sábado, 19 de fevereiro de 2022

Homens encapuzados intimidam e expulsam Sergio Fajardo de evento de campanha na Colômbia

O candidato do centro à Pesidência da República teve que deixar a Universidade Tecnológica de Pereira após ser assediado por quatro homens. Houve detonações perto do político e sua equipe

Sergio Fajardo durante evento de campanha em Bogotá, em 4 de fevereiro (Raul Arboleda (AFP)

A um mês das eleições presidenciais na Colômbia, a violência e a sabotagem, um dos grandes temores do país, começam a ficar mais evidentes nas campanhas. Nesta quinta-feira, o pré-candidato Sergio Fajardo foi obrigado a deixar a Universidade Tecnológica de Pereira, intimidado por quatro homens encapuzados.

“É algo que nunca tinha acontecido conosco em nenhuma universidade. É uma pena que a violência política e o ódio façam com que alguns impeçam o livre exercício da democracia”, disse Fajardo, um dos candidatos presidenciais da coalizão Centro Esperanza .

Fajardo realizou um evento com alunos desta universidade pública, localizada na região cafeeira do país, e segundo fontes de sua campanha, ele se dirigia ao palco onde eram esperados quando, a dois metros dele e de sua equipe, o que é conhecido como uma bomba de batata detonou. Minutos depois, os homens encapuzados apareceram.

A intimidação do candidato foi registrada em vídeo e ficou conhecida pelas redes sociais. Nele você pode ver como eles se aproximam dele, ele tira a máscara e troca algumas palavras com eles, mas à insistência para que ele saia, ele a coloca de volta e vai embora com sua equipe. O candidato perguntou para onde deveria ir e eles insistiram que não o queriam na universidade e que o acompanhariam até a saída. Minutos depois, outro tiro foi ouvido.

De acordo com a campanha, um jovem voluntário foi ferido no rosto por estilhaços durante uma detonação que ocorreu antes de Fajardo entrar na universidade.

O ex-prefeito de Medellín, que também foi candidato à presidência em 2018, reuniu-se com professores e estudantes universitários que, em meio aos homens encapuzados, se envergonharam da intimidação e lhes disse que os “capuz” não representavam todos os alunos do corpo docente da universidade.

Ao sair da universidade, o candidato foi para outra reunião e naquela noite viajou para a cidade de Manizales para continuar com sua agenda de campanha. A partir daí, ele insistiu que vai continuar. “Não vamos parar, vamos nos encontrar novamente com os alunos da UTP em outra ocasião. As universidades devem ser lugares de encontro, de debate, de argumentos e ideias; nunca de violência ou opressão”, escreveu ele.

Outros candidatos, como Juan Manuel Galán , que concorre com Fajardo na coalizão de centro, manifestaram sua solidariedade e rejeitaram o fato. “As universidades devem ser fóruns abertos para discussão, nunca espaços para violência”, disse Galán, cujo pai Luis Carlos Galán foi assassinado durante sua campanha à presidência em 1990.

“A boa notícia: continuo firme no meu compromisso com a educação, principalmente a educação pública. Minha convicção foi, é e será a educação como motor da transformação social. Resumindo: a educação é a revolução”, disse Fajardo em sua conta no Twitter.

Catarina Oquendo, autora deste artigo, é Correspondente do EL PAÍS na Colômbia. Jornalista e bookholic ao núcleo. Comunicadora pela Universidad Pontificia Bolivariana e Mestre em Relações Internacionais pela Flacso. Recebeu o Prêmio Gabo 2018, com o trabalho coletivo Venezuela em fuga, e outros reconhecimentos. Co-autora de Jornalismo para mudar o Chip da guerra. Publicado em 18.02.22

A vida de Lula está em perigo?

O fato de personalidades do mundo jurídico terem denunciado a possibilidade de um atentado contra o ex-presidente adiciona mais tensão a uma campanha já acalorado

O ex-presidente brasileiro Lula da Silva, em entrevista em São Paulo, em 17 de dezembro de 2017. (Amanda Perobelli (Reuters)

No mundo político brasileiro começa a se temer um possível ataque ao ex-presidente Lula da Silva, que aparece como o único candidato capaz de destronar o presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro. Estes não são apenas rumores das redes sociais. Foram publicações conceituadas, como a revista Forum , que publicou entrevistas com duas figuras proeminentes da vida pública nas quais afirmam sem meias medidas que a vida de Lula pode estar em perigo.

A jornalista Daniela Pinheiro, do portal de noticias Uol , entrevistou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa. O magistrado que havia sido nomeado para o cargo pelo então presidente Lula tornou-se popular por ter sido o relator do processo do escândalo do mensalão, que levou à prisão de toda a direção do Partido dos Trabalhadores (PT). Hoje Barbosa é uma figura respeitada e vários partidos tentaram em vão tê-lo como candidato presidencial. Na entrevista, Barbosa afirma que não duvida que Lula possa ser assassinado durante a campanha eleitoral: “Não duvido. Eles são sanguinários, não têm limites.”

Ao lado do popular ex-magistrado, outra personalidade importante, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragón, hoje advogado da campanha do PT, tem insistido nos mesmos temores de Barbosa. Em entrevista ao Jornal Fórum ele afirma: “Não podemos ser infantis. Sabemos que a vida de Lula está em perigo. Sabemos que essas pessoas não jogam. Há um milhão de bolsonaristas armados até os dentes em eleições que vão ser violentas.” E acrescentou: “Não podemos dizer que o jogo já está ganho. Bolsonaro está longe, longe de ser derrotado."

Quem teme a possibilidade de um atentado contra a vida de Lula, que ainda não é candidato oficial embora pareça o vencedor em todas as pesquisas, acha que um dos motivos da estranha visita de Bolsonaro a Putin em Moscou há alguns dias atrás poderia estar pedindo “ajuda” ao líder soviético para usar as redes sociais a seu favor na campanha eleitoral. Algo semelhante ao que a Rússia fez com o candidato Trump nos Estados Unidos.

Que o PT realmente teme um possível ataque contra Lula ficou claro com a forte proteção que, desde o início da campanha informal para as eleições presidenciais, vem sendo tomada contra um possível ataque. Na verdade, Lula ainda não compareceu fisicamente a nenhuma manifestação pública. Todas as suas intervenções no Brasil se reduzem a entrevistas online com a mídia. Ele ainda não foi visto saindo às ruas nas mãos de seus fiéis seguidores como sempre estava acostumado. E não se sabe o que pode ser respondido quando, depois de ter decidido publicamente e legalmente ser candidato, a campanha eleitoral começa a sério.

O fato de personagens de total solvência no mundo jurídico como Barbosa e Aragón terem querido denunciar sem meias palavras a possibilidade de um atentado à vida de Lula acrescentou ainda mais tensão, se possível, ao clima já acalorado de uma campanha eleitoral que na realidade já começou e está cheio de incógnitas e possíveis surpresas.

Tudo isso está criando um clima de ceticismo e instabilidade política no país que continua afetando os rumos de uma economia já gravemente ferida, com milhões de desempregados e passando fome. Enquanto o presidente continua armando as pessoas, favorecendo economicamente as forças policiais e contando cada vez mais com as forças armadas. Os militares, embora divididos, puderam, em um momento de grave crise e possibilidade de retorno da esquerda ao poder, ao lado do capitão aposentado que já colocou mais de 6.000 soldados em seu governo e nas quadrilhas do Estado.

Enquanto isso, o presidente continua insistindo dia após dia que as urnas eletrônicas, usadas no Brasil nas eleições há mais de 20 anos e nas quais os últimos presidentes foram eleitos, inclusive ele próprio, não são seguras e podem ser manipuladas. Na verdade, com suas declarações contra a segurança das urnas, ele se prepara para, no caso de uma possível derrota, anular o resultado e organizar algum tipo de golpe autoritário. E esse é o grande medo das forças progressistas diante de eleições em que tudo pode acontecer e sobre as quais nenhum dos maiores analistas políticos se atreve a fazer profecias.

Juan Árias, o autor deste artigo, é correspondente do EL PAÍS. Publicado em 18.02.22.

Arquivos Nacionais confirmam que Trump levou material confidencial da Casa Branca para sua mansão

O órgão público encaminha o caso das 15 caixas recuperadas de Mar-a-Lago ao Ministério da Justiça

Mansão do ex-presidente Donald Trump em Mar a Lago, Flórida. (Joe Raele, AFP)

Ao deixar o cargo de presidente dos Estados Unidos, Donald Trump levou documentos confidenciais e informações valiosas para a segurança nacional da Casa Branca para sua mansão em Mar-a-Lago, na Flórida, conforme confirmado pela Administração dos Arquivos Nacionais na sexta-feira. NARA). O órgão público encarregado de guardar os registros dos presidentes norte-americanos apontou que o republicano não entregou determinados registros das redes sociais e que encaminhou o caso ao Departamento de Justiça. Trump tentou impedir a divulgação dos documentos, mas a Suprema Corte o obrigou a devolvê-los 

O Comitê de Supervisão da Câmara enviou uma carta ao Arquivo Nacional para descobrir se as 15 caixas que eles recuperaram de Trump continham material classificado. Na carta de resposta, o arquivista dos Estados Unidos, David S. Ferriero, responsável pela agência, responde que sim e ressalta que o governo republicano não mantinha determinados registros das redes sociais. A lei exige que os registros presidenciais sejam de propriedade do governo, não do presidente.

