quinta-feira, 31 de março de 2022

"Putin se deu conta que pode não haver saída", diz magnata

Exilado e crítico do presidente russo, Mikhail Khodorkovsky diz que Putin "está encurralado" na Ucrânia e tem apenas duas opções: uma escalada do conflito ou negociações de paz sérias.

Khodorkovsky ficou uma década preso na Rússia (Foto: DW)

Mais de um mês após Moscou invadir a Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, entendeu que "pode não haver solução militar", afirmou em entrevista à DW o magnata russo do petróleo exilado Mikhail Khodorkovsky.   

Crítico proeminente do presidente russo, Khodorkovsky passou uma década na prisão na Rússia sob acusações amplamente consideradas como uma vingança por desafiar o regime de Putin.

As tropas russas iniciaram a guerra na Ucrânia em 24 de fevereiro, com Putin anunciando como objetivos a "desmilitarização" e a "desnazificação" do ex-estado soviético, além da proteção dos falantes de russo no país.

Mas, com o fracasso da Rússia em ocupar rapidamente o país devido à forte resistência ucraniana, Moscou anunciou recentemente uma mudança em seus objetivos de guerra, dizendo que se concentrará na "libertação" da região de Donbass, no leste da Ucrânia. O Ocidente, porém, vê com ceticismo a versão. 

"Putin está encurralado quando se trata da operação militar", disse Khodorkovsky. "Agora, ele tem duas opções: ou aumenta a escalada, o que pode significar a introdução de mobilização ou o uso de armas nucleares táticas, ou estabiliza a situação e começa negociações de paz sérias".

Posição do Ocidente precisa ser clara

À DW, Khodorkovsky também enfatizou a importância de um discurso ocidental unificado. "A posição do Ocidente precisa ser clara, o que significa apoio abrangente à Ucrânia se a guerra continuar e caso Putin use armas nucleares táticas ou outras armas de destruição em massa", destacou. "Esse tipo de posição clara do Ocidente vai, digamos, ajudar Putin a tomar a decisão certa".

Desde o início da agressão militar de Moscou, o Ocidente impôs sanções econômicas sem precedentes à Rússia e começou a fornecer ajuda militar à Ucrânia. Enquanto os EUA e o Reino Unido proibiram as importações russas de petróleo e gás, vários bancos russos foram banidos do sistema interbancário Swift.

No entanto, muitos países europeus, como a Alemanha, dependem fortemente do fornecimento de energia russa, motivo pelo qual não houve sanções internacionais generalizadas sobre o comércio de combustíveis fósseis com a Rússia. Por outro lado, a guerra levou vários governos a buscar formas de reduzir a dependência de Moscou.

Khodorkovsky acredita que, para Putin levar as negociações de paz a sério, "deve perceber que está preso na Ucrânia".

"Depois de um mês de guerra, ele se deu conta que pode não haver solução militar. É uma tentativa de transição para um processo de negociação real".

Mudança de estratégia

Os serviços de inteligência do Reino Unido e dos Estados Unidos afirmaram na quarta-feira que Putin está mal informado sobre a real situação na da guerra na Ucrânia, pois seus assessores tem medo de lhe dizer a verdade.

Nesta quinta-feira, o Kremlin negou as alegações, afirmando que eram evidências de que o Departamento de Estado americano e o Pentágono não "têm informações reais sobre o que está acontecendo no Kremlin".

"Eles não entendem o presidente Putin, não entendem o mecanismo de tomada de decisões e não entendem o estilo de nosso trabalho", disse a repórteres o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov.

Khodorkovsky  também acredita que Putin lançou a guerra com base em falsas suposições sobre as capacidades militares russas e a sociedade ucraniana.

"Estou completamente convencido de que, desta vez, Vladimir Putin recebeu uma quantidade significativa de informações falsas tanto sobre a situação na Ucrânia quanto sobre a condição de suas próprias forças armadas".

Chamando Putin de "bandido", Khodorkovsky disse: "Qualquer tentativa de chegar a um acordo com esse tipo de homem sem primeiro mostrar-lhe força é um grande erro. Isso apenas o provoca a dar mais um passo em direção a um ataque".

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 31.03.22

Urgente: Moro decide migrar para União Brasil

Presidenciável vai anunciar saída do Podemos nas próximas horas; convite de Luciano Bivar tem como condição abrir mão da pré-candidatura neste momento

Foto: Saulo Rolim / Sérgio Lima / Danilo Martins - Podemos

Há tempos não se via um 31 de março tão agitado. Depois de João Doria dizer a aliados que não vai mais concorrer à Presidência da República, outro que anunciará seu destino nas próximas horas é Sergio Moro (Podemos). O ex-juiz decidiu aceitar o convite de Luciano Bivar e se filiar à União Brasil. 

Como já publicamos, Bivar tem conversado também com Doria, Eduardo Leite e Simone Tebet sobre a candidatura única do chamado Centro Democrático. A condição prévia é que todos abandonem suas pré-candidaturas neste momento e passem a trabalhar em prol de um projeto comum.

O candidato à Presidência seria escolhido dentro de dois ou três meses, seguindo critérios a serem estabelecidos, não apenas a liderança nas pesquisas. Na segunda-feira, Moro jantou com Bivar e ensaiou um gesto de desprendimento ao dizer que o cacique “seria um ótimo vice ou cabeça de chapa“.

É um terremoto político.

Cláudio Dantas / O Antagonista,  em 31.03.22 às  09:51

Em contra-ataque, Doria ameaça implodir PSDB

Governador se sentiu traído por parte do partido e sinalizou que deve desistir da candidatura à Presidência para continuar no Palácio dos Bandeirantes – minando a pré-candidatura de Rodrigo Garcia à sua sucessão.

Rodrigo Garcia (à esquerda) e João Doria durante evento no Palácio dos Bandeirantes em setembro de 2021. — Foto: Secom/GESP

A sinalização de João Doria de que vai desistir da disputa pela Presidência em 2022 mostra que o governador de São Paulo, após se sentir isolado dentro do PSDB, decidiu implodir o partido – começando por São Paulo.

Doria, que sempre foi visto com um estranho no ninho tucano, venceu as prévias para disputar a presidência da República pelo PSDB.

Para tanto, Doria precisaria anunciar a desistência do cargo de governador de SP até o fim desta semana, entregando o cargo para Rodrigo Garcia – que é o pré-candidato do PSDB ao governo de São Paulo.

Uma parte do partido, entretanto, está disposta a driblar Doria e fazer com que o PSDB lance o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ao Planalto.

E a ideia desse grupo era, segundo aliados de Doria, esperar o governador de SP deixar o cargo para só então iniciar formalmente o movimento para sagrar Eduardo Leite candidato – deixando Doria sem mandato e sem candidatura ao Planalto.

Sentindo-se traído, Doria resolveu contra-atacar, abandonando a disputa presidencial e ficando no cargo de governador.

Com isso, a candidatura de Rodrigo Garcia, principal aposta do PSDB nos estados, está comprometida. Aliados como PP e do União Brasil, por exemplo, já discutem migrar para a campanha de Tarcísio Freitas, apoiado por Bolsonaro.

A avaliação é a de que sem candidatura forte do governo do estado, PP e União Brasil e não conseguem fazer bancada de deputados federais em SP - principal objetivo de partidos aliados de candidaturas a governos, por exemplo.

Sem ser consultado e com seu futuro político em meio a esse tiroteio entre Doria e Aécio, Garcia decidiu entregar o cargo de secretário de governo de Doria.

Aliados de Garcia tentam convencer Doria a renunciar ao governo de São Paulo. Um grupo de tucanos também tenta demovê-lo da ideia permanecer no cargo.

Por Andréia Sadi e Julia Duailibi / g1, em 31.03.22

Uma nota mentirosa e assinada também pelos três comandantes de tropas. Comentário de Miriam Leitão n'O Globo hoje

A nota comemorando a ditadura militar de 64, divulgada ontem à noite pelo Ministério da Defesa, é a pior já divulgada neste governo. Ser assinada pelo general de pijama Walter Braga Netto, que está saindo do cargo para ser candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, era de se esperar. Mas o grave é ter as assinaturas do general, do almirante e do brigadeiro que comandam as tropas. Nesse ponto é uma ameaça ao país.

Rio de Janeiro (RJ) - 26/06/1968 - Passeata dos Cem Mil contra a Ditadura Militar - Da esquerda para a direita: Pascoal Carlos Magno (de capa, gravata, ao lado de mulher com vestido branco) Nelson Motta, desconhecida, Edu Lobo, Itala Nandi, Chico Buarque de Holanda, desconhecido, Renato Borghi, José Celso Martinez Correa, desconhecido, Caetano Veloso (de costas), Nana Caymmi, Gilberto Gil e Paulo Autran.| Foto Arquivo / Agência O Globo - Neg : 50836

 Não se pode esquecer o contexto. Bolsonaro é um defensor de ditaduras, sente “embrulho no estômago” como disse outro dia, de respeitar a Constituição, e passou três anos e três meses no poder vomitando ameaças golpistas. Bolsonaro está disputando a reeleição, em situação desfavorável nas pesquisas, e ontem mesmo voltou a fazer ameaças. Esse contexto piora muito a nota.

Uma solitária verdade na nota é que “não se pode reescrever a história”. De fato. Mas é isso que eles tentam fervorosamente. Há um trecho que diz: “Nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de crescimento econômico e de amadurecimento político”. Uma coleção de mentiras. Não foi a sociedade, foram os militares que conduziram o país. Tanto que quando houve a possibilidade de um vice assumir, Pedro Aleixo, quando Costa e Silva ficou incapacitado e morreu, o país passou a ser dirigido por uma junta militar. Os generais conduziram o país para 21 anos de ditadura militar e não um período de estabilização. O país cresceu no começo dos anos 70, mas houve duas recessões, calote da dívida externa e no fim o país estava com uma hiperinflação que foi debelada apenas na democracia. O governo fechou o Congresso, aposentou ministros do Supremo, cassou e exilou, censurou a imprensa. É triste ter que lembrar de novo, de novo, de novo.

