quinta-feira, 28 de julho de 2022

Presidente de tribunal militar diz que Forças Armadas não têm que se envolver em eleições

Papel dos militares é 'garantir que processo seja legítimo e, ao final, tenha o respaldo popular', diz

General Luis Carlos Gomes Mattos, que deixa a presidência do STM nesta quarta (27) - Alan Marques - 17.ago.11/Folhapress

Em seu último dia como presidente do STM (Superior Tribunal Militar), o general de Exército Luis Carlos Gomes Mattos afirmou nesta quarta-feira (27) que a condução das eleições é de responsabilidade da Justiça Eleitoral, e não das Forças Armadas.

"A Justiça Eleitoral é responsável pelo funcionamento real daquilo [eleições]. Nossa missão é diferente. Não temos que nos envolver em nada. Nós temos que garantir que o processo seja legítimo, essa é a missão das Forças Armadas", afirmou a jornalistas após a sua cerimônia de despedida, na sede do STM.

"Nós vamos atuar dentro daquilo que está previsto para garantir que o processo seja legítimo e ao final tenha o respaldo popular", afirmou.

​Mattos deixa o tribunal devido à sua aposentadoria compulsória ao completar 75 anos, idade máxima para ocupar o cargo. Ele também deixa o serviço ativo do Exército. Em seu lugar, o general de Exército Lúcio Mário de Barros Góes assumirá a presidência do STM.

Na cerimônia de despedida estavam presentes o ex-ministro-chefe da Casa Civil Walter Braga Netto, que será o candidato a vice na chapa do presidente Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, e também o ministro Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Ambos são generais da reserva.

O general Mattos ingressou no STM em outubro de 2011 e se tornou presidente da corte março de 2021.

Desde o começo do ano, militares e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) entraram em uma crise, atiçada por manifestações golpistas de Bolsonaro, que, sem provas, pôs em dúvida a segurança das urnas eletrônicas.

Em maio, a corte eleitoral rejeitou sugestões dos militares para alterar o processo eleitoral deste ano. Na negativa, os técnicos do TSE disseram que os militares confundiram conceitos e erraram cálculos ao apontar risco de inconformidade em testes de integridade das urnas.

Na crise com o TSE no começo do ano, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, demorou um mês para responder ao órgão. Em ofício, ele disse que os militares se sentiam desprestigiados pela corte na discussão sobre transparência do sistema eleitoral.

"Até o momento, reitero, as Forças Armadas não se sentem devidamente prestigiadas por atenderem ao honroso convite do TSE para integrar a CTE [Comissão de Transparência das Eleições]", escreveu.

José Marques, de Brasília para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 27.07.22.

A chance da terceira via

Num mundo de raposas, a vez do porco-espinho

A senadora Simone Tebet construiu sua candidatura com a precisão de um ourives e hoje é mais uma alternativa para a desejada "terceira via". Articulou bases sólidas no MDB e no PSDB mas, sendo necessário, isso não é suficiente. Junto com Ciro Gomes, ela patina na pobreza de um só dígito nas pesquisas.

Faltam pouco mais de cem dias para uma eleição que parece polarizada. Bolsonaro quer um novo mandato, mas seu nome tem mais de 50% de rejeição. No caso de Lula, o repúdio oscila entre 33% e 43%. Especular sobre eleição antes do início da campanha é algo semelhante aos palpites sobre o desempenho das seleções antes do início dos jogos da Copa do Mundo.

Mesmo assim, 2022 produziu duas surpresas reveladoras: descarrilaram as candidaturas de João Doria e Sergio Moro. Um governava São Paulo com bom desempenho. O outro havia sido uma das personalidades de maior densidade política do país. Ajudou a eleger Bolsonaro, sentou-se à sua mão direita e desceu aos infernos.

Doria e Moro reluziam na pista como verdadeiros aviões e não decolaram. Ambos descarrilaram pelos mais diversos motivos, mas na essência, deixaram de responder à seguinte pergunta:

O que o senhor vai colocar na minha mesa, em matéria de emprego, saúde e educação, noves fora platitudes ou bondosas generalizações?

(O Brasil voltou ao mapa da fome e o salário mínimo já não compra uma cesta básica.)

Faz tempo, quando o país vivia a hiperinflação, Fernando Henrique Cardoso percebeu que venceria a eleição de 1994 ao ver uma pessoa empunhando uma nota de um real num comício.

Até agora, Simone Tebet e Ciro Gomes já se comprometeram a tentar acabar com o mecanismo da reeleição, principal fator de envenenamento e corrupção da política nacional. Mesmo assim, é pouco, pois não responde à pergunta de um milhão de votos.

A terceira via só ficará de pé, se ficar, quando seus postulantes deixarem de lado as marquetagens e responderem à pergunta fatal. Lula e Bolsonaro, cada um à sua maneira, têm o acervo dos próprios governos.

Simone Tebet atravessou com brilho a preliminar da articulação e a possibilidade de ter Tasso Jereissati como companheiro de chapa aumenta suas chances. Mesmo assim a pergunta continua lá.

De certa maneira, a resposta tem que sair da alma do candidato. Itamar Franco pareceu doido ao botar Fernando Henrique Cardoso no ministério da Fazenda. Ele, com seus modos civilizados e alma tolerante, devolveu ao país a noção de moeda.

Ficou oito anos no poder e as crises sempre saíam do palácio menores do que pareciam ao entrar. Nos últimos quatro anos viveu-se o contrário. O presidente sai do palácio e vai a uma padaria criar problemas que não existem (as urnas eletrônicas), oferecendo soluções fantásticas (nióbio, grafeno e cloroquina).

A política brasileira está cheia de raposas. Há as que decifram pesquisas, há as que concebem planos econômicos e há as que confiam nas suas agendas de telefones e de endereços eletrônicos. Todas elas respondem a quaisquer perguntas, menos à do prato.

Como lembrou o filósofo Isaiah Berlin recuperando uma lição dos gregos: "A raposa sabe muitas coisas, mas o porco-espinho sabe uma só e muito importante". ​

Elio Gaspari, o autor deste artigo, é Jornalista. Autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada". Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 28.07.22


Recado aos fardados

Reunião de ministros da Defesa mostra que não há tolerância com o golpismo no continente

Poucas instituições foram tão afetadas pela chegada de Jair Bolsonaro (PL) ao poder quanto as Forças Armadas. A proximidade com o governo, para não dizer cumplicidade, pôs a perder décadas de esforço dos militares para promover a imagem de profissionalismo e subordinação à ordem constitucional.

O problema maior são as atitudes ambíguas de oficiais de alta patente diante dos interesses do governo, como atesta o caso do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que até alguns meses atrás era o chefe do Exército.

Nesta terça (26), em reunião com ministros da Defesa de todo o continente, coube a Oliveira reafirmar o compromisso do Brasil com a Carta Democrática Interamericana, documento da Organização dos Estados Americanos que impõe o respeito à democracia a todos os integrantes do grupo.

Em condições normais, a declaração do ministro brasileiro seria apenas uma platitude. Tornou-se notícia justamente porque os militares não cessam de dar sinais de alinhamento ao golpismo de Bolsonaro.

No mais preocupante deles, as Forças Armadas, que ficaram duas décadas sem questionar a segurança das urnas eletrônicas, passaram a alimentar o discurso bolsonarista sobre fraudes, das quais não existe nem sombra de indício.

Oliveira foi um dos que se associaram com entusiasmo às fantasias presidenciais nos últimos tempos. Vindo dele, a reafirmação do compromisso com os princípios da OEA não deixa de ser um reconhecimento de que não há tolerância para aventuras e tumulto na região.

Não foi outro o sentido do recado transmitido ao ministro pelo secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin. Os americanos esperam que o Brasil mantenha a tradição e realize eleições limpas neste ano.

A proximidade do presidente com os militares, obtida com concessões corporativistas e cargos, criou outros problemas. Mais espaço no governo também significa mais espaço para corrupção e erros administrativos, que atraem a atenção dos órgãos de controle e corroem a imagem das Forças Armadas.

Como a Folha noticiou, desde o início do governo o Tribunal de Contas da União já condenou ao menos 28 militares por má utilização de recursos públicos —incluindo casos abertos na atual gestão.

Se a associação com Bolsonaro pode ter feito bem às finanças pessoais de um ou outro oficial, é cada dia mais evidente que ela pode ser devastadora para a instituição.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 28.07.22 (editoriais@grupofolha.com.br)


quarta-feira, 27 de julho de 2022

‘Marechalcracia’: Previdência militar precisa mudar

Entre outras vantagens, a integralidade garante ao militar o direito de se aposentar com a maior remuneração da carreira, independentemente da média

O Portal da Transparência lista dezenas de marechais na folha de pagamento do governo, o que é à primeira vista surpreendente porque o título só existe em época de guerra. Eles podem inclusive ter participado do governo: segundo os dados oficiais são marechais Augusto Heleno (GSI), Joaquim Luna e Silva (Petrobras e Itaipu) ou Eduardo Villas Bôas (assessor na Presidência).

A explicação é prosaica: por uma regra anacrônica, militares que se “aposentam” sobem de patente. Por isso os generais viraram marechais. No Brasil, marechal é só um general aposentado.

Há ainda outras regras distorcidas na “previdência” militar. Voltamos a falar delas porque, na última semana, a Folha reportou que oficiais estariam em diálogo com o entorno de Lula. Teriam pleitos para o seu governo. Entre eles, o de que não revogasse a reforma da previdência dos militares.