“Em junho de 2018, a NARA soube por um artigo do Politico que o ex-presidente Trump estava rasgando os registros presidenciais e que os funcionários da Casa Branca estavam tentando colá-los”, escreveu Ferriero à congressista democrata Carolyn Maloney, presidente do comitê. Maloney já havia alertado em dezembro de 2020 suas “sérias preocupações” de que o governo republicano não estava “preservando adequadamente os registros” e poderia estar “se livrando deles”.

A agência observou que alguns funcionários da Casa Branca repetidamente conduziram negócios oficiais usando contas pessoais de telefone e mensagens, violando a Lei de Registros Presidenciais. Essa falta é comum entre os funcionários do governo. O próprio Trump atacou Hillary Clinton em 2016, quando eles estavam concorrendo à presidência dos EUA, por ela ter manipulado incorretamente seu e-mail para lidar com questões de segurança nacional.

Entre os documentos estavam cartas do líder norte-coreano Kim Jong-un e a nota deixada para ele por seu antecessor, Barack Obama, em seu último dia no Salão Oval. Trump disse que as 15 caixas continham "cartas, registros, jornais, revistas e itens diversos" que ele pretendia exibir na Biblioteca Presidencial Donald J. Trump aberta ao público.

Antonia Laborde, de Washington, DC, para o EL PAÍS, em 18.02.22. Antonia Laborde é Correspondente em Washington desde 2018. Trabalhou na Telemundo (Espanha), no jornal econômico Pulso (Chile) e no meio online El Definido (Chile). Mestre em Jornalismo pelo EL PAÍS.

Uma casa para Gabriel Boric, um presidente não convencional

O futuro presidente chileno busca residência em bairros inusitados, longe das ricas comunas em que seus antecessores vive

O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, posa com seu cachorro Brownie para uma foto postada em suas redes sociais.

Gabriel Boric está procurando uma casa para morar. Ele não pode mais fazê-lo no pequeno apartamento alugado que ocupou como deputado em Santiago do Chile. Nem nos bairros ricos que sobem a serra, onde abundam as mansões dos ricos. Não seria a melhor decisão para um jovem presidente, que incentiva a informalidade e surgiu da briga estudantil de rua. Boric queria um bairro popular, próximo ao povo, mas descartou a ideia por questões de segurança.

Esta semana, o presidente eleito do Chile voltou seus olhos para Yungay, uma comuna central de ruas de paralelepípedos e prédios baixos. Fundado em 1840, é um dos bairros mais antigos do centro de Santiago, lar de intelectuais durante a fundação da República e hoje pontilhado de grandes casarões do final do século XIX, bares, bibliotecas e praças tranquilas. Perto há uma casa tradicional com 13 cômodos, com espaço suficiente para ele trabalhar nela e, ao mesmo tempo, morar sob sua guarda. Se a operação finalmente se concretizar, Boric levará menos de 10 minutos de carro para chegar a La Moneda, sede do governo. E menos de meia hora se você optar por ir a pé. Na segunda-feira, Boric visitou Yungay junto com sua parceira, Irina Karamanos;conversou com o dono de um bar e comprou discos de rock em uma loja de vinil.

Para um presidente do Chile, escolher uma casa é uma questão de estado. O país sul-americano não tem residência oficial para o presidente e a última pessoa a morar em La Moneda foi Carlos Ibañez, em meados dos anos cinquenta do século passado. Patricio Aylwin em 1990 e Eduardo Frei, em 1994, viveram em suas casas permanentes em Santiago. Mas Boric é de Punta Arenas, no extremo sul do Chile, e agora mora em um apartamento alugado no bairro turístico de Bellas Artes.

Procurando uma casa para o novo presidente do Chile

A residência do presidente do Chile deve atender a pelo menos cinco requisitos: duas entradas, que não haja prédios altos nos arredores para atirar, ter um hospital próximo, espaço suficiente para realizar reuniões de trabalho e salas para a guarda. Boric encontrou tudo isso naquela velha casa de herança em Yungay.

A fachada da mansão em que o presidente do Chile, Gabriel Boric, pretende morar quando tomar posse em 11 de março de 2022. (Portal Imobiliário)

Já no final de dezembro, o urbanista chileno Miguel Laborde destacou ao EL PAÍS os benefícios do bairro Yungay, sem suspeitar que acabaria sendo o favorito de Boric. “Foi o primeiro bairro criado na República, projetado pelo primeiro arquiteto oficial do Governo, José Vicente Larraín. Sempre foi o bairro acolhedor, para provincianos e imigrantes. E hoje tem boa saúde e educação pública, além de casas de bom tamanho”, disse.

A casa em questão foi recentemente reformada e foi oferecida para aluguel por seis semanas. Até recentemente, uma pequena clínica de trauma operava lá. De acordo com a publicação da agência imobiliária, trata-se, na verdade, de “duas casas numa, cada uma com acesso próprio e independentes uma da outra, interligadas internamente com um empilhador para se deslocar entre os pisos”. Tem 500 metros quadrados, 13 quartos e nove banheiros. O Estado pagará por isso o equivalente em pesos chilenos a 4.100 dólares por mês.

Boric já confirmou a alguns vizinhos que estava pensando em se mudar para a casa. Ele se movia como quando era um jovem líder estudantil passeando em uma tarde ensolarada. Vestindo um boné com viseira e uma camisa pólo, ele foi a um bar perto de sua futura casa e comprou vinil. O dono da loja, Eduardo Brieba, postou fotos do novo cliente em sua conta no Instagram. “É a primeira vez que vejo, não costumo tirar fotos minhas, mas agora fiz porque me chamou a atenção. Ele é uma pessoa muito afável, muito calmo", disse Brieba ao jornal chileno La Tercera . "Ele foi ver discos de rock e pop chilenos e levou alguns discos Sui Generis."

Federico Rivas-Molina, de Buenos Aires para o EL PAÍS em 18.02.22. Federico Rivas-Moli  é editor de América do EL PAÍS de Buenos Aires, onde é correspondente do jornal desde 2016. É formado em Ciências da Comunicação pela Universidade de Buenos Aires e mestre em Jornalismo pela Universidade Autônoma de Barcelona.

Chuvas em Petrópolis deixam ao menos 136 mortos e 191 desaparecidos

Fortes chuvas que caíram em Petrópolis (RJ), na região Serrana do Rio, provocaram enchentes e deslizamentos na noite de terça (15/2), com pelo menos 136 mortos contabilizados até o fim da manhã deste sábado (19/2), segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Desastre deixou vítimas fatais (EPA)

De acordo com a Polícia Civil, os corpos já foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) de Petrópolis. Dos mortos, 84 são do sexo feminino e 52, do sexo masculino. Desses, 97 já foram identificados

Segundo a Prefeitura de Petrópolis, até o fim da manhã deste sábado 65 vítimas da chuva já haviam sido sepultadas em um cemitério da cidade.

Há 191 registros de pessoas desaparecidas na cidade, segundo dados da Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA).

A Prefeitura de Petrópolis decretou estado de calamidade pública após o temporal. Nos últimos dias, as buscas chegaram a ser suspensas em algum período em decorrência de novas chuvas na região.

Equipes de resgate trabalham na região desde a noite de terça-feira, ajudando famílias e buscando corpos em meio a escombros. Diversas casas foram completamente destruídas. Algumas ruas do Centro Histórico de Petrópolis perderam o asfalto, e o trânsito ficou interditado.

 Equipes de resgate passaram a noite ajudando famílias (Reuters)

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Diversas ruas da cidade ficaram intransitáveis após o temporal e inúmeras casas foram destruídas em diferentes trechos do município. Uma das áreas mais devastadas foi o Morro da Oficina, no bairro Alto da Serra. Ali, segundo estimativas de autoridades locais, ao menos 80 casas foram atingidas por uma barreira que caiu na região.

Chuva causou enchentes e deslizamentos (EPA)

"A Prefeitura de Petrópolis está com todas as equipes mobilizadas para o atendimento às ocorrências. As pessoas estão acolhidas nos pontos de apoio que funcionam em escolas da cidade", informou o governo municipal em seu site no Facebook logo após o temporal.

Fortes chuvas que caíram em Petrópolis (RJ), na região Serrana do Rio, provocaram enchentes e deslizamentos na noite de terça (15/2) (Reuters)

"Nos locais, a população recebe o suporte de profissionais de Assistência Social, Educação, Saúde, além da Defesa Civil, que está totalmente dedicada ao atendimento aos casos com vítimas. Os agentes atuam em conjunto com o 15º Grupamento do Corpo de Bombeiros. Equipes da Companhia Municipal de Desenvolvimento de Petrópolis e Companhia Petropolitana de Trânsito e Transportes também atuam por toda a cidade."

Na semana passada, a Secretaria de Defesa Civil havia colocado a cidade em Estágio Operacional de Atenção devido à previsão de fortes chuvas. No entanto, como não houve o volume esperado, o governo municipal retornou a cidade para o Estágio Operacional de Observação na segunda-feira (14/2).

Mas na terça-feira o volume de chuvas aumentou muito, provocando grandes estragos pela cidade.

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Autoridades no local

O governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, André Ceciliano, se deslocaram para o município para acompanhar os trabalhos de resgate na manhã de quarta-feira.

Moradores observam destruição causada pela chuva (Reuters)

"As imagens são muito fortes e, provavelmente, vamos amanhecer com imagens tão ou mais fortes. É realmente uma tragédia grande. [...] O que nós vimos é uma cena muito triste, cena praticamente de guerra", disse o governador na noite de terça-feira à TV Globonews.

Segundo o governador, o volume de chuvas "é praticamente como nunca foi visto na cidade" antes.

