sábado, 3 de abril de 2021

O Brasil se radicaliza

Bolsonaro quer que as Forças Armadas apoiem suas políticas extremistas

A saída do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica é grave porque, sem dúvida, ocorreu pelas pressões constantes do mandatário ultradireitista. Bolsonaro, um capitão reformado que nunca escondeu sua admiração pela ditadura, pretendia que as Forças Armadas apoiassem suas batalhas políticas extremistas. A cúpula militar enviou um sinal de alarme sobre as atitudes autoritárias do presidente, que quer ser reeleito em 2022, ao renunciar antes de se submeter às suas exigências. É muito preocupante que, neste delicado momento sanitário e com uma economia em franca recessão, o novo titular da Defesa tenha estreado no cargo com uma exaltação pública do golpe de 1964.

Bolsonaro lotou seu Governo de militares, reformados e na ativa, o que coloca as Forças Armadas em uma complexa tessitura diante da qual estas foram frequentemente ambíguas. É preciso lembrar que são uma instituição de Estado e não partidária. A renúncia da cúpula militar deve ser vista como um gesto em defesa do papel constitucional da instituição. O Brasil não pode se permitir que os militares ameacem a democracia; é necessário exigir seu apego absoluto à lei e à Constituição. Por isso é urgente um maior distanciamento dos militares com os gestos autoritários de Bolsonaro, que corroem sistematicamente a democracia.

Essa crise militar chega, além disso, em um momento extremamente delicado para o Brasil, que na quarta-feira voltou a bater um recorde de mortos pelo coronavírus, com quase 3.900 em 24 horas. A nefasta gestão da pandemia por parte de Bolsonaro, contrariando a OMS e confrontando governadores, coloca seu país como epicentro mundial de contágios e mortes. É prioritário deter a expansão do vírus, cuidar dos doentes e acelerar a vacinação para empreender uma recuperação. A nomeação do general que deteve as infecções nos quartéis como novo comandante do Exército dá certa margem de esperança após dias agitados. Tudo o que não evitar distrações e oferecer solidez e certeza diante da pandemia e das penúrias econômicas aprofundará esta crise em que o presidente tem grande responsabilidade. Uma responsabilidade da qual os militares não estão isentos.

Editorial do EL PAIS, em 02.04.2021

Últimos presidentes civis que entraram em conflito com as Forças Armadas foram depostos, diz historiadora

Mas existe uma diferença importante. "Em 64, não tinha o silêncio que vemos hoje na sociedade e nos quartéis", diz ela.

Bolsonaro enfrenta uma crise militar e política em seu governo (Crédito da foto: Reuters)

A historiadora e cientista política Heloísa Starling recorda destes episódios ao comentar à BBC News Brasil sobre as demissões do agora ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Para dois de seus antecessores — Getúlio Vargas e João Goulart —, o embate com os militares acabou mal.

"Não tem hoje um general da ativa falando que precisa de uma intervenção. Não existe uma mobilização social a favor disso. Tem apoio de uma fatia da sociedade, mas ela não é expressiva o suficiente para criar um ambiente favorável para um golpe."

O mesmo acontece nos outros dois poderes — o Legislativo e o Judiciário, diz a pesquisadora.

"Há um apoio de deputados de extrema-direita, mas não do Congresso como um todo e menos ainda no Supremo. Pelo contrário, há falas muito cautelosas, dizendo: 'Não é por aí'."

'Saio com a missão cumprida', disse o general Fernando Azevedo (Crédito da foto: Reuters)

As quedas de Vargas e Jango

Vargas buscava fazer a transição da ditadura do Estado Novo para a democracia quando foi obrigado a renunciar por um movimento liderado por generais que faziam parte do seu próprio governo.

Jango foi destituído pelo golpe de 1964, que deu início de uma ditadura militar que durou 21 anos.

Starling aponta que a última vez em que houve um confronto semelhante entre as Forças Armadas e o Executivo foi em 1977.

Vargas foi obrigado a renunciar no fim de 1945 por um movimento liderado por generais que compunham seu governo (Crédito: Planalto)

O general Sylvio Frota, então ministro do Exército, foi demitido pelo general Ernesto Geisel depois de tentar se insurgir contra o presidente e a abertura do regime militar promovida por ele.

Mas, neste caso, tratou-se de uma crise entre os próprios militares, que governavam o Brasil.

Starling diz que, diante da história do país, pode ser inevitável pensar que o passado está se repetindo. Já houve ao menos 15 tentativas de intervenção militar, nas contas da historiadora.

Duas delas bem sucedidas: em 1937, com o golpe que deu início ao Estado Novo, e em 1964. "O que vemos agora também é uma crise militar e uma situação de crise política incontrolável", diz a historiadora.

Jango foi destituído pelo golpe militar de 1964

As demissões do comando das Forças Armadas

A crise entre o Planalto e as Forças Armadas foi escancarada pelo pedido de demissão do general Fernando Azevedo, que comunicou sua saída na segunda-feira (29/3), sem explicar o motivo.

Azevedo é visto como um militar da ala mais moderada. A BBC News Brasil apurou que Bolsonaro pediu sua saída do cargo por estar insatisfeito com a falta de apoio das Forças Armadas a bandeiras do governo.

Azevedo fez questão de ressaltar em uma nota que "preservou as Forças Armadas como instituições de Estado".

Depois, na terça-feira (31/3), os comandantes das Forças Armadas deixaram os cargos: Edson Pujol, do Exército, Ilques Barbosa, da Marinha, e Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica.

Isso foi visto como um protesto pela demissão de Azevedo. Mas também foi noticiado que havia uma insatisfação especial de Bolsonaro com Pujol, que se posicionou publicamente contra a participação dos militares na política.

Foi noticiado que havia uma insatisfação de Bolsonaro especialmente com Pujol (Crédito da foto: EPA)

Potencial de 'explodir o país'

Heloísa Starling interpreta os últimos acontecimentos como um sinal claro de que não existe no comando das Forças Armadas disposição para uma intervenção.

"Há um entendimento de que as Forças Armadas são uma instituição do Estado e que devem se manter assim. O comando está dizendo que não fará uma intervenção e que não aceitam ser chamados de 'meu Exército' por Bolsonaro."

Mas a pesquisadora destaca que os militares não são um bloco homogêneo, e diferentes posições podem estar sendo defendidas internamente.

Uma rebelião interna nas Forças Armadas não seria um fato inédito na história do país e teria o potencial de "explodir o país", avalia a historiadora.

Por isso, ela diz que é preciso prestar atenção ao que está sendo dito entre os oficiais que compõe o corpo militar brasileiro e seu grau de apoio a uma ação mais drástica.

"Talvez possa ocorrer uma quebra de hierarquia a partir das baixas patentes em relação à posição demarcada pelo comando, mas, por enquanto, Bolsonaro só tem a seu lado generais da reserva e de uma mesma geração, dos anos 1970, que foram formados dentro de um mesmo ambiente ideológico e marcado por tortura e repressão."

'A democracia está sendo corroída por dentro'

Tudo isso está acontecendo enquanto o país enfrenta uma sobreposição de crises — uma política, outra econômica e uma sanitária, por causa da pandemia. Agora se soma a elas uma crise militar.

Ao mesmo tempo, o Brasil tem hoje um governo que tem não paralelo com outros na história, diz Starling: "Bolsonaro falou que seu propósito não era construir, mas desconstruir, e acho que essa desconstrução tem um método".

A cada vez que Bolsonaro testa os limites das instituições, isso as enfraquece, avalia Heloísa Starling (Crédito da foto: EPA)

O presidente testa repetidamente os limites das instituições, afirma a historiadora, e a cada vez que isso ocorre elas se desgastam e se fragilizam.

Starling avalia que, diferentemente de antes, quando a democracia veio abaixo por ações externas às instituições, agora ela é ameaçada pelo próprio governo. "A democracia está sendo corroída por dentro", diz.

Ao menos por enquanto, os gestos das Forças Armadas vão no sentido contrário do passado. Em termos de papeis históricos, os sinais agora estão trocados.

Em vez de ir contra a democracia, os militares estão saindo em sua defesa, enquanto os ímpetos autoritários vêm do governo.

"As Forças Armadas não precisam nem colocar nenhum tanque na rua para defender a democracia, basta não aceitarem a sua politização."

Rafael Barifouse, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 03.04.2021, há 4 horas

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Braga Netto se espreme entre o golpismo de Bolsonaro e a insatisfação do alto comando do Exército

General da reserva, tido como leal ao presidente, foi escolhido quando militares, que nunca tiveram tanto poder na democracia, calculam os danos de estarem tão ligados a um Governo em crise

O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, quando apresentou nesta quarta-feira, 31 de março, os três novos comandantes das Forças Armadas. (Crédito da foto: Eraldo Peres, Associated Press / Eraldo Pires).

Os planos futuros do presidente Jair Bolsonaro passam pelo general Walter Braga Netto. Nomeado para o Ministério da Defesa na terça-feira, o alto oficial do Exército passou a coordenar as Forças Armadas num momento em que o presidente, acuado pela crise sanitária e pelo Congresso, escancara sinalizações golpistas ao ameaçar pedir um estado de sítio enquanto seus mais próximos apoiadores insuflam tensões nas polícias militares pelo país. Diante de um Planalto que a todo tempo explora uma espécie de simbiose com as Forças Armadas, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva tentou evitar um envolvimento ainda maior dos militares no Governo, e por isso acabou demitido da pasta. Mas esse movimento de Bolsonaro acabou se voltando contra ele com a renúncia dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Foi um ato de protesto. Essa tripla substituição evidenciou que as altas patentes, sobretudo o alto comando do Exército, não estão satisfeitas com o rumo do Governo e para os danos de imagem que essa associação lhes causa. Enquanto desfrutam do maior poder e presença em uma Administração desde o fim da ditadura, em 1985, agora ensaiam um afastamento político num momento em que o Brasil, isolado internacionalmente, tem uma média diária de 3.000 mortos por covid-19. É neste contexto que Braga Netto guiará a Defesa numa saia justa, espremido entre essa insatisfação e a lealdade a Bolsonaro, após a maior crise militar desde a redemocratização.

Braga Netto foi alavancado como figura pública em fevereiro de 2018, quando o então presidente Michel Temer (MDB) decretou uma intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro e designou o general quatro estrelas como interventor. Na ocasião, vendeu-se a imagem de um servidor discreto, com bagagem técnica e capacidade operacional. Contudo, pecava pela falta de transparência. Evitava exposições públicas, impedia a imprensa registrar boa parte de suas falas e não admitia questionamentos a seu trabalho à frente da segurança pública fluminense.