Eu também pediria. Imagine se aposentar sem idade mínima e sem ter de contribuir nada para a aposentadoria? Os militares ainda hoje contribuem somente para a pensão por morte, mas não para a “aposentadoria”.

Segundo Portal da Transparência, general Augusto Heleno é um dos marechais na folha de pagamento do governo.

Em tese, ela não existiria: militar não se aposenta, vai para reserva. Em outros casos, espertamente, a reserva remunerada é equiparada a uma aposentadoria – por exemplo, para que marechais possam acumular aposentadoria e salário no governo usando a regra de acúmulo que existe para os servidores, sem que esbarre no teto remuneratório.

Mas a grande vantagem do sistema, que não existe em outros países e não está disponível para os demais cidadãos, é o que se chama de “integralidade”. Não foi alterada nem na última reforma.

A vantagem dá o direito de se aposentar com a maior remuneração da carreira, independentemente da média (como ocorre no INSS). Alega-se que o direito é necessário para que um militar de uma determinada patente não ganhe menos do que um de patente inferior. Balela, porque mudar o cálculo para a média não afeta quem está na ativa. O eventual constrangimento com perda de hierarquia no trabalho não existe.

Outras carreiras hierarquizadas não têm a integralidade: como policiais civis, magistrados, diplomatas. Não é o fim do mundo um embaixador inativo ganhar menos do que um conselheiro ou ministro da ativa, ou um desembargador aposentado, menos do que um juiz em atividade.

Enquanto você lia este texto, o País gastou R$ 200 mil com o déficit da previdência militar. São R$ 130 milhões por dia, ou R$ 47 bilhões neste ano. Mais do que o orçamento de quase todos os ministérios. Tem de mudar, sim.

Pedro Fernando Nery, o autor deste artigo, é doutor em economia e colunista d'O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 26.07.22

Aliados de Tebet veem mais potencial eleitoral de dupla feminina do que com Tasso

Embora seja um nome destacado na política, Tasso Jeiressati (PSDB) agrega pouco em termos eleitorais a Simone Tebet (MDB), que tenta se viabilizar como representante da terceira via na eleição. 

Aliados dela fazem elogios ao tucano mas afirmam que números captados pela campanha em pesquisas qualitativas indicam que uma dupla feminina teria mais impacto eleitoral, com capacidade de criar um fato político para impulsionar a candidatura dela, estagnada ao redor de 2% das intenções de voto. 

Alguns nomes chegaram a ser ventilados, como o da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), mas a maranhense Eliziane Gama (Cidadania) conquistou apoio por reunir três características: é nordestina, evangélica e tem a confiança de Tebet.

SER OU NÃO SER. A campanha de Tebet diz que a vice com Tasso “não é eleitoral, mas simbólico” e que, mesmo se ele deixar o posto – o que eles ainda colocavam em dúvida -, seguirá atuando em prol da candidata, que ele ajudou a construir e a conquistar apoios no PSDB.

Mariana Carneiro, Julia Lindner e Gustavo Côrtes / O Estado de S. Paulo, em 27.07.22

A sociedade reage ao arreganho bolsonarista

Ante a gravidade da ameaça de Bolsonaro à democracia, reiterada perante embaixadores estrangeiros, a nova mobilização da sociedade civil precisa ser estimulada

O presidente Jair Bolsonaro pode sentir-se acima da lei, do decoro e da honestidade intelectual – e continuar difamando as urnas eletrônicas, criando animosidade contra as instituições e tentando criar um ambiente propício à desordem e à ruptura institucional. No entanto, se pensava que não haveria reação da população, enganou-se. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tolera sua escalada de afronta às eleições. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também. Mas a sociedade não. Há limites.

Depois da reunião do dia 18 de julho com embaixadores, na qual Jair Bolsonaro disse ao mundo que a democracia brasileira não era confiável, o País acordou. Houve um sem-número de depoimentos de entidades e pessoas que participaram e ainda participam do processo eleitoral atestando a lisura e a segurança do nosso sistema de votação e apuração. A democracia brasileira não está nas mãos de algumas poucas pessoas. É uma construção coletiva, robusta e admirada – aqui e no mundo inteiro.

Além disso, os últimos ataques de Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral suscitaram na população uma nova compreensão da dimensão e gravidade das ameaças do bolsonarismo ao Estado Democrático de Direito. Em número crescente, entidades e lideranças civis vêm cerrando fileiras em defesa da integridade das eleições e da Justiça Eleitoral. Não há espaço para retrocesso.

Uma das iniciativas é a reedição da Carta aos Brasileiros de 1977, de autoria do jurista Goffredo da Silva Telles Júnior. Lido em agosto daquele ano na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o documento manifestava repúdio ao regime militar e pedia a volta da democracia. A ser lida no mesmo local, no próximo dia 11 de agosto, pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, a nova Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito denuncia o “momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”.

“Independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições”, diz o manifesto deste ano do Largo de São Francisco, recordando que “são intoleráveis as ameaças aos demais Poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”.

É surpreendente – e tristemente sintomático dos tempos atuais – que a sociedade brasileira precise reafirmar, como diz a carta a ser lida nas Arcadas, que “ditadura e tortura pertencem ao passado” e que “a solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições”. A boa notícia, a confirmar o isolamento dos autoritários, é que o documento vem recebendo amplo apoio dos mais diversos setores da sociedade brasileira. Ninguém preocupado com o País quer saber de bagunça com as eleições ou de ruptura da ordem constitucional.

Entre outras muitas iniciativas em defesa da democracia, vale destacar uma manifestação da Academia Paulista de Letras por sua contundência. “O roteiro para a contestação do resultado das urnas se desenvolve sob as vistas de todos e ameaça repetir, como farsa, a história de ataque às instituições, como ocorreu nos EUA”, diz o texto. “Nesse quadro de incertezas e grandes riscos, a Academia Paulista de Letras conclama a sociedade civil a manter-se atenta na defesa do Estado Democrático de Direito, das instituições, da segurança do sistema eleitoral e do respeito ao resultado da manifestação dos eleitores.”

Como a confirmar os piores temores, o governo de Jair Bolsonaro vestiu a carapuça. Para o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), as manifestações em defesa das eleições são um ataque ao presidente da República. Sem nenhum pudor, o Palácio do Planalto escancara que não está do lado da democracia. A sociedade tem motivo, portanto, para estar alerta. Os liberticidas e autoritários não passarão.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 27.07.22

Tasso abre mão de ser vice de Tebet e PSDB deve indicar nome

MDB, PSDB e Cidadania devem confirmar apoio à candidatura de Tebet à Presidência nesta quarta-feira, mas senador tucano desistiu de participar da chapa

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) decidiu que não será candidato a vice na chapa presidencial da também senadora Simone Tebet (MDB-MS). O mais provável é que o novo vice seja indicado pelos tucanos. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) estava cotada para assumir o posto.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) ganhou destaque nacional na CPI da Covid, assim como Simone Tebet.

Apesar de ser um dos maiores defensores do nome de Tebet dentro do PSDB, o cearense já vinha demonstrando que não tinha disposição para participar das eleições. Tasso também não vai concorrer a um novo mandato no Senado. Contribuiu para a desistência do tucano a dificuldade de MDB e PSDB equacionarem alianças e candidatos nos estados.

Aliados da senadora têm outra explicação para a retirada do nome do tucano. Sondagens teriam apontado que sua imagem não renderia dividendos políticos à chapa e a alternativa pensada, que tem a simpatia da própria Tebet, é a também senadora Eliziane do Cidadania.

O MDB deve confirmar amanhã, 27, o nome de Tebet como candidata a presidente. O evento vai ser virtual. Uma ala do partido, que prefere apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno, tentou adiar a convenção e fazer com que a reunião fosse presencial, mas não conseguiu ter sucesso.

PSDB e Cidadania, que formam uma federação, também vão fazer a convenção no mesmo dia, em Brasília, e devem confirmar o apoio a Tebet. Tasso havia sido convidado pelo ex-presidente Lula para participar de uma reunião em São Paulo no mesmo dia da convenção do PSDB, mas recusou o convite e vai estar em Fortaleza (CE), onde participa das articulações das eleições locais. O parlamentar vai participar de forma remota do evento tucano que irá sacramentar apoio a Tebet. Por meio de nota, o senador deixou a decisão no ar. 

“Fui um dos primeiros a manifestar meu entusiasmo pela candidatura da Simone. Acho uma candidatura preparadíssima, e ela é capaz de unir o Brasil”, diz o texto. “No entanto, a definição da vice depende de uma série de conversas e entendimentos internos de sentido político e eleitoral, em que o propósito final será encontrar aquilo que seja o melhor para a candidatura. Qualquer que seja a decisão, estarei do lado dela.”

O ex-presidente petista chegou a ligar para o cearense no domingo, 24, para pedir apoio do PSDB ao pré-candidato do PT ao governo do Ceará, Elmano de Freitas. O PSDB também avalia apoiar o PDT de Ciro Gomes no Estado. Não há ainda uma definição sobre uma aliança entre tucanos e petistas no Ceará e, de acordo com aliados de Tasso, uma decisão só deve ser tomada em agosto, perto do fim do prazo das convenções (dia 5).

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, disse ao Estadão que Tasso estava resistente a entrar na disputa eleitoral. “O Tasso pessoalmente está discutindo se está com condições de concorrer, disposição”, afirmou.