O presidente Jair Bolsonaro, que estava em visita oficial à Rússia, tuitou logo após a tragédia para afirmar que fez telefonemas a ministros para envio de auxílio às vítimas. ( Reuters)

De acordo com a Prefeitura de Petrópolis, equipes da Defesa Civil têm trabalhado no atendimento a ocorrências e têm apoiado o Corpo de Bombeiros em áreas onde há suspeita de vítimas.

Segundo o prefeito da cidade, Rubens Bomtempo, todas as pastas do município estão "empenhadas no atendimento a ocorrências e ações de recuperação da cidade".

Conforme a gestão local, a Defesa Civil tem feito vistorias em locais onde há deslizamentos e avaliado riscos estruturais em ruas e imóveis, "além de vistorias preventivas e rondas pela cidade".

A Defesa Civil, segundo a gestão local, também tem dado suporte para a população por meio de orientações de segurança, avaliação das estruturas e apoiando com a destinação de suprimentos que têm sido doados para os moradores da região.

As aulas estão suspensas e as escolas da rede pública se tornaram pontos de apoio e atendimento às famílias por profissionais da Assistência Social, Saúde, Educação e Agentes Comunitários.

BBC News Brasil, em 19.02.2216 / Atualizado Há 1 hora

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Religiosos que apoiaram Bolsonaro em 2018 agora indicam afastamento

Movimentações recentes de importantes líderes evangélicos sugerem que segmento não terá o mesmo engajamento massivo na candidatura à reeleição do presidente

     Bolsonaro com RR Soares em 2020; ‘País está em crise’, diz pastor. Foto: Isac Nóbrega/PR

Pastores que apoiaram a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, começaram a rever suas posições e a preparar terreno para conversas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa de outubro. Movimentações recentes de líderes evangélicos dão sinais de que Bolsonaro não terá o mesmo engajamento massivo desse segmento para se reeleger.

A tendência de figuras proeminentes de igrejas pentecostais e neopentecostais é a de adotar uma posição mais reservada, diferente da campanha escancarada de quatro anos atrás. Líderes dessas instituições mantêm interlocução com o Planalto, levando demandas por isenções tributárias, perdão de dívidas e maior espaço no governo, mas estão dispostos a negociar com quem for eleito em outubro. Ainda ontem, o Congresso promulgou a emenda constitucional que estende a templos religiosos alugados a isenção de pagamento do IPTU (mais informações nesta página).

O pastor José Wellington Bezerra da Costa, líder da Assembleia de Deus do Belém, a mais tradicional dessa denominação, afirmou ter simpatia por Bolsonaro, mas indicou que não pedirá votos para ele neste ano. Além disso, disse estar aberto para um diálogo com o vencedor, mesmo se for Lula. O pastor já foi próximo dos governos do PT, mas apoiou Bolsonaro em 2018.

A reaproximação de Lula com o segmento tem sido promovida em várias frentes e conta com a ajuda do pastor Paulo Marcelo – que faz parte da ramificação liderada por José Wellington – e do ex-governador Geraldo Alckmin, nome cotado para vice na chapa.

A Assembleia de Deus tem 12 milhões de fiéis no Brasil, segundo o IBGE, divididos entre diferentes alas que foram se separando ao longo dos últimos anos. “Nós nunca tivemos problema pessoal. O presidente Lula é uma pessoa nordestina como eu, e a mim não interessa falar mal dele e de nenhum deles. Política é muito mutável, muito dinâmica. Hoje você entende uma coisa e amanhã pode entender outra. Estamos caminhando e pedindo para que Deus dê o melhor para o Brasil”, afirmou José Wellington.

Como mostrou o Estadão/Broadcast, o pastor admitiu que a Assembleia de Deus faz a intermediação de emendas para três de seus filhos, que são parlamentares. A declaração causou mal-estar entre líderes evangélicos, mas mostrou a prioridade das igrejas em 2022, que é a de aumentar a bancada no Congresso. A Frente Evangélica quer ter pelo menos 30% das vagas na Câmara e no Senado. “Para os meus deputados, faço isso (peço voto). Para presidente, não precisa. Eles têm uma mídia tremenda e dinheiro. Não há necessidade de a igreja se envolver nessa altura”, afirmou José Wellington.

Em dezembro, pesquisa Ipec mostrou empate entre Bolsonaro e Lula nas intenções de votos entre os evangélicos: o petista com 34% e o atual presidente, com 33%. 

Desgaste

A atuação de Bolsonaro na pandemia de covid-19 provocou perda de apoio em diferentes segmentos. “Já existe uma migração. Bolsonaro faz uso político da ideia de família tradicional, mas isso se desgastou porque você não tem ações que sejam diferentes de governos anteriores”, disse o reverendo Valdinei Ferreira, da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.

Frequentador do Planalto, o missionário R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, também tem filhos na política. Um deles é o deputado David Soares (DEM-SP), autor de um projeto que perdoou dívidas de igrejas. O missionário é um dos pioneiros entre os pastores televangelistas. A igreja tem programas diários na TV aberta, um canal próprio e mais de 3 mil templos. “Faz tempo que não falo com ele (Bolsonaro). O País está nessa crise da pandemia, fecharam as coisas, o povo ficou desempregado”, disse Soares. 

Ex-bolsonarista, o pastor Carlito Paes, da Igreja da Cidade, de São José dos Campos (SP), puxa agora críticas ao governo e ao PT e se aproxima do presidenciável do Podemos, Sérgio Moro. “Quando a política vira religião, a crítica consciente desaparece e cede lugar à alienação”, escreveu Paes.

Daniel Weterman e Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo, em 18.02.22

Pesquisa Ipespe em SP: Lula tem 34%; Bolsonaro, 26%; Moro, 11%

Na pesquisa espontânea, Lula teve 30% das intenções de voto, Bolsonaro, 24%, Moro, 9%, Ciro, 6% e Doria, 4%. André Janones, Alessandro Vieira, Felipe D´Ávila, Simone Tebet e Rodrigo Pacheco foram mencionados, mas não chegaram a 1% de citações.

Pesquisa Ipespe em SP: Lula tem 34%; Bolsonaro, 26%; Moro, 11%. Foto: Reuters e Estadão

Pesquisa Ipespe divulgada nesta sexta-feira (18) mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como candidato favorito entre os eleitores de São Paulo, com 34% das intenções de voto no levantamento estimulado. O presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece na sequência, com 26%. Sérgio Moro (Podemos) acumula 11% e Ciro Gomes (PDT), 7%.

O governador do Estado, João Doria, pré-candidato do PSDB, aparece com 5% das intenções de voto. André Janones (Avante), Simone Tebet (MDB) e Luiz Felipe d'Avila, que também disputam a vaga ao Planalto, aparecem com 1% cada um. Rodrigo Pacheco (PSD) fica abaixo disso.

Na pesquisa espontânea, Lula teve 30% das intenções de voto, Bolsonaro, 24%, Moro, 9%, Ciro, 6% e Doria, 4%. André Janones, Alessandro Vieira, Felipe D´Ávila, Simone Tebet e Rodrigo Pacheco foram mencionados, mas não chegaram a 1% de citações.

Segundo turno

Em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o petista teria 46% dos votos contra 34% do adversário entre os eleitores de SP. Se Lula enfrentasse Moro, ele acumularia 46% dos votos no Estado, enquanto o ex-juiz ficaria com 33%.

Se o petista enfrentasse Doria, teria 47% de intenções, e o governador paulista, 26%, próximo dos votos brancos e nulos, que chegariam a 25% neste cenário.

Em uma possível disputa entre Doria e Bolsonaro, o placar ficaria apertado com o tucano pontuando 37%, enquanto o presidente teria 35%.

Comparação

O recorte dos eleitores paulistas mostra resultados bem distintos da média nacional, sobretudo no desempenho do petista. Considerados os dados coletados pelo Ipespe em todos os Estados, divulgados na semana passada, Lula aparece com 43% das intenções de voto, seguido por Bolsonaro, com 25%. Já Moro e Ciro têm 8%. Doria alcançou 3%. Já André Janones e Simone Tebet têm 1%. Pacheco, Alessandro Vieira (Cidadania) e Luiz Felipe d’Ávila (Novo) não pontuaram.

Avaliações

A pesquisa Ipespe mostra, ainda, que a avaliação negativa do governo federal continua alta entre o eleitorado de São Paulo: 56% dos entrevistados consideram o governo ruim ou péssimo, enquanto 24% avaliam como ótimo ou bom. Aqueles que avaliam o governo regular são 19%. O cenário paulista repete a avaliação do governo em âmbito nacional.

Segundo o levantamento, 36% dos entrevistados avaliaram o governo Doria como ruim ou péssimo, enquanto 24% consideram como ótimo ou bom. E 38% dos eleitores avaliam a gestão como regular.

Sobre ações do tucano no combate à pandemia, 23% consideraram como ruim ou péssima, enquanto 45% avaliaram como ótima ou boa. 30% classificaram como regular. Doria incorporou a bandeira de combate à covid-19 e de defesa à vacinação para alavancar apoio político. Ele foi apresentado pelo PSDB como "pai da vacina" por causa das articulações em torno da vacina Coronavac.

O levantamento divulgado nesta sexta-feira foi resultado de 1.000 entrevistas, representativas do eleitorado do Estado de São Paulo, feitas entre segunda (14) e quarta-feira (16). A margem de erro é de 3,2 pontos porcentuais. Esta pesquisa está registrada no TSE sob os protocolos BR-08006/2022 e SP-03574/2022.