Os fatos históricos são inarredáveis. O que eles querem dizer com o trecho em que afirmam que “as Forças Armadas” observaram “estritamente o regramento constitucional”. Eles rasgaram a Constituição, fizeram outra e também a rasgaram com os atos institucionais, principalmente o AI-5 que suspendeu todos os resquícios de democracia. As Forças Armadas instalaram dentro dos seus quartéis máquinas de prisão, tortura, morte e ocultação de cadáveres. Em vez de pedirem desculpas ao país, afrontam ano a ano a verdade histórica.

Nesse ano, repito, é mais grave porque as ameaças à democracia por parte do presidente têm a chancela de militares da ativa que mentem, mentem novamente, sobre fatos que aconteceram há 58 anos. O Brasil é um caso único. As Forças Armadas dos nossos vizinhos não têm o desplante de mentir sobre a História e afrontar os seus países, da forma que fazem as Forças Armadas brasileiras.

Míriam Leitão / O Globo, em 31/03/2022 • 08:17

Aliados de Garcia ameaçam Doria com impeachment caso fique no governo

A intenção de João Doria de não renunciar ao governo de São Paulo e cumprir o mandato até o fim abriu uma guerra no PSDB. Aliados do vice-governador Rodrigo Garcia dizem que, caso confirme a especulação e fique, Doria sofrerá impeachment em tempo recorde na Assembleia Legislativa.

João Doria, (PSDB) Governador de São PauloJoão Doria, (PSDB) Governador de São Paulo | Roberto Casimiro/Agência O Globo

Seria uma carnificina a céu aberto no Estado que os tucanos governam desde 1995 ininterruptamente — na verdade, a única seção em que o PSDB ainda é de fato um partido grande.

Garcia trocou o antigo DEM pelo PSDB no ano passado num movimento arquitetado pelo próprio Doria. Seu plano era ter em São Paulo uma plataforma forte para sua candidatura presidencial.

O que nenhum dos dois contava era com a rejeição consolidada do governador paulista, que não só impediu que sua candidatura sequer ameaçasse decolar até aqui como também virou uma bigorna no pé do próprio Garcia.

E é por isso a revolta com sua ideia de ficar no cargo e apoiar o vice à sua sucessão direto da cadeira. Isso tiraria de Garcia a chance de fazer campanha como governador, se tornando conhecido e, principalmente, dissociando sua imagem da de Doria.

Aliados do governador, no entanto, que confirmam a informação dada pela Folha de S.Paulo de que ele cogita a sério não renunciar, afirmam que ele precisa desses 9 meses até o fim do governo para “reorganizar sua vida”.

Acontece que isso significaria a desorganização completa do PSDB, que já perdeu Geraldo Alckmin e aliados recentemente justamente por incompatibilidade com Doria.

Vera Magalhães / O Globo, em 31/03/2022 • 07:45

Doria anuncia hoje que vai abandonar sua candidatura a presidente

João Doria decidiu abandonar a sua pré-candidatura à presidência da República pelo PSDB e vai continuar no governo de São Paulo até o dia 31 de dezembro.

O governador de São Paulo, João Doria O governador de São Paulo, João Doria | Edilson Dantas

Pelo menos foi essa a decisão comunicada hoje cedo aos seus auxiliares mais próximos e será anunciada pelo próprio Doria numa entrevista coletiva que dará no Palácio dos Bandeirantes, às 16h. 

A saída de Doria do páreo é uma consequência da falta de apoio que sua pré-candidatura vinha sofrendo desde o início do ano dentro do PSDB. Os resultados das pesquisas de intenção de votos também não ajudavam em nada: nelas, Doria aparecia com 2%, em média.

Todo esse contexto ajudou a que sua candidatura não saísse do ponto morto.

Nas últimas semanas, o movimento anti-Doria no PSDB ficou mais forte. Essa turma se alinhou a Eduardo Leite, derrotado nas prévias de novembro, para virar a mesa e fazer do governador gaúcho o candidato do partido a presidência.

Doria sentiu o golpe. Nos últimos dias, ele tem afirmado que está sendo traído pelo partido.

 Por Lauro Jardim / O Globo, em 31/03/2022 • 07:37

A expressão alemã que vale para carros e políticos

‘Profil durch kontrast’ diz que é preciso um contraste para se ganhar um perfil


Um pelo outro

A o fim da era petista, Lula era o líder popular que desperdiçou uma chance histórica (o ciclo das commodities), presidiu o maior esquema de corrupção da história brasileira e apontou uma sucessora inepta que levou o Brasil à maior recessão enfrentada por um país que não estava em guerra. Hoje, recuperou de maneira formidável a imagem e é tido por ex-adversários como salvador da democracia.

Esse perfil vem pelo contraste com o seu principal adversário, Jair Bolsonaro. Lula nunca foi um radical e continua não sendo. Nunca foi um político de grandes ideias, seu “movimento” político é ele mesmo e mais ninguém. O lulismo (como o varguismo, o peronismo) é a figura de quem lhe empresta o nome, e não deixa sucessores. Sua “genial” jogada política de conquistar um ex-adversário para ter “o centro” a bordo é apenas o óbvio de quem sabe que, sozinho, não ganha.

(‘Papel dos militares não é puxar saco dos Bolsonaro’, diz Lula)

A “fortuna” de Lula, no sentido que Maquiavel deu à expressão, é Bolsonaro. O atual presidente desperdiçou uma rara onda disruptiva, em boa parte nascida do antipetismo, que expressava um profundo desejo de mudança. Sem saber fazer política, além de vociferar boçalidades para seguidores nos cercadinhos físicos (porta do palácio) e mentais, ressaltou o patrimonialismo, cedeu instrumentos de poder do Executivo para o Legislativo e deixa o País governado por aqueles que estavam envolvidos com Lula nos piores momentos da “política”.

Vale a pena repetir: o Centrão, e o que ele possa significar (moralmente, inclusive), está perfeitamente à vontade com Lula ou com Bolsonaro. Seus caciques estão empenhados em garantir seu próprio poder, o que significa formar bancadas nutridas sem as quais nenhum dos dois líderes das pesquisas será capaz de governar. 

Nesse sentido, para citar o sociólogo Bolívar Lamounier, a “armadilha da renda média” na qual o Brasil se encontra, com produtividade e crescimento estagnados há décadas, é a armadilha perfeita. Ela gerou um sistema político e de governo que sustenta e é sustentado pelo patrimonialismo que não tem noção de nação ou sequer da urgência de se combater desigualdade e injustiças sociais – as mazelas de sempre, da qual falamos sempre.

Vale a pena repetir: o Centrão, e o que ele possa significar (moralmente, inclusive), está perfeitamente à vontade com Lula ou com Bolsonaro. Foto: Amanda Perobelli/REUTERS e Dida Sampaio/ESTADÃO

De novo parece estar se fechando uma janela de oportunidade para se livrar do que Lula e Bolsonaro representam. Ao se fechar, ela favorece Lula em duas medidas importantes. A inflação é o arrasto que torna Bolsonaro um favorito a perdedor. E a guerra lá fora dá ao Brasil, paradoxalmente, algumas vantagens típicas de um país isolado.

A fortuna está com Lula. 

William Waack é Jornalista e Apresentador do Jornal da CNN. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 31.03.22.

Como derrotar Putin na Ucrânia e salvar o planeta; leia o artigo de Thomas Friedman

É a enésima vez que confrontamos um petroditador cuja ferocidade e inconsequência é possível somente por causa da riqueza petrolífera que ele extrai do subsolo

Ataque russo nos arredores de Kiev em 26 de março  Foto: AP / AP

É impossível prever como a guerra na Ucrânia terminará. Espero fervorosamente que acabe numa Ucrânia livre, segura e independente. Mas o que sei com certeza é que os Estados Unidos não devem desperdiçar esta crise. É a enésima vez que confrontamos um petroditador cuja ferocidade e inconsequência é possível somente por causa da riqueza petrolífera que ele extrai do subsolo. Independentemente da maneira que a guerra na Ucrânia terminar, ela precisa acabar finalmente, formalmente e irreversivelmente com o vício dos EUA em petróleo.

Nada distorceu nossa política externa, nossos compromissos com direitos humanos, nossa segurança nacional e, acima de tudo, nosso meio ambiente mais do que nossa dependência de petróleo. Que esta seja a última guerra que nós e nossos aliados financiamos ambos os lados, pois é isso o que fazemos.

Países ocidentais financiam a Otan e ajudam o Exército da Ucrânia com os dólares de nossos impostos, e — já que as exportações de energia da Rússia financiam 40% do orçamento do governo do país — nós financiamos o Exército russo com nossas compras de petróleo e gás natural da Rússia.

Qual será a magnitude dessa estupidez?

Estratégia do Kremlin se opõe ao ‘plano A’ de Zelenski e Biden: fazer a Ucrânia resistir em uma espécie de ‘empate militar’ com os russos

Russian President Vladimir Putin, left, and Chinese President Xi Jinping enter a hall for the talks in the Kremlin in Moscow, Russia, Wednesday, June 5, 2019. Chinese President Xi Jinping is on visit to Russia this week and is expected to attend Russia's main economic conference in St. Petersburg. (AP Photo/Alexander Zemlianichenko, Pool)

Xi, Putin, Trump e a loucura dos autocratas

Deus sabe que as democracias têm seus problemas, mas elas ainda têm algo que falta às autocracias: a capacidade de mudar de rumo

Na guerra de Putin na Ucrânia, espere pelo inesperado

Toda guerra traz surpresas, mas o elemento mais marcante a respeito desta é a quantidade de surpresas ruins para Putin

Verão na Antártida

Nossa civilização simplesmente não pode mais arcar com isso. As mudanças climáticas não entraram de folga por causa da guerra na Ucrânia. Você tem checado os boletins meteorológicos dos Polos Norte e Sul ultimamente? Ondas de calor atingiram simultaneamente este mês partes da Antártida, elevando as temperaturas 21º Celsius acima da média por lá, e do Ártico, elevando em 10º Celsius a temperatura média.

Não se trata de erros de digitação. Tratam-se de superextremos absurdos.

“São estações opostas — não vemos os Polos Norte e Sul derretendo ao mesmo tempo”, afirmou recentemente à Associated Press Walter Meier, pesquisador do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo. “É uma ocorrência sem dúvida incomum.” E na última sexta-feira, para nenhuma surpresa, cientistas anunciaram que uma geleira do tamanho da cidade de Nova York se desprendeu do leste da Antártida no início desse período de calidez aberrante.

