terça-feira, 8 de junho de 2021

Mandetta: “Se tiver 3, 4, 5 candidaturas de centro, não conte comigo. Acho que é entrar para vencer a eleição”

Ex-ministro da Saúde tem viajado o país para tentar costurar uma aliança de centro em 2022. Médico avalia que a CPI da Pandemia ainda atua de forma errática e critica manifestações contra o Governo, que segundo ele, geram aglomerações e contribuem para proliferar o coronavírus

Luiz Henrique Mandetta em Brasília, em fevereiro de 2020, quando ainda era ministro da Saúde, no início da crise sanitária no país.ADRIANO MACHADO / REUTERS

Depois de assumir o protagonismo da gestão contra a pandemia de coronavírus por meio de coletivas de imprensa diárias, no início da crise sanitária no Brasil, e de irritar o presidente Jair Bolsonaro, que o demitiu, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (Campo Grande, 1964) diz “estar pronto” para as eleições presidenciais de 2022. Ele tem viajado para várias cidades e articulado conversas com nomes que vão de Ciro Gomes (PDT) a João Dória (PSDB) em busca de construir uma terceira via alinhada ao “centro político” ―em alternativa a Lula e a seu ex-chefe, Bolsonaro, que lideram as últimas pesquisas eleitorais. Em entrevista dada por vídeoconferência ao EL PAÍS, na última segunda-feira, ele diz acreditar que há grande margem política para trabalhar o campo alternativo e diz buscar um consenso para não fragmentar as opções. “Se fragmentar esse centro, se tiver três, quatro, cinco candidaturas, não conte comigo. Eu não vou fazer esse papel pra conspirar, para que os extremos consigam, com os seus cercadinhos de radicais, ir pro segundo turno. Acho que é pra entrar para vencer a eleição”, defende. Mandetta não descarta que ele próprio seja o nome para representar este centro político, com o capital eleitoral que ganhou após deixar o Governo em abril do ano passado por discordâncias com Bolsonaro sobre medidas de isolamento social e o uso de cloroquina na pandemia.

O médico, que tem feito inúmeras críticas ao mandatário e depôs na CPI da Pandemia no início do mês, avalia que a comissão do Senado ainda está sendo trabalhada de forma errática ao discutir o uso da cloroquina, embora veja bastante material para identificar a digital de Bolsonaro na demora para comprar vacinas. “Eu me arrependo de ter acreditado que Bolsonaro queria um trabalho técnico”, afirma.

Pergunta. Você tem se colocado na linha de frente dos políticos de centro-direita para apresentar um nome para a eleição presidencial de 2022. Hoje já conseguem apresentar uma candidatura única?

Resposta. O que a gente está trabalhando agora é esse conceito de uma pré-aliança. De uma coisa aonde a gente já possa nascer, para discutir, fazer os debates. É para que a gente possa ter um ponto de convergência. Temos um bom caminho, um bom número de partidos já preparados pra ir para essa fase. E temos alguns partidos que estão ainda discutindo questões internas, de quem é o nome [a ser apresentado], como o PSDB, que está muito confuso. O PSDB tem quatro possíveis candidatos, está pensando em fazer prévias, não sabe se a prévia vai ser em outubro ou em março do outro ano. Então, não é possível aguardá-los indefinidamente. A gente está tentando se organizar pra ver se consegue iniciar essa construção no final desse primeiro semestre. Queremos conversar com uma parte significativa da sociedade que não quer os dois extremos. Tem muita gente que não quer nem esse presente amargo, nem esse passado tenebroso.

P. E quais desses partidos estão mais maduros nesta composição?

R. Eu acho que o Democratas já está com o processo bem avançado para uma sinalização de que não estará ligado aos dois polos. Também estão o Cidadania, o PV, o Podemos, talvez o Novo. Eles são partidos que não aderiram a Bolsonaro ou ao Lula. Os que aderiram a eles não têm opção, são satélites dos campos de extremos. O PSD é um partido que está discutindo internamente, está amadurecendo, o MDB também. Com esses a gente vai mantendo os diálogos, vai conversando, vai mostrando caminhos. O pano de fundo disso é a construção das candidaturas regionais.

P. Esses debates não foram precipitados?

R. Os partidos estão numa fase que, normalmente, levaria esse ano inteiro. E se chegaria no início de 2022 com a apresentação de candidaturas. Com Lula e Bolsonaro fazendo campanha desde já, colocando pessoas na rua, eles estão forçando esse debate.

P. Pretende se candidatar ao Planalto? Com quem tem conversado?

R. Está todo mundo conversando com todo mundo. Eu converso muito com o Ciro Gomes (PDT), com o pessoal do PSDB —governador Eduardo Leite (RS), senador Tasso Jereissati (CE), presidente do partido Bruno Araújo, governador João Dória (SP), Arthur Virgílio (ex-prefeito de Manaus)... Falo com o João Amoedo (NOVO), com o [ex-juiz e ex-ministro] Sérgio Moro, com o general e ex-ministro Santos Cruz, com o pessoal do Republicanos, do PV, com o PSB. Enfim, de A à Z. Eu quero fazer parte desse projeto. Se for consenso pra não fragmentar. Se esse centro tiver três, quatro, cinco candidaturas, não conte comigo. Eu não vou fazer esse papel pra conspirar, para que os extremos consigam, com os seus cercadinhos de radicais, ir pro segundo turno. É pra entrar para vencer a eleição. E é possível de vencer.

P. É uma visão um tanto otimista, não?

R. Se a gente conseguir essa unidade, a probabilidade de ir pro segundo turno é enorme. E a probabilidade de vencer os extremos também. Vamos supor, se eu for o candidato e vou pro segundo turno contra o Lula. Os votos lá do campo do Bolsonaro migram pro anti-Lula. Se for o contrário, eu for pro segundo turno contra o Bolsonaro. Os votos do Lula migram pro anti-Bolsonaro. Essa é uma eleição pra que esses personagens, esses partidos do centro, entendam que ela é uma eleição de um turno só, é do primeiro turno. O segundo turno vai ser o apoio natural.

P. Neste contexto, na sua avaliação, entraria o apoio do ex-presidente Fernando Henrique ao Lula. É isso?

R. O Fernando Henrique falou que se for Lula contra o Bolsonaro, ele vota no Lula. Eu queria perguntar pro Lula. “Se for eu, Mandetta, contra o Bolsonaro, você vota em quem?” Ele provavelmente vai votar em mim. Aí, eu vou postar uma foto com o Lula, falando, “ó, acabo de receber do Lula a informação de que vota em mim no segundo turno”.

P. E o contrário também? Declararia apoio a Lula contra Bolsonaro no segundo turno?

R. Eu vou fazer um trabalho muito grande para que esse pesadelo não aconteça. O que tem de pior que pode acontecer para o país é um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Poderia levar o país para uma situação de violência, de conflito. Eu vou fazer o possível e o impossível pra isso não acontecer. Se isso acontecer, eu vou deixar pra acordar no segundo turno e pensar o que vou fazer. Eu não tenho, agora, como exercitar esse quadro de retrocesso.

P. Os números de todos vocês de centro-direita que estão se articulando são baixíssimos hoje. Ninguém chega a dez pontos percentuais. Por que acreditar que conseguiriam chegar ao segundo turno?

R. Há quantos anos o Lula é candidato a Presidente da República? Eu era líder estudantil no Rio de Janeiro, eu devia ter 19 anos, o Lula já era candidato. Tem quase 40 anos. Ele governou o Brasil durante oito anos. O Bolsonaro começou a candidatura dele em 2014 e foi candidato, de fato, em 2018, ganha a eleição e é pré-candidato à reeleição desde o dia que recebeu faixa presidencial. Os outros nomes não. São nomes que vão ser colocados agora. Num passado seria muito difícil de chegar a informação sobre essa nova candidatura nos rincões do Brasil. Agora, com a internet, essa velocidade de informação é muito rápida. Segundo ponto, é que enquanto colocarem nas pesquisas cinco, seis, sete nomes pra serem testados, é esse o resultado. Não vai sair muito disso, vai ficar um com três, outro com seis, outro sete, outro com oito, outro com dez, outro com doze. Aí, a gente vai chegar no final e falar, “puxa, se vocês tivessem maturidade, vocês poderiam vencer”. Eu acho que se você fizer uma pesquisa com Lula, Bolsonaro e só um nome do centro, Mandetta, Ciro, sei lá, bota um nome só, você vai ver que esse nome já vai chegar perto de 20 pontos. Quando a gente tiver essa solução não fragmentada ela vai chegar em dois dígitos. Chegando nos dois dígitos, é outro cenário. Hoje, a maioria da população, 51%, não quer nem Lula nem Bolsonaro. O que ela ainda não tem é o caminho, o cardápio.

Passagem pelo Governo Bolsonaro

P. Você se arrepende de ter feito parte do Governo Bolsonaro?

R. É uma coisa dúbia, porque, se eu não estivesse lá, acho que a mortandade dessa epidemia teria sido muito maior. Eu não me arrependo do trabalho que foi feito pelo SUS e da importância que esse trabalho teve, mesmo ele tendo sido interrompido, foi ele quem segurou. Se eu não estivesse ali, se estivesse um general de plantão, se eu tivesse falado, não vou e tivesse vindo uma pandemia dessa daí e eu tivesse vendo os erros, as calamidades que eles cometeram, eu acho que eu não iria me perdoar nunca de não ter aceito o cargo de ministro. Agora, quando eu fui convidado, era pra fazer um trabalho técnico, tanto que a minha equipe era eminentemente técnica. Eu me arrependo em ter acreditado que ele, Bolsonaro, queria um trabalho técnico. Ele nunca quis um trabalho técnico, ele queria um trabalho político de segunda categoria. Queria que o Ministério da Saúde saísse do enfrentamento da pandemia e jogasse a culpa em governadores e prefeitos. Isso faz com que a gente olhe e se pergunte: “como que eu fui estar ao lado de uma pessoa que tem esse tipo de raciocínio, esse tipo de decisão?” Ele é um líder totalmente tóxico.

P. Tóxico?

R. Sim. Você não precisa de um líder para ficar causando crises artificiais e falando que é o solucionador de crises artificiais. Você precisa de líder quando você tem crises verdadeiras, quando você tem guerra, quando você tem uma hiperinflação, luta contra a corrupção, você precisa de uma liderança muito forte. No momento que a história pôs uma pedra no meio do caminho dele, ao invés de guiar o povo pra desviar da pedra, ele quis bater a cabeça na pedra ou quis negar que existisse uma pedra. E forçou as pessoas às soluções terríveis. Então, nesse ponto da conduta dele, sim, profundo arrependimento de ter feito parte disso. Mas fiz parte e me comportei da maneira que os meus valores e minha consciência me ditavam o que fazer. Do ponto de vista individual, eu acho que eu ajudei muito. Ele faz com que qualquer um que tenha votado ou qualquer um que tenha pensado que ele poderia ser esse líder que o Brasil precisava ter um arrependimento profundo. É por isso que ele está com 22%, 23% de apoio e com uma rejeição de mais de 50%.