Matheus de Souza e Giordanna Neves / O Estado de S. Paulo, em 18.02.22

Nanismo diplomático

Inoportuna e contraproducente em relação aos interesses nacionais, a visita de Bolsonaro a dois populistas autoritários só se explica pela sua lógica eleitoral  

A viagem do presidente Jair Bolsonaro à Rússia e à Hungria terminou sem compromissos, acordos ou alianças relevantes, enfim, sem qualquer ganho palpável aos interesses nacionais. O consolo é que, dado o histórico de trapalhadas do presidente, a coisa poderia ter sido pior.

Se os interesses do Brasil com a Hungria são inócuos, a Rússia fornece fertilizantes para o agronegócio e tem empresas relevantes na área de energia. Além disso, integra o Brics, é um polo tecnológico e uma superpotência militar, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, com capacidade de facilitar as pretensões do Brasil. Em tempos normais, portanto, não haveria inconveniente no encontro entre os líderes russo e brasileiro. Mas estes não são tempos normais nem esse é um governo normal.

O encontro, é verdade, foi marcado antes da crise com a Ucrânia. Mas quando as hostilidades começaram, em novembro, havia tempo para manejar sem atritos um adiamento e evitar o risco de um presidente brasileiro assistir de um camarote russo à invasão. Se nas últimas semanas não havia essa margem e, por sorte, a invasão não aconteceu, nem por isso o Brasil foi poupado de constrangimentos. Nas declarações oficiais, Bolsonaro fez acenos genéricos à paz. Mas, falando no improviso, corroborou um recuo russo – negado pela Otan –, chegando a insinuar que poderia ter sido por sua influência. Pior: declarou que o Brasil é “solidário” à Rússia – que, sem entrar no mérito da disputa, é o país agressor, não o agredido.

Mas a viagem não foi só inadvertidamente inoportuna, como previsivelmente contraproducente. Reza o bê-á-bá da diplomacia que um chefe de Estado não viaja para negociar acordos, só para fechá-los ou destravar impasses. Mas nada disso, nem sequer uma negociação, estava na pauta. A nota do Itamaraty expõe essa vacuidade.

Encontros protocolares e pragmaticamente inócuos são justificáveis na rotina das relações com parceiros relevantes. Mas, para que a justificativa seja válida, é preciso que haja essa rotina. Porém a única diretriz palpável da política externa de Bolsonaro foi a bajulação do ex-presidente americano Donald Trump. Fora isso, não houve nenhum compromisso bilateral relevante. Nos fóruns internacionais, limitou-se a propagandear realizações fictícias de seu governo e, em vez de criar laços com outras lideranças, preferiu conversar com garçons e insultar chefes de Estado, como a chanceler da Alemanha ou o presidente da França. Mais grave foi a hostilidade intempestiva a parceiros comerciais como a China, o maior de todos, ou à Argentina, o maior comprador da indústria nacional.

Quanto à questão mais sensível para a comunidade internacional, a ambiental, Bolsonaro só ofereceu desídia e escárnio, chegando a ameaçar retaliar com “pólvora” uma delirante invasão da Amazônia pelos EUA. Na pandemia, consagrou-se como o líder negacionista par excellence. Ao estreitar laços com dois nacionalistas autoritários como Vladimir Putin e Viktor Orbán, Bolsonaro só acentuou o isolamento em que enfiou o Brasil.

Injustificável em relação aos interesses do País, a viagem é explicável pelos interesses eleitorais do clã Bolsonaro. Tanto que o presidente, que se especializou em ridicularizar os protocolos sanitários no Brasil, se submeteu a uma humilhante bateria de testagens só para garantir uma foto ao lado do ditador russo. O vereador Carlos Bolsonaro, coordenador das virulentas redes sociais do pai, teve lugar de destaque na delegação presidencial, e certamente não era para negociar fertilizantes.

Na falta de algo mais elevado, a militância bolsonarista se refestela com a foto em que Bolsonaro aparece mais alto do que Putin. Felizmente, a sua minúscula estatura como estadista permitiu que a visita inoportuna passasse despercebida aos olhos da comunidade internacional. Mas isso é já um sintoma do apequenamento a que ele submete o Brasil. Em outros tempos, o País seria encarado como um ator diplomático relevante; hoje, com Bolsonaro, é só digno de dó.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, Impresso, em 18.02.22

Negligência mata em Petrópolis

Se pessoas morrem a cada verão em desastres ‘naturais’, é porque governos falharam nas três estações anteriores
   
Parte da cidade histórica de Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, foi arrasada na terça-feira passada por uma tempestade inédita nos 90 anos de medições realizadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). No intervalo de apenas quatro horas, uma chuva concentrada de 260 milímetros – volume que era estimado para todo o mês de fevereiro – causou uma série de deslizamentos de terra, matando mais de 100 pessoas e deixando centenas de desabrigados, além de um rastro de destruição material.

De acordo com especialistas em clima, a concentração de um volume tão grande de chuva em um intervalo tão curto de tempo é decorrência direta das mudanças climáticas. Não sem razão, esta é a agenda global mais premente do século 21. A tendência é que eventos climáticos severos como os que assolaram Petrópolis e, há poucas semanas, algumas cidades de São Paulo, Minas Gerais e Bahia sejam cada vez mais corriqueiros e, pior, mais intensos em seus efeitos sobre a população. “Os extremos climáticos têm crescido em quase todo o mundo, com muita chuva concentrada em poucos dias ou horas. As projeções sugerem que, com o aquecimento global, isso pode aumentar no futuro”, escreveu o climatologista José Marengo, coordenador-geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em análise para o Estadão.

A curtíssimo prazo, é urgente que as prefeituras de cidades vulneráveis às intempéries climáticas, com apoio dos governos estaduais, prestem socorro às vítimas e ajam concretamente para evitar que mais brasileiros morram pela negligência do poder público. Não é novidade para ninguém que o verão é a estação chuvosa em países tropicais como o Brasil. É inconcebível, portanto, que ano após ano se assista à ocupação irregular do solo ou à permanência de pessoas vivendo em áreas sabidamente arriscadas, sem que nada seja feito para realocá-las a fim de preservar vidas. Se há pessoas que ainda morrem em desastres ditos “naturais” a cada verão no País, é porque governos falharam miseravelmente nas três estações anteriores. É tão simples quanto isso.

A médio prazo, é preciso engajar todo o País nas ações de combate às mudanças climáticas, ou ao menos de adaptação aos fenômenos que são inevitáveis. Cada cidadão desempenha um papel relevantíssimo nessa agenda. É um esforço coordenado entre governo, nas três esferas da administração, e sociedade. Isso é possível, mas não será um desafio trivial. Afinal, como fazer milhões de brasileiros que vivem em insegurança alimentar ou não têm emprego e acesso à educação de qualidade darem prioridade a temas como sustentabilidade e riscos ambientais, cobrando a ação de seus representantes políticos? Como promover ações coordenadas entre os entes federativos em defesa do meio ambiente quando o Brasil ainda é liderado por um presidente que, como prescreve o bom manual dos populistas, sacrifica a pesquisa científica e as evidências factuais no altar de suas fabulações eleitoreiras?

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 3em 18.02.22

A Polícia Federal sobe no palanque

Ao atacar um adversário político de Bolsonaro, a PF serve aos propósitos eleitorais do presidente

As evidências da captura de instituições de Estado pelo bolsonarismo são atualizadas com frequência diária, mas um novo patamar é atingido quando a Polícia Federal (PF) se presta ao papel de participar ativamente da campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. Não há outra interpretação possível sobre a intenção da nota oficial divulgada nesta semana pela PF, em resposta às críticas do ex-juiz Sérgio Moro, segundo as quais ninguém combate a corrupção na gestão Jair Bolsonaro. 

Para justificar seu ponto, Moro mencionou a proximidade entre o governo e o Centrão e o ingresso do presidente no PL, partido associado ao mensalão, e questionou, ironicamente, se alguém na Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Polícia Federal estava acompanhando algum escândalo. Segundo ele, “muita coisa vai aparecer” quando esses órgãos retomarem a autonomia.

As críticas de Moro são perfeitamente normais em uma campanha eleitoral. Já a reação da PF foi absolutamente inadequada, e seu único propósito parece ser o de servir como peça de propaganda de Bolsonaro contra seu ex-ministro e atual concorrente. “Moro desconhece a Polícia Federal e negou conhecê-la quando teve a chance. Enquanto ministro da Justiça não participou dos principais debates que envolviam assuntos de interesse da PF e de seus servidores”, diz o comunicado, uma referência esquisita ao fato de que o então ministro supostamente não atuou como sindicalista na defesa dos interesses da corporação na reforma da Previdência. “O ex-juiz confunde, de forma deliberada, as funções da PF. O papel da corporação não é produzir espetáculos. O dever da polícia é conduzir investigações, desconectadas de interesses político-partidários.”

Pré-candidato do Podemos à Presidência, Moro apresenta como credenciais seu papel na Operação Lava Jato, reivindicando a liderança no combate à corrupção – combate que, segundo diz, foi abandonado por Bolsonaro a despeito de suas promessas de campanha. Ademais, Moro tenta explorar na campanha o fato de que decidiu deixar o governo Bolsonaro depois que, segundo alega, ficou claro que o presidente pretendia interferir na Polícia Federal. 

