quarta-feira, 7 de julho de 2021

Uma reforma eleitoral desastrada

O ‘distritão’ enfraquece a democracia representativa ao desvalorizar os partidos

A democracia exige eleições periódicas. A cada quatro anos, o eleitor escolhe quem serão seus representantes no Executivo e no Legislativo, nas três esferas da Federação. No Brasil, o Congresso inventou uma outra modalidade de evento recorrente, atrelado às eleições: a reforma eleitoral rotineiramente realizada a cada dois anos. Não tem ano prévio às eleições em que o Congresso não aprove uma reforma eleitoral.

Essa contínua revisão das regras eleitorais é, por si só, disfuncional. No entanto, neste ano, a reforma eleitoral discutida no Congresso não apenas desrespeita a estabilidade mínima de que a lei deve dispor, como tem levantado uma série de propostas que são verdadeiros desastres.

Uma dessas medidas prejudiciais é a criação do chamado “distritão”, sistema de eleição majoritária, em grandes circunscrições, para o Legislativo. Hoje, os deputados são eleitos pelo sistema proporcional, no qual o preenchimento das vagas é definido de acordo com o número de votos para cada partido e o quociente eleitoral. No “distritão”, são eleitos os candidatos com o maior número de votos em cada Estado, sem levar em conta os votos que cada legenda recebeu.

A eleição majoritária em grandes circunscrições para o Legislativo favorece candidatos já conhecidos, como personalidades artísticas, lideranças religiosas e caciques políticos. Além de tornar mais difícil a renovação política, a proposta enfraquece a democracia representativa, desvalorizando os partidos. Com o “distritão”, os eleitos representam apenas a si mesmos.

A proposta é tão prejudicial para a qualidade da representação política que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, tem alertado para as suas consequências danosas. “O ‘distritão’ não barateia as campanhas, talvez encareça. Ele enfraquece os partidos e será dramático para a representação das minorias”, disse o presidente do TSE, em recente debate do Senado.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) lembrou que o “distritão” aumenta a fragmentação partidária das Casas Legislativas, o que é também um evidente retrocesso. Nos últimos anos, o objetivo foi precisamente implementar medidas, como a cláusula de barreira, para reduzir o número de legendas no Legislativo, de modo a melhorar a representação política e a governabilidade.

Com o atual número de partidos – e que tenderia a aumentar com a implementação do “distritão” –, há um incentivo para o toma lá dá cá. Simplesmente, não tem cabimento o Congresso aprovar mudanças que favoreçam, em alguma medida, o uso da política como balcão de negócios.

Além do “distritão”, o Congresso debate, no âmbito da reforma eleitoral, uma possível volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais, proibidas pela Emenda Constitucional (EC) 97/2017.

Aplicada pela primeira vez nas eleições municipais de 2020, a restrição de coligações é importante proteção do voto. Antes, o voto em determinado candidato podia eleger outro candidato, de outro partido, em razão de um acordo entre as legendas. Não faz sentido retirar a proibição das coligações antes de sua aplicação nas esferas federal e estadual.

Também houve a tentativa, por parte de alguns parlamentares, de viabilizar a volta das doações de pessoas jurídicas a candidatos e partidos políticos. Além de ser um desrespeito com a Constituição e com a lisura do sistema político-eleitoral, a manobra é outro grave retrocesso, do ponto de vista das negociatas político-partidárias.

Além disso, a Câmara pôs para tramitar, em regime de urgência, um projeto de lei, apresentado em 2015 no Senado, que tenta burlar a cláusula de barreira. O Projeto de Lei (PL) 2.522/15 possibilita que dois ou mais partidos se reúnam em uma federação.

Com uma taxa inédita de renovação das cadeiras, a atual legislatura foi eleita com o objetivo explícito de renovar as práticas políticas. Seria uma burla com o eleitor que este Congresso, em vez de melhorar a legislação, aprovasse medidas que fortalecem os feudos políticos e distorcem a representação.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 07 de julho de 2021 | 03h00

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