Ontem, 25, em entrevista à Globo News, Simone Tebet, que antes dava como certa a indicação de Tasso como seu vice, disse que o cearense pode contribuir de outras formas para sua campanha caso não esteja na chapa. “Tasso é um irmão político que tenho, uma das últimas referências vivas ativas daquela velha guarda da grande política que resolvia os problemas reais do Brasil. Ele estará como vice, ou no palanque, ou como coordenador da nossa campanha”, declarou a emedebista.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) deve ser confirmada candidata da coligação formada por MDB, PSDB e Cidadania nesta quarta-feira; ela minimizou a ausência de Tasso na chapa: "Ele pode contribuir de muitas formas". Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Mesmo com o apoio formal do PSDB ao MDB na eleição presidencial, os diretórios estaduais tucanos já decidiram apoiar outros presidenciáveis. Em Minas, o PSDB já declarou apoio a Ciro Gomes (PDT), e em São Paulo e no Rio Grande do Sul, o partido abriu palanque para Luciano Bivar (União Brasil). Dos nove Estados onde o PSDB vai ter candidato a governador (SP, MG, SE, PB, PE, MS, RS, GO e DF) o MDB já decidiu que irá concorrer contra eles em sete. Até agora o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que concorre à reeleição, é o único tucano a ter o apoio do MDB. No Rio Grande do Sul há uma articulação para que Eduardo Leite (PSDB) tenha o apoio dos emedebistas, mas ainda sem conclusão.

Lauriberto Pompeu / O Estado de S. Paulo, em 26.07.22

Simone Tebet reúne apoio da maioria em convenção do MDB após derrota de Renan

Senadora deverá ser homologada como candidata à Presidência da República nesta quarta-feira depois de pacificar o partido

Senadora Simone Tebet deve ser homologada candidata com o apoio de ampla maioria do partido 

Após o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, indeferir pedido do prefeito de Cacimbinhas (AL), Hugo Wanderley, aliado do senador Renan Calheiros (MDB-AL), para adiar a convenção do MDB, a senadora Simone Tebet (MS) deve ser homologada com o apoio de ampla maioria do partido como candidata à Presidência da República nesta quarta-feira, 27.

Segundo integrantes da ala pró-Lula no MDB, o movimento de Renan Calheiros foi um ato isolado e um gesto para “mostrar serviço” ao ex-presidente. Na prática, os diretórios regionais emedebistas estão liberados nos Estados para apoiar quem quiserem.

Convenção do MDB

Com apoio do presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), Simone Tebet conseguiu pacificar a legenda institucionalmente e evitar uma disputa fratricida no dia da convenção. “Atuamos para reposicionar o MDB desde 2019. Lutamos por uma Câmara e o Senado independentes, e recusamos qualquer participação no governo. A candidatura da Simone é o resultado de todo esse processo de renovação democrática do MDB. Ela sempre foi emedebista, tem experiência no Executivo e no Legislativo e fez um grande trabalho no Senado”, disse Baleia Rossi ao Estadão.

Pela primeira vez na história do partido, uma convenção presidencial do MDB será no formato virtual, o que gerou protestos de integrantes da sigla. Mesmo assim, o voto será secreto e o encontro será transmitido ao vivo pelo Youtube..

O PSDB e o Cidadania também realizam suas convenções nesta quarta-feira e vão formalizar o apoio à candidata emedebista, apesar de ainda existirem pendências regionais entre os partidos, em especial no Rio Grande do Sul. A expectativa entre os dirigentes era de que o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) fosse anunciado como candidato a vice, mas o tucano desistiu, nesta terça-feira, 26, de concorrer. A preferida para a vaga é a senadora Eliziane Gama (Cidadania -DF).

“A Justiça Eleitoral devolveu a tranquilidade ao partido e tirou o clima de disputa. Essa será uma convenção homologatória”, disse o ex-deputado federal Lucio Vieira Lima (MDB-BA), que integra o grupo pró-Lula no partido.

A leitura entre caciques do MDB é que o partido deve se manter em rota de aproximação com Lula e apoiar o ex-presidente no 2° turno. Os petistas mantém canais de diálogos abertos até com o ex-presidente Michel Temer, que apoiou o movimento pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Depois da convenção, MDB e PSDB esperam realizar mais dois eventos juntos de lançamento da chapa: um em Três Lagoas (MS), cidade natal de Simone Tebet, e outro em São Paulo. Aliados da candidata esperam que ela conte com R$ 40 milhões dos cerca de R$ 400 milhões do Fundo Eleitoral do MDB, o que seria equivalente a 10% dos 30% reservados à cota de mulheres.

Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo, em 27.07.22

Maior grupo armado do País, CACs lançam 34 candidatos ao Congresso e organizam partido político

Bancada que os CACs querem eleger no Congresso e nos Estados é formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados


Clube de tiro em São Paulo; CACs querem eleger bancada formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados Foto: Gabriela Biló/Estadão - 9/1/19

Os CACs (colecionadores de armas, atiradores e caçadores) se articulam para a partir de 2023 formar uma bancada no Congresso. Em todo o País, há 34 pré-candidaturas a deputado federal, senador e governador de nomes ligados à Associação Proarmas, a mais representativa da classe. Para os legislativos estaduais e distrital, há mais 23 nomes sendo preparados. Nos planos do maior grupo armado do País também está a criação de um partido político. É a primeira vez que esse agrupamento, que supera todos os policiais militares em quantidade de membros (e em arsenal particular registrado em nome desses PMs), se organiza nos Estados e com o Palácio do Planalto para eleger representantes.

A entrada dos armamentistas oficialmente na política é incentivada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). O candidato à reeleição tem recebido lideranças e pré-candidatos do movimento no Planalto para vídeos e fotos manifestando apoio a esses aliados. A estratégia conflita com o que o núcleo da campanha tem se queixado: falta de interlocução de Bolsonaro com apoiadores de outros segmentos, como o meio empresarial.

Graças à política pró-armamento do governo, o total de CACs registrado saltou de 117.467, em 2018, para 673.818 este ano. O montante supera todos os 406 mil policiais militares da ativa que atuam em todo o País e ainda é maior que o efetivo de cerca de 360 mil homens das Forças Armadas.

A movimentação política é vista com preocupação por policiais e por especialistas em segurança pública. Ao contrário da Polícia e das Forças Armadas, os CACs não possuem a hierarquia do meio militar e têm no presidente e no deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) suas maiores referências. Líder do Proarmas, o advogado Marcos Pollon anunciou sua candidatura à Câmara pelo Mato Grosso do Sul dias depois de ser recebido por Jair Bolsonaro no Planalto.

Em vídeo publicado por Pollon no dia 6 de julho, três dias antes de uma grande manifestação dos CACs na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro acenou mais uma vez à classe. “A todos vocês CACs, um grande abraço, parabéns pelo momento, por essa oportunidade, pela iniciativa”, disse. “E parabéns também quem? Marcos Pollon. Parabéns, Marcos.”

O objetivo do movimento Proarmas é eleger candidatos ao Legislativo, em Brasília e nos Estados, para flexibilizar leis que tratam de armamentos. A atuação política, entretanto, já funciona há meses, sob a coordenação de Eduardo. Como mostrou o Estadão, o filho do presidente articulou armamentistas nos Estados para aprovar leis que facilitam o porte de arma aos CACs. Apesar de eles poderem circular armados, o deslocamento tem regras específicas e deve sempre ter um clube de tiro como destino. Com o direito ao porte, as restrições diminuiriam.

O Estadão identificou 27 candidaturas à Câmara e ao Senado de armamentistas e políticos regionais que querem formar em Brasília a “bancada dos CACs”. Além desses, há outros nove políticos com mandato no Congresso que recebem oficialmente o apoio do Pró-Armas para disputas ao Senado a governos estaduais, com a condição de tratar a pauta armamentista com absoluta prioridade. Há ainda 23 candidatos às assembleias estaduais e distritais. Todos estão distribuídos por PL, PMN, Podemos, PP, PRTB, PSC, PTB, PTC e Republicanos, partidos que formam o Centrão.

A bancada que os CACs querem eleger no Congresso e nos Estados é formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados.

Propostas



O principal alvo do grupo é a revogação completa da Lei 10.826/03, o Estatuto do Desarmamento. Há outras propostas em estágio avançado de tramitação, mas que ainda estão em debate, como o projeto 3723/2019, enviado por Bolsonaro. O texto regulamenta as atividades de atiradores esportivos, caçadores e colecionadores de armas e revoga um artigo do Estatuto que exige a venda de munições em embalagens com código de rastreio e de armas com dispositivo de segurança e de identificação gravado no corpo da arma.

A proposta foi aprovada com mudanças pela Câmara em novembro de 2019 e agora tramita no Senado. Em uma live na semana passada, Pollon citou dois textos alternativos de senadores e um terceiro que é “o nosso substitutivo”. “O 3723, por conta das eleições, ele está meio quieto. Evidente que se ele for pautado, eu tenho que ir lá cuidar”, disse o comandante do Proarmas, que não tem cargo público.

Clube de tiro em São Paulo; CACs querem eleger bancada formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados

Nas Assembléias, além da facilitação do porte para CACs, a ideia é ampliar o acesso por meio do barateamento dos preços. No dia 9 de julho, durante encontro do Pró-Armas em Brasília, Eduardo Bolsonaro comemorou, no carro de som, a redução do ICMS para compra de armas em Alagoas. “Um gol de bicicleta”, afirmou. “Atenção, deputados estaduais, segunda-feira, missão: entrar com projeto de lei igual do Cabo Bebeto (PL-AL).”

Candidatos confidenciaram que o crescimento substancial no número de CACs sob Bolsonaro deu à pauta armamentista um potencial para atrair votos. O contingente de mais de 600 mil pessoas não leva em conta os familiares e amigos que também podem ser convencidos a votar nos candidatos do segmento.