Não é preciso concordar com Moro para aceitar a legitimidade de sua estratégia eleitoral. Cabe a seus adversários na disputa responderem às suas críticas, se assim desejarem, pois é desse modo que se faz campanha política para tentar ganhar votos. Quem não deveria entrar nessa discussão, típica de palanque, é a Polícia Federal. Além disso, a PF apenas deu mais uma chance a Moro, na tréplica, de acusá-la de prender apenas “bagrinhos da corrupção”, e não “grandes tubarões”. 

A nota da PF contra Moro, numa típica homenagem que o vício presta à virtude, enfatiza que é uma “instituição de Estado” e, como tal, “mantém-se firme no combate ao crime organizado e à corrupção e não deve ser usada como trampolim para projetos eleitorais”. Faria bem à direção-geral do órgão seguir sua própria recomendação em vez de atuar como arremedo de cabo eleitoral do presidente.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 18.02.22

Fachin promete estender mão a Bolsonaro, mas diz que não vai 'tolerar os intolerantes'

Ministro do STF que comandará TSE afirma que terá postura de diálogo e que espera reciprocidade do presidente da República

O ministro Edson Fachin durante sessão do Supremo Tribunal Federal - Nelson Jr. - 15.set.2021/SCO/STF

No centro das críticas do presidente Jair Bolsonaro (PL), o futuro presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Edson Fachin, afirma que terá uma postura colaborativa e de diálogo com o mandatário, mas que adotará medidas caso a Justiça Eleitoral seja atacada.

"Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, nós não vamos tolerar os intolerantes. Mas, por agora, eu tenho uma mão estendida e eu espero reciprocidade", afirmou o ministro, em entrevista à Folha.

Fachin assume no próximo dia 22, em substituição a Luís Roberto Barroso, ambos integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal). Em reunião de transição na terça (15), o ministro afirmou que havia riscos de ataques aos sistemas do TSE oriundos da Rússia —onde estava o presidente da República, em viagem.

Em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro disse que a fala de Fachin era lamentável e "fake news". O ministro afirma que entende as falas do presidente como narrativa política e diz que mencionou a Rússia porque é um exemplo real.

O ministro, que é relator da Lava Jato no STF, afirma ainda que a operação não acabou, já que ainda existem inquéritos em andamento, e é resultado de um ganho institucional do Brasil. Segundo ele, excessos e irregularidades estão sendo corrigidos.

O presidente Bolsonaro disse que o discurso do sr. foi fake news e que os ministros do Supremo se comportam como adolescentes. Qual a sua avaliação? 

Eu diria três coisas. A primeira, que toda pessoa, inclusive o presidente da República, tem o direito legítimo de crítica, e ninguém é imune à crítica. Portanto, o juízo de valor que se faz deve ser acolhido como exercício do dissenso dentro de uma sociedade democrática.

A segunda observação é que o presidente, ao lado das funções estatais, tem atividades políticas. Na atividade política, os fatos sofrem substituição por narrativas. Eu fiz um pronunciamento por escrito, para deixar registrado. O que eu mencionei é que há possibilidade de um ciberataque à Justiça Eleitoral, nomeadamente ao Tribunal Superior Eleitoral, e que a segurança cibernética era um item fundamental.

As milícias digitais se hospedam em diversos países, e mencionei a Rússia como um dos exemplos –eu poderia ter mencionado a Macedônia do Norte. Estou falando de riscos que são reais, mais que potenciais, e que podem advir de atores privados, ou em alguns países com colaboração de atores estatais. E onde há colaboração de atores estatais? Onde a legislação não tem o mínimo de controle democrático e o mínimo de controle dessas milícias digitais. E infelizmente a Rússia é reconhecidamente exemplo de patamares mínimos de regulação.

A terceira observação é que eu tenho um conjunto de fontes. Começam com um relatório do Senado norte-americano sobre as eleições norte-americanas, passam pelas eleições da Alemanha e por relatórios publicados em veículos respeitados de comunicação.

O presidente tem feito seguidas críticas ao Judiciário e, em especial, à Justiça Eleitoral. O sr. se preparou para ser alvo desses ataques? 

A minha conduta, ao menos nesse momento, é oposta a essa. Eu decidi ir pessoalmente entregar o convite da posse ao presidente. Ele é o chefe do Estado brasileiro, eleito legitimamente por meio do sistema de votação das urnas eletrônicas, diplomado pelo TSE numa sessão em que eu estive presente.

Esse reconhecimento de que ele exerce a chefia do Estado brasileiro me levou a convidá-lo. Também convidei-o para estar aqui no dia 11 de maio, quando nós apresentaremos publicamente o relatório de todo o conjunto de planos de ataque [teste de segurança da Justiça Eleitoral], que começaram em novembro, quando nós abrimos o código-fonte [das urnas]. Nós iremos publicamente prestar contas. Eu também convidei o presidente da República, porque a atividade que a mim me cabe neste momento é de diálogo institucional e republicano com todos os chefes de Poder.

A minha proposição nesse momento é colaborativa. Eu fiz um gesto simbólico, de estender a mão ao diálogo, à atividade colaborativa e abrir as portas do Tribunal Superior Eleitoral para que todas as autoridades da República tenham dados e informações e espaços para questionamentos.

Mantido o diálogo respeitoso, mantido o diálogo dentro da normalidade da relação institucional, a minha conduta sempre será colaborativa e dialógica. Eu nem assumi ainda o tribunal. Agora, como presidente do tribunal, se a Justiça Eleitoral for indevidamente atacada, eu não terei dúvida em tomar todas as medidas necessárias para defendê-la. Porque o ataque à Justiça Eleitoral, dependendo da forma e do modo com que ele se faça, e dependendo da sua origem, é um ataque à democracia.

Quem defende intervenção militar, quem defende fechar um Poder ou um tribunal como o Supremo Tribunal Federal e quem discute inexistente fraude em urna eletrônica não está discutindo urna eletrônica, está discutindo a ruína da democracia. Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, nós não vamos tolerar os intolerantes. Mas, por agora, eu tenho uma mão estendida e eu espero reciprocidade.

O presidente sinalizou que iria nesse evento? 

Ele ouviu com a devida atenção. É a segunda vez que eu o visito. Quando o ministro Barroso tomou posse, eu, como vice-presidente do TSE, estive com ele. Dialoguei outras duas vezes com ele. Assim que ele se elegeu, fez uma visita ao TSE. Eu estava aqui e tivemos um bom diálogo. Na ocasião em que ele foi diplomado também, dialogamos e conversamos sobre reforma política etc, de modo que a minha postura é aberta ao diálogo e compreensiva de críticas. Evidentemente, no limite em que a crítica não se converta num ataque institucional.

Como o sr. recebeu a notícia de que o general [e ex-ministro da Defesa] Fernando Azevedo e Silva não vai ser mais o diretor-geral do TSE em sua gestão? 

Os motivos de saúde são profundamente compreensíveis. Eu tenho pessoal estima e admiração pelo general Fernando Azevedo e Silva, como aliás tenho relacionamento com integrantes das três Forças [Armadas]. Sou de uma geração que admirou a conduta do general Euler Bentes Monteiro. Ele foi o general que apresentou o que se chamava, à época, pelo então MDB, a anticandidatura, e perdeu a eleição no colégio eleitoral para o general [João] Figueiredo, que se tornou presidente do Brasil.

A presença do general Fernando aqui também tinha este condão de trazer com ele uma perspectiva de um diálogo aberto, próximo, e esse diálogo não vai deixar de existir. O general Fernando acompanhou nosso período de transição, fez publicamente elogios à estrutura do tribunal, à própria segurança das urnas eletrônicas.

[Acabou] Apresentando questões de saúde. Se fossem outras questões, eu me permitiria discutir e contra-argumentar, mas saúde pessoal precisa ter da nossa parte compreensão e votos de melhora.

A saída dele faz o tribunal perder uma ponte importante com as Forças Armadas? Eu tenho outros canais de diálogos abertos com as três Forças e continuarão a gerar bons resultados. O Exército tem um setor de cibersegurança que é merecedor dos nossos maiores elogios.

​O sr. deu a decisão que abriu caminho para a anulação dos processos do ex-presidente Lula na Lava Jato e ele se tornou elegível. Preocupa que isso seja usado para atacá-lo, como já fez o presidente Bolsonaro? Isso é uma narrativa, eu me atenho aos fatos. Chegaram ao Supremo mais de 150 inquéritos dos quais eu fui o relator originário. Muitos desses inquéritos foram para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), porque eram de competência do STJ, e para as Justiças dos estados ou para os Tribunais Regionais Federais ou para a Justiça Federal desses tribunais.

O que é que se passou na Lava Jato, antes mesmo de eu assumir a relatoria? 

Iniciou-se uma discussão, já na relatoria do ministro Teori Zavascki, de saber se a competência da 13ª vara de Curitiba compreendia não apenas os danos diretos à Petrobras, mas também aos seus danos reflexos.

Desde 2015, eu restei vencido nessa discussão. O tribunal foi julgando numerosos casos e eu sempre restei vencido, remetendo os danos reflexos para os respectivos estados.

O ex-presidente Lula foi condenado em primeiro grau, a condenação foi mantida em segundo grau, o recurso chegou ao Superior Tribunal de Justiça e esse recurso não foi apreciado pelo Supremo. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal em momento algum apreciou a questão da culpabilidade ou da procedência ou improcedência da imputação que se fazia ao ex-presidente.

Formada a orientação de que os danos reflexos não eram da competência da 13ª vara, quando chegou ao tribunal o recurso extraordinário [de Lula], houve a interposição de um habeas corpus, onde essa matéria foi suscitada pela primeira vez. E eu tomei uma decisão que imediatamente submeti ao colegiado.