P. No último fim de semana, mais de 200 cidades realizaram manifestações contra a política do Bolsonaro na pandemia. Qual a avaliação faz desses atos? Chegou a participar?

R. Não. O único ser que foi nesses atos e vai nos atos a favor do Bolsonaro é o vírus. O vírus agradece a essas aglomerações. Isso não é hora de incitar as pessoas para irem para rua, para manifestar, para gritar, nem pra ir em jogo de futebol. Agora é a hora de você enfrentar uma situação muito grave, que é ir para a terceira onda num espaço curto de tempo. Achei aquilo dali de péssimo gosto. Foi um erro muito grande e mostra que os dois, Lula e Bolsonaro, raciocinam igual.

P. Na sua visão, esse protesto do fim de semana não seria também um grito de desespero em relação à taxa elevada de mortalidade na pandemia?

R. Você tem várias maneiras de se manifestar sem precisar expor as pessoas. Quem agradeceu muito foi o vírus, ele estava lá presente nas duas manifestações e vai estar nas próximas também. Eu acho que a gente precisa criar a consciência coletiva, conversar com o máximo possível de pessoas, recriminar quem faz diferente, manter a coerência, está errado fazer isso.

P. E a Copa América no Brasil? É um erro sediar este torneio?

R. É o legado da Copa do Mundo do PT sendo usado pelo Governo Bolsonaro pra fazer um gol contra. A Copa América é um gol contra a vida. Só o vírus que está comemorando, ele vai dar a volta olímpica, vai entregar a taça lá no Cemitério do Araçá. Não tem razão de ser. É uma agressão, um deboche, um cinismo que passa pela CBF e pela CONMEBOL. Não pode fazer a Copa América no fim do ano, no ano que vem com o povo todo vacinado? Como é que vai proteger o entorno do torneio? Vai vacinar todo mundo? E essa questão de fronteiras, de organização, de cepa indiana, de variantes, pra cima e pra baixo, vai expor todo mundo? Aceitar sediar a Copa América é dançar em cima de cadáver. Não tem pé nem cabeça.

P. Quais os piores erros do Governo Bolsonaro na pandemia?

R. O primeiro erro foi ter se assessorado mal. Ele tinha uma informação por parte do Ministério da Saúde de todos os passos que tinham que ser dados e das consequências. Eu mostrei para ele o número de óbitos que teríamos neste caminho que ele foi, que era 180.000 óbitos até o fim do ano passado. E bateu, deu 191.000. Então, o primeiro foi erro ter montado uma assessoria paralela que vivia e vive de internet. O segundo é desmanchar a equipe técnica, que era muito boa e estava encaixada. No lugar dessa equipe, colocaram pessoas que não são do ramo de saúde. São militares, que devem ser muito bons para terem sido escolhidos, mas para a Saúde são uma tragédia. Depois, criar uma balbúrdia em cima de um remédio que não tinha evidência científica é de uma crueldade muito grande, porque isso veio acompanhado de médicos que agrediram os princípios de ciência. Isso trouxe para a população uma sensação de que existiria um remédio. Agora, o pior, o mais grave e que não tem como relevar, é o Governo ter o dinheiro na mão, receber e-mails de uma empresa para vender vacinas e não comprar. O Brasil não mandou e-mail para ninguém. O Governo tinha que ter ido atrás da Pfizer, da Moderna, de todas elas. Essa parceria do Butantã com a Sinovac [para a Coronavac), o Governo Federal tinha que ter entrado e falado para duplicar a fábrica que ia fazer, dobrar a produção. Ele debochou e tratou aquilo politicamente. Não ter enfrentado a crise com vacinas é responsável por mortes e pela não abertura da economia, mas alguns culpam governadores e prefeitos. Não consigo entender, ainda mais que o próprio ministro da economia [Paulo Guedes] dizia que, entre saúde e economia, ficava com a economia. Você vai atrasar a economia brasileira oito meses por causa dessa discussão equivocada?

P. O que vislumbra sobre a nova onda que se aproxima no país?

R. Tem um número que não estou vendo o Governo anunciar que era uma bússola muito importante: quantos por cento da população tem anticorpos? Chama-se inquérito epidemiológico. Eu fui até São Paulo ajudar a cidade a se preparar para a segunda onda. A primeira coisa que eu pedi foi o inquérito epidemiológico. Em janeiro eles tinham feito, e 12,6% das pessoas tinham anticorpos. Começamos a vacinar as pessoas em fevereiro, março e em abril desencantou essa segunda onda. Eu mandei pedir um inquérito. No último que fizeram, São Paulo tem 41% de pessoas com anticorpos. A segunda onda contaminou 16% daquela população. Com 59% ainda sem imunidade, você tem potencial de fazer uma nova onda do tamanho da segunda. Só que numa faixa etária mais jovem. A maior parte da população brasileira, entre 25 e 45 anos, está suscetível a essa doença. Você vai ter muita gente precisando de hospital. De novo, esse paciente resiste muito e o tempo de permanência dele em hospital é maior, embora ele tenha mais chance de sair. Cadê o estoque de oxigênio? Cadê o estoque de medicamentos? Na última crise que passamos, há 60 dias, faltou medicamento para intubar. Teve muita gente que morreu por falta de medicamento. Será que o Brasil inteiro se reorganizou e refez os seus estoques? Então, você tem um risco sim. A juventude esgotada da sua ausência em bar e baladas. Os pais precisando que os filhos voltem às aulas. O Brasil da Copa América. O presidente dizendo que reúne milhares de pessoas, o PT reúne milhares de pessoas no outro domingo. A vacinação a passos de tartaruga. Com esse quadro, o Brasil é um covidário, o índice de transmissão é alto. Então só vai aumentar. A gente vai ter mais uma onda de perda de muita gente.

P. O senhor indicou na CPI a existência de um ministério paralelo da Saúde. Quem era exatamente esse grupo?

R. Lá você tinha um ex-secretário de saúde e deputado federal, que era o [Osmar] Terra. O sonho do Terra parece que era ser ministro da Saúde, que ele só se preocupava com aquilo dali. Ele começou a desenvolver e dar a voz para todas as teorias terraplanistas que existiam no universo. A do calor, a do isolamento vertical, a da Suécia, falar que não ia ter 2.000 mortos, que o presidente estava certo. Então, aquilo vinha com um verniz de um cara que era ex-secretário de saúde, que tinha sido do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). Ele fazia reuniões lá dentro com estes médicos que estavam nessa linha de tratamento precoce, como a Nise Yamaguchi. Quando o presidente fez na televisão aquele pronunciamento de que era só uma gripezinha e do passado dele de atleta, no dia seguinte teve uma reunião de ministros. E todos os ministros falaram: ‘mas o senhor não se aconselhou com ninguém de nós para falar isso?’ Teve ministro que ficou sabendo que ele convocou a rede nacional quando entrou na televisão. Quando a gente entrava lá na reunião, estava o filho do presidente, vereador Carlos Bolsonaro, lá dentro tomando nota. Não participava, não falava comigo ou com os outros ministros, mas estava dentro do gabinete do presidente, com aquele povo de internet, eu não sei o nome de todos. Se é direito do presidente ter esse tipo de assessoramento paralelo ou não, se isso é legal ou ilegal, deixo para os outros falarem. É uma constatação que eu vi que ele se pauta muito por esse mundo de internet e por essas pessoas que estão ali no entorno dele. Alguns apareceram depois que eu saí, com teorias. O Carlos Wizard, quando apareceu, falou que a primeira coisa era fazer é o inventário de quem morreu. Será que ele vai fazer necropsia? Será que ele vai mandar desenterrar para tirar um fragmento, para ver se tem vírus? Depois da saída do Eduardo Pazuello, me parece muito claro essa figura oculta. Essa lógica paralela se prestou para validar o que o presidente fazia, para criar influência, para começar a fazer associação de prescritor de cloroquina, para fazer muita gente ganhar dinheiro com isso daí.

“Bolsonaro trabalhou para o contágio”

P. O que ouviu durante a sua gestão à frente da Saúde que permite se desenhar a estratégia de buscar uma imunidade de rebanho sem vacinas, mesmo às custas de tantas mortes?

R. Eu vi o início. Eu vi aquela frase de que o brasileiro precisa ser estudado, que ele mora no esgoto e pega todas as doenças e não morre. Aquilo era um indício, uma frase típica de quem está falando: ‘bom, deixa ele se contaminarem’. Osmar Terra, na época, falando de imunidade de rebanho. Ele sabia que um vírus de gotícula leva de três a quatro anos para se atingir uma imunidade de rebanho. Então vindo de uma pessoa que, em tese, estava se informando, me parecia uma teoria feita para validar a teoria da imunidade de rebanho. Depois, a imunidade de rebanho em Manaus se mostrou ser uma balela, porque houve a segunda onda e eles não estavam preparados pra enfrentar aquilo. Vejo que eles foram provavelmente criando uma narrativa para aguardar que isso acontecesse. Acho que calcularam mal quais seriam os efeitos disso, eles não acreditaram que isso daria nestes números, que vamos chegar em meio milhão de mortos em 15, 20 dias. Isso não tá sendo suficiente para mudar este comportamento do presidente. Consciente ou inconscientemente, ele trabalhou para o contágio.

P. Esta tragédia toda é culpa do Planalto? Consegue ver responsabilidade dos Estados e municípios nisso?

R. Primeiro, é uma responsabilidade mundial. Fora do Brasil, você tem uma total falta de liderança. A coisa veio errada lá de fora, depois entra aqui. O presidente fragmenta o pacto federativo, colocando o Ministério da Saúde como um ator, e ele, presidente, apontando o dedo, jogando a culpa em governadores e prefeitos. Aí vem uma eleição para prefeito. Nós passamos os meses de outubro, novembro e dezembro com uma agenda municipal, trocas de equipes e a cepa nadando de braçada. Governos estaduais ficaram espremidos, entre um Governo Federal hostil e Governos municipais na lógica política. Governantes ficaram assimétricos pela falta de união e entendimento. Todos eles erraram em não trazer a sociedade civil para a tomada de decisões, que foram sempre a reboque do vírus. O vírus sempre esteve a um passo ou dois dos governantes brasileiros.


