quinta-feira, 1 de abril de 2021

Crise militar no Brasil entra no radar internacional por temor de ruptura democrática

Queda do ministro e de comandantes das Forças Armadas acende alertas sobre o tamanho do conflito institucional no país que já registra retrocessos significativos

Protesto contra Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro nesta quarta, data que marca os 57 anos do golpe militar. (Crédito da Foto: SILVIA IZQUIERDO / AP).

“Teste de estresse”. Esse é o termo que diplomatas estrangeiros passaram a usar para descrever a situação que vive a democracia brasileira. Os eventos dos últimos dias acenderam os alertas internacionais em relação a uma eventual crise institucional no país, enquanto governos buscam saber se os gestos políticos por parte do Palácio do Planalto representam um risco real de ruptura democrática.

Na terça-feira, Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) colocaram seus cargos à disposição, um dia depois da queda do Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. O recado era claro: os militares não estão dispostos a participar de nenhuma aventura golpista. Apesar disso, o que serviços de inteligência no exterior buscam saber é se existe apoio ao presidente em grupos específicos dentro das diferentes forças que justifique o temor de uma sublevação incentivada pelo bolsonarismo mais radical. A nova cúpula foi anunciada nesta quarta, com a nomeação de Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Exército), Almir Garnier Santos (Marinha) e Carlos Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica).

A declaração de uma comemoração do golpe de 1964 e um projeto de lei frustrado para dar maiores poderes ao presidente também aprofundaram os temores internacionais. Ao longo dos últimos dias, embaixadores do Brasil no exterior foram procurados por membros de governos estrangeiros que, de forma reservada, questionaram sobre o que o atual momento representa em termos institucionais. O risco de ruptura democrática foi negado por autoridades de patente, como o vice-presidente Hamilton Mourão. “As Forças Armadas vão se pautar pela legalidade, sempre”, afirmou o general da reserva em entrevista para a jornalista Andréia Sadi na terça. Ao nomear os novos comandantes das Forças, o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, declarou que “a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira se mantêm fiéis às suas missões constitucionais de defender a pátria, garantir os poderes constitucionais e as liberdades democráticas”. E acrescentou: “O maior patrimônio de uma nação é a garantia da democracia e a liberdade do seu povo”.

Relatores de Direitos Humanos das Nações Unidas já foram informados sobre os acontecimentos no Brasil e avaliavam solicitar oficialmente ao Governo de Jair Bolsonaro explicações sobre o que tal sinalização poderia significar em termos de violações da democracia. Em Washington, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos também acompanha o caso, num sinal de que existe uma preocupação clara em relação ao destino do país. Há menos de um mês, a entidade publicou um amplo levantamento sobre todos os aspectos relacionados com os direitos humanos no Brasil e constatou que a democracia “vem enfrentando desafios e retrocessos”.

Outros institutos, como a Universidade de Gotemburgo, na Suécia, constatam que o Brasil foi um dos quatro países que viram o maior retrocesso em sua democracia na última década, principalmente nos últimos dois anos. Mesmo na cúpula da ONU, a crise brasileira é seguida de perto por António Guterres, secretário-geral da entidade e uma pessoa que, ao longo de sua história, sempre foi próximo dos assuntos do país. Nos últimos meses, o escritório da alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, alertou para o “encolhimento do espaço cívico” no país.

No Parlamento europeu, a fragilidade da democracia brasileira entrou no radar, principalmente diante da pressão que existe para que os eurodeputados considerem um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.

Já a Comissão Europeia, órgão executivo da UE, insiste que não fala sobre assuntos internos de outros governos. Mas a percepção é de que o mundo, num momento de crise, não pode se dar ao luxo de ver mais um foco de instabilidade internacional. “O que estamos vendo é um teste de estresse da democracia brasileira”, disse um delegado em Bruxelas. O teste é para saber, segundo ele, se as instituições de fato estão funcionando ou se existe uma possibilidade real de ruptura.

Na Organização Mundial da Saúde, a preocupação central é de que, diante da crise institucional, o Governo acabe relegando a pandemia para um segundo plano. “Há uma sensação de que a prioridade hoje no Brasil é outra, mesmo com mais de 3.000 mortos por dia pela covid-19”, lamentou um alto funcionário da agência de saúde.

JAMIL CHADE, de Genebra para o EL PAÍS, em 31 de MAR 2021, às 23:06 hs

Fome e pandemia nas favelas: ‘Meus netos comem menos para eu almoçar’

Novo auxílio não é suficiente para cobrir linha de pobreza em nenhum Estado do país, aponta estudo

Discutir conflito entre 'saúde e economia' não faz sentido para governos, avalia economista


Netos de Josinete comeram menos para que sobrasse comida para ela no domingo

No último domingo, a empregada doméstica Josinete Antônia da Silva, de 64 anos, abriu os armários da casa onde mora na periferia de Recife, em Pernambuco. Destampou os potes de mantimentos e não encontrou nada. Não havia nada nas panelas também. A filha, ao saber que a mãe não tinha o que almoçar, pediu para que os filhos dela comessem menos para que sobrasse para a avó.

"Ela falou: hoje, cada um de vocês come um pouquinho menos para ter comida para a vó também. E me mandou carne moída, feijão e arroz. Se não fosse ela, não sei o que eu teria feito", contou Josinete em entrevista por telefone à BBC News Brasil.

De acordo com ONGs, líderes comunitários e empresas especializadas em doações ouvidas pela reportagem, o número de contribuições caiu drasticamente ao longo da pandemia e hoje, no auge da crise sanitária, muitas famílias que moram em comunidades não têm o que comer.

Nas últimas 24 horas, o Brasil registrou 3.869 mortes por covid-19, superando o recorde registrado na véspera, 3.780 vidas perdidas.

(Brasil registra 3.869 mortes por covid-19 em 24h, novo recorde diário)

Josinete recebe uma pensão no valor de um salário mínimo (R$ 1.100) e mora com as três filhas, que perderam o emprego na pandemia. Uma delas tem quatro filhos e está grávida. A outra tem dois.

Ela conta que o dinheiro da pensão é insuficiente para comprar comida para o mês. O único que trabalha na família é o filho dela, que mora de aluguel no mesmo bairro e faz trabalhos informais como pedreiro.

"Ele me ajuda como pode. Está tudo muito caro. Vou ao mercado comprar feijão, arroz, uns pedacinhos de galinha, macarrão e salsicha e não gasto menos de R$ 100. O que pesa é a carne, o arroz e o leite, ainda mais morando com uma criança de 3 anos e outra de 9 meses. Tem dia que dá para comprar pão, outros não", conta Josinete.

Além dela, na mesma casa moram três filhas e cinco netos. Ao todo, Josinete tem nove filhos (sete desempregados), 33 netos e sete bisnetos.

No início da pandemia, em 2020, ela recebeu cestas básicas e dinheiro para fazer a feira, mas no fim do ano essa ajuda diminuiu gradativamente até parar, conta ela.

O Instituto Casa Amarela Social foi um dos que ajudaram a família de Josinete na pandemia. O grupo faz diversas campanhas para arrecadar doações.

"Eu tenho vergonha de pedir para outras pessoas, mas não (quando é) para meus filhos. Eu só peço misericórdia para quem tem um pouco mais (de dinheiro) se unir com os outros e ajudar quem não tem condições de sair dessa sozinho. O governo poderia ter mantido o auxílio emergencial em R$ 600, mas a gente não tem escolha", afirmou.

O Congresso aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite o financiamento do novo auxílio, que terá valor médio em R$ 250, mas as cotas devem variar entre R$ 150 e R$ 375.

Uma pesquisa feita pelo Data Favela, uma parceria entre Instituto Locomotiva e a Central Única das Favelas (Cufa), em fevereiro, apontou que, entre os 16 milhões de brasileiros que moram em favelas, 67% tiveram de cortar itens básicos do orçamento com o fim do auxílio emergencial, como comida e material de limpeza.

Outros 68% afirmaram que, nos 15 dias anteriores à pesquisa, em ao menos um faltou dinheiro para comprar comida. Oito em cada 10 famílias disseram que não teriam condições de se alimentar, comprar produtos de higiene e limpeza ou pagar as contas básicas durante os meses de pandemia se não tivessem recebido doações.

'Não temos para onde ir': as famílias em ocupação de SP que temem o despejo no auge da pandemia

Um presidente por rua

O presidente da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, Gilson Rodrigues, disse que a escassez de doações ocorre em favelas por todo o Brasil. Em Paraisópolis, a maior de São Paulo, um homem chegou a desmaiar na fila enquanto aguardava um prato de comida na última semana.

"Vejo um agravamento da situação em que o Brasil fala de um novo normal, com fome e desemprego. A fila de moradores por um marmitex começa às 9h, mas a gente só começa a entregar meio-dia. Eles fazem isso porque sentem medo de perder a única refeição do dia", afirmou.

Mulheres fazem protesto para simbolizar fome na favela de Paraisópolis em SP

Mulheres fazem protesto para denunciar a fome na favela de Paraisópolis em SP (Crédito ds foto: Daniel Eduardo).

Gilson conta que, no início da pandemia e auge das doações, eles conseguiam entregar 10 mil marmitas por dia. Hoje, são 700.

O G10 Favelas, grupo que reúne as 10 maiores comunidades do país, criou uma central de arrecadação para ajudar famílias de baixa renda de todo o país. Há um endereço específico para colaborar com moradores de Paraisópolis e outras favelas.

