A nota comemorando a ditadura militar de 64, divulgada ontem à noite pelo Ministério da Defesa, é a pior já divulgada neste governo. Ser assinada pelo general de pijama Walter Braga Netto, que está saindo do cargo para ser candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, era de se esperar. Mas o grave é ter as assinaturas do general, do almirante e do brigadeiro que comandam as tropas. Nesse ponto é uma ameaça ao país.
Rio de Janeiro (RJ) - 26/06/1968 - Passeata dos Cem Mil contra a Ditadura Militar - Da esquerda para a direita: Pascoal Carlos Magno (de capa, gravata, ao lado de mulher com vestido branco) Nelson Motta, desconhecida, Edu Lobo, Itala Nandi, Chico Buarque de Holanda, desconhecido, Renato Borghi, José Celso Martinez Correa, desconhecido, Caetano Veloso (de costas), Nana Caymmi, Gilberto Gil e Paulo Autran.| Foto Arquivo / Agência O Globo - Neg : 50836
Não se pode esquecer o contexto. Bolsonaro é um defensor de ditaduras, sente “embrulho no estômago” como disse outro dia, de respeitar a Constituição, e passou três anos e três meses no poder vomitando ameaças golpistas. Bolsonaro está disputando a reeleição, em situação desfavorável nas pesquisas, e ontem mesmo voltou a fazer ameaças. Esse contexto piora muito a nota.
Uma solitária verdade na nota é que “não se pode reescrever a história”. De fato. Mas é isso que eles tentam fervorosamente. Há um trecho que diz: “Nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de crescimento econômico e de amadurecimento político”. Uma coleção de mentiras. Não foi a sociedade, foram os militares que conduziram o país. Tanto que quando houve a possibilidade de um vice assumir, Pedro Aleixo, quando Costa e Silva ficou incapacitado e morreu, o país passou a ser dirigido por uma junta militar. Os generais conduziram o país para 21 anos de ditadura militar e não um período de estabilização. O país cresceu no começo dos anos 70, mas houve duas recessões, calote da dívida externa e no fim o país estava com uma hiperinflação que foi debelada apenas na democracia. O governo fechou o Congresso, aposentou ministros do Supremo, cassou e exilou, censurou a imprensa. É triste ter que lembrar de novo, de novo, de novo.
Os fatos históricos são inarredáveis. O que eles querem dizer com o trecho em que afirmam que “as Forças Armadas” observaram “estritamente o regramento constitucional”. Eles rasgaram a Constituição, fizeram outra e também a rasgaram com os atos institucionais, principalmente o AI-5 que suspendeu todos os resquícios de democracia. As Forças Armadas instalaram dentro dos seus quartéis máquinas de prisão, tortura, morte e ocultação de cadáveres. Em vez de pedirem desculpas ao país, afrontam ano a ano a verdade histórica.
Nesse ano, repito, é mais grave porque as ameaças à democracia por parte do presidente têm a chancela de militares da ativa que mentem, mentem novamente, sobre fatos que aconteceram há 58 anos. O Brasil é um caso único. As Forças Armadas dos nossos vizinhos não têm o desplante de mentir sobre a História e afrontar os seus países, da forma que fazem as Forças Armadas brasileiras.
Míriam Leitão / O Globo, em 31/03/2022 • 08:17
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