sexta-feira, 2 de abril de 2021

Braga Netto se espreme entre o golpismo de Bolsonaro e a insatisfação do alto comando do Exército

General da reserva, tido como leal ao presidente, foi escolhido quando militares, que nunca tiveram tanto poder na democracia, calculam os danos de estarem tão ligados a um Governo em crise

O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, quando apresentou nesta quarta-feira, 31 de março, os três novos comandantes das Forças Armadas. (Crédito da foto: Eraldo Peres, Associated Press / Eraldo Pires).

Os planos futuros do presidente Jair Bolsonaro passam pelo general Walter Braga Netto. Nomeado para o Ministério da Defesa na terça-feira, o alto oficial do Exército passou a coordenar as Forças Armadas num momento em que o presidente, acuado pela crise sanitária e pelo Congresso, escancara sinalizações golpistas ao ameaçar pedir um estado de sítio enquanto seus mais próximos apoiadores insuflam tensões nas polícias militares pelo país. Diante de um Planalto que a todo tempo explora uma espécie de simbiose com as Forças Armadas, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva tentou evitar um envolvimento ainda maior dos militares no Governo, e por isso acabou demitido da pasta. Mas esse movimento de Bolsonaro acabou se voltando contra ele com a renúncia dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Foi um ato de protesto. Essa tripla substituição evidenciou que as altas patentes, sobretudo o alto comando do Exército, não estão satisfeitas com o rumo do Governo e para os danos de imagem que essa associação lhes causa. Enquanto desfrutam do maior poder e presença em uma Administração desde o fim da ditadura, em 1985, agora ensaiam um afastamento político num momento em que o Brasil, isolado internacionalmente, tem uma média diária de 3.000 mortos por covid-19. É neste contexto que Braga Netto guiará a Defesa numa saia justa, espremido entre essa insatisfação e a lealdade a Bolsonaro, após a maior crise militar desde a redemocratização.

Braga Netto foi alavancado como figura pública em fevereiro de 2018, quando o então presidente Michel Temer (MDB) decretou uma intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro e designou o general quatro estrelas como interventor. Na ocasião, vendeu-se a imagem de um servidor discreto, com bagagem técnica e capacidade operacional. Contudo, pecava pela falta de transparência. Evitava exposições públicas, impedia a imprensa registrar boa parte de suas falas e não admitia questionamentos a seu trabalho à frente da segurança pública fluminense.

O general tido como “moderno”, de uma geração posterior a que serviu durante a ditadura militar, foi o mesmo que lançou nesta semana um comunicado determinando a celebração do golpe de 1964. Convém dizer que nisso ele pouco difere de Azevedo e Silva, que divulgou comunicados similares nos anos anteriores. “Essa nota de Braga Netto foi uma compensação pra diminuir a pressão. Mas essa tradição de se celebrar o golpe sempre existiu dentro do Exército”, destaca Carlos Fico, historiador da UFRJ e estudioso da ditadura militar brasileira. Mas essa tradição do Exército não era chancelada pelo Ministério da Defesa, que desde 1999 era comandado por civil —até Temer quebrar a prática, em 2018.

Braga Netto abraçou publicamente o bolsonarismo ao entrar no Governo em fevereiro de 2020, assumindo o posto de ministro-chefe da Casa Civil. Nesse momento ainda estava na ativa, algo que por si só denuncia a relação umbilical entre as Forças Armadas e o Governo Bolsonaro. Junto com o general Luiz Eduardo Ramos, que também seguiu na ativa por um tempo após entrar no Governo, compõe o núcleo duro mais próximo do presidente. Manteve seu perfil discreto, mas nos bastidores ajudou a ofuscar e a desautorizar o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que caiu em meio à primeira onda da pandemia, em abril de 2020. Nos meses seguintes, Braga Netto se manteve ao lado de Bolsonaro chancelando todo o negacionismo presidencial com relação à pandemia de coronavírus. Ao mesmo tempo, chancelou a aproximação do Planalto com o Centrão, o grupo de partidos de centro-direita que agora apoia o Bolsonaro em troca de cargos públicos e verbas.

A principal dúvida que paira sobre Braga Netto é se ele manterá as Forças Armadas como “instituições de Estado”, como afirmou Azevedo e Silva em sua carta de despedida. “A tentativa é de mostrar que há limites para a politização, os militares estão se desgastando e é muito negativo ficar atrelado ao Governo. Existe uma desqualificação total das Forças Armadas”, explica Fico.

O problema é que as Forças Armadas já não são somente instituições do Estado, mesmo com a renúncia dos comandantes para demonstrar um afastamento político. Atualmente, 92 militares dirigem estatais e mais de 6.000 ocupam postos civis no Executivo federal. Estão na presidência da Petrobras, dos Correios, do Incra, da Funai, entre outros órgãos de importância. “Os militares continuam de maneira promíscua com Bolsonaro”, explica Fico.

A discordância com Azevedo e Silva era menos ideológica e mais sobre o grau de participação no Governo Bolsonaro. O primeiro defendia que os militares ocupassem apenas os cargos no Gabinete de Segurança Institucional e nas Forças Armadas. Mas vem de Braga Netto, e também de Ramos —que após a dança das cadeiras ministerial foi para a Casa Civil—, as principais indicações de militares para ocupar postos no Governo. A principal aposta foi a ida do general da ativa, Eduardo Pazuello, para a Saúde. O resultado é conhecido: quando deixou a pasta, o país já havia superado a marca de 300.000 mortes enquanto o programa de vacinação patinava. Pazuello também é alvo de uma investigação formal da Polícia Federal sob acusação de ter sido negligente na crise onde faltou oxigênio em Manaus, no Amazonas.

Exército bolsonarista

A demissão de Azevedo e Silva foi uma forma de Bolsonaro dizer que ele é o “comandante-em-chefe” das Forças Armadas. Que o Exército é “seu”, como ele já disse literalmente, e é ele quem manda, caso deseje usar a força contra as medidas de distanciamento dos governadores ou decretar um estado de defesa ou de sítio ―o que exige aprovação do Congresso, um obstáculo concreto. O presidente também desejava que o anterior comandante do Exército, Edson Pujol, se posicionasse nas redes sociais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recuperou os direitos políticos graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, a exemplo do que fez um de seus antecessores, o general Eduardo Villas Bôas, em 2018. Não conseguiu.

Até o momento, Bolsonaro não colheu louros da crise político-militar que ele mesmo causou. Não conseguiu emplacar quem gostaria para o comando do Exército e teve de engolir o general Paulo Sérgio, tido como moderado e um seguidor da doutrina de Pujol. Em entrevista para o jornal Correio Braziliense, Paulo Sérgio relatou como aplicou com sucesso medidas de isolamento social no Exército e conseguiu que os soldados exibissem taxas menores de contaminação pelo novo coronavírus do que na média do país.

“A gente não sabe quais são os desígnios do presidente. Ele quer dar um autogolpe, quer intimidar ou quer dar demonstração de força?”, questiona Fico, que acredita que a crise foi desatada para retirar os holofotes das derrotas políticas do bolsonarismo, como a saída de Ernesto Araújo, um dos mais ligados à base radical do presidente, do Ministério das Relações Exteriores. “Hoje não vejo espaço para nenhum tipo de aventura institucional”, conclui o historiador.

FELIPE BETIM, de São Paulo para O EL PAÍS, em  01 ABR 2021 - 20:04 BRT

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