O general tido como “moderno”, de uma geração posterior a que serviu durante a ditadura militar, foi o mesmo que lançou nesta semana um comunicado determinando a celebração do golpe de 1964. Convém dizer que nisso ele pouco difere de Azevedo e Silva, que divulgou comunicados similares nos anos anteriores. “Essa nota de Braga Netto foi uma compensação pra diminuir a pressão. Mas essa tradição de se celebrar o golpe sempre existiu dentro do Exército”, destaca Carlos Fico, historiador da UFRJ e estudioso da ditadura militar brasileira. Mas essa tradição do Exército não era chancelada pelo Ministério da Defesa, que desde 1999 era comandado por civil —até Temer quebrar a prática, em 2018.

Braga Netto abraçou publicamente o bolsonarismo ao entrar no Governo em fevereiro de 2020, assumindo o posto de ministro-chefe da Casa Civil. Nesse momento ainda estava na ativa, algo que por si só denuncia a relação umbilical entre as Forças Armadas e o Governo Bolsonaro. Junto com o general Luiz Eduardo Ramos, que também seguiu na ativa por um tempo após entrar no Governo, compõe o núcleo duro mais próximo do presidente. Manteve seu perfil discreto, mas nos bastidores ajudou a ofuscar e a desautorizar o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que caiu em meio à primeira onda da pandemia, em abril de 2020. Nos meses seguintes, Braga Netto se manteve ao lado de Bolsonaro chancelando todo o negacionismo presidencial com relação à pandemia de coronavírus. Ao mesmo tempo, chancelou a aproximação do Planalto com o Centrão, o grupo de partidos de centro-direita que agora apoia o Bolsonaro em troca de cargos públicos e verbas.

A principal dúvida que paira sobre Braga Netto é se ele manterá as Forças Armadas como “instituições de Estado”, como afirmou Azevedo e Silva em sua carta de despedida. “A tentativa é de mostrar que há limites para a politização, os militares estão se desgastando e é muito negativo ficar atrelado ao Governo. Existe uma desqualificação total das Forças Armadas”, explica Fico.

O problema é que as Forças Armadas já não são somente instituições do Estado, mesmo com a renúncia dos comandantes para demonstrar um afastamento político. Atualmente, 92 militares dirigem estatais e mais de 6.000 ocupam postos civis no Executivo federal. Estão na presidência da Petrobras, dos Correios, do Incra, da Funai, entre outros órgãos de importância. “Os militares continuam de maneira promíscua com Bolsonaro”, explica Fico.

A discordância com Azevedo e Silva era menos ideológica e mais sobre o grau de participação no Governo Bolsonaro. O primeiro defendia que os militares ocupassem apenas os cargos no Gabinete de Segurança Institucional e nas Forças Armadas. Mas vem de Braga Netto, e também de Ramos —que após a dança das cadeiras ministerial foi para a Casa Civil—, as principais indicações de militares para ocupar postos no Governo. A principal aposta foi a ida do general da ativa, Eduardo Pazuello, para a Saúde. O resultado é conhecido: quando deixou a pasta, o país já havia superado a marca de 300.000 mortes enquanto o programa de vacinação patinava. Pazuello também é alvo de uma investigação formal da Polícia Federal sob acusação de ter sido negligente na crise onde faltou oxigênio em Manaus, no Amazonas.

Exército bolsonarista

A demissão de Azevedo e Silva foi uma forma de Bolsonaro dizer que ele é o “comandante-em-chefe” das Forças Armadas. Que o Exército é “seu”, como ele já disse literalmente, e é ele quem manda, caso deseje usar a força contra as medidas de distanciamento dos governadores ou decretar um estado de defesa ou de sítio ―o que exige aprovação do Congresso, um obstáculo concreto. O presidente também desejava que o anterior comandante do Exército, Edson Pujol, se posicionasse nas redes sociais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recuperou os direitos políticos graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, a exemplo do que fez um de seus antecessores, o general Eduardo Villas Bôas, em 2018. Não conseguiu.

Até o momento, Bolsonaro não colheu louros da crise político-militar que ele mesmo causou. Não conseguiu emplacar quem gostaria para o comando do Exército e teve de engolir o general Paulo Sérgio, tido como moderado e um seguidor da doutrina de Pujol. Em entrevista para o jornal Correio Braziliense, Paulo Sérgio relatou como aplicou com sucesso medidas de isolamento social no Exército e conseguiu que os soldados exibissem taxas menores de contaminação pelo novo coronavírus do que na média do país.

“A gente não sabe quais são os desígnios do presidente. Ele quer dar um autogolpe, quer intimidar ou quer dar demonstração de força?”, questiona Fico, que acredita que a crise foi desatada para retirar os holofotes das derrotas políticas do bolsonarismo, como a saída de Ernesto Araújo, um dos mais ligados à base radical do presidente, do Ministério das Relações Exteriores. “Hoje não vejo espaço para nenhum tipo de aventura institucional”, conclui o historiador.

FELIPE BETIM, de São Paulo para O EL PAÍS, em  01 ABR 2021 - 20:04 BRT

O “Governo feito a dez mãos” de Jair Bolsonaro

Os quatro filhos mais velhos do presidente, todos investigados pela PF e pelo Ministério Público, realizam funções de ministros, conselheiros, articuladores políticos e até lobistas, segundo interlocutores do mandatário


Da esquerda para a direita, Eduardo, Renan, Jair, Carlos e Flávio. (Divulgação).

“É um Governo feito a dez mãos”, diz o deputado federal Delegado Waldir (PSL-SP), integrante da base do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). À medida que o pai avança em seu terceiro ano de mandato na presidência do Brasil, fica cada vez mais claro o papel que seus filhos parlamentares Flavio, Carlos e Eduardo e o neófito Jair Renan desempenham na agenda e nas decisões do Planalto. Em comum, os quatro são investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público por crimes que vão da prática de rachadinha e contratação de funcionários fantasmas a tráfico de influência. Mas os herdeiros do mandatário também partilham outros papeis informais, seja na articulação política ou no papel de conselheiros do pai, segundo interlocutores do Planalto ouvidos por este jornal. “Eles acabam governando em conjunto. Estão todos na política, e é óbvio que por estar ali ajudam na tomada de decisões”, conclui o parlamentar.

No início do seu mandato, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), chegou a ser recebido no Palácio do Planalto para tratar de pautas do seu Estado na presença de Flavio Bolsonaro e do filho mais novo do presidente, Jair Renan, então com 20 anos, que nem mesmo exerce um cargo público. Renan é filho do segundo casamento de Bolsonaro, com Ana Cristina Valle. Os três mais velhos são filhos de Rogéria Nantes Nunes Braga, que até hoje usa o sobrenome do ex-marido nas redes sociais e politicamente (foi candidata a vereadora no Rio no ano passado, mas não foi eleita). O caçula, agora com 22, transita pelos corredores do Planalto, em papel ativo, embora a família não admita. O filho 04 tornou-se empresário do ramo de eventos usando o nome do pai com a Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, criada em novembro de 2020. A empresa fica num espaço comercial dentro do estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Até então o jovem somente administrava seu canal no YouTube voltado para jogos eletrônicos, os e-sports. No dia 13 de novembro, ele articulou uma reunião entre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e empresários da Gramazini Granitos e Mármores —companhia que patrocina a sua empresa de eventos. O encontro não constava na agenda oficial de Marinho, e foi revelado pela revista Veja. Indagado sobre o ocorrido à época, o ministério divulgou nota afirmando que o filho do presidente “participou na qualidade de ouvinte e por acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a União”. Mas, segundo a publicação, Renan teria recebido de presente da Gramazini um carro avaliado em 90.000 reais. As revelações da revista levaram a Polícia Federal a abrir uma investigação sobre o o caso.

A defesa de Jair Renan, comandada pelo advogado Frederick Wasseff, nega as acusações, e alega “perseguição” aos filhos do presidente. “Alguém de má fé criou uma fake news de que Renan Bolsonaro recebeu um carro, dando a entender que ele agiu assim para se beneficiar. O Renan não tem nada a ver com o Governo, ninguém no Governo ajudou o Renan”, disse ele por mensagem. Wasseff também foi advogado do senador Flavio Bolsonaro. Foi na casa de Wasseff que a polícia prendeu o ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz no ano passado, que se escondia da polícia e hoje está em prisão domiciliar respondendo a inquérito sobre a rachadinha, a partilha de salários de funcionários durante os mandatos de Flavio como deputado estadual.

Eleito senador pelo Rio de Janeiro em 2018, Flavio se destacou nos últimos meses como um fundamental articulador político do Planalto no Congresso. “O Flávio tem um relacionamento muito bom com os líderes partidários na Câmara e no Senado, coisa que o pai dele não tem”, diz o deputado Waldir. O parlamentar credita ao filho 01 a aliança do Governo com o bloco conhecido como Centrão, o que —ainda que temporariamente— blinda o presidente de dezenas de pedidos de impeachment que foram protocolados, a maior parte devido ao comportamento irresponsável do mandatário durante a pandemia. “O alinhamento do Centrão foi costurado pelo Flávio. A ideia já era antiga, mas o Eduardo [Bolsonaro] sempre foi muito radical e se opunha a esta aliança. Foi o senador que abriu portas para que os parlamentares se aproximassem”, afirma Waldir.

A costura de acordos para garantir uma base de apoio para o Governo no Congresso, no entanto, não é a única função de Flávio, que é o pivô do escândalo das rachadinhas, investigado pelo Ministério Público do Rio. A indicação do novo ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga para o lugar de Eduardo Pazuello, teria partido do filho 01. Queiroga é amigo do sogro do senador, o cardiologista Hélio Figueira, como informou o jornal O Globo. Na disputa pelo cargo, o indicado de Flavio desbancou o nome sugerido pelo Centrão, a doutora Ludhmila Abrahão Hajjar. Ela chegou a se encontrar em Brasília com o presidente. A reunião contou com a presença do filho Eduardo, que a questionou sobre aborto e armas de fogo, segundo ela.

A presença dos filhos do presidente em reuniões reservadas não constam da agenda oficial do Planalto. Apenas no dia 27 de janeiro Eduardo é mencionado na reunião com a presença de outros 28 deputados federais da base aliada. Mas o deputado, que tinha aspirações de se tornar embaixador brasileiro em Washington, não deixa de divulgar algumas participações em suas redes sociais. Em 15 de março, por exemplo, o deputado esteve presente em uma videoconferência do presidente com o rei Hamad bin Isa al Khalifa, do Bahrein. “Percebemos no Oriente Médio um gigantesco campo de oportunidades no agro, comércio e semelhante visão de mundo quando se fala em trabalhar pela paz”, escreveu em uma rede social.

Ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo se mostra alinhado aos interesses com as petro-monarquias árabes. Além do Bahrein, apenas este ano ele também participou de encontros ao lado do pai e do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, com representantes dos Governos do Kuwait e Emirados Árabes Unidos. Todos estes eventos constam na agenda oficial do Planalto, mas sem seu nome. Eduardo também já fez menções públicas de agradecimento ao príncipe Mohammad bin Salman assim como ao mandatário húngaro de ultradireita Viktor Orbán. Em março, participou de uma missão oficial do Planalto em Israel para conhecer um spray nasal contra a covid-19 que ainda está em fase de testes.