O líder comunitário afirmou que, na falta de poder público, a própria favela elegeu presidentes de rua. Cada um cuida de 50 famílias. Isso é importante para descentralizar os pedidos, já que ele conta que chegou a receber 7 mil mensagens de ajuda num único dia.

Ele disse que fazer os vizinhos cuidarem uns dos outros gera resultados mais contundentes que muitas políticas públicas. Gilson explica o valor da proximidade e humanização com que eles enxergam os problemas de quem mora ao lado.

"Na falta de um presidente para o país, temos um a cada 50 casas. Organizamos a sociedade para que ela tenha um papel real de transformação. Cada um desses presidentes acompanha de perto a situação dessas pessoas, as deficiências na saúde, alimentação. Damos protagonismo às pessoas e reaproximamos vizinhos", afirmou o líder comunitário de Paraisópolis.

Gilson explica que dessa forma as doações são distribuídas de maneira mais justa e os presidentes de rua fazem o máximo para ver quem mora perto dele numa situação melhor.

"Fizemos isso em 300 favelas de 14 Estados. Nossa intenção é salvar vidas. Produzimos mais de 1,4 milhão de máscaras, contratamos ambulâncias. Tudo graças ao protagonismo dos próprios moradores. O vizinho dos Jardins (área nobre de SP) também deve fazer isso. Conhecer quem mora na mansão do lado, estender as mãos para um irmão", afirmou.

Ele explicou que a favela sempre teve a cultura do apoio e que agora o Brasil precisa ativar esse movimento em todos os bairros e instâncias. O G10 Favelas criou um site para explicar como levar o projeto de presidente de rua para a sua região.

Marmitex na cracolândia

Há um mês, a universitária Alessandra Monteiro pensou em como poderia fazer ações sociais maiores e mais organizadas do que as doações que ela já costumava fazer

Alessandra, que entregou 50 marmitex há 15 dias quer ampliar para 200 refeições (Crédito da Foto: Arquivo Pessoal)


"Eu disse isso para a minha amiga Viviane porque pensei que estava na hora de sair da minha zona de conforto. Eu tenho uma vida muito boa e precisava fazer alguma coisa para alguém", afirmou.

Ela então mandou mensagem para uma professora que vende marmitas para as colegas e perguntou quanto ela cobrava para fazer 50 refeições. No dia seguinte, ela avisou aos amigos que faria uma ação e pediu uma colaboração de quem pudesse ajudar.

"Comprei as 50 e fiz as primeiras entregas no dia 19 de março na região da cracolândia, no centro de São Paulo. No mesmo dia, um rapaz pediu uma lona para se cobrir com a mulher dele e o cachorro porque eles estavam dormindo embaixo de um pedaço de madeira. Consegui a doação de uma barraca de quatro lugares para ele e vou agora comprar ração para o cachorro", afirmou.

Mulher rica faz seis horas de trabalho doméstico a menos que mulher pobre, diz IBGE

Moradores de rua recebem barraca doada em grupo de amigos (Crédito da foto: Arquivo Pessoal)

O sucesso da primeira entrega foi tão grande que os amigos criaram um grupo no WhatsApp com o nome "Faça o bem porque o mundo está mal". Na quinta-feira (1º/04) eles vão doar 100 marmitas e 100 garrafas d'água. Alessandra já planeja dobrar esse número.

"Daqui 15 dias, quero entregar 200. Nós somos pessoas comuns. Não somos ricos, mas damos um pouco do que temos para quem não tem nada", disse à reportagem.

"Eu não tinha o que comer"

Já em meio à pandemia, em 2020, a sogra da comerciante Luciene Alves da Silva, de 60 anos, morreu e deixou dois filhos com deficiência intelectual, com 54 e 50 anos de idade.

Após a morte da sogra, Luciene passou a cuidar dos cunhados que têm deficiência intelectual, com a ajuda do marido (camiseta listrada) (Crédito da foto: Arquivo Pessoal)

Imediatamente, Luciene se mudou para a casa da sogra para cuidar dos cunhados, no Itaim Paulista, no extremo leste de São Paulo. O marido dela parou de trabalhar para ajudar nos cuidados, pois um dos irmãos dele sofre ataques epilépticos e precisa ser socorrido constantemente.

A renda da família chegou a praticamente zero e junto vieram o desespero e a fome.

"Tem horas que eu penso o que eu vou fazer da minha vida. Eles comem muito e eu não tenho dinheiro nenhum. A geladeira só vive vazia. Eu estou num processo para que eles recebam pensão, mas hoje minha única renda é um Bolsa Família de R$ 89", contou, chorando, em entrevista à BBC News Brasil.

No momento de maior desespero nas últimas semanas, Luciene foi acolhida por uma igreja próxima da casa dela.

"Eu não tinha o que comer. Faltou tudo mesmo. Fui na casa de uma irmã minha da igreja e contei tudo. Ela falou para eu não me preocupar e ir para casa. Logo em seguida o pastor Radson Cavalcante trouxe duas cestas básicas para mim. Só de contar eu choro. Só vindo aqui para saber minha situação de desespero", disse Luciene por telefone.

O pastor Radson Cavalcante disse que as pessoas que quiserem fazer doações podem entrar em contato com ele pelo telefone (11) 95118-7773.

De R$ 58 milhões para R$ 800 mil

A diretora-presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), Paula Fabiani, explica que houve cenários diferentes de doação em cada momento da pandemia.

"Primeiro, tivemos uma perspectiva que não duraria muito tempo. Se envolver em campanhas de doação foi algo que deu esperança à sociedade. Agora, temos um retrato diferente porque não sabemos quando vai acabar e isso gera cautela por parte das empresas. Elas, que foram o grande motor das doações, estão focadas hoje em proteger a sua própria saúde financeira e seus funcionários", afirmou Paula.

Como exemplo, ela cita o movimento Unidos pela Vacina, que junta várias empresas para buscar uma maneira de vacinar seus próprios funcionários. Elas estão se engajando para doar mão de obra, não recursos, pois não conseguem comprometer parte do orçamento com doações enquanto não souberem quanto vai sobrar de dinheiro e até quando a pandemia vai durar.


Volume de doações para projetos sociais despencou no Brasil (Crédito da foto: Rovena Rosa / Agência Brasil).

Paula conta que o auge das doações ocorreu nos meses de abril, maio e junho de 2020. Segundo o monitor das doações de covid-19, balanço feito pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos, no período as empresas chegaram a doar em média R$ 58 milhões por dia.

Esse valor caiu para R$ 6 milhões de julho a setembro e para R$ 2 milhões de outubro a dezembro. A média de janeiro a março de 2021 é de cerca de R$ 800 mil.

Segundo Paula, as pessoas também estão num processo de cansaço, depois de um ano com restrições de circulação e numa situação constante de doações. Ainda assim, ela diz que as empresas precisam se esforçar para incluir nas suas práticas ações filantrópicas.

Uma pesquisa do Idis apontou que 86% dos brasileiros dizem que as empresas devem apoiar as comunidades e 71% afirmam ser mais propensos a comprar um produto de uma empresa que se engaje em causas sociais.

"Lá atrás, o governo demorou para agir e quem agiu foram as ONGs. A gente fez um fundo de arrecadação e mandou para empresas. Criamos um mecanismo para ajudá-las a apoiarem essas ONGs. Mas hoje as empresas estão tentando organizar suas próprias ações, na tentativa de ajudar o governo", afirmou a diretora-presidente do Idis.

"Vivo sem saber meu destino"

Luciene Silva, que cuida dos cunhados com deficiência, vendia cachorro quente antes do início da pandemia. Ela e o marido tinham uma independência financeira. Hoje, o casal está com duas contas de água vencidas e depende da ajuda principalmente de vizinhos para sobreviver.

Luciene vendia cachorro quente antes da pandemia, mas hoje o carrinho dela está parado (Crédito da foto: Arquivo Pessoal)

"Eu passo o dia cuidando dos meus cunhados. Um deles faz xixi na cama e até colocamos um plástico no colchão porque no posto de saúde não tem fralda. Eu estou tomando antidepressivos. Calmante forte mesmo porque eu não durmo à noite pensando o que será o próximo dia. Hoje eu não tenho um real no bolso", contou à reportagem.

Luciene também conta com a ajuda dos filhos, mas um deles ficou desempregado recentemente por conta da crise na pandemia.

"É muito difícil acordar e não ter mistura na geladeira. Hoje mesmo eu achei um pacote de flocos de milho no armário e fiz um cuscuz para a gente. Quando vou à feira, ganho uns tomates e cebola. Outro traz um pacote de arroz. E assim eu vivo sem saber meu destino".

Felipe Souza - @felipe_dess, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 01.04.2021, há 6 horas.

O preço da liberdade é a eterna vigilância

Jair Bolsonaro é incansável. Para liberticidas contumazes, leis nada dizem. Por isso, o preço da liberdade segue sendo a eterna vigilância

O firme repúdio dos comandantes militares à insolente tentativa de Jair Bolsonaro de envolver as Forças Armadas em seu projeto autoritário de poder foi a derradeira demonstração de que o presidente não conta com mais ninguém relevante – apenas com seus fanáticos camisas pardas bolsonaristas – para embalar seus devaneios golpistas.

Bolsonaro há tempos vem tentando caracterizar as Forças Armadas como milícias a seu serviço, com o óbvio objetivo de intimidar seus opositores. Mas nos últimos dias, diante da percepção de que seu governo vem perdendo sustentação, o presidente resolveu pressionar os chefes das Forças Armadas a escolher um lado – ou ele ou a Constituição.