“O momento deles é forte. A pauta pró-armas é defendida por centenas de milhares de pessoas, a maioria evangélicas. Eles me escolheram porque conhecem minhas pautas”, afirmou o vereador Devanir Ferreira (Republicanos-ES), que tentará uma vaga na Câmara, à reportagem.

As lojas de armas e os clubes de tiros são vistos pelos articuladores como importantes propagadores das candidaturas. Esses estabelecimentos também cresceram exponencialmente no governo Bolsonaro. Hoje, existem 2.066 clubes em todos os Estados. Alguns têm em seus nomes inspiração nacionalista: Patriotas do Brasil, Pátria Armada, Brasil Atividades de Tiro e Armas Brasil.

“Temos uma rede integrada de apoiadores. Temos representatividade em mais de 300 municípios, entre clubes de tiros, vereadores e lojas. Com o apoio do Proarmas, a gente consegue chegar a mais gente. A pauta não é só armamentista, mas a base é”, disse o Samurai Caçador (PRTB-SP) ao Estadão. Vereador de Monte Azul Paulista, ele vislumbra que o crescimento da pauta lhe renderá pela primeira vez uma cadeira na Assembleia.

A título de ilustração, o número de clubes de tiros no País é maior do que a quantidade de diretórios de dois jovens partidos com representação na Câmara: a Rede e o Novo, ambos deferidos pelo TSE em 2015. O Novo tem 29 e a Rede, 147, segundo dados da Corte Eleitoral. A quantidade de clubes e associações de tiros é quase semelhante ao número de diretórios do PL. A sigla pela qual o presidente Jair Bolsonaro vai concorrer ao Palácio do Planalto tem 2.250 unidades partidárias, das quais 99,2% são provisórias.

Embora os partidos não tenham mais de um diretório por cidade e os clubes não tenham essa restrição, a comparação mostra a velocidade com que as associações crescem no País. São Paulo é a cidade com maior quantidade de clubes, segundo os dados do Exército. São 53. A cidade é seguida por Brasília e Rio. Ambos com 32 clubes, cada.

Partido dos CAC’s

A organização presidida por Marcos Pollon nasceu em 2020 e já é a mais representativa do Brasil. Os próximos planos são ainda mais ambiciosos. “Quando batermos 1 milhão (de apoios), vamos criar um partido político. ‘Ah, por que 1 milhão?’ Porque estou sendo otimista. Estou trabalhando com índice de conversão de 50%”, disse em um entrevista, em fevereiro.

O interesse político de Pollon, anunciado somente após um encontro com Bolsonaro no Palácio do Planalto, contrasta com o perfil de atuação de Bené Barbosa, um outro líder armamentista no qual Pollon se inspirou para criar o seu movimento. Barbosa hoje se dedica a vender cursos de segurança pessoal e domiciliar, mas já foi a principal voz armamentista no Brasil. Ele usou a visibilidade para investir em seus negócios e não migrou para a política de representação. Procurado pelo Estadão para comentar o avanço dos CACs em Brasília, ele preferiu não se manifestar.

Na avaliação de especialistas, são grandes as chances de alguns CACs serem eleitos. O movimento, pautado “não é sobre armas, é sobre liberdade”, ganhou espaço no eleitorado conservador e evangélico. O lema costuma vir acompanhado pelo de “defesa da família” e dos “valores cristãos”. A pauta pró-armas pega carona no bolsonarismo. E vice-versa. Nas redes sociais, os candidatos usam temas como “voupraguerracombolsonaro”.

Contudo, a real força ainda precisará ser testada nas urnas. “É possível que essas pessoas votem em candidatos pró-armas, embora as pesquisas indiquem que maioria da população brasileira não acredita que com as pessoas se armando terão segurança. Mas tem o financiamento pelos clubes de tiro, o aumento do discurso de que significa liberdade. Aumentou a organização do grupo e o governo estabelecido apoia essa pauta. Tem movimento fortalecido, mas ainda não sabemos se vai garantir votos”, disse Carolina Ricardo.

CAC’s x bancada da bala

A tradicional “bancada da bala” da Câmara também defende o armamento, mas avança para temas como endurecimento de penas, tipificação de novos crimes e estruturação das polícias nos Estados. A pauta apresentada pelos candidatos do movimento em geral é restrita ao armamentismo, ao apoio a Bolsonaro e ao antipetismo. Ela pega carona no bolsonarismo, e vice-versa. Nas redes sociais, os candidatos usam expressões como “voupraguerracombolsonaro”.

“Eles não tem uma agenda programática de segurança pública, não é uma agenda de pensamento no País. É uma agenda armamentista e que pega carona com o Bolsonaro para reduzir a esquerda. Dificilmente, se eleitos, trarão ganhos para a ‘bancada da bala’. Possivelmente, vai aderir à agenda tradicional”, opinou Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

Os petistas já planejam mudanças na política de acesso a armas, caso ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja eleito em outubro. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse ao Estadão que a posição histórica do partido “é pelo controle (das armas) nos termos que estão no Estatuto do Desarmamento”.

O parlamentar é o responsável por planejar o tema da segurança pública no programa de governo de Lula. “Certamente, haverá uma reversão dessas medidas que relaxaram o controle de armas no Brasil. A ponto de vender fuzil para integrante do PCC”, disse.

Vinícius Valfré e Julia Affonso / O Estado de S. Paulo, em 26.07.22.

Celso de Mello não lerá, mas assina, a nova edição da Carta aos Brasileiros

No dia 11/8, ocorrerá na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo a leitura do texto "Carta aos Brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito". A princípio, o documento seria lido por Celso de Mello, que classificou o convite como "motivo de profunda e imensa honra e, também, de inexcedível distinção". No entanto, o ministro aposentado do STF teve de rejeitar a oportunidade.

SCO/STF  O ministro aposentado do STF Celso de Mello não lerá o documento no dia 11

Em conversa com o ex-procurador-geral de Justiça de São Paulo Luiz Antônio Marrey, Celso afirmou que é "necessário reagir aos pronunciamentos de um político menor (e medíocre) que busca permanecer na regência do Estado , mesmo que esse propósito individual, para concretizar-se,  seja transgressor do postulado da separação de poderes  e revelador de uma irresponsável desconsideração das instituições democráticas de nosso País !".

A importância do evento, portanto, não pode ser exagerada. Para o magistrado, ex-aluno da USP, "a  escolha do solo sagrado das Arcadas reveste-se de altíssimo significado simbólico , pois nelas , historicamente, sempre floresceram e  têm sido permanentemente cultuados e preservados o espírito da liberdade e o respeito pela democracia".

Celso de Mello relembra ainda que, em momentos delicados para o Brasil, torna-se essencial execrar publicamente posturas antidemocráticas e que ameaçam o Estado Democrático de Direito. "Bolsonaro , além de sua distorcida visão de mundo (“Weltanschauung”) , sustentada e exposta por quem ele realmente é , desnuda-se ante a Nação como um político medíocre e  que,  além de possuir desprezível espírito autocrático,  também expôs-se, em plenitude,  em sua conduta governamental ,  como a triste figura de um Presidente menor ,  sem noção dos limites éticos e constitucionais que devem pautar a conduta de um verdadeiro Chefe de Estado,  capaz de respeitar a autoridade suprema da Constituição da República !!!", diz, na troca com Marrey.

Apesar da recusa em relação à leitura da nova "Carta aos Brasileiros", o ex-ministro pediu para ser incluído entre os signatários do documento.

Leia, abaixo, o texto enviado por Celso de Mello a Luiz Antônio Marrey:

"Caríssimo MARREY ,   O convite feito pelos organizadores  do importantíssimo evento que se realizará, na São Francisco , no próximo dia 11 de agosto  -  e que  me foi gentilmente transmitido por você  -  constituiu , para mim, motivo de profunda e imensa honra e, também,  de inexcedível distinção , seja como antigo Aluno da Faculdade de Direito da USP  (Turma de 1969) , seja como cidadão ,  seja  como Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal !  

Recentemente, escrevi que o presente momento histórico vivido pelo Brasil revela-nos , em tom de grave admonição  , que as instituições democráticas de nosso País e as liberdades fundamentais dos cidadãos  ,  porque expostas a ataques dos hunos que as assediam com o subalterno (e corrosivo) propósito de vulnerá-las , sofrem risco imenso em sua integridade  !!! 

Neste momento delicado , em que o Brasil se situa entre o seu passado e o seu futuro,  avizinha-se, perigosamente, a aproximação de tempos procelosos e nublados , impregnados , por seu efeito desestabilizador , de extrema gravidade e de sérias consequências para o regime democrático ! 

Torna-se importante , por tal razão, que aqueles que respeitam a institucionalidade e que prestam fiel reverência à nossa Constituição reajam - e reajam sempre com apoio e sob o amparo da Lei Fundamental do Brasil -  às  sórdidas manobras golpistas , às  sombrias conspirações autocráticas e às  inaceitáveis tentações pretorianas de submeter o nosso País a um novo e ominoso período de supressão das liberdades constitucionais e de degradação e conspurcação do regime democrático !!!  

Necessário, pois, reagir aos pronunciamentos de um político menor ( e medíocre ) que busca permanecer na regência do Estado , mesmo que esse propósito individual  , para concretizar-se,  seja transgressor do postulado da separação de poderes  e revelador de uma irresponsável desconsideração das instituições democráticas de nosso País ! 

