencial não se pauta por outra coisa que não o mero cálculo eleitoral. Caso estivesse genuinamente preocupado com a situação periclitante de milhões de brasileiros, Bolsonaro teria dedicado tempo e energia para melhor formular e implementar seu plano de transferência de renda, uma reformulação do programa Bolsa Família que o governo pretende chamar de Renda Brasil.

“Estamos prorrogando o auxílio emergencial por mais três meses enquanto acertamos o valor do novo Bolsa Família para o ano que vem”, disse o presidente durante breve cerimônia em seu gabinete. Por sua vez, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a prometer o lançamento do Renda Brasil ainda neste ano. Já o ministro da Cidadania, João Roma, afirmou que o programa será lançado em novembro próximo. Bolsonaro fala em 2022, Guedes é impreciso e Roma promete o Renda Brasil para daqui a cinco meses. Uma conversa entre os três poderia resolver ao menos o problema de comunicação.

A prorrogação do auxílio emergencial, repita-se, era o certo a fazer. Mais certo, porém, teria sido o governo compreender, ainda em 2020, o sentido da palavra “emergencial” e ter planejado a transição para o novo Bolsa Família, reformulado. Não o fez porque só planeja quem tem um plano a executar. A ausência de um programa de governo claro e exequível é um vício fundamental deste governo. Igualmente, a visão estreita. Basta lembrar que o ministro da Economia, não faz muito tempo, falou em “surpresa” pela irrupção da segunda onda de covid-19 no País, ainda mais mortal do que a primeira. Não foram poucos os epidemiologistas que alertaram para este risco.

Um programa de transferência de renda, seja como for chamado, é imperativo em um país tão desigual como o Brasil. Mas não deve ser um fim em si mesmo. É dever do governo planejar uma política econômica que propicie as condições para o crescimento da atividade, este, sim, capaz de mudar a vida das pessoas de forma consistente. A política econômica há de vir acompanhada por uma política de educação igualmente bem elaborada e implementada. No Brasil sob Jair Bolsonaro, não há uma coisa nem outra.

Ao presidente, ao que parece, interessa mais lançar mão de políticas pontuais de claro viés eleiçoeiro do que atacar os problemas que pairam sobre sua mesa de trabalho com mais responsabilidade. Bolsonaro não mobilizou seu governo para mudar profundamente a realidade que submete milhões de seus concidadãos à pobreza, ao desemprego e à fome. Agora, acossado que está por graves denúncias de corrupção na aquisição de vacinas, pela acusação da prática de “rachadinhas” e, como se não bastasse, pelos achados de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que tem lançado luz sobre o descalabro que é a resposta federal à crise sanitária, tenta de qualquer forma se manter de pé do ponto de vista eleitoral, dado que a atual conjuntura política lhe é flagrantemente desfavorável.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 07 de julho de 2021 | 03h00

Desconhecidas no mercado, empresas que negociaram vacinas ampliam negócios no governo Bolsonaro

Belcher Farmacêutica e Precisa Medicamentos são alvo da CPI por suspeita de irregularidades nas negociações de imunizantes contra a covid


Precisa Medicamentos tem sede em Barueri; empresa negociou Covaxin com associação de clínicas privadas e também com o governo Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Desconhecidas no mercado farmacêutico até poucas semanas atrás, as empresas Precisa Medicamentos e Belcher Farmacêutica têm em comum mais do que as suspeitas de irregularidades nas negociações de vacinas com o governo federal. Alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, ambas têm ligações com o deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo na Câmara, e conquistaram uma série de contratos na gestão de Jair Bolsonaro em processos sem licitação.

Como revelou o Estadão, os valores dos negócios da Precisa com o governo aumentaram 6.000% após Bolsonaro assumir. No caso da Belcher, que negociou a vacina chinesa Convidencia com o Ministério da Saúde, mas não chegou a fechar um acordo, foram 12 diferentes contratos a partir de 2020. Antes disso, a farmacêutica nunca havia sido contratada pela administração federal.

Com sede em Maringá, a Belcher abriu negociação com o Ministério da Saúde para vender doses de vacinas em nome do laboratório chinês CanSino, mas no mês passado os chineses romperam a parceria sem explicar o motivo. Antes disso, a empresa paranaense já havia recebido R$ 653 mil de recursos federais, relativos a vendas de produtos médico-hospitalares relacionadas à covid-19, como máscaras cirúrgicas, luvas e termômetros. Conforme dados que constam no Portal da Transparência, os contratos da Belcher foram feitos para fornecimento de materiais para uma série de ministérios, como o da Defesa e da Economia. Embora tenha sido fundada em 2011, esta foi a primeira vez que a empresa negociou com a administração federal.

