quinta-feira, 28 de julho de 2022

Recado aos fardados

Reunião de ministros da Defesa mostra que não há tolerância com o golpismo no continente

Poucas instituições foram tão afetadas pela chegada de Jair Bolsonaro (PL) ao poder quanto as Forças Armadas. A proximidade com o governo, para não dizer cumplicidade, pôs a perder décadas de esforço dos militares para promover a imagem de profissionalismo e subordinação à ordem constitucional.

O problema maior são as atitudes ambíguas de oficiais de alta patente diante dos interesses do governo, como atesta o caso do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que até alguns meses atrás era o chefe do Exército.

Nesta terça (26), em reunião com ministros da Defesa de todo o continente, coube a Oliveira reafirmar o compromisso do Brasil com a Carta Democrática Interamericana, documento da Organização dos Estados Americanos que impõe o respeito à democracia a todos os integrantes do grupo.

Em condições normais, a declaração do ministro brasileiro seria apenas uma platitude. Tornou-se notícia justamente porque os militares não cessam de dar sinais de alinhamento ao golpismo de Bolsonaro.

No mais preocupante deles, as Forças Armadas, que ficaram duas décadas sem questionar a segurança das urnas eletrônicas, passaram a alimentar o discurso bolsonarista sobre fraudes, das quais não existe nem sombra de indício.

Oliveira foi um dos que se associaram com entusiasmo às fantasias presidenciais nos últimos tempos. Vindo dele, a reafirmação do compromisso com os princípios da OEA não deixa de ser um reconhecimento de que não há tolerância para aventuras e tumulto na região.

Não foi outro o sentido do recado transmitido ao ministro pelo secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin. Os americanos esperam que o Brasil mantenha a tradição e realize eleições limpas neste ano.

A proximidade do presidente com os militares, obtida com concessões corporativistas e cargos, criou outros problemas. Mais espaço no governo também significa mais espaço para corrupção e erros administrativos, que atraem a atenção dos órgãos de controle e corroem a imagem das Forças Armadas.

Como a Folha noticiou, desde o início do governo o Tribunal de Contas da União já condenou ao menos 28 militares por má utilização de recursos públicos —incluindo casos abertos na atual gestão.

Se a associação com Bolsonaro pode ter feito bem às finanças pessoais de um ou outro oficial, é cada dia mais evidente que ela pode ser devastadora para a instituição.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 28.07.22 (editoriais@grupofolha.com.br)


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