P. Um documento enviado pelo ministro Braga Netto à CPI da Pandemia indica que a ordem para turbinar a produção de cloroquina partiu do Ministério da Saúde durante a sua gestão. Autorizou o pedido ou deu esta ordem?

R. A Organização Mundial de Saúde falava no uso compassivo em hospitais, e era o que tínhamos no Ministério da Saúde. Podem fazer a prescrição nos hospitais brasileiros desse medicamento, então a gente tem que disponibilizar o medicamento aos hospitais. O segundo ponto é que esse medicamento é usado para lúpus, mas é usado para malária numa quantidade grande. Então, sim, o Ministério da Saúde tinha que tê-los. Agora, jamais o Ministério da Saúde solicitou para o Exército produção para atender o que estava no kit ilusão, que era jogar esse medicamento para a atenção primária. O Exército na época nos informou que tinha em estoque X comprimidos. Falamos: pode mandar para o Ministério da Saúde pra gente atravessar esse período. Eu nunca fiz agenda com o Exército para aumento da produção.

P. E qual é a sua avaliação da CPI? Onde que ela vai chegar?

R. Muito difícil, porque eu acho que eles estão trabalhando de uma maneira errática. Ainda não tem um caminho. É normal que depois de um mês, CPIs comecem a pegar o eixo. Está tateando. Acho que essa questão de ficar discutindo remédio é típica dessa situação, isso aí o planeta inteiro já superou. No capítulo das vacinas, acho que eles têm algum material. Agora, toda CPI carrega consigo um elemento político que a gente não sabe qual será o desdobramento. Elementos eles têm vários, não precisam nem fazer perguntas, basta procurar tudo que foi dito na imprensa e tudo que foi feito por cada um.

BEATRIZ JUCÁ, de Brasília e AFONSO BENITES, de São Paulo, em 06 JUN 2021 para o EL PAÍS 

Comunicação do Governo priorizou economia à saúde no combate à pandemia, revelam documentos da CPI

Relatório do Ministério das Comunicações mostra que campanha publicitária sobre vacina só ganhou força após investigação iniciada pelo Senado. Postagens mostram amplo incentivo à cloroquina

Um extenso relatório elaborado pelo Ministério das Comunicações a pedido da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia mostra que o Governo Jair Bolsonaro preferiu divulgar ações que o Executivo realizou na área da economia do que na de saúde durante o combate à pandemia de coronavírus entre os meses de março de 2020 e abril de 2021. Das 2.596 postagens do Governo em seus canais oficiais, 64% (ou 1.648) se referiam à preocupação do Governo com empregos, renda e auxílio emergencial, e 36% (948) tratavam de entregas feitas na área de saúde, dos repasses de verbas obrigatórios aos Estados e Municípios, das medidas de prevenção e da compra de vacinas. Os dados constam em um documento de 1.889 páginas recebido pela CPI no último dia 27 de maio.

Além disso, até o dezembro passado, havia mais publicações sobre cloroquina e outros ineficazes medicamentos no tratamento da doença do que sobre os imunizantes. O quadro só começou a mudar a partir de janeiro deste ano, quando a Anvisa autorizou o uso emergencial dos imunizantes Oxford/AstraZeneca e Coronavac. Até dezembro havia apenas 37 postagens tratando de negociações de vacinas ou criando narrativas de que o Governo Bolsonaro não era a favor do movimento anti-vacinacinação, apesar de pouco ter se esforçado para adquirir os imunizantes. Enquanto isso, outras 85 peças defendendo o kit covid, principalmente a cloroquina, já haviam sido produzidas. Em abril, quando o Supremo Tribunal Federal mandou o Senado Federal abrir a CPI da Pandemia, intensificou-se a produção de postagens sobre a vacinação. Foram 49. Ao total, no período documentado pelo Ministério da Comunicações, foram 142 peças tratando de vacinas.

Em uma primeira análise uma conclusão possível sobre a demora em se divulgar o tema vacinas poderia ser que a campanha de imunização ainda não havia iniciado e, por essa razão, não faria sentido se falar de vacinas. Mas quem atua com saúde pública entende que o ideal é iniciar as divulgações sobre a importância de vacinação com uma longa antecedência. “Toda campanha de vacinação é precedida por ampla divulgação. Mesmo com todos atrasos nas compras, em dezembro, já sabíamos que teríamos vacinas pouco tempo depois. Então, já era hora de começar essa divulgação”, afirmou a enfermeira Ethel Maciel, doutora em epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo.

Na avaliação desta especialista, o Governo só começou a se movimentar quando a CPI da Pandemia deu sinais de que causaria problemas políticos ao presidente. “A comunicação sobre a vacinação tem de ser muito clara porque precisa atingir todos os públicos e isso não ocorreu até agora, quando há pessoas que querem escolher qual vacina tomar”, afirmou Maciel. Ela fez parte de um grupo de divulgadores científicos que produziam materiais de incentivo à vacinação, enquanto Bolsonaro falava de que as pessoas poderiam virar jacaré caso tomassem um dos imunizantes.

Outro ponto a destacar foi a mudança na mensagem nas postagens do Governo Federal. Nas primeiras ações, o ministério destacava o direito das pessoas se vacinarem, algo parecido com que o presidente Bolsonaro defende em seus discursos oficiais e aos seus militantes, de que a vacinação não deveria ser obrigatória. Uma das postagens, embasadas em uma fala do assessor especial da presidência Filipe Martins tratava exatamente desse tema. “Nenhum país optou pela obrigatoriedade da imunização contra o coronavírus, nem mesmo os ditatoriais; e até a OMS se posicionou contra a ideia. Mas, no Brasil, há quem queira te obrigar a tomar, às pressas, uma vacina cuja segurança e a eficácia sequer são conhecidas”.

Foi só com o passar do tempo que as informações mudaram e houve um empenho em mostrar que era importante todos se cuidarem. Nas mais recentes, veiculadas em abril, há a preocupação que, mesmo com o avanço da vacinação, é importante manter os cuidados de distanciamento social e uso de máscaras de proteção facial.

Ao mesmo tempo em que preferia dedicar sua comunicação a outros temas, que não a vacina, a gestão Bolsonaro também ignorou ofertas de vacinas, conforme revelaram à CPI o diretor da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, e o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas. Na última sexta-feira, o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) revelou que os parlamentares já têm em mãos documentos que provam que a Pfizer enviou 53 e-mails para representantes do Governo Federal no intuito de vender sua vacina ainda em 2020. O contrato, no entanto, só foi firmado neste ano. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, o laboratório norte-americano ofereceu ao Brasil o imunizante pela metade do preço cobrado à União Europeia.

Na série de documentos entregues à CPI ainda constam os gastos com as peças publicitárias produzidas por todos os ministérios sobre a pandemia. De acordo com o Ministério das Comunicações, até o fim de maio estão planejados gastos de 124,4 milhões de reais com propagandas na TV, rádio, internet e em mídia exterior (outdoors e telas em shoppings ou elevadores de prédios comerciais, por exemplo). Ao menos 20 peças foram produzidas até o momento.

O incentivo à cloroquina

Algo que está patente no relatório do Ministério das Comunicações é o incentivo à cloroquina. A primeira vez que ela recebe a divulgação em um canal oficial foi em 31 de março do ano passado. De lá para cá apareceu em diversas postagens. Em uma delas, o ex-assessor presidencial Arthur Weintraub, apontado como um dos membros de um suposto ministério de aconselhamento paralelo, diz que Bolsonaro sempre defendeu o uso dessa droga. Em outra, o presidente Bolsonaro posa ao lado do primeiro ministro indiano, Narendra Modi, agradecendo o envio do ineficaz medicamento no tratamento da covid-19.

Houve também os destaques às falas duras de Bolsonaro, quando, por exemplo, ele disse que era preciso ter coragem de enfrentar o vírus, algo que tem sido apontado pelos senadores da CPI como uma tentativa de expor a população ao contágio massivo para que se atingisse uma imunidade de rebanho sem a vacinação.

Esses contrastes deverão ser explorados pelos senadores da CPI no seu relatório final. Nesta terça-feira, a comissão retoma os trabalhos com uma nova oitiva do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Essa será sua segunda ida ao colegiado. Na quarta, será a vez do ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, o coronel Élcio Franco e, na quinta, do governador do Amazonas, Wilson Lima.

AFONSO BENITES, de Brasília para o EL PAÍS, em  07 JUN 2021 

Exército impõe 100 anos de sigilo para processo de Pazuello

Instituição nega a jornal acesso a processo já arquivado sobre participação do general e ex-ministro da Saúde em ato político ao lado de Bolsonaro, argumentando que a documentação contém informações pessoais.


Pazuello participou de uma manifestação no Rio de Janeiro convocada por apoiadores de Bolsonaro

O Exército Brasileiro negou acesso e atribuiu um sigilo de 100 anos ao processo sobre a participação do general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello num ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro, noticiou o jornal O Globo nesta segunda-feira (07/06).

Em resposta a um pedido de acesso feito pelo jornal, o Exército respondeu que o processo administrativo, já arquivado, contém informações pessoais. Além disso, a instituição citou um dispositivo da Lei de Acesso à Informação que prevê o sigilo por 100 anos em casos do tipo. A decisão, no entanto, ignora entendimentos anteriores da da Controladoria-Geral da União (CGU).

Pazuello participou no dia 23 de maio de uma manifestação no Rio de Janeiro convocada por apoiadores de Bolsonaro, que contou com uma carreata de motocicletas liderada pelo presidente. O ex-ministro subiu num carro de som ao lado do chefe de Estado, apesar de as Forças Armadas vetarem a participação dos seus membros em atos políticos.

Na quinta-feira passada, o Exército informou, no entanto, que não vai punir Pazuello pela participação no ato. Segundo a instituição, o comandante do Exército, Paulo Sergio Nogueira, acolheu os argumentos de Pazuello e avaliou que "não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar" por parte de Pazuello. Dessa forma, o processo disciplinar aberto contra o general em maio acabou sendo arquivado.


Bolsonaro lidera carreata de motos em ato no Rio do qual Pazuello participou, em 23 de maio

A avaliação entra em choque com o decreto nº 4.346/02, que aborda o Regulamento Disciplinar do Exército. Mais especificamente, as ações de Pazuello contrariaram o item 57 do Anexo I, que classifica como transgressão o ato de "manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária". Segundo veículos da imprensa brasileira, Bolsonaro pressionou o Exército para que Pazuello não fosse punido.