Foi a primeira vez que humanos observaram “que a região gelada teve um desprendimento de geleira”, notou a AP, acrescentando que, se a água congelada no leste da Antártica derreter, o nível do mar se elevará em cerca de 50 metros em todo o mundo.

A aposta de Biden no petróleo

Por todas essas razões, tenho me desapontado ao testemunhar o presidente Joe Biden e o secretário de Estado Antony Blinken dobrando a aposta na nossa dependência em petróleo, em vez de triplicar a aposta em fontes renováveis de energia e mais eficiência.

Aparentemente assustada com as falaciosas alegações dos republicanos de que as políticas de energia de Biden são responsáveis pelos altos preços da gasolina, a equipe do presidente foi mendigar em algumas das maiores petroditaduras do mundo — Venezuela, Irã e Arábia Saudita, em particular — implorando a esses países que extraiam mais petróleo e baixem o preço da gasolina.

A verdade é que, mesmo se permitirmos que empresas petroleiras americanas extraiam petróleo de todos os parques nacionais, o efeito a curto prazo nos preços da gasolina não seria tão significativo. Conforme noticiou a CNN Business na semana passada, na última década, a oscilante indústria petroleira americana gastou zilhões financiando um crescimento franco na produção, o que ajudou a manter os preços baixos, mas “sustentando lucros que se provaram fugidios. Centenas de petroleiras foram à falência durante várias quedas no preço do petróleo, levando investidores a exigir mais comedimento dos CEOs do setor da energia”.

Então, hoje, a maioria dos executivos e investidores das petroleiras americanas “não querem adicionar tanta oferta, para não causar outra saturação que derrube os preços. E acionistas querem que as empresas retornem os lucros exagerados na forma de dividendos e recompras — e não os reinvistam em aumento de produção”.

O país com capacidade mais barata, à disposição e flexível para influenciar os preços globais do petróleo no curto prazo é a Arábia Saudita. Mas a Rússia também é um grande player deste mercado. É por isso que, apenas dois anos atrás, o ex-presidente Donald Trump implorava para Arábia Saudita e Rússia cortarem dramaticamente sua produção, porque o preço do barril de petróleo havia caído para cerca de US$ 15 nos mercados globais — prejudicando seriamente as petroleiras americanas, cujo custo de extração estava entre US$ 40 e US$ 50 por barril. O preço havia despencado porque Arábia Saudita e Rússia se engalfinharam numa briga de preços em razão da diminuição das fatias de mercado durante a pandemia.

Agora, Biden está implorando aos sauditas que aumentem dramaticamente sua produção para baixar os preços. Mas os sauditas estão bravos com Biden porque Biden está bravo com eles em razão do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi — e, relata-se, não atendem aos telefonemas de Biden.

Mendigando por energia suja

Mas o denominador comum entre Biden e Trump é o verbo “mendigar”. É este o futuro que queremos? Enquanto continuarmos dependentes de petróleo, sempre imploraremos a alguém, normalmente um sujeito do mal, para que aumente ou abaixe o preço, porque nós, sozinhos, não somos mestres do nosso próprio destino.

Isso tem de parar. Sim, é preciso haver uma fase de transição, durante a qual continuaremos usando petróleo, gás e carvão. Não somos capazes de parar subitamente com o vício. Mas devemos nos comprometer em dobrar o ritmo dessa transição — e não em dobrar a aposta nos combustíveis fósseis.

Nada ameaçaria Putin mais do que isso. Afinal, foi a queda nos preços globais do petróleo entre 1988 e 1992, ocasionada por uma superprodução saudita, que ajudou a quebrar a União Soviética e acelerou seu colapso. Podemos criar os mesmos efeitos hoje aumentando a produção de energia a partir de fontes renováveis e intensificando a ênfase em eficiência energética.

Reações à negociação pela paz entre Rússia e Ucrânia

Volodymyr Zelensky, destacou 'sinais positivos' nas conversas, mas o secretário de Estado, Antony Blinken, se mostrou cético com a seriedade russa na tratativa.

Uma rede elétrica mais limpa

A maneira melhor e mais rápida de fazer isso, argumenta Hal Harvey, diretor-executivo da Energy Innovation, uma consultoria especializada em energia limpa, é aumentando os padrões de energia limpa no fornecimento de eletricidade. Ou seja, exigir que a rede de transmissão de eletricidade dos EUA reduza suas emissões de carbono mudando para fontes renováveis de energia a uma taxa de 7% a 10% ao ano — um ritmo jamais visto.

Utopia? Que nada. O diretor-executivo da American Electric Power, que já foi totalmente dependente do carvão, promete agora que a empresa vai zerar as emissões de carbono até 2050, apoiando-se principalmente no gás natural. Trinta e um Estados já estabeleceram padrões de aumento de uso de fontes limpas de energia em suas redes públicas de fornecimento de eletricidade. Cheguemos agora a todos os 50.

Ao mesmo tempo, temos de aprovar uma lei nacional que conceda a cada consumidor a capacidade de se juntar a essa briga. Seria uma lei que eliminaria o limite regulatório sobre a instalação de sistemas de energia solar ao mesmo tempo que conferiria a cada lar americano um estímulo fiscal para instalar os painéis, de maneira similar ao que fez a Austrália — país que aumenta seus mercados de energia limpa per capita mais rapidamente do que China, Europa, Japão e EUA.

Quando carros, caminhões, prédios, fábricas e residências forem movidos a eletricidade e a rede de fornecimento utilizar principalmente fontes renováveis: abracadabra! — nos livraremos cada vez mais dos combustíveis fósseis, e Putin obterá cada vez menos dólares.

Os americanos estão entendendo isso. Carros elétricos estão desaparecendo das concessionárias. O Estado que mais produz energia eólica no país é o republicano Texas, que gera mais eletricidade com o vento do que os três Estados seguintes do ranking (Iowa, Oklahoma e Kansas) somados. Mas tornar isso uma missão verdadeiramente nacional nos levaria a uma economia de energia limpa com muito mais rapidez.

Na 2.ª Guerra, o governo dos EUA pediu aos cidadãos do país que plantassem “jardins da vitória” para cultivar suas próprias frutas e legumes — e reservar a comida enlatada para os soldados. Cerca de 20 milhões de americanos responderam plantando hortas por todo lado, de quintais a telhados. Bem, aqueles jardins da vitória representaram para o nosso esforço de guerra naquela época o que os painéis solares representam para a luta da nossa geração contra as petroditaduras.

Se você quiser baixar os preços imediatamente, o método mais infalível — e climaticamente correto — seria reduzir o limite de velocidade nas autoestradas para 100 km/h e pedir para todas as empresas dos EUA permitirem que seus funcionários trabalhem de casa e não tenham de se deslocar para o trabalho todos os dias. Essas duas coisas cortariam imediatamente a demanda por gasolina, o que faria baixar o preço do combustível.

Seria muito pedir uma vitória contra petroditadores, como Putin, cujo subproduto seja ar limpo, em vez de tanques em chamas?

“As alternativas limpas são agora mais baratas do que as poluentes”, notou Harvey. “Hoje custa mais caro arruinar o planeta do que salvá-lo” e também “é mais barato nos livrarmos de petroditadores do que continuarmos escravizados por eles”.

É isso aí. A tecnologia chegou. E torna Putin um alvo fácil. A questão é apenas de liderança e vontade nacional. O que estamos esperando?

O autor deste artigo, Thomas Loren Friedman (nascido em 20 de julho de 1953), é um jornalista estadunidense, atualmente editorialista do jornal The New York Times. Suas colunas, concentradas principalmente no tema relações internacionais, são publicadas nas quartas e sextas. Publicado originalmente pelo New York Times, em 31.03.22. Reproduzido na mesma data no Brasil pelo O Estado de S. Paulo, conforme tradução de Guilherme Russo.

Vladimir Putin e os crimes contra a paz

A criação de um tribunal internacional para perseguir a agressão contra a Ucrânia é necessária. A impunidade dos crimes é um convite à sua repetição

Vladimir Putin, na quarta-feira em Moscou. (MIKHAIL KLIMENTYEV / AFP)

Ao conquistar a independência em 1991, a Ucrânia herdou um estado corrupto e ineficiente. Sua verdadeira identidade nacional foi forjada na revolução pela dignidade de 2014, quando os ucranianos se livraram de Viktor Yanukovych, um satélite de Moscou que reprimiu violentamente os manifestantes de Maidan . A Rússia então reagiu tomando a Crimeia e iniciando o conflito armado em Donbas. A invasão que começou em 24 de fevereiro marca o culminar de um processo cujo objetivo final é colocar sob seu controle um território que os russos consideram seu.

Com um aparato de segurança e justiça obsoleto, controlado majoritariamente por partidários do regime anterior, o governo ucraniano aceitou a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, dando-lhe competência por meio de duas declarações, em 2014 e 2015, para processar crimes internacionais cometidos em seu território. . Além disso, 41 Estados membros —entre eles a Espanha— apresentaram recentemente uma queixa ao Ministério Público, que já anunciou a abertura de um inquérito.

No entanto, não investigará todos os crimes. A Corte tem competência para julgar crimes de guerra e crimes contra a humanidade —o genocídio não está previsto, por enquanto—. Os crimes de guerra são definidos como graves violações das Convenções de Genebra, construídas sobre o princípio da distinção: na guerra há alvos legítimos —combatentes inimigos— e pessoas protegidas —população civil, pessoal médico, jornalistas, prisioneiros—. O ataque deliberado e desnecessário contra pessoas protegidas constitui um crime de guerra. Se os ataques são cometidos na execução de um plano ou política generalizado ou sistemático contra a população civil, são considerados crimes contra a humanidade. Até onde sabemos, eles estão se comprometendo.

O Estatuto de Roma não concede imunidade a ninguém, nem mesmo a chefes de Estado. Não está fora de questão que Vladimir Putin seja processado, mas é improvável que ele seja processado, porque a Rússia nunca o entregará e os julgamentos não podem ser realizados à revelia. Sim, poderíamos assistir ao julgamento dos responsáveis ​​pelos crimes que são capturados na Ucrânia ou em um Estado Parte, que possivelmente o entregará ao Tribunal.

