sexta-feira, 23 de julho de 2021

Bolsonaro joga as últimas cartas

Nessa reta final de governo, o capitão resolveu tentar de tudo para se salvar do cadafalso. Movimenta-se agora em torno de uma nova reforma ministerial que tem por objetivo, basicamente, atender ao “sobrepreço” de pedidos do Centrão para manter o seu apoio, garantindo assim a redentora base de aliados arrivistas na sonhada campanha à reeleição. 

Caiu no colo do capo da camarilha política, Ciro Nogueira — por exigência inegociável do bloco fisiológico, diga-se de passagem —, a cobiçada pasta da Casa Civil, que em outros tempos e enredo abrigou o inefável José Dirceu, espécie de eminência parda petista, de onde mandou e desmandou na tessitura do Mensalão. Nogueira entra na vaga deixada pelo general Luiz Eduardo Ramos, dispensado dos préstimos de ajudante de ordem do psicopata.

Bolsonaro não mede esforços para tratar com rapapés e mesuras os verdadeiros donos do seu destino. Ele está absolutamente refém do Centrão. E sabe disso. Quem diria! Para um mandatário que disputou a eleição prometendo jamais se lambuzar na manteiga rançosa do compadrio, do toma lá, dá cá de postos e verbas, foi bem além. Entregou as cartas uma a uma e, praticamente, a cadeira. 

O presidente hoje se equilibra no cargo por benevolência alheia. Com mais de 130 pedidos de impeachment nas costas — a maior parte repleta de crimes de responsabilidade facilmente comprováveis —, o Messias “mito”, que costuma bravatear valentia alegando que “apenas Deus” lhe tira daquele lugar, parece sempre prestar homenagem aos fiadores de seu poder. As “divindades” das quais depende atendem pelos nomes de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e Augusto Aras, o PGR que lhe presta vassalagem e deve ser reconduzido ao cargo para assegurar, em contrapartida, a tal proteção legal de divina providência. 

Frente aos avanços do Congresso, Bolsonaro encena indignação quando, na verdade, compartilha dos mesmos anseios e planos dos antigos pares. Adorou (embora tenha feito o jogo combinado de mostrar discordância) a aprovação imoral do reajuste do fundão eleitoreiro até os estratosféricos R$ 5,7 bilhões. Era o bode na sala. Agora, após tratativas com seus tutores da bancada de Nogueira, vai vetar o valor e ajustar, um pouco para baixo, contendo, ainda assim, uma remarcação generosa e sem precedentes do bolo, capaz de engordar, e muito, o dinheiro do caixa financiador dos seus planos de vitória nas urnas. 

É o método Bolsonaro de assaltar a verdade e a boa-fé dos eleitores. Posa de paladino. Ventila um aumento populista e indevido do programa assistencial do Bolsa Família e depois sai de redentor de justas causas. Que fique claro a todos: quem encaminhou, articulou e arranjou votos para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com o tal fundão de quase R$ 6 bilhões, foi o próprio governo e, agora, Bolsonaro se faz de desentendido e procura encontrar outros responsáveis pela lambança. 

O jogo de cena é uma rotina ali e nos discursos do mandatário. Vale lembrar: o fundão eleitoral passou de R$ 1,7 bilhão em 2018 para R$ 2,03 bilhões em 2019 até alcançar os inacreditáveis R$ 5,7 bilhões de hoje. Vem aumentando consecutivamente desde que o capitão tomou posse e, buscando terceirizar responsabilidades, na base de encontrar outros culpados e motivos paralelos, ele desce até o nível das desculpas risíveis. O presidente apontou que seus aliados, afoitos apoiadores do reajuste, ao votarem a favor em plenária não leram bem o que estavam aprovando. Dá para engolir? 

Todos os bolsonaristas do PSL, os filhos inclusive — Flávio Bolsonaro, no Senado, e Eduardo Bolsonaro, na Câmara —, votaram unidos pelo fundão. O elenco inteiro enganado ingenuamente? Dá até pena dos coitadinhos. Uma base completa endossando de forma majoritária o projeto, nas duas Casas, e ninguém se atentou para o que estava lá contido. Também pudera! A desculpa vai no mesmo padrão do usado pelo Ministério da Saúde, que alegou não ter gente com inglês suficiente para entender as cláusulas de um contrato e fechar com a rapidez necessária o acordo da compra de vacinas da Pfizer. 

Ao que tudo indica, os representantes do Planalto não sabem ler nem inglês, para acertar importantes acordos, nem em português, para evitar a barbeiragem de gastos indevidos. Talvez fosse melhor cada um deles voltar para os bancos da escola antes de tomarem a frente das decisões de um País. É preciso dar um basta na desfaçatez. O fundão foi uma obra coletiva do time bolsonarista, e mesmo dos opositores, em conluio, para levar adiante a boiada eleitoral. O mandatário esforça-se para criar uma narrativa tortuosa aqui e alhures. 

Da mesma maneira, recorre à lenda de fraudes nos votos, algo sem o menor cabimento ou registro passível de discussão, em 25 anos de funcionamento das urnas eletrônicas. É mais uma falácia para capturar a atenção e tumultuar o processo. No início falava que a eleição na qual ele próprio saiu vitorioso foi fraudada. Desistiu da alegação. Passou a argumentar que Aécio Neves foi o verdadeiro escolhido em 2014, apesar de o próprio tucano ter reconhecido a vitória da opositora Dilma Rousseff e não buscar contestar o resultado. É de dar pena assistir a um mandatário submetido a tamanho grau de insensatez e papel ridículo. Pena do Brasil, por ter um chefe de governo dessa estirpe. Não dele.

José Carlos Marques, o autor deste artigo, é Editor Executivo da Editora Três.

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