As movimentações de Eduardo não se restringem a questões de política externa. No dia 12 de fevereiro ele estava ao lado do presidente e do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, em cerimônia de entrega de títulos de propriedade para 120 moradores de Alcântara, no Maranhão. De acordo com Pontes, a presença do deputado se justificava pelo papel que ele teve na liberação de emendas para a construção do centro de lançamento de satélites no local: “Queria agradecer ao deputado Eduardo Bolsonaro que participou aqui da construção do Centro de Alcântara com emendas para decolagem desse centro”, afirmou o ministro na ocasião.

Em julho de 2019, quando Eduardo pleiteava o cargo de embaixador dos Estados Unidos, Bolsonaro foi acusado de nepotismo, e rebateu. “Pretendo beneficiar filho meu, sim. Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou”, afirmou. Eduardo é foco de uma apuração preliminar da Procuradoria-Geral da República sobre pagamentos em dinheiro vivo na aquisição de dois imóveis na zona sul do Rio entre 2011 e 2016. Também foi citado e interrogado no inquérito de atos antidemocráticos que incentivavam o fechamento do Supremo Tribunal Federal.

Renan, por sua vez, já aproveitou de seu trânsito no Palácio para pleitear pautas específicas na área em que atua. Em agosto de 2020 ele se reuniu com o secretário de Cultura, Mário Frias, para tratar do “futuro dos e-sports”, de acordo com postagem feita por ele mesmo nas redes sociais. O filho 04 teria atuado junto ao Governo para conseguir a redução no IPI do setor de videogames, que deve resultar em renúncia fiscal acima de 80 milhões de reais para os cofres públicos.

A presença dos filhos do presidente nas agendas política é tamanha que já foi normalizada por alguns parlamentares. O senador Jorginho Mello (PL-SC), teve uma reunião com o presidente em 25 de fevereiro para discutir um projeto de lei que beneficia os caminhoneiros. Lá estava o filho 03, tomando café ao lado do senador e de seu pai. “Eu acho normal [a participação dos filhos]. Eles tomam café da manhã juntos com frequência. É difícil ter reunião com alguém do Governo sozinho, sempre tem mais gente, mesmo nos ministérios. Penso que isso é positivo, evita conversas sigilosas”, diz Mello.

Nem todos acham que a participação dos filhos em assuntos do Governo é algo a ser comemorado. “Essas discussões no seio familiar deles não vejo problema, mas ao levar para dentro do Governo você acaba institucionalizando essas relações”, afirma o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP). Ele cita como exemplo a ida de Eduardo à reunião com a doutora Ludhmila Hajjar em 14 de março. “Levar um filho para dentro do palácio para participar de reunião importante como essa atrapalha. Fica ruim para a credibilidade do presidente até mesmo no Congresso”, diz. Fica sempre no ar a questão: os filhos do presidente falam por ele? O Governador João Doria, hoje arquiinimigo de Bolsonaro, vai além. “Ditadores gostam de governar com aduladores, corruptos e familiares. São populistas e mentirosos. E não hesitam no uso da força, da censura e da intimidação”, disse Doria à Carla Jiménez, que é alvo constante de perseguição dos filhos e seus milhões de seguidores nas redes sociais.

Além de Flávio e Eduardo, o filho 02, Carlos Bolsonaro, que é vereador pelo Rio de Janeiro mas fez de Brasília seu segundo lar, também tem um papel chave no Governo. Após ter tido atuação crucial na estratégia de campanha do pai em 2018 (marcada pela disseminação de fake news e desinformação) ele agora é acusado de chefiar o chamado Gabinete do ódio, também conhecido como uma espécie de Secretaria de Comunicação informal do Governo, que atua dentro do próprio Planalto. Ele chegou a ser interrogado pela PF em 2020 no inquérito dos atos antidemocráticos, que teria como um dos pilares a atuação do gabinete paralelo comandado pelo vereador.

Apesar de ser conhecido por sua verborragia e ataques a opositores nas redes sociais, Carlos é discreto quanto às suas movimentações em Brasília —a reportagem indagou o vereador sobre suas viagens à capital, sem sucesso. É mais discreto nas redes sociais, diferentemente de Eduardo, que alardeia todas as suas agendas palacianas. Mas o papel do filho 02 nas estratégias do Governo é do conhecimento de todos. “O Carlos é um cara forte na formulação da questão ideológica nas redes sociais, que foi o grande motor da eleição do presidente da República”, diz o deputado Delegado Waldir.

Bolsonaro não é o primeiro presidente cujos descendentes foram acusados de se beneficiar da relação familiar nem no Brasil nem fora. O poder imanta a família que o possui e é chamariz para lobbies. O filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Paulo, foi acusado em 2016 de ter se beneficiado de um negócio da Petrobras, o que ele nega. O ex-diretor da Petrobras e delator Nestor Cerveró disse ter sido orientado pela direção da estatal a fechar um contrato com a empresa ligada ao filho do tucano no fim dos anos 2000. Já Fabio Luís Lula da Silva, o Lulinha, é alvo de investigação por suspeita de receber mais de 100 milhões de reais em repasses do grupo Oi/Telemar para sua empresa. O valor seria uma contrapartida por atos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para beneficiar o setor de telecomunicações, o que a defesa de Fabio Luís nega. Maristela Temer, filha de Michel Temer, chegou a ser denunciada pelo crime de lavagem de dinheiro e associação criminosa, por suspeita de que a reforma de sua casa tenha sido paga com dinheiro desviado de obras da usina nuclear de Angra 3. Mas uma coisa é clara: nenhum filho desfrutou de livre acesso ao Planalto aos ministérios como os Bolsonaro. Os filhos de Bolsonaro vem negando qualquer irregularidade. A reportagem entrou em contato com a assessoria de Carlos, Eduardo, Flávio e do Planalto questionando o papel deles no Governo, eventuais problemas éticos desta atuação e a falta de transparência da agenda oficial do presidente. Não obteve resposta até o momento da publicação deste texto.

GIL ALESSI, de São Paulo para o EL PAÍS, em  02 ABR 2021 - 12:26 BRT

Brasil tem 2.922 mortes por covid-19 em 24 horas

País soma agora 328 mil óbitos ligados ao coronavírus. Mais 70 mil novos casos da doença são confirmados, e total de infectados vai a 12,9 milhões desde o início da pandemia.

Cemitério em Porto Alegre

O Brasil registrou oficialmente 2.922 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta sexta-feira (02/04).

Também foram identificados 70.238 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país subiu para 12.910.082, enquanto os óbitos chegam a 328.206.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 11.239.099 pacientes haviam se recuperado até a noite de quinta-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 156,2 no Brasil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30,59 milhões de casos e mais de 553 mil óbitos.

Ao todo, mais de 129,9 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,83 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle / Brasil, em 02.04.2021, há 49 min

Ignorem o presidente

Nem se deve perder tempo corrigindo as bobagens de Bolsonaro acerca do estado de sítio e do direito de ir e vir

O Brasil chegou ao ponto em que é urgente deixar de dar ouvidos ao que diz o presidente da República. Jair Bolsonaro se tornou em si mesmo um ruído que desnorteia os brasileiros sobre como devem se comportar diante da pandemia de covid-19, que no momento mata mais de 3 mil pessoas por dia no País (ver abaixo o editorial O quadro da pandemia).

Nenhum esforço de comunicação no sentido de orientar corretamente os cidadãos a respeito das medidas de prevenção será bem-sucedido enquanto o chefe de governo continuar contrariando as mensagens das próprias autoridades federais mobilizadas contra o vírus, reunidas no chamado Comitê de Coordenação Nacional para o Enfrentamento da Pandemia de Covid-19.

Esse comitê realizou na quarta-feira passada sua primeira reunião formal. A lista de participantes mostra a importância que se pretende dar a essa iniciativa. Estavam presentes o presidente Bolsonaro, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, os ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, das Comunicações, Fábio Faria, da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, e da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, além de representantes do Ministério da Justiça, do Judiciário e do Ministério Público.

Pois bem. Ao final desse encontro, o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco falaram com os jornalistas como se fossem os líderes de fato da iniciativa – o presidente Bolsonaro, a quem cabe formalmente a direção do grupo, já não estava no local.

Os parlamentares informaram que o comitê discutiu a centralização das ações no Ministério da Saúde e também a compra de vacinas pela iniciativa privada, além de outras medidas já aprovadas pelo Congresso. O senador Pacheco, então, enfatizou a necessidade de um “alinhamento da comunicação social do governo e da assessoria de imprensa do presidente da República no sentido de haver uma uniformização do discurso de que é necessário se vacinar, de que é necessário usar máscara e higienizar as mãos e de que é necessário o distanciamento social, de modo a prevenirmos o aumento da doença em nosso país”.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reforçou essa mensagem. Embora tenha se empenhado em não contrariar demais o chefe, ao dizer que é muito difícil adotar medidas mais duras de isolamento social – de resto atacadas dia e noite por Bolsonaro –, o ministro pediu que a população evitasse “aglomerações desnecessárias” no feriado e sublinhou que “é importante usar máscara, manter o isolamento”.

Quando parecia que finalmente o governo federal havia decidido parar de sabotar não só as vacinas, mas também as medidas de distanciamento e o uso de máscaras, eis que o presidente Bolsonaro, minutos depois das declarações dos integrantes do comitê, saiu de seu gabinete e, a título de falar sobre a volta do auxílio emergencial, desatou a criticar as restrições impostas por governadores para conter a pandemia.

Sem máscara, Bolsonaro declarou que “o Brasil tem que voltar a trabalhar” e disse que as determinações dos governadores “têm superado em muito até mesmo o que seria um estado de sítio”, pois envolvem “supressão do direito de ir e vir”.

Nem se deve perder tempo corrigindo as bobagens de Bolsonaro acerca do estado de sítio e do direito de ir e vir. O mais grave é a reiteração de declarações que prejudicam todo o trabalho de esclarecimento da população sobre os cuidados a serem tomados para evitar a covid-19.

Embora seja chocante, tal comportamento não surpreende. Bolsonaro só engoliu o tal comitê de enfrentamento da pandemia por pressão do Centrão, o grupo político que lhe dá sobrevida. Quando perceberam o potencial de letalidade da pandemia sobre seus projetos eleitorais, esses oportunistas trataram de enquadrar Bolsonaro, forçando-o não só a formar o comitê, com um ano de atraso, como a acelerar a vacinação. De quebra, o presidente, ao anunciar a iniciativa, há alguns dias, apareceu de máscara, para simular seriedade.