Os militares obviamente escolheram a Constituição. Rejeitaram de pronto a ideia – expressa pelo novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, na reunião em que os comandantes foram demitidos por ordem de Bolsonaro – de que é preciso “realinhar” as Forças Armadas ao presidente.

Ora, a Constituição estabelece que as Forças Armadas são instituições de Estado, razão pela qual não podem ser “alinhadas” ao presidente. Mas Bolsonaro, sendo o mais antirrepublicano dos presidentes da República na história nacional, considera-se senhor do Estado, tendo assim o poder de submetê-lo integralmente a seu tacão e de explorá-lo para seu proveito pessoal.

Bolsonaro julga que, por ser presidente, deve ser tratado com subserviência por todos, a começar pelos chefes militares, que, segundo entende, devem lhe dar apoio político explícito. 

O capitão da reserva, desligado do Exército depois de uma trajetória de insubordinação e sedição, quer ser visto agora como generalíssimo.

Mas Bolsonaro não é apenas um mau militar a quem infelizmente coube o comando supremo das Forças Armadas; é um mau homem público, que vive a repetir que “o presidente sou eu” para ver se ele mesmo se convence desse absurdo. Sem a autoridade natural dos líderes que respeitam a inteligência alheia e as leis, Bolsonaro pretende impor seu poder na marra.

Não se sabe para quê. É um governo sem rumo, que conduziu criminosamente o País à tragédia de mais de 300 mil mortos numa pandemia, sem falar no colapso do sistema de saúde. Sua única competência tem sido o aparelhamento da estrutura estatal para defender os interesses do clã Bolsonaro. Vive de criar tumulto e estimular o golpismo para desviar a atenção de sua monumental inaptidão para o cargo.

Mas a estratégia do caos não tem funcionado mais. Muitos de seus antigos apoiadores, militares e civis, já não escondem o arrependimento. Empresários não o levam mais a sério. Um deles, ouvido recentemente pelo Estado, disse que não é possível aprofundar nenhum assunto com Bolsonaro porque ele “só faz piada e fala palavrão”. Por isso, banqueiros, donos de empresas e executivos têm preferido procurar os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, para encaminhar suas preocupações.

Bolsonaro já não pode contar nem mesmo com o apoio integral do Centrão, que hoje coloniza seu governo. Lira já advertiu o presidente sobre o risco de impeachment, e Pacheco disse que o Congresso “não vai transigir com qualquer iniciativa que vise a algum retrocesso no Estado Democrático de Direito”.

Mas Bolsonaro é incansável. Por intermédio de um bagrinho, tentou emplacar um projeto de lei que lhe daria a prerrogativa de convocar “mobilização nacional” a pretexto de combater a pandemia. Nessa mobilização, o presidente ganharia poder para intervir nos Estados e derrubar as medidas de distanciamento social, além de passar a controlar as Polícias Militares.

Se aprovado, tal projeto afrontaria o princípio da Federação inscrito na Constituição. Conforme o artigo 60, a Federação é cláusula pétrea, ou seja, não pode ser alterada nem por emenda constitucional. Ademais, intervir nos Estados ao arrepio da Constituição é ato qualificado como crime de responsabilidade pelo artigo 6.º da Lei 1.079/50, a Lei do Impeachment.

Para liberticidas contumazes, contudo, leis nada dizem. Por isso, mais do que nunca, o preço da liberdade segue sendo a eterna vigilância.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 01 de abril de 2021 | 03h00

quarta-feira, 31 de março de 2021

Governo Bolsonaro pagou influenciadores para defender atendimento precoce contra Covid-19, diz agência


Mais de R$1,3 milhão foi utilizado para ações de marketing


Bolsonaro tira a máscara em entrevista coletiva com jornalistas ( Crédito da foto: Ueslei Marcelino / Reuters) 

O Governo Federal investiu R$1,3 milhão em ações de marketing com influenciadores digitais sobre a Covid-19. O montante gasto pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria de Comunicação (Secom) inclui R$ 85,9 mil destinados ao cachê de 19 famosos contratados para divulgar as campanhas em suas redes sociais, segundo publicou a Agência Pública com dados obtidos através da Lei de Acesso a Informação (LAI).

Entre as ações, há uma contratada pela Secom que pagou um valor de R$23 mil para contratar quatro influenciadores para falar sobre "atendimento precoce". A verba saiu de um investimento de R$19,9 milhões da campanha "Cuidados Precoces COVID-19".

Segundo a reportagem da Agência Pública, a Secom orientou a ex-BBB Flavia Viana, além dos influenciadores João Zoli, Jéssika Taynara e Pam Puertas a fazer um post no feed e seis stories em suas contas no Instagram dizendo para os seguidores que, caso sentissem sintomas da covid, era "importante que você procure imediatamente um médico e solicite um atendimento precoce".

(Brasil:  25 estados têm mais de 80% de UTIs ocupadas)

Os quatro influenciadores foram orientados a se guiar por um texto que dizia: "Hoje quero falar de um assunto importante, quero reforçar algumas formas de se prevenir do coronavírus. Vamos nos informar e buscar orientações em fontes confiáveis. Não vamos dar espaços para fake news. Com saúde não se brinca. Fiquem atentos! E se identificar algum sintoma como dor de cabeça, febre, tosse, cansaço, perda de olfato ou paladar, #NãoEspere, procure um médico e solicite um atendimento precoce".

Ainda segundo a reportagem, o material contratado não trazia menção ao "tratamento precoce" para Covid-19 com uso de medicamentos como cloroquina e ivermectina como já foi defendido pelo presidente Jair Bolsonaro e apareceu numa orientação editada pelo Ministerio da Saúde, em maio de 2020, que indicava o uso de cloroquina desde os primeiros sintomas da doença.

(SP: Governo diz que entrega de cilindros de oxigênio é desafio para conter o avanço da Covid-19)

No próprio texto de orientação que está atualmente no ar no site do governo os termos "atendimento" e "tratamento" se confundem: "O tratamento precoce comprovadamente aumenta as chances de recuperação e diminui a ocorrência de casos mais graves e, consequentemente, o número de internações", diz a página do Ministério da Saúde.

O Globo, em 31/03/2021 - 19:10 / Atualizado em 31/03/2021 - 20:08 hs.

“O maior risco para a democracia no momento é de que revoltas nas polícias sejam incentivadas”

Para João Roberto Martins Filho, estudioso das Forças Armadas no Brasil, parte dos militares busca uma terceira via eleitoral alternativa a Lula e ao presidente Bolsonaro

João Roberto Martins Filho, autor do livro 'Os militares e a crise brasileira' (Crédito da foto: Gabriela di Bella/The Intercept Brasil).

O Brasil está diante de uma “crise militar grave”, que não teria ocorrido caso alguns generais do Exército não tivessem “se aventurado a fundo em um Governo tão instável”. Essa é a leitura de João Roberto Martins Filho, estudioso das Forças Armadas no Brasil e autor do livro Os militares e a crise brasileira (Alameda Editorial), sobre a demissão do ministro da Defesa Fernando Azevedo, e o afastamento posterior dos comandantes das três forças —Exército, Marinha e Aeronáutica. Isso escancarou “fissuras no grupo militar, que até então eram pouco visíveis”.

Apesar da turbulência na caserna provocada pela “bomba” lançada por Jair Bolsonaro, Martins Filho, professor da Universidade Federal de São Carlos, não vê risco de ruptura institucional com participação das Forças Armadas, mas mostra preocupação com o incentivo feito por bolsonaristas a motins e revoltas dentro das polícias estaduais: “Isso pode levar a um nível de violência difícil de prever”. Ele cita como exemplo o tratamento dado ao policial militar Wesley Soares Góes, morto por equipes da corporação após atirar contra agentes em Salvador. Ele foi chamado de “herói” por deputadas da base do presidente, que ainda incentivaram uma rebelião contra o governador baiano, Rui Costa (PT). Posteriormente elas apagaram as postagens. Confira abaixo a entrevista:

Pergunta. O que podemos esperar do general Braga Netto na chefia do Ministério da Defesa?

Resposta. Braga Netto tinha uma carreira militar bastante destacada. Ele foi comandante do Leste, na região do Rio de Janeiro, e depois passou a ser o chefe da intervenção militar no Estado, onde eles assumiram o poder de fato no Rio. Até então ele era um dos mais destacados de sua geração, que é a mesma do Bolsonaro. É um grupo de generais formados nos anos 1970, durante a Guerra Fria, e que tiveram algum contato com a realidade da época. Dizem que ele é um dos mais bolsonaristas dentre os generais. Então com a saída do Azevedo o presidente colocou em seu lugar um homem de confiança. É uma trinca de generais que estão bastante fechados com o Bolsonaro: Netto, na Defesa, Luiz Eduardo Ramos, na Casa Civil, e Augusto Heleno, no Gabinete de Segurança Institucional.

P. O que significa a saída dos comandantes das Forças Armadas?

R. Estamos acostumados a falar que não havia fissuras no grupo militar. Mas o contato com a política provoca fissuras com o tempo. Até então essa cisão era pouco visível, alguns chegavam a se referir a alguns generais do Governo como o “Partido Militar”. É importante dizer que estamos diante de uma crise militar, e que isso não teria ocorrido se não tivéssemos um militar à frente da Defesa. Não teríamos esse impacto se fosse um civil no lugar do general Azevedo. Essa aventura militar de entrar no Governo está saindo muito caro para as Forças Armadas. É proximidade demais com um Governo instável.