Por trás da Belcher está Daniel Moleirinho Feio Ribeiro, sócio da empresa, filho de Francisco Feio Ribeiro, um ex-secretário de Ricardo Barros na época em que ele era prefeito de Maringá. Outra ligação é o advogado Flávio Pansieri, que defende o parlamentar em ações na Justiça e, ao mesmo tempo, se apresentou como representante da empresa paranaense na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como mostrou o jornal Folha de S. Paulo. Em nota, a empresa negou qualquer “interferência ou relação do deputado, de qualquer outro parlamentar, autoridade ou terceiro” nos negócios.

Questionado, porém, Barros admite que conhece os donos da Belcher e afirma que faz parte de sua posição no governo ter relações com empresas desse setor. “Na condição de ex-ministro da Saúde e coordenador da Frente Parlamentar da Indústria Pública de Medicamentos sou procurado por muitos parceiros do SUS e coopero naquilo que está ao meu alcance em todos os temas da Saúde. Em relação à pandemia da covid o objetivo maior é que todos os brasileiros possam ser imunizados e tratados o quanto antes. É minha obrigação como parlamentar”, afirmou. Ele também diz não ver qualquer impedimento de seu advogado atuar como representante da empresa.

Quando abriu negociações para vender vacinas ao Ministério da Saúde, em junho deste ano, a Belcher já havia sido alvo da operação “Falso Negativo”, sob suspeita de fazer parte de um esquema que superfaturou testes de coronavírus adquiridos pelo governo do Distrito Federal. A investigação aponta conluio entre empresas para oferecer produtos com preços mais altos.

A farmacêutica de Maringá virou alvo da CPI após tentar vender vacinas a um preço mais alto do que todos os outros imunizantes já comprados até agora pelo governo federal. No caso da vacina Convidencia, a dose foi oferecida a US$ 17, valor acima do imunizante indiano Covaxin, o mais caro até agora adquirido pelo Ministério da Saúde (US$15).

No caso da Covaxin, cuja compra foi intermediada pela Precisa, o contrato se tornou alvo de investigações após um servidor da pasta apontar suspeitas de corrupção no processo de contratação.

Diferentemente da Belcher, o contrato com a Precisa foi assinado em fevereiro deste ano e prevê a compra de 20 milhões de doses a R$ 1,6 bilhão. O sócio da empresa é um velho conhecido do Ministério da Saúde, o empresário Francisco Maximiano. Em 2017, uma compra de medicamentos de alto custo contra doenças raras da Global Gestão em Saúde, outra empresa de Maximiano, virou alvo do Ministério Público Federal, que denunciou a firma por participação em um esquema de desvio de recursos públicos. Na ocasião, o Ministério da Saúde pagou R$ 19,9 milhões antecipadamente pelos remédios, que nunca foram entregues. O ministro na época era Ricardo Barros, que é réu no processo por improbidade administrativa.

Relação com empresários

A negociação da Belcher com o Ministério da Saúde envolveu 60 milhões de doses, com um valor total de R$ 5 bilhões. A parceria com a farmacêutica, contudo, foi cancelada unilateralmente pelo laboratório chinês. A CanSino informou à Anvisa, por meio de um comunicado, que nem a Belcher ou o Instituto Vital (com o qual atuava em conjunto na negociação) tinham mais autorização para representar o laboratório chinês no Brasil. Procurada para esclarecer a razão do fim do contrato, a CanSino não retornou aos pedidos de entrevista.

As relações da Belcher com o bolsonarismo vão além de Barros. O sócio de Moleirinho é Emanuel Catori, que ocupa o cargo de presidente da empresa e que apareceu ao lado de empresários próximos de Bolsonaro que defenderam a compra da vacina chinesa, caso de Carlos Wizard. Outro empresário que defendeu a aprovação da Convidencia pela Anvisa foi Luciano Hang, dono da varejista catarinense Havan, ferrenho defensor do presidente, desde a época da campanha de 2018.

Um grupo de empresários, liderado por Wizard e Hang, foi o responsável pelo pedido de autorização de uso no Brasil desse imunizante chinês. Catori chegou a participar de uma “live” ao lado dos empresários, quando defendeu a vacinação pelo setor privado para “agilizar o processo de vacinação em massa para que tudo volte à normalidade o mais rápido possível”. Procurados, Wizard e Hang não responderam.

Davati

Uma terceira negociação de vacinas que entrou no foco da CPI envolve outra empresa sem tradição no ramo. A americana Davati Medical Supply virou alvo dos senadores após denúncia feita pelo cabo da Polícia Militar Luiz Paulo Dominghetti de que recebeu pedido de propina para vender 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca com o Ministério da Saúde. Ele não apresentou qualquer prova do que disse.