Mas nem o comitê é muito efetivo – afinal, não tem representantes de prefeitos e de governadores, que lidam diretamente com a pandemia – nem o presidente é sério. Enquanto Bolsonaro tiver poder para atrapalhar, a única comunicação eficiente, infelizmente, será a dos óbitos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 02 de abril de 2021 | 03h00

O quadro da pandemia

Só é possível vencer a pandemia com a cooperação entre Estado e sociedade. Não há saída fora desta cooperação

O mês de março encerrou com o tristíssimo recorde de 66.868 mortos por covid-19, mais do que o dobro do número de óbitos registrados em julho do ano passado (32.912), até então o mês mais mortal para a Nação no curso desta pandemia. A média móvel de mortes diárias beira 3 mil. Na quarta-feira passada, 3.950 mortes em decorrência da doença foram registradas em apenas 24 horas, confirmando as projeções de especialistas que alertaram para o risco de o País atingir o patamar de 3 mil a 4 mil mortes por dia se medidas de contenção à disseminação do vírus, como o isolamento social, não fossem respeitadas.

Do governo federal, pouco se pode esperar para mitigar os efeitos da tragédia que a desídia do próprio presidente da República ajudou a construir. Basta dizer que a primeira reunião do comitê de crise criado pelos Três Poderes para combater a pandemia terminou em divergência num ponto que é essencial para o sucesso desta árdua empreitada. Jair Bolsonaro voltou a criticar o isolamento social.

A vacinação no País também segue claudicante. Decerto há avanços no processo, mas não na velocidade necessária para frear o avanço do coronavírus, totalmente descontrolado.

Em quase todo o País, paira o risco de esgotamento iminente dos estoques de oxigênio e de insumos básicos para a boa prestação de socorro, como as medicações para intubação de pacientes. Levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios mostra que 626 cidades do País podem ficar sem oxigênio nos próximos dias. Não semanas, mas dias. É imperativa a coordenação dos esforços federais para evitar uma crueldade como a que houve em Manaus (AM) no início do ano.

Em São Paulo, o quadro da pandemia não é menos preocupante do que o quadro nacional, mas há sinais de que as medidas da fase emergencial decretada pelo governo do Estado podem estar surtindo efeito na redução do número de internações. O plano do governo estadual era justamente diminuir a pressão sobre os sistemas de saúde, tanto público como privado, de modo a evitar que pacientes morressem por falta de socorro médico.

Segundo os dados do Centro de Contingência da Covid-19 do governo de São Paulo, que faz acompanhamento diário do número de internações, há queda no fluxo de admissões hospitalares desde o dia 19 de março. Diante desse quadro de arrefecimento da ocupação de leitos de enfermaria e UTI, o governador João Doria (PSDB) cogita não estender a fase emergencial no Estado, prevista para durar até o dia 11 de abril. A ideia é que, a partir desta data, todo o Estado volte para a fase vermelha, ainda bem restritiva.

A prudência das autoridades paulistas é louvável. A covid-19 tem vitimado brasileiros demais, sobretudo em São Paulo, o Estado mais afetado pela crise sanitária. Toda e qualquer ação que vise à redução do número de mortes deve ser criteriosamente estudada e implementada. Além disso, é absolutamente fundamental o engajamento da população nestas medidas de controle. De nada elas valem entre as paredes de um gabinete de crise, por melhores que sejam. É necessário que ganhem as ruas para gerar efeitos positivos.

Na avaliação do Palácio dos Bandeirantes, a redução da pressão sobre os hospitais do Estado é resultado direto da restrição de circulação. Estima-se que apenas na Grande São Paulo 1,5 milhão de pessoas deixaram de circular no curso da fase emergencial.

A ação do prefeito Bruno Covas (PSDB) de instalar usinas geradoras de oxigênio em 19 hospitais da rede pública da capital também merece destaque. Dá aos paulistanos a segurança de que não faltará oxigênio na cidade. A primeira usina foi inaugurada dia 31 passado, no Hospital Municipal Capela do Socorro.

A covid-19 é uma doença potencialmente mortal, como a Nação tristemente constata. Mas está provado que pode ser – e será – vencida com a reação conjunta e coordenada entre Estado e sociedade. Não existe saída fora desta cooperação.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 02 de abril de 2021 | 03h00

Gabeira: Cenário é desolador. Sociedade está reduzida a protestos virtuais. Mas cedo ou tarde julgaremos Bolsonaro

Enquanto os líderes mundiais lançavam um comunicado considerando a pandemia o maior problema da humanidade desde a 2.ª Guerra, aqui, no Brasil, Bolsonaro quis dar um golpe para evitar o combate eficaz contra o coronavírus. Esta é a leitura que faço dos episódios da semana.

Bolsonaro pressionou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, não apenas para demitir o comandante do Exército, mas para ter condições de neutralizar pela força as medidas restritivas que os governadores impuseram em seus Estados para salvar vidas.

Com a demissão do ministro, os comandantes das três Armas renunciaram em protesto contra Bolsonaro. E ficou evidente ali que o Exército não se lançaria na aventura de Bolsonaro, que, em nome da economia, tinha o potencial de matar mais ainda uma população já devastada pelo coronavírus.

A divergência entre a visão do Exército e a de Bolsonaro sobre a pandemia ficou evidente na véspera da demissão do ministro Fernando Azevedo, que ao sair se limitou a dizer que manteve a instituição militar como força do Estado, e não de um governo.

Em entrevista ao Correio Brasiliense, o general Paulo Sérgio, diretor do Departamento de Pessoal do Exército, mostrou como a instituição atravessou a pandemia, obedecendo os mais estritos protocolos de segurança. Previdente, como, aliás, o são todos os governos do mundo, o Exército já se preparava para uma terceira onda. O saldo do combate, na proteção de 700 mil pessoas sob sua influência, foi muito positivo. Basta comparar o índice de mortalidade na Força, que foi de 0,13%, com o do Brasil, 2,5%.

Apesar de ter processado milhares de comprimidos de hidroxicloroquina em seus laboratórios, por influência de Bolsonaro, o Exército internamente comportou-se como grande parte da humanidade, tentando seguir protocolos de segurança. Houve também a passagem desastrosa do general Pazuello pelo Ministério da Saúde. Mas no seu pronunciamento o comandante Edson Pujol ressaltou que a ida de militares para o governo era uma escolha pessoal.

A posição de Pujol a respeito da pandemia pareceu inequívoca no seu documentado encontro com Bolsonaro em Porto Alegre. Bolsonaro estendeu a mão, Pujol ofereceu o cotovelo, que é o tipo de saudação recomendado pela OMS.

Lembro-me, naquele momento, de que escrevi sobre as ligações originárias das Forças Armadas com o positivismo, o que deve ter despertado nos militares não só um respeito, mas também uma disposição de associar seu trabalho à ciência.

Felizmente, a tentativa de envolver os militares na aventura macabra de sabotar pela força as medidas contra a pandemia fracassou. Mas Bolsonaro tinha um plano B.

Ele sabe que a instituição é mais sólida do que as PMs e logo em seguida pôs o plano em prática. Por intermédio de um deputado, tentou aprovar com urgência um projeto de mobilização nacional, que lhe daria controle de todas as PMs do Brasil. Tudo indica que ele busca desesperadamente uma força militar para impor suas ideias acerca da pandemia, uma força de intimidação dos adversários ancorados no bom senso.

Fora essa tentativa desastrada de dar um golpe para aplicar sua política de morte, Bolsonaro fez uma minirreforma ministerial, que apenas colocou o Centrão dentro do palácio, com a chave do cofre, e renovou algumas indicações familiares para cargos decisivos, como, por exemplo, o Ministério das Relações Exteriores. Poucos se lembram de que o início da crise era a pressão do Senado para derrubar o pior chanceler da nossa História, Ernesto Araújo.

Araújo apenas teorizava as ideias toscas de Bolsonaro com tintas de Steve Bannon, Olavo de Carvalho e da própria Alt Right americana. O foco do nosso isolamento internacional, diria mesmo de nossa vergonha, é o comportamento do presidente Bolsonaro, que fez do Brasil uma ameaça internacional, pela destruição ambiental e pela tragédia sanitária.

Ao escolher um modesto diplomata, que jamais ocupou uma embaixada, Bolsonaro quer mantê-lo agradecido pelo cargo e aberto à sua influência – mais precisamente, à influência do filho Eduardo, um dos grandes artífices da nossa destruidora política externa.

Bolsonaro enfrenta essa crise profunda num momento em que as próprias condições de governabilidade se diluem. Uma clara demonstração disso foi o Orçamento aprovado no Congresso. Sempre se diz que o Orçamento no Brasil é uma peça de ficção. Mas este, que foi aprovado com uma hipertrofia dos gastos militares, talvez esteja mais para um filme de horror.

Não se trata apenas de governabilidade num momento qualquer, mas durante uma pandemia de que o Brasil é o epicentro mundial, campeão indiscutível em número de mortos.

Um presidente incapaz, entregue no campo político à voracidade dos seus aliados do Centrão, buscando de todas as maneiras sabotar a luta contra a pandemia – tudo isso compõe um cenário desolador, sobretudo porque a sociedade está reduzida, no momento, a protestos virtuais.

Cedo ou tarde, julgaremos Bolsonaro.

Fernando Gabeira é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 02.04.2021. 

Hoje, Brasil tem 3% da população mundial e 33% das mortes por dia no mundo. Covid matou mais em março no Brasil do que na pandemia inteira em 109 países juntos

A população mundial soma quase 7,8 bilhões de pessoas. Em 31 de março de 2021, foram registradas 11.769 mortes por covid em todos os países do mundo juntos.

O Brasil, com 212 milhões de habitantes, representa 2,7% do total da população. Em 31 de março de 2021, morreram 3.869 pessoas por covid.

Proporção de mortes por covid no Brasil em relação ao mundo. Em 31/3, Brasil registrou 3.869 óbitos pela doença; o resto do mundo totalizou 7.904.  .

Ou seja, a cada 100 pessoas no mundo, 3 são brasileiras. E de cada 100 mortes diárias no mundo, 33 ocorrem no Brasil.

Equipe trabalha em cemitério de Manaus em fevereiro de 2021 (Crédito da foto: Getty Images)

A tragédia da pandemia no Brasil atingiu números tão alarmantes que fica cada vez mais difícil dimensionar as mortes que acontecem no país e ainda compará-las ao resto do mundo. Além disso, grupos que negam a gravidade da pandemia se valem de comparações ora com dados proporcionais, ora com dados absolutos.

De todo modo, é possível afirmar hoje que o Brasil concentra um terço das mortes diárias por covid no mundo, mesmo com 3% da população mundial. Além disso, morreu mais gente em março no Brasil do que na pandemia inteira em 109 países, que soma 1,6 bilhão de habitantes.

Além disso, dados oficiais de hospitais brasileiros apontam que o número de mortes por covid-19 já pode ter passado de 443 mil, quase 120 mil a mais que as estatísticas divulgadas pelo governo Bolsonaro. A mesma estimativa aponta que morrem cerca de 4.000 pessoas por dia no país.

300 mil mortes por covid-19? Total já pode ter passado de 410 mil no Brasil, apontam pesquisadores

A BBC News Brasil apresenta abaixo três gráficos para ajudar a entender a situação do Brasil e como ela se compara a outros países. Mortes diárias, mortes ao longo da pandemia inteira, velocidade da vacinação e quando o Brasil deve chegar a 500 mil mortes por covid.

1. Hoje, Brasil tem 3% da população mundial e 33% das mortes por dia no mundo

A população mundial soma quase 7,8 bilhões de pessoas. Em 31 de março de 2021, foram registradas 11.769 mortes por covid em todos os países do mundo juntos.

O Brasil, com 212 milhões de habitantes, representa 2,7% do total da população. Em 31 de março de 2021, morreram 3.869 pessoas por covid.

Proporção de mortes por covid no Brasil em relação ao mundo. Em 31/3, Brasil registrou 3.869 óbitos pela doença; o resto do mundo totalizou 7.904.  .

Ou seja, a cada 100 pessoas no mundo, 3 são brasileiras. E de cada 100 mortes diárias no mundo, 33 ocorrem no Brasil.

2. Covid matou mais em março no Brasil do que na pandemia inteira em 109 países juntos

Um dos principais argumentos das pessoas que minimizam a gravidade da pandemia no Brasil passa pelo tamanho da população. Afirmam que não é justo comparar o Brasil com países com menos habitantes.

Ou seja, segundo essa perspectiva, o Brasil, terceiro em número total de mortes, certamente estaria entre as nações com mais mortos por ser a sexta mais populosa do mundo.

E se o tamanho da população entrar na conta, o Brasil será o 17º em pior situação, atrás de países como Estados Unidos, Itália, Portugal, Reino Unido, Espanha e México.

Mas especialistas apontam que esse tipo de comparação esconde a situação atual do país, e mistura dados de países em fases diferentes da pandemia.

Então, seguem abaixo duas comparações levando em conta o tamanho da população e a situação atual do país.

Em 1 mês, Brasil tem mais mortes do que 109 países juntos em 1 ano. Brasil tem 212 mi de habitantes, e o grupo de 109 nações soma 1,6 bilhão de pessoas.  .

A. Em março, morreram mais pessoas de covid-19 no Brasil do que em 109 países juntos durante a pandemia inteira. Foram 66.573 mortos no Brasil, país de 212 milhões de habitantes. Em 109 países, que somam 1,6 bilhão de habitantes, foram 64.571 mortes ao longo de 12 meses.

Esse grupo de países inclui 36 países com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais alto que o do Brasil e 26 com mais de 20 milhões de habitantes. Entre estes estão Coreia do Sul, Austrália, Malásia, Nigéria, Gana, Angola e Vietnã.

B. Na comparação da taxa atual de mortes a cada 1 milhão de habitantes, o Brasil tem a sexta pior situação do mundo, atrás apenas de Hungria, Bósnia e Herzegovina, Seychelles, República Tcheca e Bulgária. Todos têm menos de 11 milhões de habitantes.

Covid-19 nos EUA: chefe de agência federal alerta para 'catástrofe iminente' com aumento de casos

3. Brasil ocupa 18ª posição em ranking de vacinação

Há diversas formas de comparar o ritmo de vacinação entre os países. Em números totais, o Brasil estaria na quinta posição, com 18 milhões de doses distribuídas. Mas, como mencionado acima, mesmo aqueles que minimizam a gravidade da situação defendem que as comparações levem em conta o tamanho da população.

Nesse caso, o Brasil despenca para a 18ª posição global, com 9 doses para cada 100 habitantes. O líder é Israel, com 116 para cada 100 pessoas.

Como Londres conseguiu zerar as mortes por covid-19

‘Ameaça à saúde pública global’: colapso dos hospitais no Brasil é destaque na mídia estrangeira

Esses números não consideram quem recebeu uma ou duas doses (que garantiriam a plena eficácia da vacina). Até agora, o Brasil já vacinou 7% da sua população com pelo menos uma dose. O Reino Unido vacinou 45%, o Chile, 35%, e os EUA, 29%.

Porcentagem da população vacinada contra a covid-19. Pessoas que receberam pelo menos uma dose da vacina, em %.  .

Na comparação do ritmo atual de vacinação, o Brasil está em 13º lugar. São vacinadas duas pessoas a cada 1.000 habitantes por dia. No Uruguai, são 10 a cada 1.000.

4. Projeções do futuro próximo: 500 mil mortes até maio?

A falta de dados precisos sobre a situação da pandemia, algo que o Brasil enfrenta desde março de 2020, dificulta muito a análise do que acontece hoje e do que pode vir a ocorrer daqui um mês, por exemplo.

Mas há modelos matemáticos que tentam, com todas as limitações de falta de dados e incertezas, apresentar um retrato mais próximo da realidade que os dados oficiais.

'É mais importante sua vida que o comércio', diz prefeito que viralizou após pai e irmão morrerem de covid-19

Oficialmente, o Brasil ultrapassou encerrou o mês de março com a marca trágica de 321 mil mortos por covid-19 durante a pandemia. Mas registros hospitalares brasileiros apontam que o número de pessoas que morreram em decorrência de casos confirmados ou suspeitos da doença no país pode já ter passado de 443 mil.

Esse número foi divulgado em 1º de abril por Leonardo Bastos, estatístico e pesquisador em saúde pública do Programa de Computação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele lidera análises de nowcasting ("previsão do agora") numa parceria que envolve o Mave, equipe da Fiocruz de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica, e o Observatório Covid-19 BR, grupo que reúne cientistas de diversas instituições (como Fiocruz, USP, UFMA, UFSC, MIT e Harvard).

As estimativas apontam que morreram 4.000 pessoas por dia no Brasil nesta semana por casos suspeitos ou confirmados de covid em hospitais do país.

E a tendência é que a situação continue piorando. O Imperial College de Londres aponta que a taxa de contágio do país atualmente está em 1,12. A pandemia só recua quando esse número fica abaixo de 1.

Projeções do Laboratório Nacional de Los Alamos, nos Estados Unidos, apontam que é bastante provável que o pior cenário se concretize e o Brasil passe de 516 mil mortos por covid até 9 de maio.

A subnotificação, entretanto, aponta que isso pode ocorrer já em abril, caso a situação não melhore.

Matheus Magenta, da BBC News Brasil em Londres - 02.04.2021. Há 2 horas.

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Olga Maria Curado: Esquizofrenia da comunicação mostra confusão mental e Bolsonaro isolado

 A nau do capitão está desgovernada. E ele quer que o seu desgoverno chegue como um rastilho de pólvora nos fundões do país, nas cidades, e em seu nome instale o caos. 

Foi o que ele fez, pré-anunciando e torcendo para uma convulsão social. E reclamando que as pessoas ficam em casa como medida de precaução e preservação de contágio com o coronavírus.

28.mai.2020 - O presidente Jair Bolsonaro fala com simpatizantes e imprensa em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília - EDU ANDRADE/FATOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

O ex-deputado federal por 27 anos, morador dos fundos da Câmara Federal, quer agora que as pessoas voltem ao trabalho. É a resposta dele para o combate à pandemia. Ao prestar uma homenagem ao trabalho poderia dar o exemplo. Ele mesmo trabalhar.

Aqueles que hoje estão impedidos, pela inépcia do seu governo, de ir para as ruas, estão nessa condição porque o capitão ficou inerte, ficou passeando. Ele não trabalhou e, recostado indolente, estava ao lado dele um general da ativa que desmerece o Exército.

De um lado estão os que aceitam as respostas confirmadas pela ciência: máscara, distanciamento, restrição de circulação e, claro, vacina. O que há de concreto é que o capitão não concorda com nenhuma delas. Faz de conta que aceita a vacina e se vangloria de números de pessoas imunizadas, quando fez tudo para impedir que os imunizantes chegassem ao país.

O presidente do Senado, Pacheco, fala depois da primeira reunião do Comitê de coordenação de combate à pandemia. Só há duas possibilidades hoje: união ou caos. Ou seja, para um resultado que pretenda responder à ansiedade da população por medidas concretas para barrar a tragédia da Covid-19, é preciso unificação de ações e de discurso. Sem novidades em relação ao que todos pedem: leitos, medicação, centralização de distribuição de insumos, gestão mais eficiente na pandemia. E insistiu em que os governadores querem contribuir, somando-se aos agentes públicos.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, comemorou nesta segunda-feira a abertura de mais postos de trabalho formal e deu a receita para restabelecimento da atividade econômica: vacinação em massa. Portanto, parece que há convergência mínima entre algumas autoridades.

Nada disso funciona para o capitão reformado. Tem uma ideia fixa, aquela de que as pessoas querem ir trabalhar e, indo para o emprego, resgatar a economia e evitar a "convulsão social".

A opção dele é pela desconstrução. O imaturo e despreparado capitão não consegue escutar, não entende o que é dito, porque não tem repertório para realizar a escuta. A base da escuta é renunciar à autoridade total. O capitão, infantiloide, acha que o país é um brinquedo dele e dos filhos.

O capitão quis desafiar os generais. Achava que tinha um exército dele. Deu um tiro no próprio pé. Os generais mostraram que a porta de saída é serventia da casa, mas que não se rendem ao capitão expulso do Exército. Este terá que escutar o silêncio das casernas. E, talvez já sabendo disso, tentou um golpe de mão, com atrevida tentativa de sequestrar poder para si. Armou-se sorrateiramente de um requerimento, apresentado pelo preposto major, para passar por cima da Constituição e se tornar o senhor da guerra. O grito foi ensurdecedor. Não funcionou. Por enquanto.

Diante de gestos tão estapafúrdios, o Senado convocou o general Braga para explicar por que foi comprado tanto filé, salmão e outras iguarias pelo Ministério da Defesa. É um pretexto para contar também sobre a tentação do capitão em golpear a democracia. E lhe dar a oportunidade para que faça um exercício público de fé na democracia. Aguardemos.

Hoje o capitão discursou. Nervoso, cambaleante, dando um semi salto para um lado e outro, como quem procura terra firme, boca semicerrada pela raiva, acuado, cabelo na testa - sinal da pressa e dispersão -, inseguro, sem o apoio da sua plateia de ministros. Era o exemplo de um chefete que está bebendo café frio.

Mais cedo, o vice, general Mourão, fala com a imprensa. Enquanto se especula sobre as regras de ocupação dos cargos para comandar as Forças, o general reformado do exército manda um recado ao capitão: antiguidade é posto. A tentativa de subverter a ordem pode contar com o silêncio do Centrão, mas não terá a benção das Forças Armadas.

Vacina sim! Não importa a esquizofrenia do discurso.

Olga Maria Curado é colunista do UOL / Universo Online, em cujo saite este artigo foi publicado originalmente, ontem, 31.03.2021.