 A resposta do povo brasileiro às graves (e ameaçadoras) manifestações  do atual Presidente da República , indignas da majestosa importância da Lei Fundamental de nosso País, além de necessária e imprescindível , só poderá  ser uma:  insurgir-se  contra as tentações autoritárias e as práticas governamentais abusivas que degradam , deformam e deslegitimam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da própria Constituição ! 

Tal objetivo traduz justa razão para que a  sociedade civil  -  valendo-se dos meios  legítimos proporcionados pela Constituição da República e atuando por intermédio dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público  - insurja-se contra os excessos governamentais , contra as conspiratas urdidas por setores retrógrados infensos à necessidade de respeito pela ordem constitucional ,  contra os comportamentos políticos desviantes e contra o arbítrio dos governantes indignos e desprezíveis ! 

A Faculdade de Direito do Largo São Francisco é a minha “alma mater” ! 

A  escolha do solo sagrado das Arcadas reveste-se de altíssimo significado simbólico , pois nelas , historicamente, sempre floresceram e  têm sido permanentemente cultuados e preservados o espírito da liberdade e o respeito pela democracia !  

O “espírito das Arcadas” não sofre solução de continuidade! Envolve as gerações de ontem, de hoje e de sempre !!! Elas exprimem o indelével sentimento de perenidade ...  Esse “espírito das Arcadas” - de que você também se acha impregnado - traduz o signo luminoso de nossa identidade comum , o vínculo poderoso que nos transforma , historicamente, em uma comunidade concreta sob a égide dos valores comuns da liberdade, da democracia e do respeito ao Direito  e  que conferem identidade e homogeneidade ao nosso sentimento de "pertencimento",   à nossa percepção de que integramos , orgulhosamente, um ente místico  destituído de temporalidade, que reflete, aqui e agora, todos os momentos que compõem o itinerário histórico de nossa "alma mater"...  

São os vultos do passado (e também do presente ) que nos inspiram nessa jornada mágica pelos caminhos da vida pessoal, acadêmica  e profissional  , inclusive aqueles que, mesmo havendo ingressado e cursado as  Arcadas, nelas não  se graduaram :  Castro Alves, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, José Antonio Pimenta Bueno (Marquês de São Vicente), Lafayette Rodrigues Pereira (Conselheiro Lafayette ), Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Ruy Barbosa, José Bonifácio, o Moço, Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, Affonso Penna, Campos Salles, Rodrigues Alves, Prudente de Morais, Washington Luis, Arthur Bernardes, Wenceslau Braz, Bernardo Guimarães, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia , Monteiro Lobato , Miguel Reale ,  Goffredo da Silva Telles Junior (meu Professor e vulto inspirador e inesquecível dos tempos acadêmicos ) e os 13 (treze) Presidentes da República (entre eleitos ou empossados) que passaram pelias Arcadas do Largo de São Francisco, entre outros vultos notáveis ! Os pronunciamentos do atual Presidente da República, que muitas vezes se vale do sentimento do medo e da utilização da  ameaça  como instrumentos inidôneos e ilegítimos de ação política , parecem resvalar , perigosamente , para o terreno pantanoso das palavras sediciosas !!!  

Vejam-se, entre outras , por expressivas , suas manifestações em Sete de setembro do ano passado e o recentíssimo discurso de aceitação , neste domingo de julho , de sua candidatura presidencial !!! 

Bolsonaro , além de sua distorcida visão de mundo (“Weltanschauung”) , sustentada e exposta por quem ele realmente é , desnuda-se ante a Nação como um político medíocre e  que,  além de possuir desprezível espírito autocrático,  também expôs-se, em plenitude,  em sua conduta governamental ,  como a triste figura de um Presidente menor ,  sem noção dos limites éticos e constitucionais que devem pautar a conduta de um verdadeiro Chefe de Estado,  capaz de respeitar a autoridade suprema da Constituição da República !!!  

Falece-lhe o  valor fundamental da “gravitas”, que era uma nobre qualidade exigida pelos Romanos em relação aos que exerciam funções abrangidas pelo “cursus honorum “ !  

Na realidade, Bolsonaro - que constantemente insinua a possibilidade de um “coup d’État”, tal a sua profunda aversão à ideia eticamente superior de democracia constitucional  -  traduz, em sua trajetória política , a imagem de um governante que não está, como jamais esteve, à altura do cargo que exerce, pois lhe faltam estatura presidencial e senso de estadista ,  de “statesmanship” !!! 

Todas essas razōes levar-me-iam a aceitar o honrosíssimo convite que me foi dirigido , pois se torna imprescindível que a cidadania se pronuncie, de forma vigorosa e inequívoca,  pela defesa intransigente da intangibilidade do regime democrático e de todos os consectários que lhe são inerentes  !!! 

Ocorre, no entanto, que ,  infelizmente para mim , ainda subsistem as graves razões que lhe expus há poucos dias, impossibilitando-me  a altíssima honra e o enorme privilégio que eu teria de proceder à leitura, no próximo dia 11 de agosto, da “Carta aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito” ! 

Peço-lhe, no entanto, que me conceda a honrosa possibilidade de registrar o meu nome como signatário de tão relevante e essencial documento na defesa institucional da democracia em nosso País ! Se necessários outros dados identificadores (CPF e RG) , basta avisar-me que eu lhos enviarei ! 

Uma última observação : retardei, até agora, a aceitação de tão honroso convite, na justa expectativa de que pudesse superar os problemas que me afligem  há algum tempo ! 

Tal, porém, não se fez possível , a despeito de todo o esforço e tentativa que fiz ! 

Rogando a sua compreensão, despeço-me , cordial e afetuosamente, com as nossas tradicionais Saudaçōes acadêmicas !  CELSO"

Sabrina Brito para o Consultor Jurídico. Publicado originalmente em 26.07.22 (No  título da matéria o editor do blog acrescentou ao "não lerá" o "mas assina". A foto do Ministro estampada aqui nesta publicação também não é a mesma, embora seja igualmente dos arquivos da Assessoria de Comunicação do STF).

Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.


Faculdade de Direito da Universidade de S. Paulo - Largo de S. Francisco

Lançamento da Carta aos Brasileiros em 11 de agosto de 1977

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!!!!

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Assine a Carta em defesa do Estado Democrático de Direito - copie o link abaixo:

https://direito.usp.br/noticia/809469c6c4fb-carta-as-brasileiras-e-aos-brasileiros-em-defesa-do-estado-democratico-de-direito

domingo, 24 de julho de 2022

STF vê bravata e estratégia eleitoreira em ataques de Bolsonaro durante convenção

Presidente da República tenta apontar a Corte como inimiga do Palácio do Planalto para justificar a sua incompetência como gestor

STF vê bravata e estratégia eleitoreira em ataques de Bolsonaro durante convenção. Jair Bolsonaro discursa em convenção do PL no Maracanãzinho Gabriel de Paiva/ Agência O Globo

Ninguém dentro do Supremo Tribunal Federal (STF) ficou surpreendido com os novos ataques disparados pelo presidente Jair Bolsonaro ao Poder Judiciário e a incitação para que seus apoiadores se mobilizem em peso nas ruas no próximo 7 de Setembro.

Dentro do STF, o discurso beligerante de Bolsonaro na manhã deste domingo (24), em convenção do PL que confirmou a sua candidatura à reeleição, foi encarado como mais uma “bravata” – e uma estratégia eleitoreira para emplacar a narrativa de que a Corte atua como inimiga do Palácio do Planalto.

Essa estratégia também serviria para afastar a imagem de incompetência de Bolsonaro, tirando a responsabilidade do presidente por erros que ele mesmo cometeu em sua gestão.

Conforme mostrou a uma pesquisa interna do PT apontou que o “despreparo” é o maior defeito que os eleitores associam à figura do presidente.

Por ora, a avaliação de ministros do STF é que não é o caso de vir a público para rebater o presidente, porque alimentar a polêmica é entrar no ringue eleitoral – e fazer o jogo de Bolsonaro.

“Esses poucos surdos de capa preta têm de entender o que é a voz do povo. Têm de entender que quem faz as leis é o poder Executivo e o Legislativo. Todos têm de jogar dentro das quatro linhas da Constituição”, esbravejou Bolsonaro no Maracanazinho, sob aplausos da claque.

O verdadeiro trabalho que precisa ser feito, avaliam integrantes da Corte, é mostrar os fatos e explicar o que está por trás dos reiterados ataques de Bolsonaro ao tribunal.

Uma retrospectiva da conturbada relação STF-Bolsonaro ajuda a esclarecer a questão. Em três anos e meio de governo Bolsonaro, o STF atuou como principal ator político na defesa da democracia e na imposição de limites aos arroubos autoritários do atual ocupante do Palácio do Planalto.

Coube ao STF, por exemplo, garantir a autonomia de Estados e municípios imporem medidas de distanciamento social, enquanto Bolsonaro menosprezava os riscos da Covid-19 – chamada de “gripezinha” por ele.

Também foi o STF quem obrigou o Ministério da Saúde a continuar divulgando diariamente os dados de infectados e mortos pelo coronavírus, além de determinar que o governo apresentasse um plano de vacinação.

“A pandemia não é culpa de Bolsonaro, mas a forma como ele conduziu a pandemia sim. Foi catastrófico”, disse à coluna um ministro em caráter reservado.

Esse magistrado ressalta que se o STF não tivesse feito o que fez, o Brasil teria milhares de Manaus, em referência à capital do Amazonas, onde dezenas de pacientes morreram asfixiados devido à falta de oxigênio em hospitais.

O STF também impôs duros reveses político ao clã Bolsonaro, ao condenar a oito anos de prisão o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) e fechar o cerco sobre o chamado “gabinete do ódio” em inquéritos que estão sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, considerado inimigo público pelos bolsonaristas.