Há outro crime internacional, o mais grave de todos, que paradoxalmente não pode ser julgado, o da agressão: o uso da força armada por um Estado contra a soberania, integridade territorial ou independência política de outro. A Carta das Nações Unidas só permite o uso da força quando autorizado pelo Conselho de Segurança ou em caso de legítima defesa, para responder quando for atacado. A defesa antecipada contra um ataque iminente que ainda não ocorreu também é reconhecida. É o que conhecemos como guerra preventiva: o uso da força é legítimo em casos de necessidade imediata e inevitável.

A guerra preventiva foi invocada pelos Estados Unidos em 2003 perante o Conselho de Segurança para autorizar a invasão do Iraque, assegurando que Saddam Hussein tinha armas de destruição maciça, acrescentando ao Reino Unido que Saddam tinha mísseis que podiam chegar a Londres em 45 minutos. A autorização foi negada.

Foi também o argumento do marechal Keitel e do general Jodl em Nuremberg para se defenderem da acusação de agressão por invadir a Noruega em 1940. Eles argumentaram que o Reino Unido também pretendia ocupar o país escandinavo para atacá-los de lá. O tribunal rejeitou a alegação afirmando que estava provado que os alemães desconheciam os planos britânicos e que seu propósito em invadir a Noruega não era defensivo. Eles foram condenados à morte.

O presidente Putin está construindo sua estratégia com argumentos de guerra preventiva, justificando sua agressão com as supostas intenções genocidas e as armas bacteriológicas que a Ucrânia teria. Não o provou, e é por isso que o Tribunal Internacional de Justiça acaba de ordenar à Federação Russa que suspenda imediatamente as suas operações militares.

Não é a primeira vez que Putin usa a força, desconsiderando os mecanismos políticos e diplomáticos para a resolução pacífica de conflitos. Ele desencadeou a segunda guerra chechena destruindo Grozny e causando milhares de baixas civis. Mais tarde, ele favoreceu a guerra de secessão das regiões russas da Geórgia. Apoiou o regime genocida de Bashar al-Assad na Síria. E agora está atacando a Ucrânia depois de anexar a Crimeia e alimentar o conflito de Donetsk e Luhansk.

A adesão da Ucrânia à OTAN é inquestionavelmente uma preocupação legítima da Rússia, mas não justifica o uso da força. Um Estado não pode se sentir legítimo para atacar militarmente outro cada vez que tem uma disputa com ele, porque dessa forma mina a ordem global estabelecida na Carta das Nações Unidas. A agressão contra a Ucrânia é uma agressão contra todos. É por isso que o jurista Philippe Sands propôs a criação de um tribunal internacional para perseguir a agressão contra a Ucrânia. Concordo: a impunidade dos crimes é um convite a repeti-los. Se a comunidade internacional não responder a essa agressão, quando e onde será cometida a próxima?

Carlos Castresana, o autor deste artigo, é procurador do Tribunal de Contas do Reino da Espanha. Publicado originalmente por EL PAÍS, em 31.03.22.

quarta-feira, 30 de março de 2022

Leia a íntegra do depoimento de Sérgio Moro na Polícia Federal

Saiba todos os principais pontos relatados pelo ex-ministro de Justiça e Segurança Pública no inquérito que apura suas acusações de 'interferência política' do presidente na corporação

 O ex-ministro de Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Foto: Adriano Machado / Reuters

O ex-ministro Sérgio Moro afirmou à Polícia Federal que o presidente Jair Bolsonaro insistia, desde janeiro, trocar o comando da corporação no Rio de Janeiro. Em mensagem, afirmou ao ex-ministro que: ‘Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’. Leia a íntegra do depoimento abaixo:

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DEPOIMENTO DE MORO À PF  

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Em outro trecho, Moro afirmou que Bolsonaro teria dito que iria interferir em todos os Ministérios e, quanto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, trocaria o diretor-geral e o próprio ministro da Justiça.

Moro alega que conseguiu demover o presidente de substituir a chefia do Rio ‘por algum tempo’, mas o assunto ‘retornou com força’ em janeiro deste ano quando Bolsonaro afirmou que gostaria de colocar Alexandre Ramagem na chefia da Polícia Federal. O então diretor, Maurício Valeixo, indicado por Moro, iria para cargo de adido no exterior. A reunião ocorreu no Palácio do Planalto, com a presença do ministro Augusto Heleno (GSI).

Segundo Moro, a troca de comando da PF era assunto ‘de conhecimento de várias pessoas’. Inicialmente, o ex-juiz afirmou que pensou em concordar com a troca ‘para evitar conflito, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o diretor-geral sem que houvesse uma causa’, ressaltando também as ligações de Ramagem com a família Bolsonaro.

Moro afirmou que, ainda em janeiro, sugeriu os nomes de Fabiano Bordignon (chefe do Depen) e Disney Rosseti (número dois da PF) para substituir Valeixo, alegando que a troca nestes termos geraria desgastes a ele, mas não abalaria a credibilidade da Polícia Federal. Os outros dois nomes cotados para o cargo eram Anderson Torres (secretário de Segurança Pública) do Distrito Federal e Carrijo – ambos sem história profissional na PF e próximos da família Bolsonaro.

‘Moro, Você tem 27 superintendentes, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’

Em março, durante viagem aos Estados Unidos junto de Valeixo, Moro afirmou ter recebido mensagem de Bolsonaro solicitando, novamente, a substituição da superintendência do Rio de Janeiro, então comandada pelo delegado Carlos Henrique. Segundo o ministro, a mensagem tinha o teor: “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.

Moro disse ter esclarecido Bolsonaro que não nomeia e nem é consultado sobre as escolhas de superintendentes, que tal prerrogativa é de competência do diretor-geral da PF. Ainda na viagem, a troca de Valeixo do comando voltou a ser mencionada e Moro alega que até aventou a ‘possibilidade de atender o presidente para evitar uma crise’.

Porém, Moro relatou que ‘não poderia aceitar a troca da Superintendência Regional do Rio de Janeiro’. “A partir de então, cresceram as insistências do presidente para a substituição tanto do diretor-geral quanto do superintendente”, disse o ex-ministro.

Valeixo então declarou a Moro que ‘estava cansado’ da pressão que sofria para a sua substituição e para a troca de comando da PF no Rio e que por esse motivo que concordaria em sair. O ex-juiz afirma que não havia nenhuma solicitação sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro. Por essa razão, apesar das resistência, Moro concordou em trocar o comando da PF desde que o novo diretor-geral fosse de sua escolha técnica e pessoa não próxima do presidente.

Ao ser questionado se as trocas solicitadas por Bolsonaro estavam relacionadas à deflagração de operações policiais contra pessoas próximas ao presidente ou seu grupo político, Moro disse que desconhece, mas observa que não tinha acesso às investigações enquanto elas evoluíam.

O ex-ministro disse que, à medida que cresciam as pressões para trocar os comandos da Polícia Federal, Bolsonaro lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que ‘precisava de pessoas de sua confiança para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência’. Questionado se haviam desconfianças do Planalto em relação a Valeixo, Moro disse que isso deve ser indagado diretamente ao presidente.

‘O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios’

Moro relatou à PF que o presidente retomou a cobrança pela troca de comando da PF em reunião ministerial no dia 22 de abril – dois dias antes do ex-juiz anunciar sua demissão.

“O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o Superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio Ministro da Justiça”, relatou Moro.

As reuniões foram gravadas e o próprio Bolsonaro ameaçou divulgar as gravações, mas recuou. O encontro contou com a presença de todo o primeiro escalão do governo e servidores da assessoria do Planalto.

Segundo Moro, as alegações de Bolsonaro de não receber informações da PF não é verdadeira. O ex-ministro alega que informava as ações realizadas pela PF, resguardando o sigilo das informações e comunicando operações sensíveis após deflagração das operações de buscas e prisões.

Isso ocorreu, por exemplo, durante operações que miraram o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, indiciado no esquema do Laranjal do PSL, e o senador Fernando Bezerra, ‘mas que essa informações não abrangiam dados sigilosos’.

Quanto a relatórios de inteligência de assuntos estratégicos e de segurança nacional são inseridas pela diretoria de inteligência no SISBIN e que a ABIN consolida essas informações juntamente com dados de outros órgãos e as apresenta ao presidente da República.

Segundo Moro, a acusação de Bolsonaro que não tinha acesso a relatórios da PF ‘não procede, pois os relatórios de inteligência estratégica da Polícia Federal eram disponibilizados ao Presidente da República via SISBIN e ABIN’.

Segundo Moro, Bolsonaro nunca solicitou a produção de um relatório de inteligência estratégico da PF sobre um conteúdo específico, causando estranheza que isso tenha sido invocado como motivo de demissão de Maurício Valeixo na chefia da PF. Moro diz que o presidente nunca pediu relatórios de inteligência que subsidiavam investigações policiais porque ele e Valeixo ‘jamais violariam o sigilo de investigação policial’.

‘Mais um motivo para a troca’

No dia seguinte à reunião ministerial, Bolsonaro enviou a Moro mensagem pelo WhatsApp com um link de notícia do portal O Antagonista sobre inquérito que mirava aliados políticos do Planalto.

Acompanhado do link, a mensagem: ‘Mais um motivo para a troca’. Moro disse que ficou ‘apreensivo’ com a mensagem e que se reuniu com Bolsonaro no mesmo dia, às 9h, e que neste encontro o presidente afirmou que demitira Valeixo a pedido ou por ofício, e que Ramagem seria indicado por ‘uma pessoa de confiança do presidente, com o qual ele poderia interagir’.

Moro disse que informou ao presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia. O ex-ministro disse que poderia trocar Valeixo, ‘desde que houvesse uma causa’, mas não havia nada disso.

Bolsonaro teria lamentado, mas disse que ‘a decisão estava tomada’.

Moro afirmou que se reuniu com os ministros Augusto Heleno (GSI) e Walter Braga Netto (Casa Civil) e informou que os motivos pelos quais não aceitaria a substituição de Valeixo, também declarou que deixaria o governo e seria obrigado a falar a verdade

Na ocasião, Moro também falou dos pedidos de relatórios de inteligência da PF e que inclusive teria sido objeto de cobrança de Bolsonaro nas reuniões do conselho ministerial, ocasião na qual o ministro Augusto Heleno informou que o relatório que o presidente queria não tinha como ser fornecido.