P. Bolsonaro foi eleito com forte apoio dos militares. Você acha que parte deles agora busca um outro candidato para 2022?

R. Existe sim a busca por parte dos generais de uma terceira via [nem Lula nem Bolsonaro]. Isso fica claro, por exemplo, quando alguns generais se manifestaram contra o julgamento que atestou a suspeição [parcialidade] de Sergio Moro, que seria uma opção de candidato do centro a ser apoiado no meio militar —e um rival do próprio presidente.

P. O presidente demitiu o ministro como uma reação a estas movimentações?

R. O Bolsonaro deve ter percebido esta operação, ele tem instinto de sobrevivência. Há algum tempo o Centro de Comunicação do Exército começou uma operação de relações públicas e psicológicas de tentar mostrar para a sociedade, após demissão do Eduardo Pazuello [ex-ministro da Saúde], de que eles teriam feito melhor. E Bolsonaro sentiu isso, e nesse processo jogou uma bomba no meio de tudo [ao demitir Azevedo].

Paralelamente a isso, o presidente não estava conseguindo fazer com que as Forças Armadas concordassem em participar de algumas de suas loucuras. Do ponto de vista eleitoral, ele também achou ruim que o ministro e os comandantes das forças não se manifestassem contra a decisão do ministro Edson Fachin que devolveu os direitos políticos ao Lula, por exemplo.

P. Qual o maior risco para a democracia neste momento?

R. O maior risco no momento é incentivar revoltas nas policiais estaduais. Ou por parte do próprio presidente Bolsonaro ou de seu estafe de inspirações neofascistas, como seus filhos dele, o assessor Filipe Martins e alguns deputados mais radicais da base aliada, como a Bia Kicis. Essa turma já tentou incentivar essa rebelião antes, e essa sempre foi na minha análise a pior hipótese possível, pois pode levar a uma situação de grande violência em uma país que já é violento. Mas é preciso frisar que há muita diferença entre os Estados. O apoio ao Bolsonaro nas corporações e a situação das policiais não é homogêneo. Mas com certeza ele gostaria de contar com essa possibilidade [de fomentar as revoltas].

P. O presidente teve algumas rusgas com o ex-comandante do Exército, o general Edson Pujol, principalmente no que diz respeito à condução da luta contra a pandemia. Agora existe a expectativa de que os indicados por Braga Netto para ocupar os cargos de chefia nas Forças Armadas serão pessoas mais alinhadas com o presidente. Esta possibilidade existe?

R. Se você me fizesse esta pergunta um ano atrás eu diria que ele conseguiria colocar gente flexível no comando das forças, gente que fosse mais palatável para ele. Acho que a situação agora é complicada. Não acho que o Bolsonaro conseguirá colocar quem ele quiser. É claro que o Braga Netto vai apresentar nomes que não sejam muito independentes, mas a questão é que o comandante de uma das forças precisa ter legitimidade [tradicionalmente o ministro da Defesa apresenta três nomes ao presidente para cada chefia das Forças Armadas, e o mandatário seleciona um]. Não pode ser alguém que o alto comando das não reconheça como um homem digno de comandar o Exército, por exemplo.

GIL ALESSI, de São Paulo para o EL PAÍS, em 30 MAR 2021, às 23:17 hs.

Brasil pode ter no fim de maio mesmo número de mortes por covid-19 registrado em 2020, aponta estudo

A informação consta de nota técnica do Instituto de Estudos e Pesquisas em Saúde (IEPS) e mostra a velocidade com que a epidemia se alastra pelo País

 Se o Brasil mantiver a média diária de mortes por covid-19 das últimas semanas, chegará  em 24 de maio a 195 mil óbitos - o mesmo número que registrou em 2020. Assim, o número de falecimentos pela doença dobrará em menos de cinco meses, em comparação com o ano anterior. A informação consta de nota técnica do Instituto de Estudos e Pesquisas em Saúde (IEPS) e mostra a velocidade com que a epidemia se alastra pelo País.

Assinada pelas pesquisadoras Beatriz Rache e Márcia Castro, a nota analisa os óbitos nos Estados e capitais e comprova a forte aceleração da pandemia nas semanas recentes no País. Até 27 de março, os números do ano passado já tinham sido ultrapassados no Amazonas, em Rondônia, no Rio Grande do Sul e no Paraná. Em meados de 2021, 14 estados já terão alcançado suas cifras de 2020. Em São Paulo, esse momento deve acontecer em 9 de junho.

Com transmissão descontrolada da doença, o País tem visto o colapso de várias redes hospitalares Foto: Wilton Junior/Estadão

Segundo as pesquisadoras, há vários motivos para a lentidão no ritmo da vacinação. Entre eles, os principais são as baixas quantidades de insumos, a falha na coordenação federal do Plano Nacional de Imunização (PNI), a falta de apoio às medidas locais de distanciamento social e o surgimento de novas variantes do vírus.

“Nosso objetivo não era discutir as causas, mas documentar essa aceleração”, explicou a pesquisadora do IEPS Beatriz Rache.

A nota sustenta que “configura-se um quadro de crise sanitária de extrema gravidade, levando ao colapso simultâneo do sistema de saúde em diferentes regiões do País”. As especialistas ponderam que, diante da falta de leitos e do esgotamento de recursos como oxigênio e remédios, um “lockdown imediato” se faz necessário.

“Estava fazendo outro trabalho e, quando comecei a comparar os números de óbitos por covid no ano passado com os deste ano, percebi que já estavam próximos”, explicou Márcia Castro, professora de demografia e coordenadora do Departamento de Saúde Global da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard. “Resolvemos fazer essa nota para chamar a atenção para esse crescimento rápido.”

A pesquisadora falou da chance de combater a pandemia, perdida no ano passado. “Quando os números começaram a cair (pouco antes do fim do ano passado), era a segunda chance que o Brasil teria para fazer o que não fez lá no começo”, disse Márcia. “Mas não aconteceu nada. Aí vieram as festas de fim de ano, as pessoas que achavam que a pandemia já estava acabando, aquelas outras que estavam tomando coisas que não servem para nada e se julgavam protegidos. Enfim, foi a tempestade perfeita.”

Roberta Jansen, O Estado de S.Paulo, em 31 de março de 2021, às15h00 hs.

Na contramão do comitê, Bolsonaro critica medidas de distanciamento contra a covid

Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pediu para população evitar aglomerações no feriado: 'Não há o que se comemorar'

Ao fim da primeira reunião do comitê de crise, criado para avançar nas medidas definidas pelos Três Poderes contra a pandemia, ficou claro que Jair Bolsonaro mantém visão diferente dos demais membros do grupo. Menos de dez minutos após o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reforçarem a necessidade de uso da máscara e do distanciamento social, apelando para que isso fosse praticado no feriado da Semana Santa, o presidente falou na direção oposta, criticando lockdown e isolamento. Lira e Pacheco também defenderam maior participação da iniciativa privada na compra de vacinas. 

Queiroga pede para população evitar aglomerações no feriado: 'Não há o que se comemorar'

Ao reclamar das medidas mais restritivas adotadas por governadores e prefeitos, Bolsonaro afirmou que as pessoas querem voltar ao trabalho. “Não é ficando em casa que vamos solucionar esse problema”, disse. “Essa política continua sendo adotada, mas o espírito dela era se preparar com leitos de UTI, respiradores, para que as pessoas não viessem a perder suas vidas por falta de atendimento", criticou Bolsonaro, num pronunciamento feito sem máscara - só colocou depois da fala e após ser alertado pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria.

O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Palacio do Planalto  Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

O contraste de posições ficou mais nítido porque Bolsonaro acabou não participando da coletiva realizada pelos outros integrantes do Comitê de Crise, que falaram bastante alinhados. Na reunião entre os Poderes que definiu a criação do comitê, o presidente já tinha criticado a ação de governadores e de prefeitos que decidiram pela adoção do lockdown para tentar conter o avanço da doença. Agora, mais uma vez, disse que essas medidas impedem que as pessoas trabalhem e podem fazer com que passem fome. De novo, também usou a comparação dessas medidas com as de um estado de sítio.

Sem a presença do presidente, os integrantes do Comitê de Crise pareceram antever a trombada que iria acontecer. E defenderam que era importante um alinhamento na estratégia de comunicação social, justamente para garantir uma atuação uniforme na divulgação das informações necessárias para a população no combate da pandemia.

“É muito importante a comunicação. Que haja um alinhamento da comunicação social do governo, da assessoria de imprensa da Presidência da República, no sentido de haver uma uniformização do discurso”, disse Rodrigo Pacheco. “Que é necessário se vacinar, usar máscara, higienizar as mãos. Que é necessário o distanciamento social de modo a prevenirmos o aumento da doença no nosso País”, afirmou.

Já sabendo da posição de Bolsonaro, Queiroga usou jogo de cintura para não bater totalmente de frente com ele. O ministro admitiu que há dificuldade da população para seguir medidas extremas. Por isso, reforçou a defesa do distanciamento, do uso de máscaras e que cada um faça sua parte já na Semana Santa.

“No feriado, não pode haver aglomerações desnecessárias. É importante usar máscara, manter o isolamento. É importante fazer isso. Medidas extremas não são desejadas. Então vamos fazer isso", ponderou.

Na conversa, Bolsonaro acabou sendo surpreendido pela sugestão de que se vacinasse publicamente. Antes de sua “conversão” à defesa da vacinação, o presidente chegou a declarar que não se imunizaria é que já tinha anticorpos contra o coronavírus pois tinha contraído o vírus. Agora, acabou sem responder à sugestão, que ainda recebeu um acréscimo: a aplicação da vacina poderia ser feita pelo próprio ministro da Saúde, que é médico. Bolsonaro acabou mudando de assunto e não respondeu se toparia a ideia.