Na defesa entregue ao Exército no fim de maio, Pazuello argumentou que o ato organizado por Bolsonaro - uma espécie de carreata formada por motocicletas que cruzou o Rio - não era um ato político. Segundo o general, o ato não poderia ser "político-partidário" porque o país não está em período eleitoral e o presidente Bolsonaro não é no momento filiado a nenhum partido político. Pazuello também afirmou que o ato não passou de um passeio de moto, embora tanto ele quanto Bolsonaro tenham subido num caminhão de som para falar a apoiadores, como se estivessem em um comício.

Após o arquivamento pelo Exército, O Globo tentou obter acesso ao processo disciplinar, mas o Serviço de Informação ao Cidadão da instituição esclareceu que "a documentação solicitada é de acesso restrito aos agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que ela se referir".

A decisão, que poderá ser alvo de recurso, ignora determinações anteriores da CGU, que, em casos similares, considerou que os procedimentos administrativos devem ficar sob sigilo somente enquanto a apuração está em andamento, o que não se aplica ao processo contra Pazuello. Após o fim da apuração, qualquer pessoa pode requerer e deveria obter o acesso ao processo. Se o Exército mantiver a determinação de sigilo por 100 anos, há a possibilidade de que a CGU seja acionada.

Ex-ministro ainda acumula problemas

Apesar de ter se livrado do procedimento disciplinar no Exército, Pazuello ainda acumula problemas. No momento, ele é investigado pela Polícia Federal por conta de decisões e omissões quando estava à frente do Ministério da Saúde, especialmente no caso da falta de oxigênio em hospitais de Manaus.

Pazuello comandou o Ministério da Saúde entre maio de 2020 e março deste ano, e sua gestão foi alvo de críticas. Quando o general assumiu a pasta, o Brasil acumulava 233 mil casos e 15.633 mortes associadas à covid-19. Quando o substituto do general na pasta foi anunciado, o número de casos passava de 11,5 milhões, e o de mortes se aproximava de 280 mil, com o país ocupando o segundo lugar entre as nações com mais óbitos na pandemia. Pazuello também deixou o cargo sem garantir vacinas suficientes para a população.

Mesmo com um histórico de gestão criticado à frente da Saúde, o general foi nomeado no início de junho para um cargo dentro da Presidência da República. Ele atuará como secretário de estudos estratégicos da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, que fica no Palácio do Planalto e é comandada por Flávio Rocha, almirante da Marinha.

Deutsche Welle Brasil, em 07.06.2021

segunda-feira, 7 de junho de 2021

FDA aprova 1ª droga eficaz contra doença de Alzheimer

 Medicamento Aduhelm é capaz de remover placas beta-amiloides no cérebro e desacelerar o avanço da doença. Efeitos benéficos ainda não são totalmente conhecidos, mas os resultados dos testes são promissores, diz agência.

    

Pesquisador examina radiografia do cérebro de um paciente. Doença de Alzheimer é a sexta maior causa de mortes nos Estados Unidos.

A Food and Drug Administration (FDA), agência do governo dos Estados Unidos que regulamenta o uso de medicamentos no país, aprovou nesta segunda-feira (07/06) o primeiro fármaco considerado capaz de combater a doença de Alzheimer.

O medicamento aducanumab, da farmacêutica Biogen, é capaz de remover eficazmente do cérebro as placas prejudiciais chamadas beta-amiloides (também conhecidas como A-beta) nos pacientes no estágio inicial da doença, de modo a impedir as ações dessas placas, que acarretam em perda de memória e na incapacidade de uma pessoa de cuidar de si própria.

"É uma boa notícia para os pacientes com a doença de Alzheimer. Jamais tivemos uma terapia modificativa da doença aprovada”, comemorou o médico Ronald Petersen, especialista em Alzheimer da Mayo Clinic, nos Estados Unidos. O medicamento que será comercializado com o nome Aduhelm.

"Isso não é uma cura. A esperança é que ela possa desacelerar o progresso da doença”, alertou. "Este é um grande dia, mas não podemos prometer demais.” A doença de Alzheimer é a sexta maior causa de mortes nos Estados Unidos.

A FDA afirma em seu portal de internet que os dados dos testes para o tratamento eram complexos no que diz respeito aos benefícios clínicos do medicamento. A agência, contudo, ressaltou que "há provas substanciais suficientes de que o Aduhelm reduz as placas beta-amiloides no cérebro e que essa redução faz com que seja razoavelmente provável antecipar benefícios importantes para os pacientes”.

Grupos de defesa dos pacientes e alguns neurologistas exaltam o Aduhelm como sendo uma opção eficiente para as pessoas com Alzheimer. Entretanto, alguns médicos avaliam que os resultados dos testes clínicos são inconsistentes e que são necessárias ainda mais evidências.

A Biogen entrou com o pedido de aprovação do Aduhelm na FDA em 2019 e na Agência Europeia de Medicamentos (EMA) em 2020.

Estudos em pessoas saudáveis

Os criadores do fármaco, Roger Nitsch e Christoph Hock, são da Universidade de Zurique, na Suíça. Inicialmente eles não analisaram pacientes com a doença de Alzheimer, mas idosos saudáveis e em boa forma. Os pesquisadores se concentraram na busca específica por células do sistema imunológico capazes de produzir anticorpos contra placas A-beta. E as encontraram.

Por meio de trabalhos meticulosos, os cientistas decifraram os anticorpos e os recriaram em laboratório. Juntamente com a empresa americana Biogen, eles levaram então o princípio ativo para os testes clínicos.

A grande maioria dos pesquisadores concorda que a doença progride de maneira extremamente lenta e em efeito cascata, no qual se sucedem vários processos de decomposição das células cerebrais.

Central para isso é a formação das placas A-beta, seguida pela ativação da defesa imunológica celular e a formação posterior de outros depósitos, as chamadas placas tau. Estas surgem quando as proteínas tau estabilizadoras são liberadas do citoesqueleto das raízes nervosas e então depositadas entre os neurônios, onde se tornam então provavelmente tóxicas.

Neste processo em cascata, os pesquisadores também veem o maior dos problemas: a perda de memória só pode ser interrompida de maneira sustentável se for combatida em um estágio inicial.

Em entrevista à DW, o professor de neurodegeneração molecular Christian Haas, do Centro Alemão de Doenças Neurodegenerativas (DZNE) em Munique, comparou a progressão da doença com uma queda d'água: "Se quisermos interromper o fluxo a partir do topo, precisamos fazer isso diretamente com a amiloide. Se chegarmos tarde demais, teremos passado da amiloide, e a proteína tau talvez já consiga continuar a operar a cascata por conta própria."

O sucesso do tratamento, portanto, depende de quão cedo os médicos detectam a doença e se eles conseguem intervir com o princípio ativo adequado. O problema é que o Alzheimer não costuma ser diagnosticado num estágio inicial, evoluindo de forma silenciosa ao longo dos anos – e quando a perda de memória se torna evidente, já é tarde demais. O mesmo problema foi constatado também nos ensaios clínicos com aducanumab.

Os ensaios clínicos

Antes de entrar com um pedido de aprovação na FDA e na EMA, a Biogen realizou três estudos clínicos, batizados de Prime, Emerge e Engage. A avaliação dos resultados dos estudos feita pelos pesquisadores mudou diversas vezes. Foi como uma montanha-russa.

No estudo Prime, em 2016, o aducanumab combateu com sucesso as placas A-beta em 166 pacientes com Alzheimer. As pesquisas que se seguiram, Emerge e Engage, tiveram um total de 3,2 mil participantes, mas acabaram levando a conclusões contraditórias. Em março de 2019, ambos os estudos foram interrompidos, pois os resultados provisórios não mostraram melhoras cognitivas nos voluntários. "E essa é a única coisa que realmente importa no final", diz Haas.

Mas em outubro de 2019, os pesquisadores mudaram seu parecer: em pacientes do estudo Emerge pôde ser comprovado um efeito positivo no desempenho de memória. A Biogen solicitou então a aprovação da FDA. Pouco depois, no entanto, um painel independente de especialistas comissionado pela agência americana afirmou mais uma vez que o fármaco tinha pouco eficácia, contrariando, portanto, uma avaliação preliminar do órgão. A FDA então estendeu o processo de revisão do medicamento até junho de 2021.

Aparentemente, as diferentes avaliações em torno da eficácia do aducanumab também estariam associadas à dosagem administrada entre os pacientes de cada estudo. De acordo com os médicos, o efeito mais forte foi observado entre aqueles que receberam doses particularmente altas. Neles, o declínio no desempenho cognitivo pareceu sofrer desaceleração.

No entanto, altas dosagens geram outro problema: sobretudo em pessoas com uma certa predisposição genética chamada APOE4, o aducanumab pode causar inchaço no cérebro. Pacientes que apresentaram tais alterações, contudo, foram imediatamente retirados do estudo. "Tais mudanças parecem estar regredindo", relata Haas. A condição é que sejam reconhecidas corretamente.

Curiosamente, são justamente os pacientes com essa predisposição genética que melhor respondem ao aducanumab. "Parece haver uma conexão. Só não está claro qual", diz Haas.

Mas de maneira alguma isso deve ser motivo para descartar o medicamento, defende o pesquisador de Munique. "Afinal, o aducanumab é uma droga que consegue eliminar de forma quase completa do cérebro do paciente a patologia primordial." Isso pôde ser comprovado de forma muito clara através de imagens. "Trata-se de uma história fantástica: quanto mais desse anticorpo se fornece, mais a patologia se decompõe." Agora, continua Haas, tais conexões precisam ser estudadas mais a fundo.

Quanto antes, melhor

Quando se trata de Alzheimer, o importante é interromper a cascata neurodegenerativa o mais cedo possível. "Em todos os ensaios clínicos chega-se tarde demais", avalia Haas. A doença começa geralmente de dez a 20 anos antes que algo seja detectado pelos médicos. "E se as proteínas tau já estiverem lá, uma terapia à base de amiloide não irá mais funcionar."

Mas até mesmo pequenos avanços no tratamento de Alzheimer já representam um grande sucesso. "Seria maravilhoso se pudéssemos estabilizar a condição de um paciente no estado mental com o qual 

Estudo sobre Alzheimer monitora 30 mil pessoas até o fim da vida

No início do tratamento, muitos dos afetados ainda se locomovem de forma completamente independente. "Eles costumam vir de carro ou de transporte público", conta Haas. "Eles ainda são totalmente capazes de ter uma vida normal e de maneira independente."

No futuro, portanto, a ideia seria iniciar o tratamento medicamentoso quando a memória do paciente ainda estiver completamente normal. É por isso que os médicos agora estão canalizando seus esforços para identificar biomarcadores que possam ajudar na detecção precoce da doença. Mas até agora ainda não está claro se, no final, isso será suficiente para intervir a tempo com anticorpos A-beta, como o aducanumab.