Os ministros se comprometeram a demover o presidente da ideia e que retornou ao Ministério da Justiça ‘na esperança da questão ser solucionada’. À tarde, após a imprensa noticiar o atrito entre Moro e Bolsonaro e seu ultimato ao governo, o ministro Luiz Eduardo Ramos ligou para saber ‘se seria possível uma solução intermediária’, citando os nomes de Fabiano Bordignon ou Disney Rosseti.

Antes de dar uma resposta definitiva, Moro disse que procuraria Valeixo, que concordou com o nome de seu número dois, Disney Rosseti, para assumir o cargo. Moro então retornou a Ramos, afirmando que essa seria a única mudança e que não concordava com trocas no comando da PF do Rio. O ministro palaciano ‘ficou de levar a questão para o presidente’ e dar um retorno, que não veio.

Quando a notícia da exoneração de Valeixo foi publicada na noite do dia 23 de abril, Moro questionou Ramos sobre o caso, que alegou não ter informações oficiais. A saída de Valeixo foi confirmada durante a madrugada, quando da publicação da exoneração no Diário Oficial da União – ‘o que tornou irreversível’ a demissão de Moro.

Moro frisou, à PF, que não assinou o decreto que exonera Valeixo e que não passou por ele nenhum pedido escrito ou formal do ex-diretor-geral pedindo demissão. Segundo Moro, Valeixo o contou que teria recebido ligação do Planalto informando que ele seria demitido no dia seguinte, e foi perguntado se poderia ser ‘a pedido’.

Avaliação de crimes de Bolsonaro ‘cabe às instituições competentes’, afirmou Moro

Durante o depoimento, Moro explicou que após o decreto com a exoneração de Valeixo tornar ‘irreversível’ sua permanência no governo, decidiu prestar as declarações no seu pronunciamento público para esclarecer as circunstâncias de seu pedido de demissão.

O ex-ministro disse à PF que ‘narrou fatos verdadeiros, mas, em nenhum momento, afirmou que o Presidente da República teria praticado um crime e que essa avaliação cabe às instituições competentes’.

No entendimento do ex-juiz da Lava Jato, havia ‘desvio de finalidade’ na demissão de Valeixo, seguida posteriormente pela nomeação de Alexandre Ramagem, pessoa próxima à família Bolsonaro, e as trocas de superintendentes regionais da PF.

“Tudo isso sem causa e que viabilizaria ao Presidente da República interagir diretamente com esses nomeados para colher, como admitido pelo próprio presidente, o que ele chamava de relatórios de inteligência, como também admitido pelo próprio presidente”, disse Moro.

O ex-ministro afirmou que Bolsonaro, em pronunciamento na tarde do dia 24 de abril, após seu anuncio de demissão, ‘não esclareceu o motivo pelo qual realizaria essas substituições’.

Caso Adélio: ‘Polícia Federal fez amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao Presidente

Sérgio Moro rebateu as acusações de que teria ‘obstruído’ as apurações do caso Adélio Bispo, que ainda investigam se houve suposto mandante do atentado contra o presidente, em setembro de 2018. O primeiro inquérito apontou que o esfaqueador agiu sozinho. Um segundo está travado na Justiça devido à liminar que impede a análise do advogado Zanone Oliveira, que defendeu Adélio no caso.

Segundo Moro, a Polícia Federal de Minas fez ‘um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019’. As informações foram repassadas em reunião no Palácio do Planalto com a presença do ex-ministro, Maurício Valeixo, o superintendente da PF em Minas e delegados responsáveis pelo caso.

As informações deste caso, excepcionalmente, foram repassadas à Bolsonaro devido à sua condição de vítima e por ser um caso de Segurança Nacional. Moro relatou que o presidente tinha ‘pleno conhecimento’ que as investigações sobre supostos mandantes do crime estavam travadas por ‘óbice judicial’ e que, sem a conclusão das apurações, ‘não é possível concluir se Adélio agiu ou não sozinho’.

Ao contrário do que acusou Bolsonaro, Moro disse que ‘jamais obstruiu essa investigação’. Ao contrário, o ex-ministro alega que pediu ‘máximo empenho’ da Polícia Federal na investigação e informou a Advocacia-Geral da União, então chefiada por André Mendonça, que ingressasse na ação judicial que bloqueia a quebra do sigilo do ex-advogado de Adélio. O caso está no STF.

Segundo Moro, as requisições foram feitas ‘não pelo interesse pessoal do presidente, mas também pelas questões relacionadas à Segurança Nacional’.

Em relação ao caso do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, ouvido nas investigações do assassinato de Marielle Franco e que implicou Bolsonaro, Moro afirmou que as acusações de ‘falta de empenho’ feitas pelo presidente não são verdadeiras. O ex-ministro relembrou que foi ele mesmo quem pediu, pelo procurador-geral da República, que oitivas fossem conduzidas com o porteiro, que acabou se retratando.

As nove provas de Moro contra Bolsonaro

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública relatou à Polícia Federal que tem nove provas que confirmariam as suas acusações de ‘interferências políticas’ do presidente Jair Bolsonaro no comando da corporação.

Entre as provas indicadas por Moro, além do seu próprio depoimento, estão as mensagens trocadas com Bolsonaro, na qual o presidente encaminha notícia do portal O Antagonista sobre inquérito da PF mirar aliados políticos do Planalto e diz: ‘Mais um motivo para troca’. Segundo Moro, outras mensagens também foram disponibilizadas à PF.

Moro cita protocolos de relatórios de inteligência produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), produzidos com base em informações repassadas pela Polícia Federal e que eram entregues ao presidente, que provariam que Bolsonaro já tinha acesso a informações de inteligência que legalmente tinha direito.

Os depoimentos futuros do ex-diretor-geral Maurício Valeixo e do ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, poderiam provar as acusações de Moro sobre a insistência de Bolsonaro em trocar o comando da corporação fluminense. No ano passado, Saadi foi exonerado do cargo por motivo familiar e o presidente tentou emplacar um nome de sua confiança alegando que a exoneração era por ‘falta de produtividade’, justificativa rechaçada pela cúpula da PF.

Moro também lista ‘todo o histórico’ de declarações públicas de Bolsonaro em que pressionava a troca de comando da PF Rio, desde agosto do ano passado, e as recentes, sobre as mudanças na direção-geral da corporação.

O ex-juiz afirmou à Polícia Federal que deletou mensagens antigas do seu aparelho após sofrer uma invasão hacker, em 2019. Segundo Moro, a atitude ocorre ‘não por ilicitude, mas para resguardar privacidade e mesmo informações relevantes sobre a atividade que exercia, inclusive questões de interesse nacional’.

Fausto Macedo, Paulo Roberto Netto, Pepita Ortega/SÃO PAULO, Rafael Moraes Moura e Vinicius Valfré / BRASÍLIA. Publicado n'O Estado de S. Paulo, em 05.05.20

Joe Biden tem razão: Putin não pode permanecer no poder

Declaração do presidente americano, que após a invasão da Ucrânia é impensável colaborar com chefe do Kremlin, causou polêmica, mas está correta. Difícil é saber como essa deposição seria na prática, opina Bernd Riegert.

Como vampiro ou caveira nazista, imagem de Putin na Ucrânia é execrávelFoto: Petr David Josek/AP/picture alliance

Ao declarar que o agressor bélico Vladimir Putin não pode mais permanecer no poder, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tem razão. Ele apenas disse espontaneamente o que muitos pensam e que seria o imperativo moral: o ditador no Kremlin, que provoca sofrimento a milhões de seres humanos, tem que ser deposto e julgado como criminoso de guerra.

Só foi infeliz expressar esse pensamento agora, quando se precisa de Putin como interlocutor nas negociações para, de algum jeito, dar fim à guerra desencadeada por ele na Ucrânia, através de um armistício. O próprio Biden não recua de sua declaração, após discussões nos EUA, mas ao mesmo tempo insiste que seu país não persegue como política oficial a troca de poder em Moscou. As duas coisas não combinam: ou um, ou outro.

No momento a prioridade é acabar com o terror das bombas contra a população ucraniana e sustar o avanço russo. Depois deve ficar claro que não pode mais haver cooperação com Putin e seus asseclas, os quais os EUA e a União Europeia culpam abertamente por crimes de guerra.

Quanto mais rápido ele e seu regime de dominação forem superados, melhor. Não pode mais haver relações políticas e econômicas com a Rússia sob Putin. Falando na TV nacional, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, também deixou esse ponto claro, embora não tenha qualificado o chefe do Kremlin diretamente de criminoso de guerra.

Assassínio planejado: uma alternativa

O argumento de que não se deve provocar Putin, não procede. Pois o autocrata sabe perfeitamente que o Ocidente não deseja nada mais ardentemente do que a deposição dele, independente de alguém o dizer publicamente. Decisivo é o fato de que uma mudança de regime não será fácil, na prática.

Como a Organização do Tratado do Atlântico Norte descartou a mobilização de tropas, em princípio um assassinato direcionado de Putin não entra em cogitação. Fica excluída, assim, uma solução como as aplicadas no caso de Osama bin Laden, Muammar al Kadafi, Saddam Hussein ou Nicolae Ceaucescu. Não por não ser moral ou legalmente justiificada, mas porque no momento é quase impossível chegar de fora até Putin, e porque na própria Rússia não há um movimento de resistência forte.

Partindo-se do princípio que o chefe de Estado não renunciará voluntariamente a seu posto, só resta a deposição do tirano por assassínio planejado, como se tem praticado desde a Antiguidade até os nossos dias. Certos especialistas em ética moral e direito internacional argumentarão que tal ato seria moralmente desprezível e fora dos limites da legalidade.

Em princípio, está correto. No entanto, pode-se encarar Putin como o supremo comandante de um partido que trava guerra. Assim, seu assassinato por combatentes inimigos seria justificável perante o direito internacional e a Convenção de Genebra sobre os direitos humanos.

Quem serás tu, Brutus?

A solução também poderia ser um Brutus próximo a Vladimir Putin, como expressou o senador Lindsey Graham, referindo-se ao político que, na Roma de 44 a.C., assassinou o ditador Júlio César. O conservador americano conclamou os russos a tomarem seu destino nas próprias mãos. Talvez alguns oligarcas ou outros da panela de liderança de Putin estejam dispostos a executar esse atentado.