Reinaldo Azevedo: Há algo perturbador no olhar de Bolsonaro. Não é política. Não é economia

Jair Bolsonaro agiu de olho no calendário com seu marketing do terror. No melhor dos mundos para ele, esta quarta, 31 de março, seria por tropas nas ruas, em alguns locais simbólicos ao menos, indicando quem manda. Seria um feito e tanto. 

Jair Bolsonaro: sem o golpe para chamar de seu, restou desmoralizar seu ministro da Saúde e o Comitê contra a covid - Isac Nóbrega/PR

Nos 57 anos do golpe militar de 1964, as Forças Armadas voltariam a ser uma ameaça à segurança dos indivíduos, "celebrando", para usar um verbo da predileção de Braga Netto, mais um recorde de mortos por covid-19: 3.950 em 24 horas; 66 mil só no mês de março; 321.826 ao todo. Que feito! Quem não morresse em razão do vírus poderia morrer à bala.

É importante que tenhamos a clareza de que o presidente tentou desfechar um golpe. Eis o nome que se dá quando pessoas uniformizadas e armadas, que deveriam atuar como forças de Estado, resolvem ditar as regras da vida civil e da política. Não parece que seu novo ministro da Defesa seja do tipo que diz ao chefe: "Ah, melhor não..." Há um sinal de que, não fosse a resistência do Alto Comando das Forças Armadas, haveria general batendo às portas do Supremo para dizer: "Olhe, não se trata de um golpe, mas precisamos mudar isso..."

Não! Nunca achei, como escrevi aqui tantas vezes, que um golpe fosse viável ou factível. Isso não quer dizer que não se tenha tentado. Eis o ponto. Fosse o impeachment apenas matéria de merecimento, Bolsonaro teria de ser impichado 28 vezes. Mas, como se sabe, isso depende da política. As limitações de mobilização impostas pela pandemia também facilitam as tentativas de arruaça do mandatário.

Não pensem que Bolsonaro vai mudar. Uma das palavras de extremistas de direita, aqui e no mundo, é não recuar nunca. O presidente não é um teórico da coisa — como Filipe Martins —, mas é um intuitivo entusiasmado. O discurso negacionista encontra eco numa parcela significativa do país que, de verdade, está sendo ameaçada e lançada na insegurança econômica pela covid-19 e pela inépcia do governo.

E daí? Como de hábito, Bolsonaro atribui a terceiros os desastres provocados por seu governo e por ele próprio. Exerce, assim, o que tenho chamado aqui de estranho "populismo da morte". Muita gente que é prejudicada pelas medidas de restrição social — e existem aos milhões — prefere voltar a sua fúria contra governadores e prefeitos. Falta-lhes a clareza necessária para constatar que o caos é filho da indisciplina, que o alimenta.

Na fase em que estamos, quanto mais o presidente sabotar o distanciamento social, como voltou a fazer nesta quarta, mais prolonga a crise. E, assim, entramos no círculo vicioso desse populismo da morte: a conclamação à indisciplina, em nome do funcionamento da economia, contribui para aumentar a contaminação e os óbitos, o que, por seu turno, acaba paralisando a economia, o que alimenta o proselitismo funesto.

Nesta quarta, no tal comitê contra a covid, até Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, sugeriu que as pessoas evitem aglomerações no feriado de Páscoa. Bolsonaro concedeu uma entrevista em seguida em que pregou vida normal e volta ao trabalho, insistindo na comparação esdrúxula, segundo a qual toques de recolher e outras medidas restritivas são coisas ainda piores do que estado de sítio. A afirmação é tão estúpida que nem errada chega a ser.

O atual presidente e o pensamento lógico nunca foram íntimos. Nos últimos dias, ele tem insistido na tese mentirosa de que o colapso na Saúde evidencia a ineficácia do "lockdown" — que, insista-se, nunca existiu em dimensão nacional ou estadual. Quando muito, algumas cidades o aplicaram, a exemplo de Araraquara, no interior de São Paulo, e com bons resultados.

E daí? Bolsonaro fala o que lhe dá na telha e, com uma simples declaração, transforma em bobos aqueles que acreditaram que o comitê poderia significar um passo adiante no combate à doença. É um pesadelo sem fim. Como lockdown não há e como há serviços que não podem parar, então já se tem uma taxa inevitável de contaminação — e, por consequência, de mortos.

O presidente não faz o menor esforço, no que lhe diz respeito, para impedir a permanência e agudização da tragédia. Ao contrário: sabota aquele que é, na prática, um esforço, ainda que modesto, do comitê que ele próprio criou.

Tem a arruaça na alma. Seja ao tentar agitar quartéis, seja ao recomendar às pessoas um comportamento que, potencialmente — e com altíssima potência —, é tão suicida como homicida.

Não haverá golpe. Isso não quer dizer que a democracia não esteja sendo esgarçada um pouco por dia, todos os dias.

O Brasil mata mais de um World Trade Center por dia.

O Brasil mata 14,6 Brumadinhos por dia.

O Brasil derruba 6,6 Boeings 747 por dia.

Mas nada move o coração do faraó.

Vejam a imagem. Há algo de perturbador nessa obstinação. Nada tem a ver com política. Nada tem a ver com economia. O que o move?

Reinaldo Azevedo, que publicou no UOL o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa "O É da Coisa", na BandNews FM. No UOL, Reinaldo trata principalmente de política; envereda, quando necessário - e frequentemente é necessário -, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho

Metade dos internados em UTI covid no SUS morre; taxa é quase o dobro que em hospitais privados

Informações constam da plataforma UTIs Brasileiras, que reúne dados de 652 hospitais - o equivalente a cerca de 25% das unidades de terapias intensivas do País

Dados compilados pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) apontam que um a cada três pacientes de coronavírus (36,6%) morreu após precisar ser internado na UTI durante a pandemia. Proporcionalmente, a mortalidade é maior na rede pública, com taxa de 52,9%, conforme o levantamento. Já nos hospitais privados, o índice de óbitos é de 29,7%. No Brasil, o número de mortos pela doença a cada 24 horas já se aproxima de 4 mil e redes de saúde em várias regiões já entraram em colapso, com falta de leitos ou remédios para intubação. 

(Mais um horror-show: Governo autoriza reajuste dos preços de medicamentos em até 10%)

As informações sobre a mortalidade nos leitos de terapia intensiva constam da plataforma UTIs Brasileiras, com objetivo de orientar gestores de saúde, que reúne dados de 652 hospitais -- o equivalente a cerca de 25% das unidades de terapias intensivas no País. São 403 unidades da rede privada e 249 da pública, que correspondem a 20.865 leitos.

Hospitais da Grande São Paulo estão com alta ocupação de leitos em UTI e enfermaria Foto: Miguel Schincariol/AFP

Membro do Conselho Consultivo e ex-presidente da Amib, Ederlon Rezende é o coordenador da plataforma. Para ele, o fato de a rede pública estar recebendo doentes em situação mais aguda ajuda a entender a diferença entre as taxas de mortalidade. “Quando a gente fala de UTI pública e privada, a primeira coisa a se observar é o percentual de pacientes sob ventilação mecânica, ou seja, os casos mais graves”, afirma.

“Nos hospitais públicos, isso representa cerca de 65% das pessoas atendidas, enquanto que nas UTIs privadas é 40%. O dado, por si só, já explica por que a mortalidade é maior.” Ele pondera, no entanto, que também há discrepância quando se compara a letalidade apenas em pacientes intubados. Na rede pública, o índice é de 72,4%, segundo o UTIs Brasileiras. Na particular, fica em 63,6%. Para os pacientes que não precisam de ventilação, a taxa de mortalidade é, respectivamente, 17,1% (público) e 7,6% (privado).

“Se eu considerar que também é diferente nesse subgrupo, então devo admitir que há outras variáveis influenciando, embora não tenha como provar quais são elas”, diz Rezende. Entre os possíveis fatores, ele cita melhor infraestrutura da rede privada e maior dificuldade em conseguir vaga em hospital público.

“Quando há fila para conseguir uma vaga na UTI, especialmente agora com o sistema colapsado, o paciente chega com o quadro agravado”, afirma. “Isso compromete o desfecho, aumentando o risco de morrer.”

Ainda de acordo com a plataforma, o período de internação pela covid-19 é maior na UTI pública. Nessas unidades, 54,2% ficam mais de sete dias. O índice é de 48,6% no privado. No geral, o tempo médio de permanência é de 12,6 dias.

Houve também uma mudança na idade das pessoas internadas. Pacientes de até 45 anos, que entre o início de setembro e final de novembro do ano passado representavam 18% das internações, já ocuparam 20% dos leitos de UTI entre o início de fevereiro e o final de março. No movimento inverso, aqueles acima de 80 anos registraram queda no mesmo período, diminuindo a incidência em tranatamentos intensivos de 13,4 para 9,7%.     

Quanto pior, pior

O levantamento também mostra que, com a escalada de novos casos nas últimas semanas, a taxa de letalidade tem subido nas UTIs. Segundo Rezende, a sobrecarga nos hospitais diminui a capacidade de atender os pacientes com qualidade. Levantamento da Fiocruz esta semana mostrou 24 Estados e o Distrito Federal com taxas de ocupação superiores a 80% nas unidades de terapia intensiva. Para evitar o agravamento do colapso e frear as taxas de transmissão, governadores e prefeitos têm aumentado as medidas de isolamento e adotado até o lockdown. 

“Nos primeiros semestres, a mortalidade em geral era de 32%. Agora, entre dezembro e fevereiro, foi de 38%”, afirma o especialista. “Significa um aumento de 18,7% na mortalidade, o que é bastante expressivo.”

Para Rezende, “está claro que não adianta mais sair abrindo UTI” e é preciso “diminuir o número de casos e ser mais rigoroso na circulação de pessoas”. “Os novos leitos acabam sendo importantes para oferecer dignidade e a pessoa não morrer na UPA ou na rua”, diz. “Entretanto, deve ficar claro que já atingiu o limite. Há locais que triplicaram o número de UTIs e algumas não têm estrutura adequada, principalmente no que diz respeito à qualificação das equipes. Isso compromete o resultado", destaca ele. 

Felipe Resk, O Estado de S.Paulo, em 01 de abril de 2021, às 15h00 hs.


Bolsonaro gastou mais de R$ 2,3 milhões em férias de fim de ano, diz deputado

Valor foi informado pela Secretaria-Geral da Presidência e pelo GSI, após requerimento de Elias Vaz (PSB)

Presidente acompanhado de apoiadores em São Francisco do Sul Foto: Instagram/Luciano Hang

As férias de fim de ano do presidente Jair Bolsonaro custaram aos cofres públicos mais de R$ 2,3 milhões. O valor corresponde aos gastos no recesso do período de 18 de dezembro de 2020 a 5 de janeiro. O montante foi informado ao deputado federal Elias Vaz (PSB-GO), que solicitou em dois requerimentos informações à Secretaria-Geral da Presidência e ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

No fim do ano, Bolsonaro viajou para São Francisco do Sul, em Santa Catarina, e depois retornou para Brasília, onde passou o Natal. Ainda no período de festas, viajou para o Guarujá, onde passou o Ano Novo. Nas duas viagens, o custo com a equipe de segurança foi de R$202.538,21.