As células que ativam o descarte de 'lixo' no cérebro

Quando se trata de combater e eliminar as placas cerebrais, o descarte de lixo celular também desempenha um papel importante. Em pacientes com Alzheimer, tal processo começa bastante cedo – provavelmente como uma reação à formação das primeiras placas A-beta. Por um lado, essa defesa imunológica é considerada parte do problema, mas os pesquisadores também querem usá-la no combate ao Alzheimer.

As micróglias, responsáveis por tal limpeza, são únicas: essas células do sistema imunológico servem, por um lado, como fagócitos e, ao mesmo tempo, como células precursoras das células nervosas.

Se forem superestimuladas, elas podem desencadear reações inflamatórias perigosas – reações autoimunes – algo que pode ser detectado em pacientes em estágio avançado de Alzheimer.

Por outro lado, também pode acontecer que as micróglias permaneçam inativas, embora sejam urgentemente necessárias para prevenir a formação de placas. Atualmente, Haas está trabalhando com a empresa norte-americana Denali no desenvolvimento de um anticorpo correspondente a ser utilizado em testes clínicos iniciais em humanos. A ideia é que as células microgliais sejam treinadas a tempo de reconhecer e combater tais placas.

Elas também poderiam então ser usadas em conjunto com o novo medicamento. Funcionaria da seguinte forma: "O aducanumab se deposita nas placas. As placas são então mais facilmente reconhecidas pelas células microgliais estimuladas pelos anticorpos e passam assim a ser fagocitadas logo no início", diz o pesquisador.

Deutsche Welle Brasil, 07.06.2021 

Brasil registra 1.010 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 37.156 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia para 16.984.218. Número acumulado de mortes aumenta para 474.414.

Manifestante acende vela em protesto com cruzes no gramado em frente ao Congresso Nacional em Brasília. Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos EUA.

O Brasil registrou oficialmente nesta segunda-feira (07/06) 1.010 mortes associadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 37.156 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 16.984.218, e os óbitos somam 474.414.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 15.408.401 pacientes haviam se recuperado da doença até esta segunda-feira.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 597,8 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,3 milhões) e Índia (28,9 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 225,8 no Brasil, a 10ª mais alta do mundo, quando desconsiderado o país nanico de San Marino.

Ao todo, mais de 173,4 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e foram notificadas 3,73 milhões de mortes associadas à doença.

Deutsche Welle Brasil, em 07.06.2021

Denis Lerrer Rosenfield: A ema, o policial e o intendente

Eles simbolizam o governo Bolsonaro: a política anticientífica, o arbítrio e a anarquia

Jair Bolsonaro segura uma caixa de cloroquina do lado de fora do Palácio da Alvorada - REUTERS/Adriano Machado
Jair Bolsonaro segura uma caixa de cloroquina do lado de fora do Palácio da Alvorada
Imagem: REUTERS/Adriano Machado

A ema foi sábia. Ao ver o presidente com a caixinha de cloroquina, dele fugiu, mostrando ter melhor discernimento do que boa parte dos brasileiros, que aderem a poções mágicas. Deve ter ela pensado: será que perdeu o juízo? Perguntou-se, mesmo, pelo tipo de humano que ele representa ao negar a ciência, pregar a morte e impor a desordem sanitária. No reino dito animal, isso não seria possível, quanto mais não seja, porque sempre procuram instintivamente a própria sobrevivência. Ora, se os humanos foram agraciados com a razão, eles obtiveram o uso da liberdade de escolha para, em princípio, melhor organizarem suas relações, progredindo no conhecimento. Vacinas seriam um dos melhores exemplos disso.

Contudo uma porção dos humanos, continuava ela a pensar, prefere empregar a liberdade de escolha para o mal e o ódio ao próximo. Em vez da escolha pela vida, optam pela morte. A ema, em seu bom senso, preferiu afastar-se, correndo, para ter maior segurança. Será que os humanos brasileiros não deveriam fazer a mesma coisa? Em todo caso, impeachment e eleições foram instrumentos criados constitucionalmente por eles para darem conta de tais anormalidades.

O policial que ameaçou prender um cidadão por se negar a tirar de seu carro um adesivo antibolsonarista expôs o arbítrio da extrema direita em ação. Um indivíduo fardado se acredita dotado da missão de aplicar por ele mesmo a Lei de Segurança Nacional, como se fosse a encarnação de um tribunal, do Poder Judiciário e do Ministério Público. Quando isso chega a acontecer, é porque todos os limites estão sendo ultrapassados, o que significa dizer que doravante reinarão a desordem e políticas liberticidas. Qualquer pessoa passará a ficar temerosa de expor suas opiniões, expressar seus pensamentos e criticar o presidente e suas políticas. É o medo pairando sobre todos. Eis por que a ideologia bolsonarista tem como norte de suas ações o domínio das Polícias Militares, Civis e Federal. Elas passariam a ser uma força auxiliar do grupo encastelado no poder, aplicando seus próprios objetivos, na mais completa violação da lei e da Constituição.

A ema deve ainda ter se perguntado: será que os outros humanos vão contemporizar com isso? Se o fizerem, serão insensatos, correndo para o abismo.

Entretanto, a sábia ema ainda não tinha visto tudo, o que a deixa ainda mais espantada, perplexa. O presidente escolheu para ministro da Saúde um general com a missão de aplicar a cloroquina e outras drogas inúteis, embaladas num tal de “tratamento precoce”. Pensou em seus antecessores medievais que acreditavam em toda espécie de barbaridade médica.

Felizmente, naquele então, e mesmo hoje, os animais não humanos não compartilhavam de tais superstições e fórmulas absurdas. Isso se tornou ainda mais ininteligível pelo fato de os humanos terem entrado na rota do progresso no que diz respeito à ciência e ao conhecimento, com descobertas incríveis a partir de experiências criteriosas em empresas, centros de pesquisa e universidades. Surgem, porém, agora os representantes do atraso de antanho, lutando com todas suas forças contra a ciência e seus avanços. Uma coisa é a superstição anterior à ciência, outra a posterior, que pretende combatê-la. Até onde os brasileiros humanos suportarão tal forma de inumanidade?

E como o horrível parece não ter fim, o intendente nomeado para o Ministério da Saúde, ao contrário de seus antecessores, que agiram dignamente, mostrou-se totalmente servil ao presidente, acompanhando-o na política da morte e desonrando a farda que ainda usa por ser general da ativa. Numa mostra típica de ausência de pensamento, subordinando-se, proferiu uma frase memorável: “Um manda, outro obedece”. Escaparam-lhe pensamentos básicos, como o da desobediência devida quando a ordem se afasta de valores e princípios. Ordens arbitrárias não são, nem devem, ser seguidas. Trata-se de uma conquista civilizatória, válida para a vida civil e a militar. Oxigênio faltando em hospitais, pessoas morrendo sufocadas, e ainda lhes era recomendado o uso da cloroquina! A ema achou melhor esconder sua cabeça.

Coroando todo o processo, o general seguiu orientação presidencial para desrespeitar o regulamento militar ao comparecer a uma manifestação política, o que é vedado. A consequência não poderia ser outra senão a punição. Ora, sob pressão do presidente, o comandante do Exército optou por nenhuma punição, apagando o corrido, fazendo do feito uma desfeita para sua própria instituição. Escancarou a porta para a anarquia militar.

Os fundadores da República inscreveram na Bandeira o lema positivista “ordem e progresso”. Comte entendia que nenhum progresso, fruto da ciência, poderia realizar-se sem mudanças ordenadas, na ausência do que prevaleceriam a desordem, a ruptura e a violência. No que devem estar pensando os fundadores militares da República?

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo, é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 07.06.2021.

Luiz Paulo Costa: Retomando o fio da meada de 1988

Urge lançar uma frente política pela adoção imediata do sistema parlamentar de governo

O povo brasileiro está sendo levado a cair na mesma armadilha que transformou a Constituição cidadã de 1988, pensada, e não consumada, para o sistema parlamentarista de governo, em mais uma crise do sistema presidencialista. A polarização política, que já impediu o País de consolidar o Estado Democrático de Direito nos dois últimos períodos democráticos, de 1946 e 1988, hoje pretendida pelo presidente Jair Bolsonaro e do interesse do ex-presidente Lula da Silva, poderá resultar em ruptura institucional, que não interessa ao povo brasileiro.

É preciso retomar os fundamentos do maior movimento cívico que levou o Brasil à Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 e ao mais longo período das liberdades democráticas. Os dois pré-candidatos, vencendo ou perdendo, afastarão mais ainda a possibilidade política de engendrar uma solução de progresso institucional, econômico, ambiental e social para o País. Basta relembrar o passado para essa constatação.

Em 1964, depois de um interregno parlamentarista que salvou o País da crise institucional, com os primeiros-ministros Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima, o plebiscito vencido pelo presidencialismo do vice-presidente João Goulart levou o País à ruptura institucional, que perdurou por longos 21 anos, com os retrocessos que até hoje remanescem e aprofundaram as distorções do principal princípio da democracia representativa, o de um eleitor, um voto. Até hoje há brasileiros cujo voto vale mais ou menos por estarem em um ou outro Estado da Federação, assim como outros retrocessos indesejáveis do famigerado “pacote de Abril” da ditadura militar.

A polarização política, mesmo após a reconquista do Estado Democrático de Direito, com a Constituição cidadã, resultou na criação de maiorias eventuais com deputados federais sem princípios e compromissos com o povo e apenas com chicanas parlamentares que envergonham os próprios eleitores e afastam a soberania popular do exercício do poder para a solução dos problemas da Nação. Enquanto isso, estão prontos a apoiar qualquer um que vença o embate polarizado para se manterem com o poder de emendas em orçamento secreto e outras artimanhas.

É chegada, e até já passou, a hora de acabar com este estado de coisas antidemocrático, que só interessa aos que alimentam minorias ávidas de destruir a soberania popular e estabelecer novos sistemas autocráticos, adiando as reais soluções para os problemas que atingem o povo brasileiro. O presidencialismo, nas conjunturas políticas geradas na sociedade brasileira, só tem causado crises, e não soluções. Os partidos políticos, mesmo desmoralizados por aqueles mesmos que elegeram e não respeitam a soberania do voto popular, precisam se tomar em brios e apresentar uma emenda constitucional para a implantação do sistema parlamentar de governo como pressuposto para a realização das eleições até se possível em 2022.

Consultando os programas de governo obrigatórios dos 33 partidos políticos hoje registrados pelo Tribunal Superior Eleitoral verifica-se que quase todos apresentam viés social-democrata ou liberal e não raros propõem o parlamentarismo como sistema de governo. O PSDB, por exemplo, no próprio Manifesto ao Povo Brasileiro de sua fundação propõe como um dos seus principais objetivos a adoção do sistema parlamentarista de governo. Portanto, antes até da definição e constituição de frentes políticas para disputar a Presidência da República, urge que lancem uma frente política pela adoção imediata do sistema parlamentar de governo.