Poderia ser, por exemplo, uma versão russa e mais bem-sucedida do coronel Claus von Stauffenberg, que em 1944 quase conseguiu matar com uma bomba o tirano nazista Adolf Hitler, e que hoje é justamente homenageado na Alemanha como herói. A questão também é: quem ou o que viria depois? O brutal sistema entrará em colapso se lhe faltar a cabeça? Ou um outro tirano simplesmente tomará o lugar?

A história ensina que é preciso se defender de tiranos. Pode-se descartar que o chefe do Kremlin, que sonha com uma ressurreição da União Soviética, não vá recorrer a meios outros? Ele próprio ameaçou a Otan com consequências jamais vistas, caso ela intervenha. O que quis dizer? Ofensivas atômicas? Um inverno nuclear?

Desse ponto de vista, o presidente Biden tem certamente razão: Putin não deveria ocupar o poder nem poder ordenar mortes sem sentido por mais um só dia. Uma mudança de regime é necessária. O assassínio de um tirano poderia ser uma solução, mas que provavelmente permanecerá no campo dos sonhos.

Bernd Riegert Correspondente da Deutsche Welle em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia. Este artigo reflete a opinião pessoal do autor. Publicado por DW em 29.03.22.

A guilhotina populista

Bolsonaro afastou a contragosto o ministro da Educação porque ficou difícil esconder seus malfeitos; já o presidente da Petrobras foi demitido por fazer a coisa certa

   Certo e errado, competência e incompetência, interesse nacional e interesse de alguns fazem pouca ou nenhuma diferença quando se trata de servir ao presidente Jair Bolsonaro. Em qualquer caso, cabeças podem cair. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi demitido, a contragosto do presidente, depois de ter feito uma coisa errada: aceitou um gabinete paralelo, facilitando a bandalheira de dois pastores malandros. Já o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, perderá o posto por ter feito a coisa certa: comandou com critérios empresariais uma companhia com acionistas no Brasil e no exterior. Diferentes na competência, no estilo de trabalho e na atenção às funções, coincidiram, no entanto, num ponto essencial: contrariaram o projeto de poder de seu chefe, um presidente empenhado na reeleição e, portanto, na preservação das condições políticas, jurídicas e pessoais associadas à Presidência.

Até o escândalo do tal gabinete paralelo, o ministro Milton Ribeiro foi sempre apoiado pelo presidente Bolsonaro. Como seu chefe, nunca levou a sério os mandamentos da boa administração nem respeitou os critérios de impessoalidade e de laicidade da função pública. Errou por omissão e por ação, mostrando-se incapaz de entender as funções da escola, de atividades como o Enem e da política educacional. Teve uma gestão desastrosa, como seus antecessores, e foi fiel aos padrões bolsonarianos, contrários à educação, à cultura e à ciência. Violou até as fronteiras do decoro e do ridículo, ao admitir a impressão de Bíblias com sua foto.

O ministro só perdeu o conforto e a segurança quando o Estadão, recentemente, revelou o gabinete paralelo. Em poucos dias, histórias chocantes foram publicadas pelos meios de comunicação, com gravações de falas indecorosas e testemunhos de prefeitos achacados por pastores ligados, informalmente, ao Planalto e ao Ministério da Educação. Sem poder negar o escândalo nem sua ligação com os vendedores de facilidades, o presidente Bolsonaro tratou de conter os danos e afastou o ministro, já condenado por grupos evangélicos ligados à política bolsonariana.

O presidente da República aproveitou a ocasião para afastar o chefe da Petrobras. Seria mais fácil, supostamente, porque as atenções estariam ocupadas também com a demissão do ministro Milton Ribeiro. Ao propor a substituição do general Joaquim Silva e Luna, o presidente Bolsonaro daria satisfação, talvez, aos descontentes com os preços dos combustíveis.

Outro político poderia gastar algum tempo explicando as condições do mercado internacional, os efeitos da guerra na Ucrânia e as limitações de uma empresa como a Petrobras. Não seria, no entanto, o caso de um populista pouco interessado em questões administrativas e, além disso, conhecido por suas tentativas de intervir na estatal. Com a demissão já anunciada, o presidente da Petrobras ainda apontaria, num pronunciamento público, duas limitações da empresa: não lhe cabe fazer política pública nem, “menos ainda”, política partidária.

Ao indicar para o comando da Petrobras o economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Bolsonaro envia ao mercado, aparentemente, um recado tranquilizador. Já havia buscado entendimento com os generais apoiadores de Silva e Luna, ao discutir com eles, previamente, a demissão do presidente da estatal. Pires é respeitado como conhecedor do setor de energia e como defensor de políticas pró-mercado. Mas é cedo para falar sobre sua disposição de manter preços alinhados com o mercado internacional e de cuidar dos interesses dos acionistas. É cedo, também, para especular sobre uma possível defesa de subsídios aos consumidores, assunto complicado, em princípio, por envolver a equipe econômica.

Mas um ponto é certo. Não haverá um novo Bolsonaro. O presidente será o mesmo político populista e autoritário responsável pelo afastamento de Joaquim Silva e Luna, o mesmo explorador da religiosidade envolvido na escolha do pastor Milton Ribeiro, o mesmo candidato ligado ao Centrão e indiferente à boa administração.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S. Paulo, em 30.03.22


Dallagnol cancela chave Pix após doações atingirem R$ 575 mil

Deltan Dallagnol foi condenado a indenizar Lula por Powerpoint apresentado à imprensa durante a Lava Jato; segundo o ex-procurador, apoiadores da operação passaram a lhe fazer doações para quitar a dívida

O ex-coordenador da força tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, foi condenado a indenizar Lula em R$ 75 mil.  Foto: Felipe Rau/Estadão

O ex-procurador Deltan Dallagnol, da Operação Lava Jato, disse ter solicitado o bloqueio de sua chave Pix após receber R$ 575 mil em doações de seguidores. Desde a semana passada, quando foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a indenizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em R$ 75 mil, Deltan vem relatando em suas redes sociais o montante recebido. Em vídeo publicado no último dia 24, ele exibiu a tela de seu celular para demonstrar que os depósitos não paravam de chegar

Segundo o ex-procurador, foram mais de 12 mil depósitos, sendo que o valor médio de cada doação foi de R$ 45. Ele descreveu o ato como um "protesto" contra a condenação a favor do petista, classificada por ele como injusta e "absurda", e agradeceu pelo apoio ao que ele considera "a causa do combate à corrupção". 

"Em breve, trarei informações sobre a prestação de contas desses valores, incluindo o tipo de aplicação em que estão e os rendimentos", afirmou nesta terça-feira, 29, via Twitter.

Como o montante recebido já ultrapassou em meio milhão o valor da indenização, ele prometeu doar o excedente a instituições filantrópicas que ajudem crianças com câncer e autismo.

Redação, O Estado de S. Paulo, em 30.03.22

Aliados de Eduardo Leite articulam com Temer para atrair MDB

Grupo negocia com ex-presidente na tentativa de unir a 3.ª via em torno do governador gaúcho, que permaneceu no PSDB


A ideia do grupo que apoia a candidatura de Eduardo Leite à Presidência é ampliar o debate para além do PSDB e buscar apoio em outros partidos que se colocam como alternativa ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).  Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini 

Os articuladores da tentativa de fazer do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), uma opção da terceira via ao Palácio do Planalto reforçaram o movimento para tornar viável uma eventual chapa com apoio do MDB, e planejam estender as conversas a outros líderes partidários. Na lista de prioridades está o ex-presidente Michel Temer (MDB). Ele tem sido procurado por tucanos e deve se encontrar nos próximas semanas com o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) para debater uma aliança que uniria Leite e a senadora Simone Tebet (MDB-MS) na mesma chapa presidencial.

Na segunda-feira, 28, no mesmo dia em que Leite anunciou sua permanência no PSDB e sua desincompatibilização do governo gaúcho, o que abre a possibilidade de ele ser candidato, Aécio e Temer conversaram por telefone e combinaram de aprofundar o diálogo para uma aliança na qual o gaúcho pode ser o protagonista.

Temer já conversou sobre o assunto com o senador tucano Tasso Jereissati (CE), em janeiro. No mês anterior, o próprio Leite falou com o ex-presidente, em São Paulo. No mês passado, Tasso procurou o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), e elogiou o nome de Tebet, ressaltando que ele pode ser uma “novidade”, com vantagem de ter “baixa rejeição”.

Em novembro do ano passado, o PSDB realizou prévias e definiu o governador de São Paulo, João Doria, como pré-candidato do partido ao Palácio do Planalto. A disputa foi polarizada entre o paulista, que teve 53,99% dos votos, e Leite, que somou 44,66%. 

No entanto, aliados do gaúcho, como Aécio, Tasso e o ex-senador José Aníbal (SP), tentam impedir que Doria seja o candidato da sigla. Eles apontam, além do fraco desempenho nas pesquisas, que costuma oscilar de 1% a 3% – índice similar ao de Leite –, o fato de Doria ter rejeição alta.

“Essa construção pode vir com alguma naturalidade. Ela não é contra ninguém, não é contra João, José ou Joaquim, é a favor do Brasil. É uma chance que estamos dando a uma terceira via efetivamente viável”, disse Aécio ao Estadão.

A ideia do grupo é ampliar o debate para além do PSDB e buscar apoio em outros partidos que se colocam como alternativa ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lideram as pesquisas de intenção de voto. 

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, vem conversando com os presidentes do MDB, Baleia Rossi; do União Brasil, Luciano Bivar; e do Cidadania, Roberto Freire. A ideia é tentar atrair também o ex-ministro Sérgio Moro (Podemos). “Devíamos chamar para essa conversa, além desses partidos, além do MDB, União Brasil e Cidadania, o Podemos também. Por que não o próprio PSD, que mostrou o interesse em tê-lo como candidato?”, disse Aécio. “Nada mais natural que (o PSD) avalie a possibilidade de apoiá-lo em outro partido. Ele não mudou de personalidade quando permaneceu no partido, é o mesmo candidato.”