(Bastidores: Comandantes militares agem para acalmar tropa após demissão da cúpula)

O GSI informou que os gastos com transporte aéreo de Bolsonaro foram estimados, com base em tabelas do Comando da Aeronáutica, em US$ 185 mil. O Estadão/Broadcast estimou que, levando em consideração o dólar comercial médio no período das viagens (R$ 5,2615), o gasto total em reais foi de R$ 973,378 mil. O cálculo leva em conta a média da Ptax (a taxa calculada pelo Banco Central) entre 18 de dezembro de 2020 e 15 de janeiro. Em valores atuais para a moeda americana, a cifra chegaria a R$ R$ 1,052 milhão, com base na PTax desta quinta-feira, 1.º. 

Em ofício de resposta ao pedido do deputado, o GSI destacou que as despesas estão dentro do Orçamento Anual previsto para a pasta e para a Aeronáutica. A Secretaria-Geral informou ter gasto R$1.196.158,40 em despesas nas viagens do presidente. Neste valor estão incluídos o custeio com hospedagem de Bolsonaro e sua equipe, alimentação e despesas aeroportuárias, além de combustível de veículos terrestres. 

Os valores gastos em plena pandemia de covid-19 foram avaliados por Elias Vaz como um "tapa na cara do brasileiro". Em dezembro do ano passado, quando o presidente fez as viagens, o governo pagava a última parcela do auxílio emergencial no valor de R$ 300. Na época, o benefício não tinha perspectiva de ser renovado. Vaz destacou que, com o valor gasto nas férias do presidente, o governo poderia ter pago mais uma parcela do auxílio para quase 8 mil pessoas. 

Neste mês de abril, Bolsonaro retomará o pagamento do auxílio em quatro parcelas mensais, que variam conforme a condição familiar do beneficiário, podendo ser de R$ 150, R$ 250 e R$ 375. O benefício só pode ser concedido após o Congresso aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que abriu caminho para a nova rodada do auxílio, a ser paga a partir do próximo dia 6.

Emilly Behnke, O Estado de S.Paulo, em 01 de abril de 2021, às 17h54

Juan Arias: Bolsonaro defendia há 22 anos que o Brasil só se salvaria com uma guerra civil

Se na ocasião instituições do Estado tivessem intervindo, expulsando-o do cargo, hoje o Brasil certamente não teria acumulado mais de 300.000 mortos na pandemia

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em ato para lembrar o golpe de 1964, em Brasília, nesta quarta. (Crédito da Foto: Eraldo Peres / Associated Press)

Aqueles que, como este colunista, viveram durante a infância a Guerra Civil Espanhola, em que morreram quase um milhão de pessoas e cerca de 30.000 crianças, sentem calafrios só de falar sobre uma guerra entre irmãos. Lembro que minha mãe fechava as janelas que davam para a estrada para que eu não visse os fuzilamentos. Só ouvia os tiros dos fuzis e das metralhadoras. Era uma guerra entre irmãos. E lembro-me de quando alguns camponeses escondiam de noite o meu pai, que era professor primário, por medo de que viessem fuzilá-lo.

É isso que o presidente Bolsonaro deseja para o Brasil?

Sim, esse era o seu sonho há 22 anos, quando era deputado do chamado baixo clero sem que se destacasse por nada além de sua homofobia, seu desprezo pelas mulheres e a sua defesa da ditadura e da tortura. Em 1999, em uma entrevista ao programa Câmera Aberta, da TV Bandeirantes, disse textualmente: “O voto não vai mudar nada no Brasil. Só vai mudar infelizmente quando partirmos para uma guerra civil, fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30.000”.

Infelizmente o Congresso considerou então apenas como extravagâncias as ameaças do deputado militar. Se tivesse sido processado na época, hoje não seria presidente nem sofreríamos as contínuas ameaças de golpes autoritários. Em qualquer democracia do mundo, um deputado que defendesse uma guerra civil na televisão seria processado e destituído do cargo. A Bolsonaro permitiu-se desde o primeiro momento fazer todos os ataques mais ferozes à liberdade e aos valores democráticos e defender os torturadores durante a ditadura que, segundo ele, foi demasiado leve porque deveria ter matado muitos mais. E isso foi defendido em pleno Congresso.

Se na ocasião as instituições do Estado, o Congresso e o STF tivessem intervindo, expulsando-o do cargo, hoje o Brasil certamente não teria mais de 300.000 mortos na pandemia e teria poupado tanta dor.

Bolsonaro já deveria ter sido julgado por seu negacionismo da pandemia e por zombar daqueles que lutavam para salvar vidas. As consequências da inércia das instituições em enfrentar o defensor da ditadura fizeram com que o Brasil chegasse até a se perguntar se estamos na iminência de um novo golpe militar. Pelo que se sabe até agora, as Forças Armadas decidiram interromper essa narrativa quando o ministro da Defesa e seus comandantes deixaram seus cargos, sinalizando que para tudo há limites.

Aqueles que continuam defendendo que ainda não é hora de abrir um processo de impeachment contra ele deveriam pensar que amanhã pode ser tarde demais. Pois imaginar que o frustrado capitão ainda possa se converter à democracia é apenas loucura. Ele carrega no sangue o gosto pela morte e pelas armas.

Estes dias de convulsão política, às vésperas do aniversário do golpe de 1964, com a renúncia do alto comando militar, revelam a gravidade da situação do Brasil. Até quando esperarão os que detêm o poder constitucional para destituir do cargo o capitão do Exército, reformado por subversão? Enquanto isso, o presidente se prepara para dar força e poder às Polícias Militares e, se puder, transformá-las em sua milícia pessoal, um atalho para seus sonhos golpistas.

Até quando o Brasil, em que cerca de 80% da população quer viver em democracia, aceitará passivamente que o chefe do Estado, ao invés de governar o país em um de seus momentos mais dramáticos, trame todos os dias para dar um golpe autoritário? O fato de ter colocado um policial amigo da família do presidente como ministro da Justiça é de uma gravidade difícil de qualificar. É uma ofensa à Justiça e revela os instintos do capitão obcecado pelo mundo das armas, pelo desafio da vida e por tudo o que significa morte e violência.

Para alimentar seu rebanho de fanáticos violentos, o presidente esquece e despreza aqueles que preferem apostar na vida, na empatia e na solidariedade com todos aqueles que sofrem e choram com a dor própria e alheia. Para o presidente, hoje abandonado até pelo que chamava de “meu Exército”, quem se defende da pandemia ouvindo a ciência não passa de um bando de covardes com medo de morrer.

Até quando o Brasil são, o que anseia viver em paz e segurança e que não falte comida no prato de seus filhos, continuará ameaçado por fantasmas de golpes e guerras civis? O Brasil já sofre com seus índices de violência que ceifam mais de 40.000 vidas a cada ano, a maioria de jovens e negros.

O escritor norte-americano Ernest Hemingway se perguntava por quem os sinos dobravam. Oxalá neste Brasil que sabe aproveitar a vida os sinos deixem de soar para anunciar mais mortos e repiquem para festejar de novo a vida.

Juan Arias, o autor deste artigo, é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 01.04.2021.

Brasil tem mais 3.769 mortes por covid-19 em 24h

País também contabilizou mais de 91 mil novos casos nesta quinta-feira. Total de mortes passa de 325 mil.

As horas do dia já são insuficientes para o trabalho nos cemitérios. Os enterros agora acontecem também à noite em São Paulo.

O Brasil registrou nesta quinta-feira (01/04) o terceiro dia consecutivo com mais de três mil mortes por covid-19. Em apenas 24 horas, foram contabilizadas 3.769 mortes associadas à doença, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram identificados 91.097 novos casos da doença. Com isso, o total oficial de infecções no país subiu para 12.839.844, enquanto os óbitos chegam a 325.284.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 11.169.937 pacientes haviam se recuperado até quarta-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 154,8 no Brasil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30,52 milhões de casos e mais de 552 mil óbitos.

Ao todo, mais de 129,3 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,82 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle / Brasil, em 01.04.2021

"Nosso erro foi ter tido condescendência", diz Celso Amorim

Ex-ministro da Defesa no governo Dilma faz autocrítica sobre a falta de uma postura mais firme em situações de desrespeito de generais à prevalência do poder civil. "Eu não teria indicado o Villas-Bôas."

Celso Amorim chefiou Ministério da Defesa entre 2011 e 2015, no governo Dilma, e pasta das Relações Exteriores entre 2003 e 2010, sob Lula

O ex-ministro da Defesa Celso Amorim, que ocupou a pasta no primeiro mandato de Dilma Rousseff, acredita que os governos petistas erraram ao ter "condescendência” com posturas consideradas inadequadas de generais da ativa.

Sem especificar quais teriam sido os comportamentos acima do tom, Amorim defende que uma posição mais firme deveria ter sido tomada em situações de desrespeito à prevalência do poder civil.

"Deixaram pessoas com uma visão menos afinada com a prevalência do poder civil. É uma dificuldade intrínseca deles, que se expressou não por ser governo do PT”, afirma, em entrevista à DW Brasil.

Em entrevista à DW Brasil, o ex-ministro afirma que não teria indicado o general Villas-Bôas para o comando do Exército. A nomeação ocorreu em fevereiro de 2015, quando já havia deixado o cargo.

"Menos por uma percepção política de que ele ia fazer o que fez, e mais por eu ver nele uma pessoa que queria aparecer um pouco demais”, comenta. "Acho que a discrição é uma qualidade de um general. O militar não pode falar muito, pois está armado”.

Aos 78 anos, Amorim acompanha com preocupação o movimento "arriscado” do presidente Jair Bolsonaro que resultou na saída conjunta dos três comandantes das Forças Armadas. Ressaltando a dificuldade de decifrar as movimentações internas dos militares, ele não vê qualquer sinalização golpista entre os generais até agora.

Tendo chefiado o Itamaraty entre 1993 e 1995, no governo Itamar Franco, e nos dois mandatos do governo Lula, o ex-ministro diz acreditar que levará muito tempo para que o Brasil consiga reconstruir sua imagem internacional após os danos diplomáticos provocados no governo Bolsonaro, assim como se observou no pós-ditadura.

"Agora, o problema é mais grave, porque se trata de um governo eleito. Certas posições afetam a credibilidade do país. Quando um representante nosso, seja um jovem embaixador ou secretário, levanta a plaquinha nas assembleias, ali não está escrito ‘governo Bolsonaro', está escrito ‘Brasil'”.