Mesmo sem conseguir o alinhamento do presidente, o Comitê de Crise vai tentar avançar em outros gargalos para frear a expansão da pandemia. Queiroga afirmou que vai discutir com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, medidas relativas aos transportes urbanos. Hoje, a proximidade entre esses passageiros, que precisam se deslocar diariamente para suas atividades, é vista como ponto de risco na transmissão do vírus.

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco aproveitaram a reunião para defender a atuação mais intensa da iniciativa privada no combate à pandemia e também para a compra de vacinas. “É importante que se comece um amplo diálogo, um debate que permita que empresas possam adquirir vacinas para seus funcionários, mesmo com o repasse obrigatório para o SUS. Cada brasileiro vacinado é um a menos que possa contrair o vírus”, defendeu.

Lira insistiu que a ampliação da vacinação e a garantia de que haverá mais leitos de UTI e medicamentos segue sendo prioridade. “O nosso problema é vacinar e esse é o nosso foco. A Câmara dos Deputados está discutindo soluções e votando projetos importantes para que se amplie a vacinação, leitos, insumos e toda a infraestrutura necessária no combate à pandemia”, disse.

Marcelo de Moraes, O Estado de S.Paulo, em 31 de março de 2021, às 14h49 hs

Seis presidenciáveis assinam manifesto conjunto pró-democracia

Manifestação ocorre um dia após Bolsonaro demitir os comandantes das Forças Armadas; texto é assinado por Doria, Eduardo Leite, Ciro, Mandetta, Amoêdo e Huck

Um grupo de seis possíveis candidatos à Presidência da República em 2022 lançou na noite desta quarta-feira, dia 31, um manifesto em defesa da democracia, da Constituição Federal de 1988 e contra o autoritarismo. O texto é assinado tanto por nomes da centro-direita quanto da centro-esquerda. 

A manifestação pró-democracia ocorre um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro demitir o ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva; e os comandantes da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. 

Governador de São Paulo, João Doria Foto: Governo SP

O texto é assinado pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM); pelo apresentador de TV Luciano Huck; pelos ex-candidatos presidenciais em 2018 Ciro Gomes (PDT) e João Amoêdo (Novo) e pelos governadores tucanos João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS). Os seis são vistos como possíveis candidatos em 2022. 

Leia abaixo a íntegra do manifesto

Muitos brasileiros foram às ruas e lutaram pela reconquista da Democracia na década de 1980. O movimento “Diretas Já”, uniu diferentes forças políticas no mesmo palanque, possibilitou a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República, a volta das eleições diretas para o Executivo e o Legislativo e promulgação da Constituição Cidadã de 1988. Três décadas depois, a Democracia brasileira é ameaçada.

A conquista do Brasil sonhado por cada um de nós não pode prescindir da Democracia. Ela é nosso legado, nosso chão, nosso farol. Cabe a cada um de nós defendê-la e lutar por seus princípios e valores.

Não há Democracia sem Constituição. Não há liberdade sem justiça. Não há igualdade sem respeito. Não há prosperidade sem solidariedade.

A Democracia é o melhor dos sistemas políticos que a humanidade foi capaz de criar. Liberdade de expressão, respeito aos direitos individuais, justiça para todos, direito ao voto e ao protesto. Tudo isso só acontece em regimes democráticos. Fora da Democracia o que existe é o excesso, o abuso, a transgressão, a intimidação, a ameaça e a submissão arbitrária do indivíduo ao Estado.

Exemplos não faltam para nos mostrar que o autoritarismo pode emergir das sombras, sempre que as sociedades se descuidam e silenciam na defesa dos valores democráticos.

Homens e mulheres desse país que apreciam a LIBERDADE, sejam civis ou militares, independentemente de filiação partidária, cor, religião, gênero e origem, devem estar unidos pela defesa da CONSCIÊNCIA DEMOCRÁTICA. Vamos defender o Brasil.

André Shalders, O Estado de S.Paulo, em 31 de março de 2021, às 19h54 hs

Bolsonaro quebra tradição de antiguidade e coloca general Paulo Sérgio para comandar Exército

Paulo Sérgio substitui Edson Pujol, demitido por Bolsonaro com os outros dois chefes militares, que rejeitaram a tentativa de uso político das Forças Armadas; Baptista Jr. assume a FAB e Almir Garnier, a Marinha

 

O presidente Jair Bolsonaro escolheu o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira como novo comandante do Exército. Ele substitui o general Edson Pujol, demitido ontem com os comandantes da Aeronáutica e da Marinha, após rejeitarem tentativas do presidente de politizar as Forças Armadas. Foi a primeira vez na história que um presidente trocou a cúpula militar do País no meio do mandato.

Ao escolher o general Paulo Sérgio no Exército, Bolsonaro repete a ex-presidente Dilma Rousseff ao quebrar a tradição de optar pelo oficial mais antigo para comandar a tropa. O nomeado era o terceiro pelo critério de antiguidade e seria o quinto caso dois outros generais não tivessem passado para a reserva nesta quarta-feira.

Logo após o anúncio, Bolsonaro postou uma foto com o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e os três novos comandantes. 

Além de ser o terceiro na lista de antiguidade, o general Paulo Sérgio não era a primeira opção de Bolsonaro e nem mesmo o preferido dentro do Exército. Antes de ser alçado ao comando da tropa, ele chefiava o Departamento-Geral do Pessoal, um cargo administrativo, considerado de menor importância internamente. O general também contrariou o presidente em recente entrevista ao jornal Correio Braziliense em que apontou a possibilidade de uma 3.ª onda da covid-19 no País e defendeu isolamento social. Bolsonaro é crítico às restrições impostas por governadores e prefeitos como forma de conter a propagação da doença.

Pesou a favor de Paulo Sérgio, porém, o fato de ter um perfil apaziguador, hábil no trato com subordinados, e um estilo “um manda, outro obedece”, como definiu certa vez o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde que teve a gestão marcada por apenas cumprir as ordens do presidente. 

Nos bastidores, o ex-comandante do Exército e atual assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Eduardo Villas Bôas, é apontado como avalista da nomeação. O oficial da reserva, de quem Bolsonaro é próximo, foi decisivo para a promoção de Paulo Sérgio a general quatro estrelas, o topo da carreira militar.

O novo comandante do Exército também é próximo ao ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, amigo do presidente, mas que foi demitido nesta semana por resistir a ofensivas de Bolsonaro.

General Paulo Sérgio vai comandar o Exército

O ministro da Defesa, Braga Netto, apresenta os novos comandantes das Forças Armadas: (à esq.) almirante Almir Garnier (Marinha), o general Paulo Sergio (Exercito), e o brigadeiro Carlos de Almeida Batista Jr. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Azevedo deixou o cargo por algumas razões: 1) ter mandado o general Eduardo Pazuello de volta para o quartel, quando Bolsonaro queria alocar o ex-ministro da Saúde na Esplanada; 2) se recusou a confrontar decisões do Supremo Tribunal Federal, como queria o presidente; 3) se recusou a trocar o comandante do Exército, Edson Pujol, com quem Bolsonaro nunca teve boas relações. 

Com a escolha de Paulo Sérgio, porém, Bolsonaro tenta apaziguar os ânimos e passar a mensagem para a tropa de que vai manter a continuidade. 

Ao anunciar os novos comandantes, o general Braga Netto, novo ministro da Defesa, destacou o papel dos militares no enfrentamento da covid-19 e disse que as Forças Armadas “não faltaram no passado e não faltarão sempre que o País precisar”. “O Exército, a Marinha e a Aeronáutica se mantêm fiéis a suas missões constitucionais de defender a pátria e garantir as liberdades democráticas. O maior patrimônio de uma nação é a liberdade de seu povo”, afirmou. Ao se referir ao presidente, Braga Netto disse que o Comandante Supremo escolheu os comandantes.

Preterido na escolha, o general mais antigo na cúpula do Exército, general José Luiz Freitas, elogiou a indicação pelas redes sociais.  “Escolhido o novo Comandante do Exército, Gen Paulo Sérgio, excepcional figura humana e profissional exemplar. Como não poderia deixar de ser, continuaremos unidos e coesos, trabalhando incansavelmente pelo Exército de Caxias e pelo Brasil!”, postou o general, que deve ir para a reserva em três meses. 

O segundo na lista de antiguidade era o general Marcos Antonio Amaro dos Santos, chefe do Estado-Maior do Exército, que cuidou da segurança da ex-presidente Dilma e foi chefe da Casa Militar no governo da petista. 

À frente deles estavam ainda os generais Décio Luís Schons e César Augusto Nardi de Souza, que passaram oficialmente à reserva a partir desta quarta-feira, 31, e já foram substituídos no Alto Comando.

Marinha e Aeronáutica

Na Marinha, o escolhido por Bolsonaro foi o almirante de esquadra Almir Garnier, atual secretário-geral do Ministério da defesa. Neste caso, o presidente também ignorou a tradição e optou pelo segundo da lista de antiguidade. O primeiro era o almirante de esquadra Alípio Jorge Rodrigues da Silva, comandante de Operações Navais.

No Ministério da Defesa, Garnier atuou como assessor especial militar dos ministros Celso Amorim, Jaques Wagner, Aldo Rebelo e Raul Jungmann.