Portanto, foi uma decisão da maioria do STF. No meu gabinete não há liminares que ficam aguardando decurso do tempo por alguma conveniência.

O colegiado, por maioria, entendeu que o tribunal havia firmado orientação neste sentido. No meu voto, faço esse histórico, mostrando como restei vencido nestes julgamentos.

Quando restei vencido na turma e no plenário, pelo princípio da colegialidade, registrei que eu votava vencido, mas adotava a posição da colegialidade. O fato processual é esse. Haverá narrativas das mais diversas ordens, e as narrativas pertencem ao campo da política. A decisão tomada é uma decisão tecnicamente correta e, sobre ela, posso discutir juridicamente.

Apesar da questão técnica, politicamente o sr. também acaba sendo questionado pelos petistas, que dizem que houve injustiça com Lula em não poder se candidatar em 2018... De novo, vamos ao fato, e não à narrativa. Em 2018 foi impetrado um habeas corpus no Supremo. Eu votei contra o habeas corpus do ex-presidente, porque naquele momento o STF, no meu modo de ver corretamente, tinha maioria que sustentava que é constitucional a prisão após o segundo grau, e era o caso do ex-presidente.

Esse entendimento, depois, numa outra composição e por mudança de posição de alguns colegas, foi alterado. Eu continuo com o mesmo ponto de vista. Entendo que é constitucional a execução da pena com prisão do condenado após a condenação em segundo grau que confirma uma sentença de primeiro grau condenatória. Votei assim em inúmeros processos, dentre eles um do ex-presidente. Este é o fato, o mais é debate político.

O sr. disse à Folha que a doença infantil do lava-jatismo estava prestes à acabar, mas não a Lava Jato. Depois disso houve anulação dos processos contra o ex-presidente Lula e vários outros arquivamentos. A Lava Jato acabou? 

Não. Eu sempre recomendo que se leia os relatórios ao final de cada semestre sobre a Lava Jato. O último relatório que eu produzi revela que mais de R$ 1,2 bilhão em multas foi arrecadado só no meu gabinete. Dos 150 inquéritos no meu gabinete, eu continuo com mais de quatro dezenas de inquéritos ativos.

Os inquéritos demoram para concluir, infelizmente. Não é fácil efetivamente chegar dentro do processo, com ampla defesa e respeito às prerrogativas do acusado e do investigado, a um conjunto de provas. Mas esses inquéritos caminham e, desde que o Ministério Público ofereça a denúncia, eu aprecio. O juiz não investiga e o juiz não denuncia, o juiz julga, e há de ter uma posição equidistante quer da defesa, quer do Ministério Público.

Houve um determinado momento em que o Ministério Público celebrou um número expressivo de colaborações. Foram mais de 120 colaborações premiadas. Quantas foram anuladas ou tornadas ineficazes? 4. Quantas condenações houve na Lava Jato? 174. As do ex-presidente são 4.

Mas houve uma série de anulações de outras condenações em instâncias superiores... Sim, eu não tenho toda a tabulação de todos os tribunais. Mas quando se diz "a Lava Jato acabou", é preciso levar em conta o ganho institucional, até mesmo nos excessos, que as cortes e os tribunais superiores estão apreciando e, quando é o caso, declarando alguma nulidade.

Até 1988, no Brasil, especialmente no período de 1964 a 1985, na ditadura militar, se grassou evidente corrupção. Nós não tínhamos mecanismos de apuração. A influência do poder político e do poder econômico era imensa. Com a Constituição e a redemocratização do país, nós começamos a reconhecer que a resposta do sistema punitivo integrava o Estado democrático de Direito.

O direito penal não é obviamente o caminho da salvação dos males do mundo. Melhor que haja prevenção. Mas quando esses limites são ultrapassados e os ilícitos são previstos como crime, é preciso que o Estado atue e puna.

Por que estou falando que a Lava Jato não acabou, apesar de excessos e irregularidades que estão sendo corrigidos? 

Porque esse ganho institucional a sociedade brasileira não pode perder. A maioria do povo brasileiro, que é decente, correta e trabalhadora, não pode ver esse ganho ser capturado por uma narrativa incorreta e equivocada.

Há retrocessos em alguns setores? 

Evidentemente. A sociedade é plural, o exercício do poder político tem avanços e recuo. Há quem, por exemplo, no presente, seja saudosista dos porões da ditadura e elogie torturadores.

RAIO-X

Luiz Edson Fachin, 64

É ministro do STF desde 2015 e é o relator da Operação Lava Jato na corte. Foi indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT). É vice-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), foi eleito para assumir a presidência da corte em 22 de fevereiro. Foi professor titular de direito na UFPR (Universidade Federal do Paraná)

José Marques, de Brasília para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente na edição impressa em 18.02.22.

Moro quer dar independência funcional para diretor-geral da PF

Programa de governo de ex-juiz deverá defender modelo parecido ao de diretores de agências

O pré-candidato a presidente Sergio Moro, durante encontro com estudantes em Teresina (PI) - @Sérgio Moro no Twitter

O pré-candidato a presidente Sergio Moro (Podemos) defenderá, em seu programa de governo, independência funcional para o diretor-geral da Polícia Federal, nos moldes da que já existe atualmente para o comando das agências reguladoras, por exemplo.

A ideia é que o diretor tenha mandato fixo e seja sabatinado pelo Senado, eliminando assim a possibilidade de ser afastado pelo presidente da República ou ministro da Justiça.

Moro acredita que, com isso, será possível evitar episódios de pressão política sobre o órgão, como ele apontou no caso que levou à sua saída do governo, em abril de 2020. Na ocasião, o então ministro acusou o presidente Jair Bolsonaro (PL) de querer mudar o comando da PF para blindar investigações sobre sua família.

O ex-juiz tem usado a posição da Anvisa no caso das vacinas como exemplo. A agência tem resistido a pressões de Bolsonaro contra a vacina.

O tema está sendo debatido por uma comissão de profissionais do Direito que preparam uma proposta para segurança, combate à corrupção e reforma do Judiciário.

A discussão ocorre em meio a um embate entre o ex-ministro e a atual direção da PF, que acusou Moro de mentir sobre críticas que fez ao trabalho da polícia nos últimos meses.

Publicado originalmente no Painel da Folha de S. Paulo, em 18.02.22. Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Guilherme Seto e Juliana Braga.

O Brasil está se desmanchando

Para consolo ou dor dos que ficam, a morte agora tem rosto, vozes e gestos ao alcance de um clique. Cronica de Ruy Castro, na Folha de S. Paulo, edição de hoje.

As primeiras notícias falavam de chuva forte em Petrópolis, graves deslizamentos e dois mortos. Ficaram assim por horas e já eram alarmantes. De repente, um repórter disse que ouvira falar em seis mortos, ainda sem confirmação. Quando esta veio, os mortos já eram 12 e, desde então, o número não para de crescer. No momento em que escrevo, já passaram de cem. Provavelmente, como em Brumadinho, levará muito tempo para que o último desaparecido seja encontrado. Pense agora na família dele, no drama que se prolongará por meses, talvez anos.

Não são números, por mais assustadores. Cada um representa uma pessoa que trabalhou, amou, riu e cuja história só agora nos está sendo revelada, por ela não existir mais. Como nunca antes, podemos conhecê-la, ver seu rosto, porque ela nos é mostrada em seu esplendor, numa foto tirada num dia feliz —talvez na véspera— pelo celular de um amigo ou parente. A morte agora tem rosto, vozes, gestos, que, para consolo ou dor dos que ficaram, podem ser acessados com um clique. É como se a pessoa nunca se fosse de todo.

Enquanto isso continua a luta de pás, enxadas e mãos escavando a terra em buscas desesperadas. Difícil saber o pior, se encontrar ou não o que se procura. A neta abraçada à avó a dois metros da superfície, esculpidas em lama. Os velhos que não tiveram forças para correr, soterrados pelo morro que desabou inteiro. Os corpos que desceram na enxurrada, junto com os carros e árvores. Casas e pertences perdidos para sempre e os sobreviventes sem acreditar que nada lhes restou exceto a vida.

Petrópolis é mais um episódio de uma tragédia que não é de hoje, mas está se intensificando. Nos últimos meses atingiu a Bahia, Minas Gerais e São Paulo, e não ficará nisso. A pobreza, que obriga a população a ir viver nos morros, as mudanças climáticas e a histórica indiferença do Estado garantem que nada mudará.

O Brasil está se desmanchando.

Ruy Castro é Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 18.02.22

Água na fervura

Autoridades eleitorais rebatem com altivez e serenidade ofensiva de Bolsonaro

Os ministros do STF Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes - Antonio Molina/Fotoarena/Agência O Globo

A índole arruaceira de Jair Bolsonaro (PL) a todo momento cria situações difíceis para os responsáveis pela institucionalidade democrática, alvo dos ataques do presidente.

Não é possível, nem seria conveniente, responder a cada diatribe infame e no mesmo tom belicoso, ou todos seriam arrastados para a baixaria bolsonarista. Ao mesmo tempo, não se pode permitir que prosperem incólumes, como episódios banais, mentiras e ameaças mais e menos veladas aos demais Poderes e ao processo eleitoral.

Entre um risco e outro, saíram-se com serenidade e altivez os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, diante da recente e infelizmente previsível recarga de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas.

O primeiro, que assumirá na próxima terça-feira (22) a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), declarou-se aberto ao diálogo e disposto a prestar os esclarecimentos desejados por todas as autoridades da República.