"A resposta do povo brasileiro só pode ser uma: insurgir-se contra as tentações autoritárias e as práticas governamentais abusivas que degradam e deslegitimam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da Constituição”, disse à coluna o ex-decano do STF Celso de Mello.

Alerta: Brasileiros devem reagir às tentações autoritárias de Bolsonaro, diz Celso de Mello

Agora, os temores do STF se concentram nos desdobramentos do 7 de Setembro, que já fizeram o tribunal adiar a posse da nova presidente do tribunal, Rosa Weber, conforme revelou a coluna.

A solenidade foi empurrada para a semana seguinte, dia 12 de setembro, uma segunda-feira, tentando descolar o evento dos protestos programados para ocorrer em todo o país daqui a dois meses.

Bastidores: Marina, ambientalistas e o ‘alvoroço’ com a aliança de Lula com o agronegócio

A expectativa dos organizadores do 7 de Setembro é a de que o público seja maior do que em anos anteriores devido ao bicentenário da independência e à proximidade da eleição, com milhares de apoiadores de Bolsonaro se concentrando no centro da capital federal.

“O sistema vai saber se defender”, disse um ministro. É o que se espera.

Rafael Moraes Moura, de  Brasília, DF, para O Globo, em 24.07.22

Bolsonaro acumula 21 derrotas no STF e novo ataque não surpreende ministros

Os ataques de Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal e a convocação para o ato de 7 de setembro não surpreenderam ministros da Corte, que foram chamados de “surdos de capa preta”. 


No tribunal, não havia a expectativa de que o tema ficasse de fora do lançamento de candidatura do presidente, hoje, no Rio.

Segundo levantamento de um dos gabinetes do Supremo, o órgão julgou de maneira colegiada contra os interesses do governo federal ao menos 21 vezes desde a posse de Bolsonaro, em 2019. Isso inclui decisões como a determinação pela instalação da CPI da Covid no Senado. É o que alguns ministros apontam como causa da irritação de Bolsonaro.

ORADORA. Ao contrário do marido, que foi pautado e não seguiu o roteiro, Michelle Bolsonaro não recebeu um script. Orientada a fazer uma oração ou agradecimento às mulheres, ela improvisou e fez o discurso considerado mais contundente do dia. Aliados avaliam que ela traz o componente que falta ao presidente: emoção.
      
Beatriz Bulla / O Estado de S. Paulo online, em 24.07.22

Em discurso na convenção do PL, Bolsonaro faz ao menos 7 alegações enganosas

Presidente repetiu informações imprecisas sobre temas como auxílio emergencial, covid-19 e corrupção   

Bolsonaro durante discurso na convenção do PL, no Maracanãzinho, neste domingo, 24. Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

O presidente Jair Bolsonaro (PL) fez um discurso de pouco mais de 1h na convenção do Partido Liberal (PL) neste domingo, 24, no qual repetiu ao menos sete alegações enganosas sobre temas como auxílio emergencial, covid-19 e corrupção. Veja abaixo um compilado de checagens do Estadão Verifica e de reportagens do Estadão sobre os assuntos mencionados pelo presidente.

Auxílio Emergencial x Bolsa Família

O que Bolsonaro disse: que em 2020 o governo gastou com o Auxílio Emergencial o equivalente a 15 anos de Bolsa Família.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. O governo federal gastou com auxílio emergencial em 2020, contando o pagamento residual, cerca de R$ 293 bilhões. Conforme levantamento do Estadão Verifica, de 2004 a 2018 o orçamento do Bolsa Família reajustado pela inflação, com mês de referência de dezembro de 2020, equivale a cerca de R$ 390 bilhões — uma diferença de quase R$ 90 bilhões. Já em valores nominais — isto é, sem o reajuste inflacionário — o valor total é de R$ 269 bilhões.

Brasil alimenta 1 bilhão

O que Bolsonaro disse: que a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP) garantiu a segurança alimentar de 1 bilhão de pessoas no mundo.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: o presidente repetiu um dado controverso, já mencionado durante discurso na Cúpula das Américas. Ocorre que um estudo divulgado pela Embrapa em março de 2021 aponta que a produção agrícola do Brasil é responsável por alimentar 800 milhões de pessoas no mundo, cerca de 10% da população mundial. A metodologia do estudo, no entanto, foi contestada por especialistas ouvidos em reportagem do portal UOL. Um dos pontos levantados é que a conclusão parte do pressuposto que todos os grãos exportados pelo Brasil são usados para alimentação, mas eles podem ser usados para rações de animais e outras finalidades.

No Brasil, a fome voltou a patamares registrados na década de 1990. Segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer no País atualmente; 14 milhões a mais do que no ano passado. Mais da metade da população brasileira (58,7%) convive com algum grau de insegurança alimentar (leve, moderado ou grave).

Decisão do STF sobre responsabilidade no combate à covid

O que Bolsonaro disse: que a condução do combate à covid-19 passou a ser de governadores e prefeitos por decisão judicial.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela competência concorrente dos entes federativos em relação à saúde. Especialistas em Direito Constitucional consultados pelo Estadão Verifica nesta checagem esclarecem que, na verdade, a atuação do STF visa apenas à garantia do cumprimento da Constituição de 1988, que trata das competências para legislar sobre saúde pública, mesmo em estado de calamidade.

Os ministros do STF entenderam que a União pode legislar sobre saúde pública, mas que também deve resguardar a autonomia dos demais entes federativos a respeito do tema. O artigo 23 da Constituição define como “competência comum” entre União, Estados, municípios e Distrito Federal “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”. 

Governo sem corrupção

O que Bolsonaro disse: que seu governo está há três anos e meio sem corrupção.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O mandato de Bolsonaro registra denúncias e suspeitas do crime envolvendo nomes importantes da gestão federal e aliados, que geraram investigações como a que levou à prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, da Educação. Veja a lista publicada pelo Estadão com dez acusações de corrupção nas quais integrantes ou aliados do governo Bolsonaro foram ou são acusados de envolvimento.

Lula e roubo de celulares

O que Bolsonaro disse: que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende o roubo de celulares como um direito do bandido de “tomar uma cerveja”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Lula não defendeu que bandidos deveriam poder roubar celulares para “tomar cerveja”. A origem da desinformação é um vídeo editado do petista que circula nas redes desde pelo menos 2021. A peça traz série de frases recortadas e desconexas uma das outras, retiradas de uma entrevista concedida por Lula em 2017.

Em um determinado momento da fala, o ex-presidente diz o seguinte:  “É uma coisa que está intimamente ligada. Ou seja, o cidadão teve acesso a um bem material, a uma casinha, a um emprego, e de repente o cara perde tudo. Então, vira uma indústria de roubar celular. Para que ele rouba celular? Para vender, para ganhar um dinheirinho. Eu penso que essa violência que está em Pernambuco é causada pela desesperança.”

Em uma outra parte da entrevista, Lula afirma sobre rivalidades entre torcidas de futebol: “É preciso distensionar para a sociedade perceber que a torcida do Santa Cruz e do Sport não são inimigas. São adversárias durante o jogo, depois vão para o bar tomar cerveja juntos. E ainda deixam o pessoal do Náutico batendo palma do lado.” 

Lula e legalização de drogas

O que Bolsonaro disse: que Lula quer legalizar as drogas no Brasil.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Como mostrou esta reportagem do Estadão, o documento com diretrizes para a criação de um programa para um eventual novo governo de Lula menciona o termo “drogas” uma única vez e não trata de legalização. O documento propõe substituir a atual “guerra” contra o narcotráfico por estratégias de enfrentamento baseadas em “conhecimento e informação”, além de focar em redução de riscos.

Teto de gastos

O que Bolsonaro disse: que foi o primeiro presidente a ter que lidar com o teto de gastos, que limita o investimento público.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O teto de gastos foi aprovado durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) em 2016. O novo regime fiscal passou a valer no ano seguinte, com duração prevista de 20 anos. Bolsonaro só assumiria a Presidência em 2019.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Comunicação da Presidência e atualizará esta publicação se houver resposta.

O Estado de S. Paulo online, em 24.07.22

Bertha Deleon, de advogada do presidente de El Salvador a refugiada no México: "Bukele é muito imaturo e vingativo"

Ela fez parte da equipe jurídica do presidente salvadorenho, posteriormente candidato da oposição, e no final de 2021 teve que fugir do país devido à perseguição do governo e seus aliados.

Bertha María Deleón, ativista e ex-advogada de Nayib Bukele, na Cidade do México, em 13 de julho de 2022. (Inak Malvid)

No dia em que perdeu as eleições como candidata a deputada em El Salvador, em 28 de fevereiro de 2021, a advogada e ativista Bertha Deleon conversou com uma amiga próxima para discutir sua situação. “Olha, você tem que ir, e você tem que ir agora,” sua amiga disse a ela. Não que ela não soubesse.

“Eles estavam me seguindo de moto, grampearam meus telefones, hackearam meu e-mail, colocaram drones no meu pátio. Em questão de três meses, perdi 80% dos meus clientes”, diz Deleon agora, numa tarde de meados de julho, na Cidade do México. Embora já fosse uma advogada reconhecida, ninguém queria problemas com o presidente. E ela, que representou Nayib Bukele em diferentes processos entre 2016 e 2019, o confrontou totalmente durante a campanha. "Você disse que dinheiro é suficiente quando ninguém rouba, seu dinheiro não é mais suficiente para você", ele começou dizendo em um vídeo que postou nas redesuma semana antes da votação. No local, ele acusou Bukele de ter enchido o governo de amigos e familiares, o culpou por casos de corrupção e pediu aos eleitores que não permitissem que "uma pessoa incapaz, um mentiroso e um manipulador acumule mais poder".