 Na Aeronáutica, assumirá o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior, que demonstra nas redes sociais ser afinado ao governo, compartilhando mensagens ligadas a grupos de direita. Ele era o primeiro no critério de antiguidade.

Baptista Junior assume o cargo que já foi do pai dele no governo de Fernando Henrique Cardoso. Na época, Carlos de Almeida Baptista foi deslocado do Superior Tribunal Militar para o comando da Aeronáutica também num momento de crise com os militares, após a Corte reabrir a investigação do caso do atentado no Riocentro. Ele exerceu a função de 1999 a 2003.

Antiguidade 

Mais cedo, antes das escolhas serem anunciadas, o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu  o respeito ao critério de antiguidade na escolha da nova cúpula militar. 

“Eu julgo que a escolha tem que ser feita dentro do princípio da antiguidade, até porque foi uma substituição que não era prevista. Quando é uma substituição prevista, é distinto. Então, se escolhe dentro da antiguidade e segue o baile”, afirmou o vice, que é general da reserva.

O presidente também havia sido aconselhado a seguir a lista para não criar atritos com generais mais experientes.  

Isso porque os oficiais mais antigos passam à reserva se um militar mais “moderno”, com menos tempo de Exército, for alçado ao comando. A aposentadoria não é uma regra compulsória, mas costuma ter força de norma não escrita nos quartéis.

Os oficiais costumam pedir para deixar a ativa como forma de não serem comandados por um antigo subordinado, uma inversão na hierarquia.  

Felipe Frazão e Eliane Cantanhêde para O Estado de S.Paulo, em 31 de março de 2021 | 17h05 Atualizado 31 de março de 2021 | 19h50

Golpe de 1964: novo ministro da Defesa fala em celebrar aniversário 'no contexto histórico' - mas qual é este contexto?

Ele afirma que o movimento militar de 1964 que derrubou o governo eleito de João Goulart "é parte da trajetória histórica do Brasil" e "assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março".


Os anos após o AI-5 foram os mais violentos da ditadura militar; foto mostra desfile de 7 de setembro em 1972 (Crédito da foto: Acervo Arquivo Nacional).

"Eventos ocorridos há 57 anos, assim como todo acontecimento histórico, só podem ser compreendidos a partir do contexto da época." Assim começa a mensagem alusiva ao 31 de março de 1964 assinada pelo novo ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, que assumiu o posto nesta semana após divergências entre seu antecessor e o presidente Jair Bolsonaro sobre o papel político das Forças Armadas.

Ao longo de pouco mais de 2 mil palavras, Braga Netto cita o cenário geopolítico polarizado na Guerra Fria, que em suas palavras representava uma "ameaça real à paz e à democracia" do país. Ele afirma que o movimento militar de 1964 que derrubou o governo eleito de João Goulart "é parte da trajetória histórica do Brasil" e "assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março".

Em 2019, Bolsonaro gerou forte reação ao determinar a celebração do golpe que instaurou uma ditadura no país, e o caso se transformou em uma disputa judicial. Dois anos depois, a demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, e dos chefes do Exército, Aeronáutica e Marinha, e a nota de Braga Netto dão novos contornos à participação ativa dos militares na política nacional.

Fiadores da candidatura de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018, os militares deram força ao sentimento antipetista e antipolítica naquele pleito, apontam analistas. Vitoriosos, eles ocuparam a vice-presidência, ministérios estratégicos (inclusive com generais da ativa) e milhares de cargos comissionados no governo federal.

Ministros do STF ficam 'surpresos' com demissões e avaliam que Bolsonaro tentou 'politizar' Forças Armadas

Bolsonaro ataca própria base e arrisca reeleição ao demitir militares, diz especialista em Forças Armadas

Demissão de comandantes não tira apoio militar a Bolsonaro, dizem cientistas políticos

Em 2021, a pressão pública crescente sobre Bolsonaro por causa do agravamento da pandemia de coronavírus, que mata quase 4 mil pessoas por dia no Brasil e impacta duramente a economia, ampliou a cobrança do presidente por um posicionamento político mais ostensivo e mais alinhado das Forças Armadas.

Um episódio simbólico da divergência ocorreu em maio de 2020, quando Bolsonaro tentou apertar a mão de Edson Pujol, então comandante do Exército, e este lhe ofereceu o cotovelo, seguindo orientações internacionais para evitar a transmissão do vírus.

O gesto teria irritado o presidente. Enquanto Bolsonaro minimizava o coronavírus como uma "gripezinha", Pujol afirmava que a pandemia "talvez seja a missão mais importante de nossa geração".

Um dos principais pontos desse embate que culminou na demissão de Pujol e outros três colegas está entre cumprir políticas de governo ou políticas de Estado. Mas o que costuma atrair mais holofotes na imprensa é a defesa da ditadura militar por parte de bolsonaristas, com citações ao AI-5 (ato de dezembro de 1968 que fechou o Congresso e cassou liberdades individuais), negação de assassinatos e torturas e exaltações ao golpe militar de 31 de março de 1964, chamado de revolução ou movimento pelos militares.

Mudança na cúpula da Defesa traz risco de quebra de hierarquia e fissuras nas Forças Armadas

O que foi o golpe de 1964?

A "ameaça comunista" e a suposta iminência de um golpe de Estado da esquerda costumam ser apontadas como justificativa tanto para a derrubada de Jango quanto para a instituição do AI-5.

Em 2019, a BBC News Brasil revelou que o governo Bolsonaro enviou um telegrama à Organização das Nações Unidas (ONU) afirmando que os 21 anos de governos militares foram necessários "para afastar a crescente ameaça de uma tomada comunista do Brasil e garantir a preservação das instituições nacionais, no contexto da Guerra Fria".

E acrescentou: "As principais agências de notícias nacionais da época pediram uma intervenção militar para enfrentar a ameaça crescente da agitação comunista no país."

Então comandante do Exército, Pujol disse que pandemia 'talvez seja a missão mais importante de nossa geração' (Crédito da foto: Getty Images)

Braga Netto, em sua mensagem sobre o 31 de março de 1964, afirma que "os brasileiros perceberam a emergência e se movimentaram nas ruas, com amplo apoio da imprensa, de lideranças políticas, das igrejas, do segmento empresarial, de diversos setores da sociedade organizada e das Forças Armadas, interrompendo a escalada conflitiva, resultando no chamado movimento de 31 de março de 1964".

Segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, os militares brasileiros enxergavam que a ameaça à ordem vigente vinha de "inimigos internos" que supostamente poderiam implantar o "comunismo no país pela via revolucionária, através da 'subversão' da ordem existente - daí serem chamados pelos militares de 'subversivos'."

O exemplo mais próximo que reforçava essa tese era Cuba.

Em 2004, o ex-senador e ex-ministro da ditadura, Jarbas Passarinho, afirmou em entrevista à BBC News Brasil que o golpe militar de 1964 se tornou imperativo, na avaliação dele, pela presença à época de supostos guerrilheiros atuando em território brasileiro, encorajados pelo sucesso dos comunistas na China, na União Soviética e em Cuba, e pela insubordinação militar com o motim dos sargentos, em 1963 em Brasília, e dos marinheiros, em 1964 no Rio de Janeiro.

"Todo mundo tinha medo da ameaça comunista."

A restauração da disciplina e da hierarquia das Forças Armadas é apontada pelo CPDOC como outra justificativa para o golpe militar.

Mas especialistas apontam que esse risco era praticamente inexistente à época, tanto pelo fato de que João Goulart não era comunista quanto pela fragmentação dos movimentos de esquerda e da falta de apoio popular massivo à época.

A própria falta de reação massiva contra o início do regime militar reforça esse diagnóstico.

Em seu livro "Em Guarda contra o Perigo Vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964)", o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e um dos principais estudiosos do tema no Brasil, mostra que o anticomunismo "não passou de engodo para justificar a intervenção", e que a retórica golpista passava mais por antipopulismo e antirreformismo.

A exemplo das reformas de base propostas por João Goulart, que passavam por mudanças profundas em áreas como a bancária e as universidades e principalmente por uma ampla reforma agrária via desapropriação de terras com título da dívida pública.

Mas as propostas enfrentaram forte resistência dos setores mais conservadores da sociedade e não avançaram no Congresso, apesar do apoio de diversas categorias.

A mesma ameaça de "perigo vermelho" foi usada quatro anos depois como justificativa para o endurecimento do aparelho repressivo da ditadura, por meio do AI-5. Isso reverbera até hoje no bolsonarismo.

Em outubro de 2019, um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disse que, caso a esquerda "se radicalize", "vamos precisar ter uma resposta", que, segundo ele, "pode ser via um novo AI-5".

Mas o principal "inimigo" do regime já era outro.

Documentos e depoimentos da época mostram, dizem estudiosos, que o ato autoritário de 1968 foi uma forma de a ditadura militar controlar não só a oposição de esquerda ou os comunistas, mas os setores da sociedade civil que haviam apoiado o golpe de 1964 e que, quatro anos depois, estavam ficando descontentes com o governo, como a Igreja Católica, a imprensa, o Poder Judiciário e líderes políticos.

Militares ocupam milhares de postos administrativos no governo Bolsonaro (Crédito da foto: Getty Images)

"Muita gente tinha apoiado o golpe, imaginando que seria uma coisa de curto prazo. Mas aí os partidos políticos foram dissolvidos, a eleição para presidente foi indireta, a grande imprensa, que havia apoiado o golpe, começou a ser censurada... Você tinha um quadro de insatisfação muito ampliado", disse o historiador Daniel Aarão Reis, professor e pesquisador de História Contemporânea na UFF (Universidade Federal Fluminense), à BBC News Brasil em 2019.