Com a instituição do voto distrital, que barateia o custo das campanhas eleitorais para os partidos e os candidatos e aproxima o eleitor do deputado eleito. O que é fundamental para garantir a perenidade do próprio sistema parlamentar de governo com a certeza de que os programas de governo serão cumpridos, sob pena de mudanças dos Gabinetes de governo, sem crises institucionais como as do presidencialismo, que muitas vezes ameaçam até a democracia representativa com intervenções militares.

Em eleição sob o parlamentarismo teremos um presidente da República dentre os melhores brasileiros, muitos hoje afastados das lides partidárias pela desqualificação da própria política como solução para os problemas nacionais. Exercerá o poder moderador na política e indicará o melhor nome viável para primeiro-ministro do Gabinete para governar o País com um Parlamento constituído pelos melhores políticos que o Brasil sempre teve, muitos dos quais também se negando a participar dos conflitos provocados pelo presidencialismo familiar ou dos amigos.

O plebiscito de 1993 previsto pela Constituição de 1988 decidiu pela forma de República e pelo sistema presidencialista sem detalhar ao eleitor qual seria o parlamentarismo. Agora é preciso que a emenda constitucional do novo plebiscito defina o sistema parlamentar de governo. Até mesmo com relação ao voto distrital. Assim, ainda que não possa ser adotado já em 2022, os brasileiros saberão quais partidos e candidatos são contrários à armadilha da polarização presidencialista em curso.

Luiz Paulo Costa, o autor deste artigo, é Jornalista e Escritor. Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo. em 07 de junho de 2021.

Marcelo Godoy: O exemplo esquecido do general Zenildo para o Comando do Exército

Após Pazuello, generais defendem proibir oficiais da ativa no governo; ex-ministro não foi o primeiro da ativa a ser nomeado para cargo político de natureza civil por Bolsonaro

Zenildo Lucena em solenidade com FHC em abril de 1997  Foto: ED FERREIRA/AE

O mundo político sempre procurou os quartéis para resolver problemas. Raul Jungmann havia acabado de ser nomeado ministro da Reforma Agrária quando decidiu pedir ajuda ao comandante do Exército, general Zenildo Zoroastro de Lucena. "Fui solicitar se ele poderia me ceder alguns oficiais da ativa para comandarem o ministério em dois ou três Estados críticos", contou Jungmann, que mais tarde ocuparia a pasta da Defesa no governo Michel Temer.  O general, um cavalariano nascido no Rio, respondeu: "Eu vou lhe atender, mas com militares da reserva, porque os da ativa são a Instituição, são a Corporação, e nós não podemos comprometê-la".


Jungmann fora nomeado por Fernando Henrique Cardoso para enfrentar uma das maiores crises de seu governo, após o massacre de Eldorado dos Carajás. Zenildo podia fazer o favor ao colega, mas o senso de dever e a preservação da corporação falaram mais alto. Quando o governo de Jair Bolsonaro foi formado, os generais do Alto Comando se esqueceram da lição de Zenildo. Passaram a ceder centenas de militares da ativa para funções civis. Um dos primeiros foi o general Rêgo Barros, nomeado porta-voz do governo, cargo civil de importância simbólica. A partir daquele momento, Bolsonaro falaria pela boca de um general da ativa.

Rêgo Barros é culto e moderado, tem o texto escorreito e ideias claras. Não se sabe como pôde ter-lhe escapado o risco de sua nomeação para as instituições. Durante anos, havia sido a voz do comandante do Exército, do general Villas Bôas. Hoje, na reserva, transformou-se em um crítico do radicalismo que devora o País, de um poder que inebria e corrompe. Mas Rêgo Barros não teria assumido o cargo se outro general também não tivesse esquecido a lição de Zenildo: Edson Leal Pujol. 

Não escapava a Leal Pujol a preocupação de contaminação política das Forças Armadas. Pois foi no dia em que Rêgo Barros se despedia do quartel para ir ao Palácio que o então comandante do Exército disse que era necessário impedir que o Brasil trilhasse o caminho da Venezuela. "Quando Chávez chegou ao poder, seu discurso era o do combate à pobreza e à corrupção", lembrou. Chávez passou a interferir nas promoções e a política invadiu as casernas, envolvendo a cúpula militar. Pujol conhecia a história do país vizinho, assim como conhecia muito bem o "capitão pitoresco", como ele designou Bolsonaro em 2018. 

Edson Leal Pujol foi comandante do Exército Foto: Adriano Machado / Reuters

Rêgo Barros foi o precedente. A ele se juntaram os generais Luiz Eduardo Ramos e Walter Braga Netto, que somente passaram à reserva depois de meses exercendo cargos políticos no governo. A cada nova nomeação associava-se mais claramente o Exército à gestão Bolsonaro e condenava-se ao mais escuro porão a sabedoria do general Zenildo. O que permitiu ao Alto Comando do Exército fechar os olhos diante de tal inconveniente?  O historiador Christopher Clark descreveu como as elites governamentais europeias rumaram para o abismo em agosto de 1914. Deu ao seu livro o título de Os Sonâmbulos. 

Como um sonâmbulo, o Kaiser Guilherme II deu um cheque em branco ao imperador austro-húngaro em sua disputa com a Sérvia e a Rússia. A tragédia que se seguiu apagou as luzes da Europa e de toda uma época. Sonâmbulos permitiram mais tarde a nomeação de Eduardo Pazuello para a Saúde. Era para ser temporária. Mas e daí?  Levou 15 oficiais da ativa para o ministério na maior crise sanitária em um século.  Afinal, o que desejavam? A glória? A mágica da vitória envolveu o militar bolsonarista. Depois de 57 milhões de votos, ninguém mais precisava ordenar a tropa avançar; quando o comando percebia, a trincheira inimiga já havia sido ocupada. 

Pode-se dizer: não há como negar um pedido do presidente. Há sim. Imagine se o presidente fosse Lula... Quando as coisas chegam ao comando, tudo já estaria acertado antecipadamente? Os generais devem ter apenas juízo e obedecer? O capitão pitoresco – Bolsonaro nunca esqueceu a alcunha – resolveu derrubar Leal Pujol, em março deste ano, ao mesmo tempo em que se desfez dos comandantes das demais Forças e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, depois que estes cometeram a heresia de lembrá-lo que as Forças se subordinam à Constituição como instituições de Estado e não de governo.

General Eduardo Pazuello (à esq.) com o presidente Jair Bolsonaro em ato pró-governo no Rio. Foto: Wilton Junior / Estadão

Mas ninguém então desconfiava de que o problema não era apenas o “temperamento do Jair”? Nenhum militar sentiu o radicalismo de uma extrema-direita aliada ao integrismo evangélico, ao ressentimento anti-intelectual e anticiência, ao reacionarismo taurino, que vê a cor vermelha em cada pano exibido diante de seus olhos? Ninguém percebeu a ralé que acompanhava o presidente e ameaçava o Supremo e o Congresso? Para seus opositores, Bolsonaro não é só uma questão de forma, mas também de conteúdo. 

Os militares radicais que o acompanham veem o Brasil à beira da guerra civil, pois não admitem e nunca admitiram a democracia, a não ser de forma instrumental. Há coronéis que têm a coragem de escrever e pregar a morte dos opositores do presidente. Outro disse que pode haver "luta sangrenta" na qual os inimigos serão "neutralizados" pelas Forças Armadas. No mínimo, preveem que a oposição perderá os cargos em 2022. Nem é preciso dizer que a culpam pelo destino que lhe desejam impor.

Vivem da mentira, de um apoio popular minguante, como mostram manifestações e pesquisas que insistem em desconhecer, cenário ideal para emularem Donald Trump no próximo ano. A radicalização está nos grupos de WhatsApp dos colegas da Academia Militar das Agulhas Negras. O da Turma de 1971, do general Luiz Eduardo Rocha Paiva, é um exemplo. Paiva é um dos teóricos do Poder Moderador inventado pela interpretação golpista do artigo 142 da Constituição. Recentemente, o coronel Cláudio Eustáquio Duarte produziu texto para atacar os generais Santos Cruz e Paulo Chagas, opositores de Bolsonaro. O coronel tenta transferir aos colegas a culpa do presidente por ter espalhado a cizânia e a anarquia na Força Terrestre. 

Isso porque o militar não deve lealdade ao chefe de governo, mas à Constituição. O texto do coronel revela a alma de seu bolsonarismo; este é visto como um projeto "dele", onde o capitão é personagem circunstancial, que deve ser relevado, ainda que faça o inverso do que se quer: em vez de ordem, indisciplina; no lugar do desenvolvimento, atraso; e no da transparência, as confusões familiares. Que outro movimento teria um ministro do Meio Ambiente que a PF diz defender madeireiras? Ou um ministro da Educação mal-educado? Ou nomearia para as Relações Exteriores alguém que buscava o isolamento dos párias? 

O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira  Foto: TRT/RR/AM

Qual a reação dele ao fato de Pazuello participar do comício de Bolsonaro, no Rio? Atitude foi considerada normal e justificada pelo comandante do Exército, general Paulo Sérgio, que agiu por imposição do presidente. O coronel e uma miríade de oficiais bolsonaristas defenderam a impostura de que o palanque não era comício e de que Bolsonaro não tem partido. Tem sim: seu partido é o Partido Fardado, como antevira o cientista político Oliveiros S. Ferreira. Assim como Pazuello só pôde subir no palanque do presidente porque ali estava a escada construída por quem esqueceu o exemplo de Zenildo.

Agora, políticos e generais – Santos Cruz e outros ouvidos anteriormente pela coluna, como o deputado Roberto Peternelli  – se dizem a favor de lei contra a nomeação de militares da ativa para cargos políticos de natureza civil. Que passem para a reserva, assim como juízes e procuradores são obrigados a deixar as carreiras ao ocupar ministérios. Ou seja: quem pôs a escada para Pazuello pode retirá-la. O general impune não deixou apenas a disciplina suspensa no ar. Ali também estão a democracia, a ordem pública, a paz e a tranquilidade da Nação. Elas são ameaçadas cada vez mais por radicais bolsonaristas, ainda que, por enquanto, só em grupos de WhatsApp.

Marcelo Godoy, Repórter especial, é Jornalista está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). Publicado n'O Estado de São Paulo, em 07.06.2021.