Delimitou, entretanto, o direito à crítica, fundamental, e os ataques que chegam ao inadmissível quando se baseiam em acusações infundadas de fraudes na apuração de votos —vale dizer, tentativas de semear o descrédito no procedimento mais básico da democracia.

Já Barroso, hoje à frente do TSE, deu à Folha uma declaração de confiança nas instituições nacionais ante arreganhos autoritários. Em suas palavras, "superamos os ciclos do atraso" e "não há risco de retrocessos", ainda que se deva manter a vigilância sempre.

O tribunal contribuiu para desarmar uma nova invencionice de Bolsonaro ao tornar público, nesta quarta-feira (16), um calhamaço de 700 páginas contendo 80 dúvidas apresentadas pelas Forças Armadas a respeito do sistema eletrônico e as respostas fornecidas.

O mandatário vinha mencionando os questionamentos —que corriam numa comissão criada para prestar informações a autoridades e representantes da sociedade— para retomar a campanha contra as urnas, alegando que "vulnerabilidades" estariam sob apuração.

Como de hábito, trata-se de mobilizar sob qualquer pretexto as hostes de seguidores fervorosos. Até durante sua viagem à Rússia, Bolsonaro achou tempo para afirmar à Jovem Pan que os ministros Fachin, Barroso e Alexandre de Moraes pretendem favorecer seu adversário, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas.

Que se lamente o comportamento —vil para um candidato, que dirá para um presidente da República. Mas o esperneio de Bolsonaro não encobre o fato, já claro para os atores políticos e institucionais, de que haverá eleição, os votos serão apurados com lisura e o vencedor governará o país a partir de 2023.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 18.02.22

Alemanha acusa Rússia de fazer "demandas da Guerra Fria"

Antes da abertura da Conferência de Munique, ministra alemã do Exterior diz que Moscou põe em risco a segurança europeia com exigências que remetem ao período de intensa hostilidade envolvendo a antiga União Soviética.

A Alemanha acusou a Rússia nesta sexta-feira (18/02) de colocar em risco a segurança da Europa com exigências que remetem à Guerra Fria. A declaração ocorre enquanto líderes ocidentais chegam à Conferência de Segurança de Munique, que deve ser dominada pela crise da Ucrânia.

Crescem os temores no Ocidente de que a Rússia esteja prestes a invadir o país vizinho, com os Estados Unidos alertando para um possível ataque nos "próximos dias".

Antes da cerimônia de abertura da conferência anual, a ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, afirmou que Moscou precisa mostrar "passos sérios em direção à desescalada".

"Com um envio sem precedentes de tropas à fronteira com a Ucrânia e demandas da Guerra Fria, a Rússia está desafiando os princípios fundamentais da ordem de paz europeia", disse Baerbock em um comunicado.

"Usaremos Munique para enviar uma mensagem de unidade", disse Baerbock - Foto: picture alliance/dpa

Dezenas de líderes mundiais se dirigem à cidade de Munique, no sul da Alemanha, para três dias de conversas sobre assuntos de defesa e segurança. Entre eles estão a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris; o secretário de Estado americano, Antony Blinken; o chefe da ONU, António Guterres; a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen; o chefe da Otan, Jens Stoltenberg; e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. Até o momento, a Rússia se recusou a participar.

"Estou viajando hoje a Munique para discutir como podemos combater a lógica das ameaças de violência e escalada militar com a lógica do diálogo", afirmou a ministra alemã do Exterior. "É uma pena que a Rússia não esteja aproveitando esta oportunidade", completou Barbock.

Conversas à margem da conferência

Em reunião marcada para este sábado, ministros do Exterior do G7 – incluindo França, Reino Unido, EUA e Japão – irão discutir a crise na Ucrânia à margem da conferência. O encontro será presidido por Baerbock, uma vez que a Alemanha ocupa atualmente a presidência do G7.

"Usaremos Munique para enviar uma mensagem de unidade: estamos prontos para um diálogo sério sobre segurança para todos", afirmou a ministra alemã. "Mesmo pequenos passos em direção à paz são melhores do que grandes passos em direção à guerra. Mas também precisamos de passos sérios para a desescalada da Rússia."

Baerbock ainda fez um apelo por mais ações e menos promessas. "Declarações de vontade de conversar devem ser apoiadas por ofertas reais para conversar. Declarações de retiradas de tropas devem ser apoiadas por retiradas de tropas comprováveis", disse.

Os Estados Unidos e outros governos ocidentais afirmam não ter visto qualquer evidência da alegação russa de que começou a retirar algumas de suas forças instaladas perto da fronteira ucraniana. "Não vemos no terreno que tenha havido um movimento de tropas que marque uma retirada", afirmou Baerbock.

Enquanto Moscou nega qualquer plano de invasão, o presidente russo, Vladimir Putin, já deixou claro que o preço para remover qualquer ameaça seria a Ucrânia concordar em nunca se unir à Otan, bem como a aliança atlântica se retirar de uma faixa do Leste Europeu, efetivamente dividindo o continente em esferas de influência no estilo da Guerra Fria.

A Ucrânia está longe de se juntar à Otan, mas definiu a adesão como parte de um objetivo mais amplo de integração com as democracias da Europa Ocidental, promovendo uma ruptura histórica com a Rússia.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 18.02.22

Ao conceder Habeas Corpus, Gilmar chama TJ-SP de "anarquista institucional"

O caso envolve um homem condenado pela Justiça de São Paulo, que havia conseguido, em primeiro grau, a progressão de regime mediante o cumprimento de 40% da pena. Porém, o TJ-SP reformou a decisão e fixou o percentual de 60% para a concessão do benefício. 

Ao conceder Habeas Corpus, Gilmar Mendes chama TJ-SP de "anarquista institucional" (Felipe Sampaio / STF)

Ao conceder um Habeas Corpus para restabelecer o percentual de 40% para progressão de regime de um condenado, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal,  afirmou que o Tribunal de Justiça de São Paulo se comporta, em alguns casos, como "anarquista institucional".

O caso envolve um homem condenado pela Justiça de São Paulo, que havia conseguido, em primeiro grau, a progressão de regime mediante o cumprimento de 40% da pena. Porém, o TJ-SP reformou a decisão e fixou o percentual de 60% para a concessão do benefício.

A defesa, representada pelo advogado Maurício Camargo, impetrou HC sob o argumento de que a decisão do TJ-SP estaria em desconformidade com o entendimento firmado pela Suprema Corte no julgamento do ARE 1.327.963 (Tema 1.169).

"A decisão é um insulto a essa r. Suprema Corte, vez que a matéria versada nos autos já está consolidada através do julgamento pelo Plenário Virtual no ARE 1.327.963 (Tema 1.169), de relatoria do min. Gilmar Mendes, ocasião em que o Tribunal Pleno reconheceu que deve incidir o lapso temporal de 40% para progressão prisional dos condenados por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte e reincidente não específico", alegou a defesa.

Ao conceder a ordem, o ministro reconheceu que a decisão do tribunal paulista "afrontou diretamente" o Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, em sede de repercussão geral, entendeu que "a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no artigo 112 da LEP não autoriza a incidência do percentual de 60% (inciso VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão".

Na decisão, o ministro também criticou o TJ-SP e disse que a Corte paulista costuma ignorar decisões do STF: "Aliás, não é a primeira vez que o Tribunal de Justiça de São Paulo se comporta como um anarquista institucional e ignora as decisões da Suprema Corte".

Com isso, Gilmar determinou o restabelecimento da decisão proferida pelo Juízo de Execução Penal, isto é, o lapso temporal de 40% para a progressão de regime do paciente. Questionado pela ConJur, o TJ-SP informou que não comenta decisões judiciais. 

Publicado originalmente pelo Consultor Jurídico, em 17.02.22

Centro nacional que monitora desastres naturais teve menor orçamento da história em 2021, diz diretor

"Os equipamentos vão degradando com o tempo, a gente não consegue repor aqueles que a gente tem. E temos defasagem tecnológica: há equipamentos mais modernos que poderiam ser adquiridos, para substituir a atual rede."

Criado em 2011, Cemaden está longe de ter orçamento de seus anos iniciais (CEMADEN)

Em dezembro de 2015, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) entregava ao município de Petrópolis (RJ) uma moderna Estação Total Robotizada (ETR), um equipamento capaz de detectar a movimentação de terra e, assim, ajudar a detectar possíveis deslizamentos nos morros.

Mas, neste fevereiro de 2022, quando fortes chuvas levaram à morte de mais de cem pessoas no município, o equipamento não estava mais em Petrópolis, e sim em Cachoeira Paulista (SP), onde está uma unidade do Cemaden. Em 2017, as nove ETRs que a instituição havia espalhado para municípios piloto no país, incluindo Petrópolis, precisaram ser retiradas para manutenção e nunca mais voltaram, segundo conta o diretor do Cemaden, o físico Osvaldo Moraes.

"Essas estações requerem a calibração em laboratório, mas não tínhamos orçamento para isso. Preferimos retirá-las do campo do que deixá-las lá, depreciando-se. Não tínhamos recurso para fazer esta manutenção, e continuamos sem recurso", relata Moraes.

O Cemaden é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e, segundo dados enviados pelo próprio centro à reportagem, este teve em 2021 o menor orçamento desde sua criação, em 2011. No ano passado, o Cemaden recebeu R$ 17,9 milhões de verbas federais; em 2020, havia recebido R$ 20,9 milhões; e em 2012, R$ 90,7 milhões (o primeiro ano de que se há registro). Estes valores são nominais, ou seja, não incluem as variações inflacionárias.