Embora não reconheça o policial como representante, a empresa admite que a oferta existiu, mas não foi para frente. A AstraZeneca, por sua vez, nega que a Davati tenha autorização para vender doses da sua vacina.

Em seu site, a Davati não disponibiliza a vacina da AstraZeneca em seu portfólio, mas sim outros medicamentos como o antiviral Remdesivir, recentemente aprovado como medicamento para uso em pacientes com covid-19.

Em março de 2021, a Davati foi questionada pelo Better Business Bureau (BBB), uma sólida organização que atua nos Estados Unidos e no Canadá na promoção da transparência de informações de empresas e da confiança de mercado. Após consulta à Texas Secretary of State, o BBB contestou as alegações da Davati, de que a empresa mantém parcerias formais com farmacêuticas. Segundo registros obtidos pelo BBB, a Davati foi criada em 2013 e não há 22 anos, como divulga.

No momento, a Davati está sendo investigada pelos governos do Canadá e dos Estados Unidos por ter oferecido vacinas em nome da AstraZeneca, permissão que nunca teria sido concedida pela fabricante. No Brasil, também fez propostas a prefeituras, mas não há registros de que tenha fechado qualquer negócio.

Procurada, a empresa não respondeu aos contatos da reportagem.

Fernanda Guimarães e Victor Faria, especial para o O Estado de S.Paulo, em 07 de julho de 2021 | 05h00

Documentos mostram que cloroquina virou jogo de empurra entre Defesa e Saúde após pressão de CPI

Quem mandou o Exército produzir o medicamento, ineficaz para covid-19 e obsessão de Bolsonaro, para distribuir à rede pública? Oficialmente, ninguém, segundo respostas das pastas aos senadores da comissão que investiga o Governo

Laboratório do Exército (LQFEx) ampliou a produção de cloroquina na pandemia. (LQFEX / REPRODUÇÃO)

Quem mandou o Exército produzir cloroquina para distribuir à rede pública? Oficialmente, ninguém, segundo respostas dos ministérios da Saúde e da Defesa encaminhadas à CPI da Pandemia. As pastas se contradizem sobre a responsabilidade no aumento da produção do medicamento utilizado contra à malária e sem eficácia comprovada contra a covid-19 e que, mesmo assim, se tornou a principal estratégia do presidente Jair Bolsonaro no combate à pandemia. A crise de responsabilidade coloca o Governo em nova saia justa, num momento em que o presidente é acusado de contar com um gabinete paralelo de gestão da pandemia e vê seu comando na Saúde acossado por denúncias de corrupção.

O Ministério da Saúde disse à CPI que a ordem não partiu de lá. “Informamos que não houve envio, por parte do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos (DAF), de nenhum ofício ao Ministério da Defesa solicitando a produção de cloroquina e hidroxicloroquina.” A pasta esclarece ainda que a hidroxicloroquina distribuída pelo Governo é fruto de uma doação recebida do Governo norte-americano “para ser utilizada como medida adicional ao enfrentamento da pandemia”. A responsabilidade seria do Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx), que desde janeiro de 2000 tem permissão para produzir a cloroquina junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e teria se colocado “à disposição” para distribuir às Secretarias de Saúde de Estados e municípios a cloroquina 150 mg.

Essa versão dos fatos foi corroborada em entrevista dada ao EL PAÍS pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. “Jamais o Ministério da Saúde solicitou ao Exército produção para atender o que estava no kit ilusão, que era jogar esse medicamento para a atenção primária. O Exército na época nos informou que tinha em estoque X comprimidos. Falamos: pode mandar para o Ministério da Saúde para gente atravessar esse período. Eu nunca fiz agenda com o Exército para aumento da produção”, disse o ex-ministro.

O Ministério da Defesa, por outro lado, afirmou que atendeu “à orientação e à demanda do Ministério da Saúde para a produção de cloroquina” no Laboratório Químico Farmacêutico do Exército. Ofício da pasta enviado à CPI e assinado pelo atual ministro Walter Braga Netto acrescenta ainda que o laboratório não realiza “por não ser sua missão, qualquer juízo de valor de eficácia de medicamentos”, tampouco da prescrição médica. A Defesa vem repetindo essa narrativa desde o começo da crise sanitária. Em maio de 2020, ao ser questionado pela reportagem do EL PAÍS sobre a produção da cloroquina, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que o Laboratório do Exército “recebe demandas do Ministério da Saúde, por meio de Termos de Execução Descentralizada”. E que “nestes casos, após produzido o medicamento, o mesmo é distribuído às Secretarias Estaduais de Saúde e ao Estoque Regulador, conforme pauta definida pelo próprio demandante (Ministério da Saúde)”. Por fim, informou também que a destinação do material produzido caberia ao Ministério da Defesa, “conforme orientação do Ministério da Saúde”.