FDA aprova 1ª droga eficaz contra doença de Alzheimer

Medicamento Aduhelm é capaz de remover placas beta-amiloides no cérebro e desacelerar o avanço da doença. Efeitos benéficos ainda não são totalmente conhecidos, mas os resultados dos testes são promissores, diz agência.

    

Pesquisador examina radiografia do cérebro de um paciente. Doença de Alzheimer é a sexta maior causa de mortes nos Estados Unidos.

A Food and Drug Administration (FDA), agência do governo dos Estados Unidos que regulamenta o uso de medicamentos no país, aprovou nesta segunda-feira (07/06) o primeiro fármaco considerado capaz de combater a doença de Alzheimer.

O medicamento aducanumab, da farmacêutica Biogen, é capaz de remover eficazmente do cérebro as placas prejudiciais chamadas beta-amiloides (também conhecidas como A-beta) nos pacientes no estágio inicial da doença, de modo a impedir as ações dessas placas, que acarretam em perda de memória e na incapacidade de uma pessoa de cuidar de si própria.

"É uma boa notícia para os pacientes com a doença de Alzheimer. Jamais tivemos uma terapia modificativa da doença aprovada”, comemorou o médico Ronald Petersen, especialista em Alzheimer da Mayo Clinic, nos Estados Unidos. O medicamento que será comercializado com o nome Aduhelm.

"Isso não é uma cura. A esperança é que ela possa desacelerar o progresso da doença”, alertou. "Este é um grande dia, mas não podemos prometer demais.” A doença de Alzheimer é a sexta maior causa de mortes nos Estados Unidos.

A FDA afirma em seu portal de internet que os dados dos testes para o tratamento eram complexos no que diz respeito aos benefícios clínicos do medicamento. A agência, contudo, ressaltou que "há provas substanciais suficientes de que o Aduhelm reduz as placas beta-amiloides no cérebro e que essa redução faz com que seja razoavelmente provável antecipar benefícios importantes para os pacientes”.

Grupos de defesa dos pacientes e alguns neurologistas exaltam o Aduhelm como sendo uma opção eficiente para as pessoas com Alzheimer. Entretanto, alguns médicos avaliam que os resultados dos testes clínicos são inconsistentes e que são necessárias ainda mais evidências.

A Biogen entrou com o pedido de aprovação do Aduhelm na FDA em 2019 e na Agência Europeia de Medicamentos (EMA) em 2020.

Estudos em pessoas saudáveis

Os criadores do fármaco, Roger Nitsch e Christoph Hock, são da Universidade de Zurique, na Suíça. Inicialmente eles não analisaram pacientes com a doença de Alzheimer, mas idosos saudáveis e em boa forma. Os pesquisadores se concentraram na busca específica por células do sistema imunológico capazes de produzir anticorpos contra placas A-beta. E as encontraram.

Por meio de trabalhos meticulosos, os cientistas decifraram os anticorpos e os recriaram em laboratório. Juntamente com a empresa americana Biogen, eles levaram então o princípio ativo para os testes clínicos.

A grande maioria dos pesquisadores concorda que a doença progride de maneira extremamente lenta e em efeito cascata, no qual se sucedem vários processos de decomposição das células cerebrais.

Central para isso é a formação das placas A-beta, seguida pela ativação da defesa imunológica celular e a formação posterior de outros depósitos, as chamadas placas tau. Estas surgem quando as proteínas tau estabilizadoras são liberadas do citoesqueleto das raízes nervosas e então depositadas entre os neurônios, onde se tornam então provavelmente tóxicas.

Neste processo em cascata, os pesquisadores também veem o maior dos problemas: a perda de memória só pode ser interrompida de maneira sustentável se for combatida em um estágio inicial.

Em entrevista à DW, o professor de neurodegeneração molecular Christian Haas, do Centro Alemão de Doenças Neurodegenerativas (DZNE) em Munique, comparou a progressão da doença com uma queda d'água: "Se quisermos interromper o fluxo a partir do topo, precisamos fazer isso diretamente com a amiloide. Se chegarmos tarde demais, teremos passado da amiloide, e a proteína tau talvez já consiga continuar a operar a cascata por conta própria."

O sucesso do tratamento, portanto, depende de quão cedo os médicos detectam a doença e se eles conseguem intervir com o princípio ativo adequado. O problema é que o Alzheimer não costuma ser diagnosticado num estágio inicial, evoluindo de forma silenciosa ao longo dos anos – e quando a perda de memória se torna evidente, já é tarde demais. O mesmo problema foi constatado também nos ensaios clínicos com aducanumab.

Os ensaios clínicos

Antes de entrar com um pedido de aprovação na FDA e na EMA, a Biogen realizou três estudos clínicos, batizados de Prime, Emerge e Engage. A avaliação dos resultados dos estudos feita pelos pesquisadores mudou diversas vezes. Foi como uma montanha-russa.

No estudo Prime, em 2016, o aducanumab combateu com sucesso as placas A-beta em 166 pacientes com Alzheimer. As pesquisas que se seguiram, Emerge e Engage, tiveram um total de 3,2 mil participantes, mas acabaram levando a conclusões contraditórias. Em março de 2019, ambos os estudos foram interrompidos, pois os resultados provisórios não mostraram melhoras cognitivas nos voluntários. "E essa é a única coisa que realmente importa no final", diz Haas.

Mas em outubro de 2019, os pesquisadores mudaram seu parecer: em pacientes do estudo Emerge pôde ser comprovado um efeito positivo no desempenho de memória. A Biogen solicitou então a aprovação da FDA. Pouco depois, no entanto, um painel independente de especialistas comissionado pela agência americana afirmou mais uma vez que o fármaco tinha pouco eficácia, contrariando, portanto, uma avaliação preliminar do órgão. A FDA então estendeu o processo de revisão do medicamento até junho de 2021.

Aparentemente, as diferentes avaliações em torno da eficácia do aducanumab também estariam associadas à dosagem administrada entre os pacientes de cada estudo. De acordo com os médicos, o efeito mais forte foi observado entre aqueles que receberam doses particularmente altas. Neles, o declínio no desempenho cognitivo pareceu sofrer desaceleração.

No entanto, altas dosagens geram outro problema: sobretudo em pessoas com uma certa predisposição genética chamada APOE4, o aducanumab pode causar inchaço no cérebro. Pacientes que apresentaram tais alterações, contudo, foram imediatamente retirados do estudo. "Tais mudanças parecem estar regredindo", relata Haas. A condição é que sejam reconhecidas corretamente.

Curiosamente, são justamente os pacientes com essa predisposição genética que melhor respondem ao aducanumab. "Parece haver uma conexão. Só não está claro qual", diz Haas.

Mas de maneira alguma isso deve ser motivo para descartar o medicamento, defende o pesquisador de Munique. "Afinal, o aducanumab é uma droga que consegue eliminar de forma quase completa do cérebro do paciente a patologia primordial." Isso pôde ser comprovado de forma muito clara através de imagens. "Trata-se de uma história fantástica: quanto mais desse anticorpo se fornece, mais a patologia se decompõe." Agora, continua Haas, tais conexões precisam ser estudadas mais a fundo.

Quanto antes, melhor

Quando se trata de Alzheimer, o importante é interromper a cascata neurodegenerativa o mais cedo possível. "Em todos os ensaios clínicos chega-se tarde demais", avalia Haas. A doença começa geralmente de dez a 20 anos antes que algo seja detectado pelos médicos. "E se as proteínas tau já estiverem lá, uma terapia à base de amiloide não irá mais funcionar."

Mas até mesmo pequenos avanços no tratamento de Alzheimer já representam um grande sucesso. "Seria maravilhoso se pudéssemos estabilizar a condição de um paciente no estado mental com o qual 

Estudo sobre Alzheimer monitora 30 mil pessoas até o fim da vida

No início do tratamento, muitos dos afetados ainda se locomovem de forma completamente independente. "Eles costumam vir de carro ou de transporte público", conta Haas. "Eles ainda são totalmente capazes de ter uma vida normal e de maneira independente."

No futuro, portanto, a ideia seria iniciar o tratamento medicamentoso quando a memória do paciente ainda estiver completamente normal. É por isso que os médicos agora estão canalizando seus esforços para identificar biomarcadores que possam ajudar na detecção precoce da doença. Mas até agora ainda não está claro se, no final, isso será suficiente para intervir a tempo com anticorpos A-beta, como o aducanumab.

As células que ativam o descarte de 'lixo' no cérebro

Quando se trata de combater e eliminar as placas cerebrais, o descarte de lixo celular também desempenha um papel importante. Em pacientes com Alzheimer, tal processo começa bastante cedo – provavelmente como uma reação à formação das primeiras placas A-beta. Por um lado, essa defesa imunológica é considerada parte do problema, mas os pesquisadores também querem usá-la no combate ao Alzheimer.

As micróglias, responsáveis por tal limpeza, são únicas: essas células do sistema imunológico servem, por um lado, como fagócitos e, ao mesmo tempo, como células precursoras das células nervosas.

Se forem superestimuladas, elas podem desencadear reações inflamatórias perigosas – reações autoimunes – algo que pode ser detectado em pacientes em estágio avançado de Alzheimer.

Por outro lado, também pode acontecer que as micróglias permaneçam inativas, embora sejam urgentemente necessárias para prevenir a formação de placas. Atualmente, Haas está trabalhando com a empresa norte-americana Denali no desenvolvimento de um anticorpo correspondente a ser utilizado em testes clínicos iniciais em humanos. A ideia é que as células microgliais sejam treinadas a tempo de reconhecer e combater tais placas.

Elas também poderiam então ser usadas em conjunto com o novo medicamento. Funcionaria da seguinte forma: "O aducanumab se deposita nas placas. As placas são então mais facilmente reconhecidas pelas células microgliais estimuladas pelos anticorpos e passam assim a ser fagocitadas logo no início", diz o pesquisador.

Deutsche Welle Brasil, 07.06.2021 

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Bolsonaro não é única razão de o Brasil estar no buraco

O sistema político que o ajudou a conquistar o cargo precisa de uma reforma profunda; próximo governo deve combater a corrupção sem preconceitos. (The Economist, O Estado de S.Paulo).

Os hospitais estão lotados, as favelas ecoam tiros e um recorde de 14,7% dos trabalhadores estão desempregados. Inacreditavelmente, a economia do Brasil está menor agora do que era em 2011 – e serão necessários muitos trimestres fortes como o relatado em 1.º de junho para reparar sua reputação. O número de mortos no Brasil pela covid-19 é um dos piores do mundo. Mas o presidente Jair Bolsonaro faz piada dizendo que as vacinas podem transformar as pessoas em jacarés.