Segundo Aarão Reis, os grupos da luta armada contra a ditadura eram poucos, pequenos, não tinham apoio popular e não apresentavam uma ameaça real ao regime.

Para Sá Motta, da UFMG, a ditadura já possuía os meios suficientes para reprimir a resistência da esquerda, e não precisaria ampliar seus poderes com o AI-5. Mas ela não tinha ainda "eram meios suficientes para enquadrar e disciplinar segmentos rebeldes da própria elite situados em lugares estratégicos, como o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e a imprensa".

O regime militar no Brasil durou de 1964 a 1985 e o período mais duro do regime, durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, foi de 1969 a 1974.

Segundo relatório da Comissão da Verdade, durante os 20 anos de duração da ditadura no Brasil, 424 pessoas morreram ou desapareceram. Foi identificado também, por exemplo, que o regime perseguiu, prendeu ou torturou 6.591 militares.

As práticas violentas contra dissidentes brasileiros também constam em documentos entregues pelos Estados Unidos ao Brasil em 2014, com relatórios que detalhavam informações de 1967 a 1977 sobre censura, tortura e assassinatos cometidos pelo regime militar do Brasil.

Anistia

Braga Netto, novo ministro da Defesa, cita em seu texto sobre o 31 de março de 1964 a Lei da Anistia, que foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1979 e, segundo ele, "consolidou um amplo pacto de pacificação a partir das convergências próprias da democracia. Foi uma transição sólida, enriquecida com a maturidade do aprendizado coletivo".

A Lei da Anistia, que perdoou crimes políticos cometidos por militantes e agentes de Estado durante a ditadura, é um ponto-chave em embates entre militares e alguns setores da sociedade civil desde a redemocratização em 1985.

Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) moveu uma ação para tentar derrubar a lei, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu mantê-la.

A postura do Brasil em relação à Lei da Anistia já foi condenada pela ONU e outros organismos internacionais e contrasta com a de vizinhos como Argentina, Chile e Uruguai. Nesses países, a Justiça tem condenado agentes de Estado por acusações de homicídios, torturas e sequestros ocorridos durante regimes militares.


O enterro do estudante Edson Luís, assassinado em março de 1968 no Rio por agentes da repressão no restaurante Calabouço; sua morte desencadeou uma série de manifestações contra o regime militar (Crédito da foto: Acervo Arquivo Nacional).

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade reacendeu o debate sobre a Lei da Anistia, mas a legislação tampouco foi modificada. Para que torturadores possam ir ao banco dos réus, é preciso que o STF modifique sua interpretação da lei de 2010 ou que o Congresso altere a redação.

Em seu relatório final, a Comissão Nacional da Verdade apontou 377 agentes públicos responsáveis pela repressão política durante a ditadura, e mesmo sem força para punições conseguiu gerar uma forte reação entre militares.

Os trabalhos da comissão são tidos como um dos diversos elementos que levaram o segmento a atuar politicamente em massa contra o PT e, por extensão, a fazer parte da candidatura e do governo Bolsonaro.

Desde o pleito de 2018, parte do comando das Forças Armadas repete publicamente que segue a Constituição, afasta qualquer risco de recuo democrático, critica a politização dos quartéis e reitera agir como instituição do Estado brasileiro, e não de um governo.

"A Marinha, o Exército e a Força Aérea acompanham as mudanças, conscientes de sua missão constitucional de defender a Pátria, garantir os Poderes constitucionais, e seguros de que a harmonia e o equilíbrio entre esses Poderes preservarão a paz e a estabilidade em nosso País", conclui Braga Netto.

Matheus Magenta, da BBC News Brasil em Londres. Publicado em 31.03.2021

'Crise estava fadada a ocorrer', diz historiador sobre demissões no comando das Forças Armadas

Os pedidos de demissão do agora ex-ministro da Defesa general Fernando Azevedo e dos três comandantes das Forças Armadas escancaram uma crise inédita no país, mas que "estava fadada a ocorrer", diz o historiador Carlos Fico.

Bolsonaro erra ao cobrar fidelidade política das Forças Armadas, diz pesquisador (Crédito da foto: Crédito / Reuters)

"Nunca houve o afastamento de três comandantes militares ao mesmo tempo na história da República. É grave", avalia o pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A crise nas Forças Armadas foi detonada às vésperas do aniversário do golpe militar de 1964, nesta quarta-feira (31/3). No entanto, Fico não acredita na possibilidade de ocorrer uma nova ruptura da ordem institucional.

"Não sei se é excesso de otimismo, mas pelo que vejo do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e da sociedade em geral percebemos que o apoio a Bolsonaro é barulhento, mas a maioria não o apoia e reagiria."

Autor de diversos livros, entre eles O golpe de 1964: momentos decisivos e História do Brasil Contemporâneo: da Morte de Vargas aos Dias Atuais, Fico diz que as Forças Armadas entraram em uma relação "promíscua" com o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e que isso inevitavelmente levou à crise atual.

"Falo promiscuidade porque houve um envolvimento indevido com o governo, com uma enxurrada de militares, uma presença excessiva e desproporcional. A crise estava contratada desde então", diz ele.

'Apoiar Bolsonaro foi um risco para as Forças Armadas'

Militares têm uma presença excessiva no governo, afirma Fico (Crédito da foto: Reuters)

O pesquisador aponta que, de um lado, o presidente se julgou no direito de cobrar lealdade política do ministro da Defesa e das Forças Armadas.

"Isso não convém, não compete a ele, e é totalmente inadequado e inconstitucional para as Forças Armadas, sendo um órgão de Estado", afirma.

Ao mesmo tempo, as Forças Armadas acreditaram que poderiam controlar os ímpetos e arroubos de Bolsonaro.

"Os militares foram ingênuos. Pretendiam tutelar o governo e até foram decisivos no começo, mas depois não conseguiram evitar as posições extremistas ou absurdas do presidente quanto à pandemia ou nas questões ideológicas e de costumes. Foi uma ilusão", diz Fico.

A pasta da Defesa foi criada em 1999 e era tradicionalmente chefiada por ministros civis. Desde o governo Michel Temer (2016-2018), porém, passou a ser comandada por um militar.

O agora ex-ministro da Defesa fez questão de ressaltar no comunicado divulgado na segunda-feira (29/3) sobre sua saída do governo que "preservou as Forças Armadas como instituições de Estado".

Depois, nesta terça, os três comandantes das Forças Armadas deixaram os cargos: Edson Pujol, comandante do Exército, Ilques Barbosa, da Marinha, e Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica.

A saída dos comandantes é vista como um ato de protesto pela demissão sumária de Azevedo.

"Bolsonaro é autoritário, de viés golpista e extremamente incompetente. Apostar suas fichas como um cidadão ou como um político neste governo já seria um risco tremendo, imagina para as Forças Armadas…", diz Fico

'Não consigo imaginar um golpe'

Azevedo disse que trabalhou para manter as Forças Armadas como órgão de Estado

Atualmente, Bolsonaro tem militares no comando de seis ministérios, mas esse número já foi maior, sem contar os militares que ocupam outros cargos.

O professor da UFRJ diz que era previsível que essa grande participação militar no governo levaria a um desgaste das Forças Armadas. "Eles cometeram um erro tremendo", diz Fico.

Mesmo agora com um nome mais alinhado a Bolsonaro à frente Defesa, como é o caso do general Walter Braga Netto, e caso o mesmo venha a ocorrer na liderança das Forças Armadas, o pesquisador diz que "não consegue imaginar um golpe".

"(Os militares) já estão no poder. Seja qual for o general que ocupe o comando do Exército - que é o que importa -, não acho que pretenda se aventurar", diz Fico.

"Pode haver algum tipo de acomodação das Forças Armadas, para mostrar que elas estão unidas em torno do chefe, mas não creito que haja possibilidade de uma ruptura institucional."

Rafael Barifouse, da BBC News Brasil em São Paulo, em 31 março 2021, 15:44 -03

Brasil registra 3.869 mortes por covid-19 em 24h, novo recorde diário

Volume de novos casos da doença voltou a crescer no país

O Brasil atingiu nesta quarta-feira (31/3) um novo recorde de mortes por covid-19 em apenas 24 horas, segundo boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass): 3.869 vidas perdidas em um dia.

O dia anterior, terça-feira, já havia sido de recorde, com 3.780 mortes registradas nas 24 horas anteriores.

O total de mortes pela doença no Brasil já chega a 321.515, e de casos, 12.748.747.

O país registrou uma média móvel de 2.977 mortes nos últimos sete dias, a maior desde o início da pandemia — esse dado tem tido recordes sucessivos nas últimas semanas.

Na semana passada, o Brasil se tornou o segundo país a contabilizar mais de 300 mil óbitos causados pelo novo coronavírus. Os Estados Unidos foram os primeiros e hoje já contabilizam mais de meio milhão de mortes.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país com mais mortes pela doença em todo o mundo. Ele está atrás apenas dos Estados Unidos, que têm mais de 550 mil óbitos por covid-19, conforme registro da Universidade Johns Hopkins. Também em número casos, o Brasil está atrás apenas dos EUA (30,4 milhões.