Moro jantou com Bivar na segunda-feira, em Brasília, e fez um aceno ao líder partidário. O presidenciável disse que Bivar “seria um ótimo vice ou cabeça de chapa”. O União Brasil ainda não tem uma posição consensual quanto à disputa presidencial. Parte do partido planeja lançar Bivar como pré-candidato, mas não descarta apoiar outro nome da terceira via, do MDB ou do PSDB. Outra ala defende o apoio a Moro. Há na legenda, ainda, quem apoie a reeleição de Bolsonaro e quem pense em estar com Ciro Gomes (PDT). 

Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo, em 30.03.22

'Não precisamos do amor romântico em nossas vidas', diz especialista em relacionamentos

Nas sociedades ocidentais, o amor costuma ser apresentado por meio do clichê de duas metades que se encontram para se sentirem completas. A história é reproduzida com frequência na literatura, cinema e televisão, mas pode ser bastante danosa quando enfatizada na realidade.

Imagem construída em torno do romance pode variar muito de acordo com a cultura (Getty Images)

É o que acredita a antropóloga Anna Machin, que dedicou quase 20 anos de sua carreira ao estudo das diferentes formas de amar.

Segundo a pesquisadora da Universidade de Oxford, no Reino Unido, a supervalorização do amor romântico - aquele entre dois parceiros ou manifestado por meio da atração emocional por outra pessoa - pode nos fazer esquecer o quão importante são os demais tipos de amor.

"Não precisamos do amor romântico em nossas vidas. Há muitas outras formas de amor capazes de suprir nossas necessidades", diz a estudiosa.

O homem que questiona a definição do que é realidade

"Em muitos países, o amor romântico é visto como a mais importante fonte de amor, e esse discurso é repetido com frequência no cinema e nas redes sociais. Mas essa não é a verdade e, infelizmente, muitas pessoas gastam tempo e energia demais procurando um parceiro romântico e acabam negligenciando outros tipos de relacionamento".

Machin lançou em fevereiro deste ano o livro 'Why We Love: The New Science Behind Our Closest Relationships' (Porque amamos: a nova ciência por trás dos relacionamentos mais próximos, em tradução literal), no qual discute as muitas razões que levam o ser-humano a amar. A afeição entre parceiros é apenas uma delas, mas há também o amor entre amigos, pais e filhos e até o amor ao sagrado.

Segundo ela, a importância excessiva que damos ao amor romântico também pode criar uma ideia falsa de que todos precisam de um parceiro românico ou de um relacionamento de contos de fadas, trazendo decepções.

"O amor romântico pode trazer momentos maravilhosa, é verdade. Mas há períodos difíceis também e há pessoas que simplesmente não encontrarão alguém para viver essa experiência ou que sequer querem passar por isso", diz.

"Faríamos um grande favor às crianças e jovens se passássemos a ser mais realistas sobre o que é o amor romântico de verdade, porque precisamos recalibrar o espaço ocupado por ele em nossas vidas".

Em seu livro, Machin define o amor romântico como uma construção social. Segundo ela, até meados do século 18, os seres humanos cultivavam apenas o que os cientistas chamam de amor reprodutivo.

"Só passamos a chamá-lo de amor romântico quando, por volta do século 18, poetas decidiram romantizá-lo e as ideias de amor romântico que conhecemos hoje começaram a ser formadas na literatura", diz a especialista.

A imagem construída em torno do romance, aliás, também varia muito de acordo com a cultura. "Há 50 anos na China o conceito de encontrar uma alma gêmea era completamente desconhecido. Hoje em dia, os mais jovens falam e conhecem mais o amor romântico, porque foram expostos à filmes e outros materiais produzidos no mundo ocidental", diz a antropóloga.

"O amor romântico é uma construção cultural. Não é baseado na ciência, mas apenas uma história que inventamos sobre como o amor reprodutivo deveria ser."

Novos tempos

Pesquisas demográficas mostram que o amor romântico já está, em certa medida, perdendo importância em nossas vidas. Segundo o Escritório de Estatísticas Nacionais do Reino Unido, o número de pessoas morando sozinhas deve crescer em mais de 10 milhões no país até 2039. Além disso, apenas cerca de um em cada seis britânicos ainda acreditam atualmente na ideia de que há "uma pessoa certa".

"Há um crescente reconhecimento de que, na verdade, o amor romântico não deve ser o objetivo final de nossas vidas", diz Machin. Segundo a antropóloga, essa mudança é impulsionada principalmente pelas mulheres, que se sentem mais livres para viver suas vidas sem um parceiro ao seu lado.

Muitas pessoas têm se aberto para formatos de relacionamentos mais modernos (Getty Images)

"Mudanças políticas, sociais e em nosso próprio entendimento sobre o que é o amor ou o que constitui uma família estão aos poucos alterando a forma como vemos e priorizamos o amor romântico."

Ao mesmo tempo, muitas pessoas também têm se aberto para outros formatos de relacionamentos românticos. "O poliamor e outros tipos de relacionamentos não-monogâmicos têm ganhado mais espaço. Da mesma forma, os arromânticos, aqueles que não experimentam nenhum tipo de amor romântico, tem se sentido mais confortáveis para contar suas histórias", afirma a especialista.

Por que amamos?

Em seu livro, Anna Machin dedica dez capítulos para desvendar as muitas respostas para o questionamento que já foi levantado tantas vezes em nossa sociedade.

"Não há uma única resposta para essa pergunta e tudo depende contexto que analisamos", afirma a antropóloga. "O que é mais incrível no amor humano é que ele pode ser dirigido a muitas pessoas e seres diferentes: podemos amar nossos amigos, nossa família, nossos filhos e nossos amantes. Mas também podemos amar um Deus, nossos animais de estimação e até celebridades que não conhecemos".

Segundo a pesquisadora, em seu nível mais básico, o propósito do amor é a sobrevivência e a garantia da evolução. O ser-humano precisa passar seus genes adiante, ao mesmo tempo em que as mães precisam de uma rede de apoio para criar seus filhos.

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"Mas além disso, o amor também é um vício, sustentado por um conjunto de neuroquímicos como a ocitocina, a dopamina, a serotonina e a beta endorfina que nos fazem desejar estar com a pessoa que amamos", diz Machin.

Há ainda componentes sociais e pessoais que definem as razões por que amamos. Nem todos experimentamos o amor da mesma maneira ou desejamos alcançá-lo pelos menos motivos, e o local onde nascemos, a forma como fomos criados e até nossa genética podem influenciar nossas escolhas.

"Popularmente dizemos que o amor é uma emoção, mas na realidade é algo muito mais complexo do que isso", diz a pesquisadora de Oxford, que usou análises genéticas, de imagens cerebrais e neuroquímicos, além de extensas entrevistas, para elaborar sua tese.

Honestidade, ternura ou sofrimento?

O ser humano pode dirigir seu amor para parceiros, familiares, amigos, animais e até entes religiosos (Getty Images)

O contexto social em que fomos criados e vivemos depois de adultos tem grande influência sobre a forma que sentimos e demonstramos o amor, segundo Anna Machin.

A antropóloga explica em seu livro que nossa relação com o amor pode mudar de acordo com as relações que observamos à nossa volta e tomamos como exemplo para nós mesmos. A cultura também pode ter um grande impacto aqui.

"O local onde nascemos também afeta a forma como definimos o amor e até as palavras que costumamos associar com ele", diz.

A especialista cita como exemplo um estudo publicado em 2016 na revista acadêmica Psychology in Russia com pessoas nativas da África Central, do Brasil e da Rússia. Enquanto os brasileiros entrevistados usaram com frequência a palavra honestidade para descrever o amor e associaram o sentimento com moral e família, os termos mais mencionados pelos russos foram sofrimento, confiança e auto sacrifício.

Já os centro-africanos usaram a palavra "ternura" para falar de amor - para eles, o sentimento está intimamente ligado com o lado espiritual.

"Há estudos que também nos mostram que a linguagem corporal exibida quando estamos apaixonados ou demonstramos amor é algo muito específico da cultural", afirma Machin.

Mas infelizmente, é impossível saber exatamente como as outras pessoas experimentam o amor. "Você nunca saberá como eu sinto amor, assim como eu nunca saberei como você se sente quando está amando", diz a especialista.

Por isso mesmo, as formas mais usadas pelos pesquisadores para estudar o tema são os exames cerebrais e de substâncias químicas, além das entrevistas e da observação da linguagem corporal.

"Analisamos alguns pontos objetivos para termos uma vaga ideia de como é a experiência do outro com o amor. A atividade cerebral das pessoas, por exemplo, pode ser diferente de acordo com a intensidade dos sentimentos, assim como a neuroquímica no corpo", explica Machin.

Qual a influência da genética?

A genética também pode influenciar na forma como sentimos e demonstramos o amor (Getty Images)

Apesar da comunidade científica já ter se debruçado sobre o tema, a influência da genética na forma como sentimos e demonstramos o amor pode ser novidade para muitos.

Segundo Anna Machin, os genes estudados em suas pesquisas estão associados às substâncias neuroquímicas que sustentam o amor.

"São os chamados genes receptores - os neuroquímicos no cérebro se prendem a esses receptores e causam sensações ou despertam comportamentos", explica a antropóloga. "A quantidade, a localização e a capacidade dos receptores de se conectarem com as substâncias químicas influenciam na forma como o ser-humano sente o amor".

"Digamos que uma pessoa tenha um número muito alto de receptores de ocitocina no cérebro - ela vai experimentar uma sensação de amor muito mais forte do que alguém que tem um número menor".

A especialista explica em seu livro que os genes podem também tornar algumas pessoas mais empáticas, afetuosas fisicamente ou até mais apegadas aos seus entes amados.

Anna Machin é enfática ao dizer que só podemos amar ou manter relacionamentos amorosos de qualquer tipo quando há uma relação entre dois seres.

"Não podemos amar objetos, apenas outras pessoas, animais ou entidades religiosas. Algumas pessoas podem apresentar distúrbios psicológicos em que dizem amar um objeto, mas nesses casos não há liberação neuroquímica ou qualquer tipo de evidência cerebral de que elas estão apaixonadas", diz a antropóloga.

Da mesma forma, o amor próprio não se enquadra na definição usada pela ciência de amor. "O amor é uma relação recíproca ou diádica e não se pode ter algo assim consigo mesmo".