Uma afronta regular em qualquer disputa eleitoral em outras democracias, mas um desafio inimaginável para Bukele, um político obcecado pelas redes sociais e pela imagem que construiu de si mesmo, que não tolera ser questionado publicamente. “Um adolescente com poder, incapaz de conversar sobre os assuntos mais importantes sem olhar constantemente para o telefone”, descreveu Deleón na época , dois dias antes das eleições. Foi o ponto final de um relacionamento que havia rompido há um ano e que levou o advogado a fugir de El Salvador e buscar refúgio em outro país.

'Você jogou merda em mim no Twitter'

A ligação entre Deleon e Bukele foi quebrada no mesmo lugar onde nasceu no final de 2015: no Twitter. Bukele era então prefeito de San Salvador e uma estrela em ascensão na política salvadorenha. Deleón teve destaque e não apenas na rede social: naquele ano ele conseguiu, junto com outros colegas, incluir o crime de lavagem de dinheiro em um processo aberto contra o ex-presidente Francisco Flores, aparecendo como demandante. “Ele começou a me escrever por DM [Mensagem Direta] no Twitter e me fez perguntas sobre esse caso e outros casos, e eu respondi a ele como respondia a outros. Nunca o tinha visto pessoalmente, parecia-me alguém progressista”, diz Deleon.

Ela construiu uma reputação como litigante em um país onde "o direito penal é uma selva" e logo conquistou a confiança de Bukele, que em 2016 a convidou para fazer parte de sua equipe jurídica. Ela era a única mulher em um grupo de 12 advogados e se tornou a figura que o acompanhou durante os complicados processos judiciais. Em 2019, quando Bukele já havia vencido as eleições presidenciais, mas ainda não havia assumido o cargo, Deleon o representou nas audiências por um caso de difamação. Eles tinham um diálogo aberto, diz o advogado, e às vezes falavam sobre seu próximo governo. Em uma dessas ocasiões, ela lhe disse que estava interessada em ser Ministra da Segurança, que poderia lhe apresentar um plano, que estava pronta para isso.

"Por que alguém iria querer ser ministro da segurança?"

—Primeiro porque eu realmente pensei que Nayib iria seguir uma política diferente. Ou seja, eu acreditava que era progressista, que seria capaz de inovar e que, por exemplo, se abriria para dialogar com as gangues de forma... aberta. Quer dizer, agora que digo isso, dói-me dizer isso, porque me sinto tão estúpido... Mas foi isso: eu realmente acreditava que seria um novo começo e que talvez eu tivesse chance de tentar algo que não havia sido feito antes. Conheço o sistema penitenciário de El Salvador, trabalhei na justiça... Desde 2005, quando comecei a fazer carreira, me movi no meio criminal. Eu sei que a segurança não é apenas a questão criminológica, que engloba outras coisas, mas em El Salvador isso é uma grande parte do problema e é nisso que ninguém quer entrar. E eu conheço o sistema prisional,

Em junho de 2019, Bukele assumiu o cargo de presidente. Deleon não fazia parte do gabinete. Para muitos no governo – e fora dele – esse foi o motivo do rompimento, que levou o advogado a se tornar uma voz crítica. Mas Deleon diz que depois disso eles ainda falaram com confiança. Por isso, escreveu-lhe no WhatsApp dois dias antes de domingo, 9 de fevereiro de 2020, quando começou a dizer que iam assumir a Assembleia se não aprovassem um empréstimo de segurança que o Governo queria, e perguntou-lhe por que ele estava fazendo isso. E que lhe escreveu novamente no mesmo domingo, quando viu que Bukele chegou à Assembleia com os militares e fez uma grande encenação, uma exibição de autoritarismo diante das câmeras. "Você estragou tudo", escreveu Deleon. E ele ligou e postou no Twitter o que achou.Deleon escreveu naquela tarde. "Temos que ter paciência para aguentar quatro anos de birras e excessos do presidente mais legal ."

O presidente não foi tão legal no que diz respeito ao Twitter, seu habitat digital favorito, a plataforma onde ele demitia pessoas e dava ordens a seus funcionários. Deleon lembra que Bukele tirou uma captura de tela de seu tweet e enviou para ele no Whatsapp. “Ele me disse: você já jogou merda em mim no Twitter, eu nunca vou te perdoar por isso. Foi a última vez que tive uma troca direta.” Para alguém tão preocupado com sua imagem, isso era inaceitável. O presidente bloqueou seu ex-advogado no Twitter e em seus telefones, que o defenderam no tribunal e o tiraram de problemas, e a partir de então outros meninos de recados ficaram encarregados de tentar colocá-la em seu lugar.


Foto: Inaki Malvid

O assédio contra ela cresceu e se aprofundou quando Delón começou a fazer campanha para se candidatar a deputado nas eleições legislativas de fevereiro de 2021, um ano depois. Mais de 19.000 pessoas marcaram seu rosto na cédula no dia da votação, mas não foi suficiente para ele entrar. O partido de Bukele, Nuevas Ideas, conquistou um número sem precedentes de cadeiras, o que lhe deu maioria absoluta na Assembleia Legislativa . Naquele dia Deleon conversou com a amiga e ouviu seus conselhos, mas resistiu à ideia de fugir do país. Primeiro foram seus dois filhos. E eu pensei que poderia esperar até o final do ano. Sua amiga não pensava o mesmo.

Dois meses depois, em 1º de maio, a nova Assembleia tomou posse e a primeira coisa que fez foi exonerar os magistrados da Sala Constitucional do Supremo Tribunal e depois o Procurador-Geral da República, que foi substituído por um homem fiel a Bukele. Quando alguns países condenaram a virada autoritária de seu governo, o presidente convocou diplomatas para lhes dizer que não havia nada a condenar, que sua imagem positiva havia crescido dois pontos depois de varrer a separação de poderes. Antes do final de maio, Deleon foi intimado ao Ministério Público. "Eles me leram cinco acusações diferentes", diz ele. Os arquivos da investigação criminal já haviam sido abertos. “O promotor de fato”, denunciou então, "começou a cumprir o papel de perseguir aqueles que o governo ou o presidente consideram desconfortáveis". Logo, até sua mãe começou a lhe dizer que ele tinha que ir.

O tempo que passou até ele sair de El Salvador, em agosto do ano passado, foi um período de exaustão e paranóia, diz o advogado. "Eu não dormi mais, você me entende?" Deleón explica que ela tinha que ir ao Ministério Público três vezes por semana, que eles a seguiam explicitamente para intimidá-la, que o assédio nas redes não parava. Em setembro, quando já estava em uma casa segura no sul do México, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concedeu-lhe medidas cautelares , considerando que se encontrava em "uma situação grave e urgente de risco de dano irreparável a seus direitos em El Salvador". ". Vigilância com drones, monitoramento e assédio em redes de funcionários e pessoas ligadas ao Governo, estimou a CIDH, traduziu-se em “uma situação de risco à sua vida e integridade”.

As razões pelas quais ele teve que deixar o país pareciam claras. Mas era um pouco mais difícil entender a crueldade da perseguição. Não que fosse inédito: o bukelismo já atacava o jornalismo que tirava a roupa suja de seu governo, contra organizações civis, contra políticos de outros partidos, contra diplomatas, mas era evidente que Deleon não tinha uma estrutura por trás disso. .

— Que risco político você poderia representar se tivesse perdido a eleição? Qual foi a utilidade do governo colocá-la na cadeia?

—Olha, se pensarmos razoavelmente, com bom senso, não adianta perder tempo e recursos assim. Nunca detive qualquer tipo de poder, nem econômico nem social, porque fui um ativista independente. Eu nunca estive em uma organização de direitos humanos como tal. Quer dizer, eu estava fajando sozinho. E ele sabe disso. Mas o problema com uma pessoa como Bukele é que ele é muito imaturo, muito visceral e vingativo.

Deleon nunca acreditou que a perseguição chegaria a esse ponto: "Sempre pensei que ele respeitaria a relação profissional que tive com ele e os resultados que lhe dei", explica. Em agosto de 2021, ela deixou El Salvador com a filha para a Califórnia e foi aconselhada a não retornar. A Iniciativa Mesoamericana de Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos a ajudou a encontrar um lugar para se abrigar no sul do México, enquanto ela solicitava refúgio no país. No começo foi muito difícil, ela conta: o desenraizamento, ficar longe do filho adolescente, explicar para a filha de seis anos que eles estavam fugindo. “E ela me disse: Mas por que vamos fugir? Você roubou alguma coisa?" Agarravam-se ao menor: o sabor de tortilhas, chocolate quente, dois novos amigos, alguns passeios de moto. Em fevereiro deste ano, Dois anos depois de Bukele invadir a Assembleia, ele foi notificado de que havia recebido o status de refugiado e residência permanente neste país. Agora você tem que começar de novo.