BBC News, em 31.03.2021

Bolsonaro e a escalada do caos

Observadores bem intencionados interpretam a onda de renúncias como sinal de idoneidade dos militares. Na verdade trata-se antes de consideração tática. E o bolsonarismo ainda sai lucrando, opina Philipp Lichterbeck

Jair Bolsonaro, fomentando o caos desde a posse como presidente

Jair Bolsonaro se alimenta do caos. Ele precisa da confrontação, da provocação e da contradição. O conflito constante é seu motor. Já era assim durante o tempo dele como militar de baixo escalão, quando planejou detonar uma bomba na lavanderia de uma caserna para obter um soldo mais alto.

A coisa continuou quando, no começo dos anos 90, ele se tornou o deputado cuja marca registrada era insultar outros cidadãos, sobretudo da esquerda ou de minorias, desejar-lhes morte, violência e tortura. Repetidamente em sua carreira, Bolsonaro defendeu a ditadura militar brasileira e, sem inibições, expressou fantasias totalitárias.

Como presidente, aperfeiçoou o método da quebra de tabu. Desde a posse, em janeiro de 2019, ele e seus filhos, assim como um círculo de deputados, assessores e propagandistas fiéis, bombardeiam o país semanalmente com novos descalabros, mentiras, provocações e ameaças. Elas não são a exceção, mas sim a regra.

Esse método serve para criar uma sensação constante de estado de exceção. "O caos é uma escada", diz Petyr Baelish, o sinistro conselheiro dos poderosos da série Game of Thrones. Esse é o princípio do bolsonarismo: na escada do caos agitado por ele próprio, ele quer subir cada vez mais e ampliar seu poder.

A lenda dos bravos generais

É por essa ótica que se deve ver a renúncia forçada dos três chefes das Forças Armadas brasileiras. Como tantas vezes nos últimos anos, diversos observadores, sobretudo correspondentes estrangeiros, falam de "caos no Brasil" e perguntam como interpretar a coisa toda. Alguns já anunciam o breve fim da presidência Bolsonaro, tendo perdido o apoio dos militares.

A leitura mais costumeira afirma: generais corajosos se opuseram a Bolsonaro para protestar contra sua tentativa de instrumentalizar as Forças Armadas para seus fins políticos. Ele teria pretendido empregar o Exército contra os lockdowns antipandemia decretados pelos governadores, além de ter contado com mais cobertura na eterna luta com o Supremo Tribunal Federal, que barra alguns de seus intentos mais radicais.

Com a tomada de posição conjunta, os líderes do Exército, Marinha e Aeronáutica teriam agora demonstrado que as Forças Armadas não são um instrumento bolsonarista, mas sim do Estado, e que estão firmemente plantados no solo da Constituição democrática. Até mesmo a esquerda brasileira exultou diante dessa suposta sensatez dos generais.

Na verdade, por trás dos acontecimentos se oculta a lógica interna do bolsonarismo, a do agravamento constante da crise. Em meio à pior fase da pandemia – uma média de cerca de 3 mil brasileiros morre a cada dia de covid-19 – Bolsonaro invoca um conflito com os máximos escalões militares, por supostamente não serem suficientemente fiéis ao regime.

Não é uma ruptura com os militares, em si, mas sim com os velhos senhores do Supremo Comando. Ao mesmo tempo, é um sinal para que os escalões mais jovens, mais baixos e também mais politicamente radicais, se atrelem mais firme ao presidente. "Esta é a tua chance", é a mensagem aos oficiais cujo entusiasmo por Bolsonaro era, desde o início, maior do que o dos generais, para quem o capitão da reserva era antes um bizarro estranho no ninho.

Um bolsonarismo mais perigoso

O cancelamento dos três chefes de armas aponta, ao mesmo tempo, para uma radicalização ainda maior do bolsonarismo. Para ele, já não basta mais procurar seus inimigos do lado de fora, ou seja, na esquerda. Agora é excluído quem não seja suficientemente bolsonarista.

Já foi assim com diversos ex-ministros, sendo os exemplos mais notórios os ex-chefes de pasta da Justiça Sérgio Moro e da Saúde Henrique Mandetta. Hoje, eles são vistos no movimento bolsonarista como traidores e infiltrados pela esquerda.

A ação de faxina continua agora com os veteranos militares. Quem expresse crítica ou hesitação é isolado e condenado como herege pelos tribunais bolsonaristas nas redes sociais. Desse modo, o bolsonarismo se encurrala cada vez mais – o que não é o prenúnco de nada de bom: o movimento deve se tornar mais paranoico, mais incalculável e mais perigoso.

Do outro lado dos turbulentos acontecimentos da semana corrente, estão os militares, que são saudados de todos os lados com atestados de responsabilidade político-estatal, mesmo por parte das forças esquerdistas e moderadas. Mas a verdade é que as Forças Armadas até hoje fomentam o circo bolsonarista.

Segundo o Tribunal de Contas, mais de 6 mil militares têm cargos no governo – mais da metade do que sob o presidente Michel Temer, que começou com a nomeação em massa dos uniformizados. Outra estimativa chega a 342 militares nos postos mais altos e mais bem pagos da já gigantesca maquinaria governamental de Brasília.

Eles estão por toda parte, do palácio presidencial aos órgãos ambientais, passando pelo Ministério da Saúde, e comandam quase um terço das firmas estatais. Não é sem motivo que observadores comparam o quadro ao da Cuba ou da Venezuela, onde numerosas empresas estão nas mãos dos militares.

Subindo a escada até despencar

Por isso não se pode falar de um racha entre as Forças Armadas e Bolsonaro. Nos pontos políticos fundamentais, reina consenso: a interpretação da ditadura militar como revolução necessária para deter o comunismo; o total rechaço de um processamento judicial da ditadura; o prosseguimento da ocupação e exploração da Amazônia, também das reservas indígenas; e, claro, a entrega dos cargos lucrativos aos homens de uniforme.

Portanto a explicação das renúncias dos chefes militares é menos uma questão de diferenças de opinião fundamentais do que de considerações táticas. Os militares procuram se distanciar da catastrófica política de Bolsonaro na crise do coronavírus.

Até alguns dias atrás, essa política ainda era codefinida pelo general Eduardo Pazuello, enquanto ministro da Saúde. Agora os generais parecem ter notado que, em algum momento, poderão ser responsabilizados pelos cerca de 3 mil brasileiros mortos diariamente.

Sobretudo os conservadores queriam ver, até agora, os militares como força equilibradora no governo Bolsonaro. Ao contrário dos ideólogos (malucos) encabeçados pela ministra da Família Damares Alves, e do ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo (agora afastado), os uniformizados teriam um efeito moderador e procurariam soluções pragmáticas.

Essa lenda não é mais sustentável desde a pandemia de covid-19. O Brasil está diante de uma catástrofe do sistema de saúde pela qual é o próprio culpado. As Forças Armadas aparentemente agora querem fazer de conta que não têm qualquer responsabilidade por isso. Para Bolsonaro, a confusão resultante é a chance de ocupar com seus acólitos cargos importantes no aparato militar.

O caos é uma escada. Por ela se sobe, até que se despenca. A escada de Bolsonaro balança, mas ele ainda continua subindo.

Philipp Lichterbeck é colunista e correspondente da DW no Brasil. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW. Publicado em 31.03.2021.

Anvisa aprova uso emergencial da vacina da Johnson & Johnson

Ministério da Saúde fechou a compra de 38 milhões de doses da vacina contra covid-19, que requer apenas uma aplicação. Lotes só devem chegar no segundo semestre.

Vacina tem eficácia média de 66%

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou nesta quarta-feira (31/03) o uso emergencial da vacina contra a covid-19 em dose única desenvolvida pela Janssen, braço farmacêutico da Johnson & Johnson.

Na terça-feira, o laboratório já havia obtido da Anvisa o certificado de boas práticas de fabricação.

Seguindo a recomendação da área técnica da Anvisa, a maioria dos diretores votou pela permissão de uso com base em uma avaliação de que os benefícios superam os riscos. O imunizante poderá ser aplicado em pessoas com mais de 18 anos, com ou sem comorbidades. 

No começo do mês, o Ministério da Saúde fechou contrato com a empresa para a aquisição de 38 milhões de vacinas. Segundo a pasta, 16,9 milhões de doses devem ser entregues em agosto e mais 21,1 milhões em novembro.  

O imunizante da Janssen envolveu testes clínicos realizados em diferentes países, inclusive o Brasil. 

Ao contrário das vacinas da Pfizer-Biontech, da Moderna, da AstraZeneca-Oxford e da Caronavac, que requerem a administração de duas doses, a vacina da Johnson & Johnson é aplicada em dose única, o que facilita a logística de campanhas de vacinação.

No fim de janeiro, a Johnson & Johnson informou que sua vacina de dose única tem eficácia média de 66% na prevenção da covid-19. Os testes foram feitos em três continentes, e o imunizante mostrou resultados robustos, em diferentes níveis, também contra mutações do coronavírus, sobretudo para evitar casos graves.

No ensaio com quase 44 mil voluntários, o nível de proteção contra a covid-19 moderada e severa variou de 72% nos Estados Unidos a 66% na América Latina e 57% na África do Sul, onde uma variante preocupante se espalhou. Contra casos graves da doença e hospitalizações, a eficácia foi de 85%.

A vacina pode ser armazenada por pelo menos três meses em temperaturas de 2 ºC a 8 ºC. Em temperaturas de 20 ºC negativos, ela pode ficar estável por dois anos.

As vacinas da Pfizer-BioNTech e a da AstraZeneca-Oxford já obtiveram o registo definitivo para aplicação na população brasileira. Já a Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, recebeu a autorização para uso de emergência.

Deutsche Welle / Brasil, em 31.03.2021