DW: O livro de memórias do general Villas-Bôas explicita que havia um desconforto interno com os governos petistas, que atingiu seu ápice com a Comissão Nacional da Verdade. Isso era sentido por você à frente da Defesa?

Celso Amorim: A Comissão da Verdade realmente mexeu muito com as pessoas da reserva, sobretudo por ser um tema que lida com relações humanas e parentesco. Tem muitos formados da mesma família, às vezes o professor. Sem querer de forma alguma justificar, foi um assunto que pegou nervos expostos em vários setores. Eu não sentia nos comandantes uma oposição à Comissão. Obviamente que eles talvez não fossem elogiar. Mas a questão principal deles era a barganha por um equilíbrio a partir da Lei de Anistia, de investigar a verdade sem punir. A lei que criou a Comissão da Verdade reafirma a Lei de Anistia. Eu acho que eles absorviam, mas sofriam pressões externas, de ex-chefes, e deixavam a coisa delicada.

Mas nunca perdemos o diálogo a esse respeito. Eu fui intermediário entre a Comissão e eles em alguns momentos. A coisa me parecia bem manejada, mas isso tudo aflorou porque as instituições civis se debilitaram, sobretudo com o impeachment da Dilma. Uma parte importante da elite econômica e da mídia brasileira foi atrás deles, aí eles apoiaram. Não acho que nasceu lá. Podia haver descontentamento, mas, pouco antes do fim da Comissão, os jornais trouxeram como manchete um documento muito importante, em que eles admitem que violações de direitos humanos podem ter ocorrido nas organizações militares. Não é tudo, quem conhece um pouco de psicanálise sabe que a não negação é o primeiro passo para você chegar ao entendimento.

Houve ingenuidade dos governos petistas em relação aos militares e ao próprio general Villas-Bôas, nomeado comandante do Exército pela então presidente Dilma?

Não vou criticar a Dilma nem meus sucessores, mas eu não teria indicado o Villas-Bôas. Menos por uma percepção política de que ele ia fazer o que fez, e mais por eu ver nele uma pessoa que queria aparecer um pouco demais.

O comandante do Exército naquela época, assim como o chefe do Estado Maior e o comandante de Operações Terrestres eram pessoas muito discretas. E acho que a discrição é uma qualidade de um general. O militar não pode falar muito, pois está armado. Mas é uma questão de julgamento, as pessoas podem errar, assim como podem ter visto outros méritos que eu pessoalmente não veria. Ao mesmo tempo, não teria certeza, não diria "não ponha de jeito nenhum”. Não tivemos qualquer problema pessoal. Quando ele era comandante da Amazônia e eu tiver que ir lá, fui muito bem tratado.

Fui surpreendido quando o general Sérgio Etchegoyen assinou um manifesto contra a inclusão do pai dele no relatório da Comissão, sem por o nome como general, e sim como familiar. Deixaram pessoas com uma visão menos afinada com a prevalência do poder civil. É uma dificuldade intrínseca deles, que se expressou não por ser governo do PT. Acho que muitos realmente guardaram um ranço, mas o governo do Lula e da Dilma investiram muitíssimo. É só pegar projetos como o submarino nuclear, os caças Gripen, tudo aconteceu no governo do PT. Não houve falta de atenção na tarefa organicamente importante deles que é defender o país. 

No conjunto da obra, sem pensar em uma ação específica, acho que o nosso erro foi ter tido um pouco de condescendência nesses aspectos. Não em temas como a remuneração e condições adequadas para defender o país. Isso é justo e tinha que ser reivindicado. Mas, em algum momento, você tem que adotar uma posição mais firme.

Como ex-ministro de duas pastas importantes em que ocorreram trocas no início da semana, como você observa essas mudanças?

Pensando internacionalmente, até, eu não me lembro de ver a demissão dos ministros da Defesa e das Relações Exteriores no mesmo dia. São dois pilares do Estado. E ainda trocaram o ministro da Justiça, o terceiro pilar. Este foi numa espécie de dança de cadeiras, mas não deixa de ser um fato importante. É um movimento muito ousado, que deve ser lido com atenção.

O Bolsonaro é uma pessoa que luta principalmente pela sobrevivência. Seu objetivo, como ele mesmo enunciou, é desconstruir a realidade. Não é só contra os governos petistas. O chanceler que acaba de sair critica a política externa dos últimos 45 anos, do período Geisel para cá já não serve. O presidente fala o que agrada ao clã. Ele fez isso num momento em que se sentiu enfraquecido, com o manifesto dos banqueiros, a volta do Lula, os efeitos da pandemia e a derrubada do ministro das Relações Exteriores pela unanimidade do Senado. Era uma pessoa de quem ele gostava, e não teve uma voz que se levantasse para o defender.

Com esse movimento super arriscado, o Bolsonaro pode achar que ganha tempo. E, talvez, tenha razão. Para ele chegar a 2022, tem que passar pelos meses que faltam. Nesse período, pode ser que a pandemia arrefeça, por força da natureza ou avanço da vacinação. A economia mundial pode progredir, já há um crescimento da China e há muita expectativa sobre os EUA. Tudo isso pode fazer o preço das commodities subir, o que já está ocorrendo. Na expectativa dele, pode ser que a situação não seja tão ruim após uns cinco, seis meses.

Com que grau de preocupação você acompanha a crise entre o comando das Forças Armadas e o presidente Bolsonaro?

É complicado, entrar lá exige uma senha especial. Como estive lá por três anos e meio, tive alguns desses códigos, mas é sempre um pouco difícil. Por exemplo, eu não tenho certeza sequer se eles foram demitidos porque se sabia que iriam renunciar, ou se renunciaram porque sabiam que seriam demitidos. É uma coisa intrincada. Seja como for, é uma crise muito grande. Nunca houve um fato como este na história do Brasil.

Ele sentiu que precisava ter uma iniciativa, numa área que para ele é fundamental, a da segurança. O Bolsonaro tem muita confiança que poderá usar as polícias e outras forças que possam surgir. Ele próprio mencionou que poderia haver no Brasil um episódio como a invasão do Capitólio, nos EUA. O Bolsonaro precisa das Forças Armadas para agirem em seu favor, em face de uma dessas situações, ou para ao menos estarem neutralizadas. Foi esse conjunto de coisas que o levou a esse gesto totalmente inusitado, que não ocorreu nos governos militares nem em qualquer governo civil.

Você concorda com a leitura de que o comando das Forças Armadas sinalizou que não haverá endosso a iniciativas golpistas?

Sim, mas só estou falando com base em informações que saem na imprensa. Não fico chateando os poucos militares que conheço, pois sei que é uma situação muito difícil para eles. Uma das coisas que dizem é que o Bolsonaro esperava uma manifestação da Defesa, do Alto Comando ou do Exército crítica ou manifestando preocupação sobre a decisão do Supremo que trouxe o Lula de volta ao cenário político. Aparentemente, teria havido uma negativa do general Pujol de ir nessa direção. Obviamente, é algo que o incomoda muito e denota o respeito à institucionalidade.

Por um lado, é verdade que muitos militares se deixaram envolver pelos cargos, benefícios, e isso obviamente acaba tendo um reflexo na postura deles, mas o Alto Comando teve a preocupação de manter uma certa independência. Minha leitura até agora é de que iria acabar como na fábula em que o coelho começa a bater para pegar o melado e, no final, acaba grudado no melado, sem ter mais como sair. Mas a visão que eu tenho com esses últimos acontecimentos é que ele não estava totalmente grudado.

Qual é o legado deixado pela política externa conduzida pelo ex-ministro Ernesto Araújo ao longo de mais de dois anos?

É um desastre absoluto, de qualquer ângulo que você puder olhar. A própria percepção do Senado, de que uma má diplomacia estava tendo efeitos danosos para a vida das pessoas, nunca se viu antes. Havia interesses específicos. Às vezes, a agricultura achava que você podia fazer uma coisa, e a indústria não. Mas nunca houve uma unanimidade como desta vez em relação ao efeito danoso. E este é só o efeito interno. Em termos de substância e posicionamentos internacionais, o Brasil vai levar muito tempo para recuperar a credibilidade. Eu digo isso com muito pesar, porque queria que recuperasse rápido. Mas não é assim, no dia seguinte.

Após a ditadura militar, até o Brasil voltar a ter um papel importante na área de direitos humanos e voltar a ter uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, levou um tempo. E olha que a ditadura, em matéria de política externa, não foi tão ruim assim, sobretudo do Geisel para cá. Basta lembrar o Acordo Nuclear com a Alemanha, à revelia dos EUA. Com um governo militar de direita, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo auto-proclamado marxista-leninista em Angola, pensando nos seus interesses estratégicos com este país, entre outros aspectos.

Agora, o problema é mais grave, porque se trata de um governo eleito. Certas posições afetam a credibilidade do país. Quando um representante nosso, seja um jovem embaixador ou secretário, levanta a plaquinha nas assembleias, ali não está escrito "governo Bolsonaro”, está escrito "Brasil”.

A política externa adotada pelos governos petistas, na qual você teve papel central, também é apontada como "ideológica” por grupos mais moderados, de centro-direita. Como você reage?

Não se trata apenas de uma interpretação errada. É uma mentira. Dizem que o Brasil virou as costas para os EUA e a Europa. O Brasil assinou uma parceria estratégica com a União Europeia em 2007, a convite deles, uma coisa que a Europa só tinha com quatro ou cinco países.

Tomamos inciativas conjuntas com França,  Noruega, Portugal e Espanha. Mantivemos, ainda, uma excelente relação com a Alemanha. A Angela Merkel me recebeu para conversar sobre a Organização Mundial do Comércio (OMC). Vá perguntar quantas vezes um chefe de Estado da Alemanha recebeu um ministro brasileiro. Não deve ter havido muitas. Eu não tenho registros. É porque davam importância ao Brasil nas negociações da OMC. O Brasil era central em muitas coisas que estavam acontecendo no mundo.

Com relação aos EUA, o Bush veio aqui duas vezes nos seis anos de coincidência de mandato, uma frequência incomum. E convidou o Lula também duas vezes, além das demais ocasiões em que o presidente foi lá por outros motivos. Um dos convites foi para Camp David, casa de campo do presidente norte-americano. Eu nem ligo para esses símbolos, mas quando as pessoas dizem que a gente virou as costas, é preciso lembrar essas questões.

No governo Dilma, por um bom trabalho feito pelos meus sucessores e ela própria, reflexo de um capital acumulado, elegemos os diretores-gerais da OMC e também da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). São inclusive organizações que se chocam, mas do primeiríssimo time do sistema internacional. Se você olhar, não vai encontrar com frequência duas pessoas da mesma nacionalidade exercendo esses dois cargos ou equivalentes ao mesmo tempo. Isso reflete o peso imenso que o Brasil tinha entre os países da África, Ásia e América Latina, sem perder prestígio com a Europa.

Deutsche Welle / Brasil, em 01.04.2021