Eliezer Budassoff, da Cidade do México para o EL PAÍS. O autor desta reportagem, é editor de projetos especiais para o EL PAÍS na América e no México. Foi diretor editorial do The New York Times em espanhol e editor das revistas Black Label e Green Label. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 24.07.22

Putin desperta sentimento de identidade na Ucrânia

Pesquisas e especialistas confirmam que a invasão russa desencadeou a unidade nacional em um país independente por apenas 30 anos. A agressão de Moscou também alimenta o ultranacionalismo

Um menino com uma bandeira ucraniana no centro de Lviv em março (Luís de Vega)

A Ucrânia é um estado jovem que, desde que conquistou sua independência há 30 anos, vive com um vizinho que nega sua existência. Este vizinho, a Rússia, quer subjugar militarmente a antiga república soviética desde 2014. O sentimento nacional ucraniano vem crescendo exponencialmente desde que Vladimir Putin ordenou a anexação da Crimeia naquele ano e promoveu a revolta dos separatistas em Donbas (no leste). A invasão que começou em fevereiro despertou ainda mais a afinidade da população por uma identidade ucraniana, tanto nas províncias ocidentais quanto naquelas mais próximas da cultura russa, as do leste.

Andrew Wilson, professor de estudos ucranianos da University College London , escreveu na última edição de seu aclamado The ucranianos, nação inesperada (2015, Yale University Press) que a identidade nacional ucraniana ainda está em processo de construção após séculos de sujeição. para potências poderosas, países estrangeiros — Polônia, Império Austro-Húngaro, Rússia czarista e União Soviética. "As nações são formadas por circunstâncias e oportunidades", escreveu Wilson. “Os ucranianos gostam de falar sobre uma 'ideia nacional'. Conceitos como 'nação' pertencem ao domínio da imaginação política e cultural”, refletiu este acadêmico. Putin, segundo sua tese, foi a circunstância determinante para construir o novo cidadão ucraniano.

Em 2014, segundo dados coletados por Wilson em seu livro, o sentimento de pertencimento à Rússia Mundial (Russki Mir) na Ucrânia representava 12% da população, enquanto nas províncias orientais de Donetsk e Lugansk —no Donbas pró-russo—, foi de 24% e 33%, respectivamente. Oito anos depois, e com a invasão varrendo o país, uma das principais instituições de pesquisa da Ucrânia, a Rating, informou nesta primavera que a porcentagem de ucranianos que ainda se consideravam essencialmente russos havia caído de 12% para 8%. Nas regiões orientais, ainda era de 23%, mas o mais significativo sobre o estudo da Rating é que as pessoas que se consideram acima de todos os cidadãos da Ucrânia passaram de 75% para 98% em apenas seis meses.

"A Ucrânia nunca foi considerada uma sociedade fortemente coesa", diz um estudo publicado em abril por Oleksandra Deineko e Aadna Asland, pesquisadores em diversidade regional da Universidade Metropolitana de Oslo. Ruth Ferrero, professora da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidade Complutense de Madri, assim coloca no livro Ucrânia, da revolução de Maidán à guerra de Donbas:"O desenvolvimento da nação ucraniana precedeu a fundação do estado ucraniano, o que impede o desenvolvimento adequado de uma adesão nacional cívica." Os dados coletados no estudo de Deineko e Asland, realizado nos primeiros meses da invasão, confirmaram que houve uma virada de 180 graus: 80% dos cidadãos afirmaram estar participando de tarefas de defesa do país; Antes da invasão, e com o conflito aberto no Donbas e na Crimeia, apenas 20% disseram estar envolvidos como voluntários na sobrevivência da Ucrânia.

Liubomir Marchenko é um empresário de 29 anos de Dnipro, a quarta maior cidade da Ucrânia (970.000 habitantes). No Dnipro, eixo entre as províncias do leste e do oeste, a maioria da população fala russo como língua principal, lembra Marchenko: “Em 2014 não houve mudança substancial na abordagem da cultura russa porque era vista como algo positivo; as estrelas da televisão e da música ou da literatura eram russas”. A ofensiva atual forçou uma mutação neste empresário e seus amigos: “Em 2014 a paixão pela Rússia começou a declinar, mas agora a filiação russa foi quase completamente perdida. Agora estamos plenamente conscientes de que somos ucranianos.” Marchenko salienta que esta mutação não se deve tanto à violência que a Rússia provoca, mas à forma como o país reagiu: “Em 2014, fizemos asneira na Crimeia, Donetsk e Lugansk, mas desta vez a unidade da sociedade e das instituições foi incrível. Isso é o que nos deixa orgulhosos”.

A independência da Ucrânia envolveu a chamada "desrussificação" do novo Estado, um processo que foi acelerado pela revolução pró-europeia que derrubou o presidente pró-russo Viktor Yanukovych em 2014. La apuesta por potenciar el ucranio, lengua reprimida durante siglos, y por revisar la historia nacional fue recibida también con suspicacia desde sectores del este y en las grandes ciudades orientales y del sur —con una población que en buena parte procede de olas migratorias de la União Soviética-. A invasão fez com que muitos ucranianos abandonassem a língua russa .

Controvérsia com o ultra Bandera

Maxim Kultishev é do norte de Kiev e admite que em 2014 ainda estava alheio a qualquer sentimento nacional. A guerra em Donbas e a anexação da Crimeia estavam longe, explica ele, em províncias culturalmente mais próximas da Rússia. “Mas minha vida mudou em março, quando minha casa foi bombardeada”, explicou este homem de 31 anos no último sábado. O exército russo sitiou Kiev sem sucesso, deixando um rastro de morte e destruição nos subúrbios da capital . Kultishev se considera um patriota pela primeira vez.

O homem assistiu a um concerto no último sábado do poeta e músico mais icônico do patriotismo ucraniano contemporâneo, Serhiy Zhadan . A atuação de Zhadan foi uma homenagem ao amigo Taras Bobanich, comandante do batalhão paramilitar Pravi Sektor - sob ordens do Ministério da Defesa - que morreu em combate em abril. Pravi Sektor é um grupo ultranacionalista que atingiu seu maior ápice de influência na revolução Maidan. A propaganda do Kremlin em que a Ucrânia é descrita como um estado nazista foca em casos como esse grupo ou o mais conhecido Batalhão Azov. Mas a verdade é que a extrema direita não conseguiu representação no Parlamento contra a maioria absoluta que tem o Servo do Povo, o partido do presidente Volodímir Zelenski.

Para Pravi Sektor, mas também para patriotas liberais como Zhadan, Zelensky antes da invasão era pouco mais que um político indesejável. Muito próximo e conciliador com a Rússia, em sua opinião. O próprio Zhadan compôs uma música em 2019 na qual pediu a Zelensky que fugisse para Rostock (Rússia), como Yanukovych. Quando a guerra começou, em fevereiro, o poeta retirou a música de seu repertório. Zhadan tem reconhecimento internacional sem dúvida e além de sua qualidade literária. Em junho, ele recebeu o Prêmio Hannah Arendt de Pensamento Político da Fundação Heinrich Böll dos Verdes Alemães. Também em 2022 recebeu o prestigioso Prêmio da Paz dos Livreiros Alemães.

Isso não impede o poeta e músico de dizer durante o concerto que sempre apoiará o Pravi Sektor. Em primeiro lugar, pessoas como Zhadan apreciam que estão lutando na linha de frente e que no Maidan enfrentaram a polícia do governo de Yanukovych.. O público do concerto era uma mistura de jovens de classe média altamente conscientes nacionalmente e elementos radicais do Pravi Sektor. O EL PAÍS viu grupos fazendo a saudação nazista, numerosos membros do batalhão com apetrechos de extrema-direita, até com elementos identificadores da SS nazista. Uma barraca foi montada para vender retratos e livros dedicados ao líder histórico Stepán Bandera e outros referentes de sua organização, a OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos), emblema do ultranacionalismo ucraniano. Se Bandera é visto no resto da Europa como um ultra e aliado do nazismo na Segunda Guerra Mundial, na Ucrânia ele é considerado pela maioria como um dos primeiros combatentes pela independência da Ucrânia — o invasor alemão o deportou para a concentração de Sachsenhausen acampamento para reivindicá-la.

Bandera dedicou ruas em Kyiv e em Lviv. O ex-embaixador ucraniano na Alemanha, Andrij Melnik, provocou uma polêmica em julho deste ano ao defender que Bandera não realizou assassinatos em massa de judeus e poloneses. Zelensky o removeu do cargo. Apesar disso, é improvável encontrar declarações das autoridades ucranianas que rejeitem o legado de Bandera: para muitos ele é, acima de tudo, um herói nacional diante do inimigo russo.

Zhadan não respondeu aos pedidos do EL PAÍS para uma reunião. Em uma entrevista de 2019, ele afirmou que não é nacionalista, embora tenha amigos que são, "porque a Ucrânia é muito mais complexa". Considerado um referente da cultura urbana pós-soviética dos anos 1990, Zhadan acrescentou que nas circunstâncias atuais “ser de esquerda ou de direita na Ucrânia não faz sentido. Dividir as pessoas em esquerda ou direita hoje na Ucrânia não é construtivo."

Não muito longe do show, Anastasia Lazarova, uma funcionária do banco de 40 anos, estava sentada no terraço de um bar. Ela admitiu se sentir desconfortável com o que Pravi Sektor representa. “ A invasão russa exacerbou a rejeição da cultura e da língua russas , até denegrindo a vitória soviética na Segunda Guerra Mundial”, disse esta filha de russos que emigraram para a Ucrânia durante a União Soviética. "Mas os radicais aqui são uma minoria, não como na Rússia", acrescentou, "o problema não são eles, o problema é Putin".

Cristian Segura, enviado especial a Kyiv / Ucrânia, escreve para o EL PAÍS desde 2014. Formado em Jornalismo e diplomado em Filosofia, exerce sua profissão desde 1998. Foi correspondente do jornal Avui em Berlim e depois em Pequim. É autor de três livros de não-ficção e dois romances. Em 2011 recebeu o prêmio Josep Pla de narrativa. Publicado originalmente em 23.07.22