O declínio do Brasil foi chocantemente rápido. Após a ditadura militar de 1964-85, o país conseguiu uma nova Constituição que devolvia o Exército aos quartéis, uma nova moeda que acabou com a hiperinflação e programas sociais que, com um boom de commodities, começaram a reduzir a pobreza e a desigualdade. Uma década atrás, o País estava cheio de dinheiro do petróleo e tinha sido escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Parecia destinado a florescer.

Mas o Brasil não aproveitou a oportunidade. Como argumenta nossa reportagem especial desta semana, governos consecutivos cometeram três erros. Primeiro, eles cederam à visão de curto prazo e adiaram as reformas econômicas liberais. A culpa por isso pertence principalmente ao Partido dos Trabalhadores (PT), que ocupou a Presidência entre 2003-16. Ele alcançou um crescimento de 4% ao ano, mas não investiu para aumentar a produtividade. Quando os preços das commodities caíram, o Brasil enfrentou uma das piores recessões de sua história. Os governos de Michel Temer e Bolsonaro fizeram algum progresso nas reformas, mas pararam muito aquém do que é necessário.

Em segundo lugar, em seus esforços para se protegerem das consequências da Lava Jato, os políticos têm resistido às reformas que impediriam a corrupção. Os promotores e juízes por trás da Lava Jato são parcialmente culpados. Depois que alguns demonstraram ter uma agenda política, os inquéritos dos quais eram responsáveis ficaram estagnados no Congresso e nos tribunais.

Por último, o sistema político do Brasil é um fardo. Distritos estaduais e 30 partidos no Congresso tornam as eleições caras. Mais ainda do que em outros países, os políticos no Brasil tendem a apoiar projetos extravagantes para ganhar votos, em vez de reformas valiosas de longo prazo. Uma vez no cargo, eles seguem as regras erradas que os elegeram. Eles desfrutam de privilégios legais que os tornam difíceis de serem processados e de uma grande quantidade de dinheiro para ajudá-los a manter o poder. Como resultado, os brasileiros os desprezam. Em 2018, apenas 3% disseram confiar “muito” no Congresso.

A desilusão abriu o caminho para Bolsonaro. Ex-capitão do Exército com uma queda pela ditadura, ele convenceu os eleitores a verem seu jeito politicamente incorreto como um sinal de autenticidade. Ele prometeu eliminar políticos corruptos, reprimir o crime e turbinar a economia. E tem fracassado em todas as três tarefas.

Depois de aprovar a reforma da previdência em 2019, ele abandonou a agenda de seu ministro da Economia liberal, temendo que ela lhe custasse votos. A reforma tributária e do setor público e as privatizações estagnaram. O auxílio emergencial ajudou a evitar a pobreza no início da pandemia, mas foi reduzido no final de 2020 em razão do aumento da dívida. A taxa de desmatamento na Amazônia aumentou mais de 40% desde que Bolsonaro assumiu o cargo. Ele levou uma motosserra para o Ministério do Meio Ambiente, cortando seu orçamento e forçando a saída de funcionários. Seu ministro do Meio Ambiente está sob investigação por tráfico de madeira.

Em relação à covid-19, Bolsonaro apoiou manifestações contra os bloqueios totais e curas de charlatões. Ele enviou aviões carregados de hidroxicloroquina para povos indígenas. Por seis meses ele ignorou ofertas de vacinas. Um estudo descobriu que o atraso pode ter custado 95 mil vidas.

Em vez de lidar com a corrupção, ele protegeu seus aliados. Em abril de 2020, demitiu o chefe da Polícia Federal, que investiga os filhos dele por corrupção. Seu ministro da Justiça pediu demissão, acusando-o de obstrução da justiça. Dias antes, Bolsonaro havia ameaçado a independência do Supremo Tribunal Federal (STF). Em fevereiro, seu procurador-geral acabou com a força-tarefa da Lava Jato.

A democracia brasileira está mais frágil do que em qualquer momento desde o fim da ditadura. Em março, Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, que se recusou a enviar o Exército às ruas para forçar a reabertura de empresas. Se ele perder a reeleição em 2022, alguns acham que ele pode não aceitar o resultado. Ele lançou dúvidas em relação ao voto eletrônico, aprovou decretos para “armar a população” e se gabou de que “só Deus” o tirará da cadeira presidencial.

Impeachment

Na verdade, o Congresso brasileiro poderia fazer o trabalho sem a intervenção divina. Sua conduta provavelmente se qualifica como passível de impeachment, incluindo “crimes de responsabilidade”, como encorajar as pessoas a desafiar os bloqueios totais, ignorar ofertas de vacinas e demitir funcionários para proteger seus filhos. O Congresso recebeu 118 petições de impeachment. Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas em 29 de maio para exigir sua expulsão do cargo.

Por enquanto, ele tem apoio suficiente no Congresso para impedir o impeachment. Além disso, o vice-presidente, que assumiria, é um general também nostálgico do regime militar. A última vez que o Congresso votou pelo impeachment de um presidente no Brasil – Dilma Rousseff em 2016 por esconder o tamanho do déficit orçamentário – isso dividiu o País. Bolsonaro se apresentaria como um mártir. Muitos de seus apoiadores estão armados.

No longo prazo, além de substituir Bolsonaro, o Brasil deve lidar com o cinismo e o desespero que o elegeu, enfrentando o baixo crescimento crônico e a desigualdade. Isso exigirá uma reforma dramática. No entanto, a própria resiliência que protegeu as instituições brasileiras das predações de um populista também as torna resistentes a mudanças benéficas.

As ações necessárias são difíceis. Acima de tudo, o governo precisa servir ao público e não a si mesmo. Isso significa reduzir os privilégios dos trabalhadores do setor público, que consomem uma parcela insustentável dos gastos do governo. Os políticos também não devem poupar a si mesmos. Os titulares de cargos devem ter menos proteções legais. Eles deveriam reorganizar os sistemas eleitoral e partidário para deixar sangue novo entrar no Congresso.

O próximo governo deve combater a corrupção sem preconceitos, conter gastos desnecessários e aumentar a competitividade. A aplicação de medidas severas na Amazônia deve ser acompanhada de alternativas econômicas ao desmatamento. Caso contrário, mais cedo ou mais tarde, novos Bolsonaros surgirão.

Há um longo caminho pela frente.

A não ser que o impeachment de Bolsonaro ocorra, o destino do Brasil provavelmente será decidido pelos eleitores no ano que vem. Seus rivais deveriam oferecer soluções em vez de espalhar nostalgia. Seu sucessor herdará um País deteriorado e dividido. Infelizmente, a podridão vai muito além de um homem só. / 

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA 

© 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER  LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM. Publicado no Brasil pelo O ESTADO DE SÃO PAULO, em 04.06.2021.


Bolsonaro impõe sua vontade ao Comando do Exército, e crise se agrava; leia bastidores

Presidente está mais uma vez afrontando o estabelecimento militar; da última vez que o fez, há 30 anos, acabou defenestrado

Solenidade de passagem do cargo de comandante do Exército do general Edson Pujol para o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira Foto: Marcos Correa/PR

Acomodar foi a solução encontrada pelos generais palacianos para acabar com a crise, ainda mais depois que Jair Bolsonaro deixou claro que não permitiria a punição do general e amigo, Eduardo Pazuello. Nomeou-se o transgressor para a Secretaria de Assuntos Estratégicos a fim de que tudo se resolvesse. Tiraram o problema do quartel e o devolveram para o lugar de onde nunca devia ter saído: o Planalto. Essa é a lógica que se esconde por trás da lacônica nota do Comando do Exército, como se ela encerrasse o caso criado pela presença do general da ativa no palanque do presidente.

A solução imposta ao Exército pretendia retirar o bode de uma sala e colocá-lo em outra. O Alto Comando do Exército (ACE) não desejava mais a companhia de Pazuello. Ele não tinha mais condição de comandar. E Bolsonaro avisava que não o queria punido. Parte do ACE defendia a punição. O presidente ameaçava. Destituíra Edson Leal Pujol do comando da Força. E podia fazer de novo: manda quem pode, obedece quem tem juízo. 

Mas a vitória de Bolsonaro é uma vitória de Pirro. É que Bolsonaro venceu a batalha, mas arrisca perder seu Exército. Brigar por Pazuello, que hoje não é capaz de pôr em forma dois recrutas num quartel, pode não ter sido a decisão mais apropriada. O presidente escandaliza os soldados profissionais que se mantêm em silêncio, mas que se manifestam dentro da cadeia de comando. Na quarta-feira, 2, um oficial general ouvido pelo Estadão disse que quem conhece a história não repete o erro. Referia-se ao presidente João Goulart, que flertou com a anarquia militar. As ameaças a Bolsonaro, por enquanto, são veladas. Mas ele está mais uma vez afrontando o estabelecimento militar. Da última vez que o fez, há 30 anos, acabou defenestrado.

Quem pagará o preço da solução imposta por Bolsonaro e aceita pelo comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira? Primeiro, o contribuinte, que terá de arcar com R$ 16 mil do salário da nova função do general; depois, o Exército, que verá sua imparcialidade, isenção e neutralidade questionadas pelas forças políticas de oposição. E, por fim, o País, que pode ser mergulhado em uma campanha eleitoral em 2022 em que militares da ativa se sentirão autorizados a intervir como militantes. Bolsonaristas defendiam desde a semana passada que Pazuello não fizera nada de mais. Tentava-se empurrar ao País, segundo os críticos, mais uma impostura: o comício no Aterro do Flamengo não era uma reunião partidária. “Aceitar Pazuello sem punição, é aceitar um golpe branco, abrindo as portas para a quebra de hierarquia, cujas consequências são imprevisíveis”, disse o professor Paulo Cunha, da Unesp, autor do livro Militares e Militância. 

Até março, o ministro Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e o general Leal Pujol afirmavam que as Forças Armadas eram instituições de Estado. No primeiro grande teste, seu substituto na Pasta, Walter Braga Netto, e Paulo Sérgio falharam para demonstrar essa verdade. O tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar, disse que Pazuello cometera transgressão disciplinar. “Se aceitar isso, acaba a disciplina nas Forças Armadas.” Sem a punição, como o Exército pode punir o sargento Luan Ferreira de Freitas Rocha, que participou de live do deputado Major Vítor Hugo (PSL-GO), fez reclamações salariais e conclamou os camaradas a participar do movimento? Quando o Duque d’Enghien foi morto a mando de Napoleão Bonaparte, um de seus ministros, vendo que a ação ia pôr contra o imperador as monarquias europeias, disse: “É pior do que um crime; é um erro”. Duzentos anos depois, a frase se aplica à decisão de absolver Pazuello.

Marcelo Godoy é repórter especial d'O Estado de S.Paulo. Publicado em 04.06.21.