Orçamento anual do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) . Valores em R$ . Gráfico de colunas mostra decréscimento do orçamento .

Para 2022, Moraes diz que há a previsão de uma recomposição deste orçamento, com valor anual total de R$ 23 milhões.

A BBC News Brasil pediu posicionamentos para o MCTI e para o Ministério da Economia sobre os cortes orçamentários para o Cemaden nos anos recentes, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

Segundo o diretor do centro, os anos iniciais trouxeram os maiores volumes de verbas; entre 2015 e 2020, os valores ficaram em um mesmo patamar, até a queda em 2021. O Cemaden foi criado em 2011, meses após chuvas, enchentes e deslizamentos deixarem mais de 900 mortos da Região Serrana do Rio de Janeiro, área da qual Petrópolis faz parte.

"Esse orçamento inicial foi muito alto porque se destinava exatamente a uma coisa que o Brasil não tinha antes. Era para fazer a compra e instalação da rede de monitoramento", ressalva Osvaldo Moraes.

Alertas enviados em Petrópolis

Foto desta quinta-feira (17/2) mostra grande desabamento no morro da Oficina, em Petrópolis, Rio de Janeiro, (Reuters).

Em resumo, a função do Cemaden é, com seus equipamentos, monitorar áreas de risco — não só para enchentes, mas também para seca, entre outros — e emitir alertas para o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), que então encaminha a sinalização para as defesas civis locais.

Segundo reportagem do jornal O Globo de quarta-feira (16/2), o comandante da Defesa Civil em Petrópolis confirmou que recebeu alertas do Cemaden para o município nesta semana e, na terça-feira (15), mensagens de SMS foram enviadas à população.

Entretanto, o diretor Osvaldo Moraes diz que "nem a Nasa (agência espacial americana)" seria capaz de prever tamanho volume de chuvas que ocorreu naquele dia, e nem o local exato dos desastres com precisão: "A gente sabia que iria acontecer na Região Serrana do Rio de Janeiro, mas não se seria em Petrópolis, e sendo em Petrópolis, em qual local."

A meteorologista Camila Frez, que trabalha na defesa civil de um município do Rio, concorda: "Eu estava no monitoramento este dia (terça-feira), tinha sim previsão de chuvas moderadas a fortes, mas foi realmente excepcional. O núcleo de chuvas ficou sobre Petrópolis, foi realmente muito intensa."

Frez explica que uma lei de 2012 estabeleceu que a proteção e a defesa civil são responsabilidade compartilhada entre governo federal, estados e municípios, embora cada um destes tenha suas funções específicas. Por exemplo, a União é responsável por estabelecer normas e critérios na área — como quais são os critérios para se decretar calamidade pública. Ela também, na prática, estrutura sistemas como o próprio Cemaden e a Interface de Divulgação de Alertas Públicos (Idap), que permite o envio de alertas à população através de SMS e TV por assinatura.

Os estados devem ajudar os municípios na elaboração de planos de contingência e mapeamento de áreas de risco, além de articular as ações da União e cidades em seu território. Na outra ponta, os municípios são responsáveis por mapear áreas de risco, realizar simulações com a população e fornecer assistência emergencial.

"Quando a gente pensa que grande parte dos municípios não possui equipes técnicas dentro das defesas civis municipais, o Cemaden ajuda muito, porque eles têm esses especialistas. E muitas vezes (as cidades) não têm investimento para adquirir equipamentos de monitoramento, então o Cemaden ajuda nisso também, porque eles possuem equipamentos hidrológicos, geológicos e meteorológicos", explica a meteorologista, especialista em defesa civil.

Mas o próprio diretor da instituição diz que a cobertura do Cemaden é insuficiente para chegar a todos os municípios brasileiros.

"Nós temos no Brasil mais de 5 mil municípios, e a rede do Cemaden cobre apenas 30% deles. Não temos orçamento para fazer a expansão da rede de monitoramento. Esse é um gargalo", diz Osvaldo Moraes.

Segundo o físico à frente da instituição, o orçamento dos últimos anos tem possibilitado a manutenção da estrutura que já existe — mesmo assim, não da forma ideal.

"Os equipamentos vão degradando com o tempo, a gente não consegue repor aqueles que a gente tem. E temos defasagem tecnológica: há equipamentos mais modernos que poderiam ser adquiridos, para substituir a atual rede."

Radar meteorológico do Cemaden em Natal (RN) (CEMADEN)

"Temos uma rede de pluviômetros automáticos que tem 10 anos, e certamente hoje existem outras tecnologias mais modernas que poderiam substituir esses equipamentos, com menor custo de manutenção, maior durabilidade e confiabilidade", aponta.

Os cortes para o Cemaden fazem parte de um contexto de redução orçamentária para o todo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações em 2021.

Holofotes e cifras que desaparecem pouco a pouco

Presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski diz que também há verbas insuficientes, e em alguns casos quase nulas, para a prevenção e gestão de desastres direcionada aos municípios — onde "tudo arrebenta" nessas situações.

"Qualquer fato ou ato sempre acontece em um município, e é onde o cidadão mora. A União está a milhares de quilômetros, o estado está na capital, então logicamente o poder mais próximo a quem o cidadão se dirige, é a prefeitura," aponta Ziulkoski.

"O Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil diz que a União compartilharia responsabilidades, forneceria assistência técnica e financeira. Só que a técnica é para inglês ver, e dinheiro, tem menos ainda."

"O município não tem recurso, então não é feita a prevenção. Isso se repete. Infelizmente, temos que dizer que isso (tragédia como em Petrópolis) vai se repetir", lamenta.

"Não adianta a lei dizer que é o município que tem que mapear áreas de risco. A pessoa não tem onde morar e vai para uma encosta, uma área de risco, e não há recurso para (o município) fornecer habitação em outra região com mais segurança."

O presidente da CNM reclama também que a cada vez que um grande desastre natural acontece, políticos da esfera federal e estadual prometem verbas — que, segundo ele, desaparecem um pouco mais a cada ano.

"A quantidade vai diminuindo até que o resto nunca vem, fica em restos a pagar", aponta Ziulkoski, lembrando do Fundo Especial para Calamidades Públicas (Funcap) que, na prática, "não tem mais nada de recurso".

Um exemplo disso apareceu em um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo no Portal da Transparência, o qual mostrou nesta quarta-feira (16) que apenas 47% do valor previsto (R$ 192,8 milhões de R$ 407,8 milhões) para o programa de prevenção e resposta a desastres do governo estadual do Rio foi de fato empenhado em 2021.

Em nota enviada à BBC News Brasil, o governo estadual do Rio afirmou que "mesmo com diversas restrições financeiras em 2021" investiu "mais de R$ 300 milhões em quase 30 ações relacionadas à prevenção de desastres e emergências na Região Serrana".

"Neste ano de 2022, em apenas dois meses, o governo já empenhou R$ 115 milhões, 1/4 do que foi investido em 2021, com perspectiva de investir quase R$ 1 bilhão na região", completa a nota.

Previsão de mais eventos extremos

Foto de dezembro de 2021 mostra inundação em Ilhéus (BA) (Reuters)

A meteorologista Camila Frez diz que embora os governos precisem promover medidas estruturais como impedir a moradia em áreas de risco, medidas não estruturais como a emissão de alertas são também "essenciais".

"Como a gente não consegue eliminar totalmente os riscos, fazer todas as obras (estruturais), são as medidas não estruturais que vão minimizar os riscos de desastres", diz a especialista, destacando a importância da população fazer seus cadastros para receber alertas em suas cidades, enviando uma mensagem de SMS gratuitamente para o número 40199 com o CEP do endereço.

Para Frez, soluções como essas, estruturais ou não estruturais, envolvendo governos e população, serão cada vez mais necessárias.

"Está aumentando o número e a frequência dos desastres naturais. Com o problema das mudanças climáticas, teremos cada vez mais eventos extremos acontecendo — da seca às chuvas intensas."

Mariana Alvim -@marianaalvim, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 18.02.22

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Morre acadêmico da ABL Candido Mendes de Almeida, aos 93

Intelectual reuniu, nos anos 1970, o cardeal D. Paulo Evaristo Arns e o general Golbery para falar sobre torturas na ditadura

O acadêmico da ABL, reitor da universidade Cândido Almeida (Foto: ABL)

Morreu hoje, no Rio de Janeiro, Candido Mendes de Almeida. Ocupante da cadeira de número 35 da Academia Brasileira de Letras, sucessor do filólogo Celso Cunha. Respeitado no meio acadêmico carioca, Almeida foi professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC) e reitor da universidade que leva o sobrenome de sua família,uma das mais tradicionais  do Rio, tendo seu bisavô sido senador no Império. Ele deixa a mulher, professora e pesquisadora Margareth Dalcomo. A informação do falecimento foi antecipada pelo colunista Ancelmo Gois, de O Globo. 

Cândido Almeida tomou posse na ABL em 1990 e era um dos membros mais longevos da instituição. Bom articulador, ele trafegou entre gente de diferentes espectros políticos, tendo conseguido juntar o cardel D. Paulo Evaristo Arns e o general Golbery do Couto e Silva em uma reuião em 1974 para falar sobre as torturas realizadas pelos militares. 

O acadêmico também era dono de vários títulos, como o de Docteur Honoris Causa (Université de Paris III – Sorbonne Nouvelle) e o de Doutor em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, Universidade do Brasil.

Matheus Lopes Quirino, O Estado de S. Paulo, em 17.02.22