Quando Bolsonaro anunciou que ampliaria a produção de cloroquina em 21 de março de 2020, mencionou estudos sobre o medicamento para a covid-19 iniciados pelo Hospital Israelita Albert Einstein, mas não fez qualquer menção ao Ministério da Saúde ou ao seu então ministro, Mandetta. 

“Agora há pouco me reuni com o senhor ministro da Defesa [na época, Fernando Azevedo e Silva] onde decidimos que o laboratório Químico e Farmacêutico do Exército deve imediatamente ampliar a sua produção deste medicamento”, disse o presidente em uma postagem nas redes sociais. 

O LQFEx aumentou a sua produção logo depois, a partir de 23 de março. Em abril, um texto no site do Exército afirmava que o medicamento usado contra malária, artrite e lúpus estava em falta nas farmácias em virtude da divulgação do seu uso contra o coronavírus. 

A ordem do presidente não parece ter sido formalizada pelos órgãos competentes, o que alimenta as suspeitas de que havia um funcionamento paralelo ao controle do Estado das questões da pandemia. 

Perguntamos aos ministérios da Saúde e Defesa sobre quem é o responsável pelo aumento da produção de cloroquina, mas, até a publicação desta reportagem, não tivemos resposta.

A cadeia de distribuição

Antes da crise da covid-19, o laboratório militar produzia um lote de 250.000 comprimidos a cada dois anos, “sendo esta demanda exclusiva do Exército Brasileiro, para o combate à malária”. À CPI, o Ministério da Defesa informou que as entregas do medicamento pelo LQFEX ocorreram diretamente às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, totalizando 2.463.200 comprimidos de cloroquina 150mg. Ao todo, o Governo distribuiu 5.416.510 comprimidos, sendo 2.953.310 do estoque do Ministério da Saúde. Acrescentou ainda que a “entrega da produção, demandada pelo Ministério da Saúde, foi atendida por intermédio das pautas encaminhadas pelos Ofícios números 150, 167 e 254/2020/CGAFME/DAF/SCTIE/MS, anexos”. Estes documentos, porém, não fazem alusão a qualquer pedido de produção embora orientem como distribuir os medicamentos tendo em vista informações de pronta entrega e de aumento da produção pelo laboratório do Exército durante a pandemia.

Os próprios documentos enviados pelo Ministério da Defesa à CPI da Pandemia contradizem o que afirma o atual titular da pasta, Walter Braga Netto, no ofício enviado aos senadores e o que declarou o próprio presidente Jair Bolsonaro no vídeo divulgado por ele em 21 de março do ano passado. Os papéis enviados à CPI mostram que um dia antes do anúncio do presidente ocorreu a primeira dispensa de licitação para a compra da matéria prima (o IFA) necessária para a produção do medicamento. Três dias depois, foram empenhados recursos para o pagamento. Mas a nota do Ministério da Saúde com orientações para o uso compassivo (quando não há outro recurso terapêutico para os pacientes graves em ambiente hospitalar) da cloroquina em casos graves de covid-19 ―alegada pela Defesa como motivo para o aumento da produção― só foi publicada no dia 27 de março.

CPI ouve nesta quarta feira o ex-Diretor do Ministério acusado de pedir propina 

Nesta terça-feira, a CPI da Pandemia ouviu o depoimento da servidora Regina Célia Silva Oliveira, fiscal do contrato do Ministério da Saúde com a Bharat Biotech para fornecimento de 20 milhões de doses da vacina Covaxin. Em um depoimento bastante técnico, a servidora afirmou que nunca foi nomeada para cargos por razões políticas e que não conhece o líder do Governo na Câmara Ricardo Barros, apesar de, segundo informações trazidas por alguns senadores, ter sido nomeada por ele. Oliveira disse ainda que não viu nada “atípico” no contrato, investigado pelo Ministério Público Federal e que gera cobranças do TCU (Tribunal de Contas da União). Nesta quarta, a CPI da Pandemia ouve Roberto Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde exonerado após denúncia de cobrança de propina na negociação com a empresa Davati.

BEATRIZ JUCÁ, MARINA ROSSI e REGIANE OLIVEIRA, de São Paulo para o EL PAÍS, em 06 JUL 2021 - 22:09 BRT