Julia Braun, de S. Paulo para a BBC News Brasil em 27.03.22

terça-feira, 29 de março de 2022

EUA e Reino Unido veem com desconfiança garantias russas para cessar-fogo

Representantes dos países afirmam que é preciso esperar ações da Rússia, não apenas declarações; sanções serão mantidas neste primeiro momento    

Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fala durante coletiva de imprensa na Casa Branca nesta terça-feira, 29. Biden vê com desconfiança os avanços das negociações entre Rússia e Ucrânia Foto: Nicholas Kamm / AFP 

Após as negociações entre Ucrânia e Rússia na Turquia, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reagiu com desconfiança à declaração russa de retirada de tropas nas regiões de Kiev e Chernihiv. Questionado sobre como avaliava a declaração russa, Biden disse “não ler nada” sobre a retirada até que ela aconteça e garantiu a manutenção das sanções. “Vamos ver se eles seguem o que estão sugerindo”, respondeu.

Mais cedo, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, reagiu da mesma maneira. Segundo Blinken, os EUA não viram “sinais de real seriedade por parte do país comandado por Vladimir Putin. “Existe o que a Rússia diz e existe o que a Rússia faz. Estamos focados neste último”, disse durante uma coletiva de imprensa.

A desconfiança contra a Rússia também foi expressada pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson. Em uma reunião com ministros, ele afirmou que o cessar-fogo da guerra da Ucrânia, por si só, não seria motivo para a retirada das sanções contra a Rússia. “A pressão sobre Putin deve ser aumentada tanto por meio de novas medidas econômicas quanto pelo fornecimento de ajuda militar para garantir que a Rússia mude completamente o curso”, anunciou o porta-voz de Johnson.

Segundo o porta-voz, a retirada total das tropas russas da Ucrânia “seria um bom começo” para a mudança de postura do Reino Unido. “Julgaremos Putin e seu regime por suas ações, não por suas palavras”, declarou.

As declarações foram feitas horas após a primeira negociação entre Rússia e Ucrânia que parece ter avanços reais. A Rússia disse que está preparada para acelerar uma possível reunião entre os presidentes Vladimir Putin e Volodmir Zelenski - ideia que rejeitavam até a reunião - e afirmou que vai retirar as tropas do norte ucraniano.

Para os Estados Unidos, o anúncio da Rússia de redução das hostilidades em torno de Kiev pode ser “um meio pelo qual a Rússia mais uma vez está tentando desviar e enganar as pessoas a pensar que não está fazendo o que está fazendo”. “Se eles de alguma forma acreditam que um esforço para subjugar “apenas”, entre aspas, a parte leste da Ucrânia e a parte sul da Ucrânia pode ter sucesso, mais uma vez eles estão se enganando profundamente”, declarou.

O secretário de estado norte-americano pediu que as tropas “acabem com a agressão agora, parem de atirar, recue suas forças e, claro, se envolve em negociações”.

Nesta terça-feira, 29, enquanto a reunião entre os dois países acontecia, a Rússia atacou a cidade de Mikolaiv, no sul, e deixou ao menos 7 mortos e 22 feridos. Um dos edifícios atingidos pelos bombardeios foi o prédio governamental da cidade.

Após as negociações, o chefe da delegação russa, Vladimir Medinski, disse em entrevista a uma agência de notícias estatal russa, a Tass, que a redução das operações militares no norte não representa um cessar-fogo. “Este não é um cessar-fogo, mas esta é a nossa aspiração: alcançar gradualmente uma desescalada do conflito, pelo menos nestas frentes”, disse.

Primeiro-ministro britânico Boris Johnson afirmou nesta terça-feira, 29, que cessar-fogo da Rússia não é suficiente para acabar com sanções  Foto: Andy Rain / EFE

Reunião da Otan

Alguns membros da aliança se reuniram virtualmente nesta terça-feira, depois das negociações entre Ucrânia e Rússia. Segundo a Casa Branca, o presidente dos EUA, Joe Biden, conversou durante uma hora com o presidente francês Emmanuel Macron, o chanceler alemão Olaf Scholz, o primeiro-ministro italiano Mario Draghi e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson. Até o momento, não há informações sobre o que foi discutido na chamada.

Segundo Joe Biden, parece haver um consenso entre esses países de aguardar os próximos passos da Rússia para avaliar o que fazer. “Mas, enquanto isso, continuaremos a manter fortes sanções”, disse Biden. “Vamos continuar a fornecer aos militares ucranianos a capacidade de se defenderem. E vamos continuar atentos ao que está acontecendo.”

De acordo com uma leitura da Casa Branca da reunião da Otan, os líderes “analisaram seus esforços para fornecer assistência humanitária aos milhões afetados pela violência, tanto dentro da Ucrânia quanto buscando refúgio em outros países, e enfatizaram a necessidade de acesso humanitário a civis em Mariupol. Eles também discutiram a importância de apoiar mercados de energia estáveis à luz das atuais interrupções devido a sanções.”

A Ucrânia e vários países não pertencentes à aliança foram convidados a participar de parte de uma reunião de dois dias dos ministros das Relações Exteriores da Otan na próxima semana, de acordo com um comunicado da aliança militar com sede em Bruxelas.

A Otan disse que os convites foram para “os Ministros das Relações Exteriores da Austrália, Finlândia, Geórgia, Japão, República da Coreia, Nova Zelândia, Suécia e Ucrânia, bem como o Alto Representante da União Europeia para Relações Exteriores”. A reunião está marcada para o próximo dia 7 de abril.

Turquia vê progresso após encontro mediado por Erdogan

Na contramão da desconfiança dos aliados da Otan, a Turquia considerou as negociações desta terça-feira um avanço para o fim da guerra. “Esta guerra que causou a morte de milhares de pessoas e o deslocamento de milhões de outras deve parar”, disse o ministro das Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu, em comentários televisionados.

Segundo Cavusoglu, o próximo passo da negociação seria os ministros das Relações Exteriores da Rússia e da Ucrânia se reunirem para “dar a forma ao entendimento comum mais recente”, alcançado nesta terça.

O país assumiu uma posição de mediador entre os dois países em guerra e recepcionou os negociadores no Palácio de Dolmabahçe, em Istambul, a última residência no Bósforo dos sultões e que também foi a última sede administrativa do Império Otomano, que atualmente abriga escritórios da presidência turca. “O mundo inteiro espera boas notícias”, disse o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, antes do início das discussões.

Macron pede a Putin que haja trégua em Mariupol

O presidente da França, Emmanuel Macron, conversou com presidente Vladimir Putin nesta terça-feira, 29, para pedir que a trégua seja estabelecida em Mariupol. O telefonema teve o objetivo de se chegar a um acordo para a retirada com segurança dos civis que permanecem na cidade, que vive o pior cenário da guerra da Ucrânia, e para a entrega de ajuda humanitária.

Segundo uma fonte de Paris ouvida pelo New York Times, Putin “ouviu os pedidos e demandas” de Macron e “disse que ele pensaria sobre eles e retornaria”.

O Kremlin, em seu próprio relato da discussão, disse que Putin falou sobre “as medidas tomadas pelos militares russos para fornecer assistência humanitária urgente e garantir a evacuação segura de civis, inclusive de Mariupol”.

A CNN, por sua vez, ouviu de uma fonte que Putin teria chamado as negociações desta terça-feira com a Ucrânia de promissoras.

NYT, W.P., THE GUARDIAN, REUTERS / Por Redação d'O Estado de S. Paulo, em 29.03.22

França: eleições em guerra

A invasão da Ucrânia pode desarmar o populismo nas urnas e fortalecer a proteção das frágeis democracias europeias

Um funcionário de uma empresa de publicidade coloca vários cartazes eleitorais dos candidatos à Presidência da França, esta segunda-feira em Saint-Herblai. (SEBASTIEN SALOM-GOMIS (AFP)

A invasão russa da Ucrânia fortaleceu a União Europeia e a OTAN. Deveria também fortalecer as democracias ocidentais, submetidas durante uma década a tensões internas por forças populistas de direita e esquerda, e hoje confrontadas com um desafio externo e incomparavelmente maior: o de um autocrata, Vladimir Putin, que bombardeia civis ucranianos e empunha o poder nuclear arma diante do mundo.

As eleições presidenciais de 10 e 24 de abril na França permitirão avaliar nas urnas o impacto da guerra que Putin iniciou em 24 de fevereiro. As pesquisas refletem o chamado efeito bandeira: em tempos de crise, geralmente há um cerrar fileiras em torno do líder. O atual presidente, o centrista Emmanuel Macron, estabeleceu-se como o favorito, embora tenha perdido alguma vantagem nos últimos dias em relação à sua perseguidora imediata, Marine Le Pen, líder histórica da extrema direita. Assim como na reta final da campanha anterior, em 2017, o líder da esquerda populista, Jean-Luc Mélenchon, prevaleceu como candidato do voto útil da esquerda e acredita ter opções para ir ao segundo turno.

No contexto de guerra e de ameaça existencial à Europa, mesmo os candidatos mais radicais estão fazendo um esforço para suavizar suas posições. Le Pen, que em uma campanha anterior recebeu um empréstimo milionário de um banco russo, não quer mais, como em 2017, tirar a França da UE e do euro. Mélenchon, que em janeiro justificou a mobilização militar russa devido à suposta "ameaça" representada pela Ucrânia, ainda é a favor da saída da OTAN, mas agora diz que, em plena guerra, não é hora de retirar seu país da o acampamento ocidental. É significativo que a maior baixa nas pesquisas tenha sido o ultra estudioso Éric Zemmour, cujas explosões racistas e declarações entusiásticas de fé em Putin não se encaixam bem com o imperativo de pacificação desta campanha.

A guerra impôs um momento de sobriedade e seriedade. Talvez marque o início do fim de uma década populista no Ocidente que encorajou autocratas na Rússia ou na China. Em pouco mais de um mês, os europeus se rearmaram militar e institucionalmente enviando armas para a Ucrânia ou impondo sanções maciças à Rússia. Mas é hora também de um rearmamento ideológico. Putin vê na UE a encarnação da decadência ocidental e do relativismo moral, mas ao atacar um país democrático que aspira a aderir à UE como a Ucrânia, ele pode agir como um choque elétrico: ele nos lembrou de não tomar como certo pluralismo imperfeito democracias, e que vale a pena defendê-las. Nesta luta, a França é a capital.

Editorial do EL PAÍS, em 29.03.22