terça-feira, 29 de março de 2022

França: eleições em guerra

A invasão da Ucrânia pode desarmar o populismo nas urnas e fortalecer a proteção das frágeis democracias europeias

Um funcionário de uma empresa de publicidade coloca vários cartazes eleitorais dos candidatos à Presidência da França, esta segunda-feira em Saint-Herblai. (SEBASTIEN SALOM-GOMIS (AFP)

A invasão russa da Ucrânia fortaleceu a União Europeia e a OTAN. Deveria também fortalecer as democracias ocidentais, submetidas durante uma década a tensões internas por forças populistas de direita e esquerda, e hoje confrontadas com um desafio externo e incomparavelmente maior: o de um autocrata, Vladimir Putin, que bombardeia civis ucranianos e empunha o poder nuclear arma diante do mundo.

As eleições presidenciais de 10 e 24 de abril na França permitirão avaliar nas urnas o impacto da guerra que Putin iniciou em 24 de fevereiro. As pesquisas refletem o chamado efeito bandeira: em tempos de crise, geralmente há um cerrar fileiras em torno do líder. O atual presidente, o centrista Emmanuel Macron, estabeleceu-se como o favorito, embora tenha perdido alguma vantagem nos últimos dias em relação à sua perseguidora imediata, Marine Le Pen, líder histórica da extrema direita. Assim como na reta final da campanha anterior, em 2017, o líder da esquerda populista, Jean-Luc Mélenchon, prevaleceu como candidato do voto útil da esquerda e acredita ter opções para ir ao segundo turno.

No contexto de guerra e de ameaça existencial à Europa, mesmo os candidatos mais radicais estão fazendo um esforço para suavizar suas posições. Le Pen, que em uma campanha anterior recebeu um empréstimo milionário de um banco russo, não quer mais, como em 2017, tirar a França da UE e do euro. Mélenchon, que em janeiro justificou a mobilização militar russa devido à suposta "ameaça" representada pela Ucrânia, ainda é a favor da saída da OTAN, mas agora diz que, em plena guerra, não é hora de retirar seu país da o acampamento ocidental. É significativo que a maior baixa nas pesquisas tenha sido o ultra estudioso Éric Zemmour, cujas explosões racistas e declarações entusiásticas de fé em Putin não se encaixam bem com o imperativo de pacificação desta campanha.

A guerra impôs um momento de sobriedade e seriedade. Talvez marque o início do fim de uma década populista no Ocidente que encorajou autocratas na Rússia ou na China. Em pouco mais de um mês, os europeus se rearmaram militar e institucionalmente enviando armas para a Ucrânia ou impondo sanções maciças à Rússia. Mas é hora também de um rearmamento ideológico. Putin vê na UE a encarnação da decadência ocidental e do relativismo moral, mas ao atacar um país democrático que aspira a aderir à UE como a Ucrânia, ele pode agir como um choque elétrico: ele nos lembrou de não tomar como certo pluralismo imperfeito democracias, e que vale a pena defendê-las. Nesta luta, a França é a capital.

Editorial do EL PAÍS, em 29.03.22

Nenhum comentário: