sexta-feira, 12 de novembro de 2021

4 momentos que contam a história da destruição das ferrovias no Brasil

Em 15 anos, o Brasil tinha perdido 8 mil km de ferrovias, que se estendiam naquele momento por cerca de 30 mil km do território nacional.

Desde então, o tamanho da malha ferroviária patina no mesmo patamar. Atualmente, de acordo com o os dados do Anuário Estatístico de Transportes, tem 29,8 mil km.

Desde o auge, no início do século 20, malha ferroviária perdeu 8 mil km (CRÉDITO,BIBLIOTECA NACIONAL)

"Ponta de areia ponto final / Da Bahia-Minas estrada natural / Que ligava Minas ao porto, ao mar / Caminho de ferro mandaram arrancar."

Lançada em 1975, a canção Ponta de Areia, composta por Milton Nascimento e Fernando Brant, é um lamento do fim da Estrada de Ferro Bahia Minas, que ligava os 582 km entre Araçuaí (MG) e o distrito de Ponta de Areia (BA).

A BBC News Brasil perguntou a especialistas em história e engenharia ferroviária o porquê - sintetizado, a seguir, em quatro momentos.

Trecho da São Paulo Railway Company na Serra do Mar: desde o início, ferrovias operaram sob regime de concessão (CRÉDITO,FRÉDÉRIC MANUEL/BIBLIOTECA NACIONAL)

A crise do café

O café é elemento central nos primeiros capítulos da história das ferrovias no Brasil - tanto na ascensão quanto na decadência, como explica Eduardo Romero de Oliveira, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

É a razão para a construção das primeiras estradas de ferro no século 19: a primeira delas, a Estrada de Ferro Mauá, que começou a operar em 1854, levava em suas locomotivas a vapor a commodity do Vale do Paraíba ao porto de Magé, na baixada fluminense, que, de lá, seguia de barco até a cidade do Rio. Nessa época, o café representava quase 50% das exportações brasileiras.

A malha ferroviária foi aumentando com a expansão da atividade cafeeira e passou a deslocar também passageiros, que até então só conseguiam viajar longas distâncias com transportes movidos por tração animal, como as charretes puxadas por cavalos.

"Durante muito tempo, as ferrovias foram praticamente a única via de transporte de cargas e pessoas no país", destaca Oliveira, um dos pesquisadores do projeto Memória Ferroviária.

E foi nesse contexto que a malha chegou a quase 30 mil km de extensão na década de 1920, quando veio o baque da crise de 29. O crash da bolsa nos Estados Unidos, na época o maior comprador de café brasileiro, e a grande depressão que se seguiu tiveram impacto direto sobre o Brasil.

Em um curto espaço de tempo, as exportações da mercadoria despencaram, assim como os preços. As ferrovias, que eram administradas pelo setor privado sob regime de concessão, passaram a transportar cada vez menos carga e viram sua rentabilidade despencar.

Tem início, nesse momento, um período lento de decadência que culminaria na estatização das estradas de ferro mais de duas décadas depois.

Antigo Largo do Rosário, em São Paulo: antes dos trens, transporte era feito por tração animal (CRÉDITO,GUILHERME GAENSLY/BIBLIOTECA NACIONAL)


JK e o nascimento da indústria automobilística

Antes, contudo, outros dois fatores importantes entram em cena: o crescimento das cidades e a popularização do automóvel.

O país vive uma grande transformação depois de 1940. Até então baseada quase exclusivamente na agricultura, a economia brasileira se volta cada vez mais para a indústria. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Vale do Rio Doce, então empresas estatais, são fundadas nessa época, em 1940 e 1942, respectivamente, no último período do governo de Getúlio Vargas, a ditadura do Estado Novo.

Essa mudança na matriz de crescimento, por sua vez, catalisa um processo de migração das populações de áreas rurais para as cidades. As capitais ganham uma nova escala, vão inchando, um processo que tem como efeito colateral a diminuição da demanda por trens de passageiros em alguns trechos menores, entre cidades próximas.

"As fábricas estão nas cidades", pontua Oliveira.

A política de industrialização continua com o presidente Juscelino Kubitschek, que assume em 1956 e elege a indústria automobilística como catalisador de seu plano de desenvolvimento.

O Plano de Metas de JK, que ganhou o slogan "50 anos em 5", é frequentemente apontado como o início do chamado "rodoviarismo" no Brasil. Um movimento cheio de nuanças e explicado por uma combinação de fatores, diz o professor de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ Hostílio Xavier Ratton Neto.

Um deles é a própria natureza da indústria automotiva, que tem uma cadeia de produção longa, com efeito multiplicador na economia, e emprega uma mão de obra qualificada que até então não existia no país.

"É nessa época que se cria a classe do operário especializado, com maior poder aquisitivo", afirma.

Em paralelo, a construção das rodovias era menos custosa que as estradas de ferro e o petróleo usado para produzir combustível ainda era muito barato.

No pano de fundo, a Guerra Fria estreitava as relações entre Brasil e Estados Unidos. Na tentativa de barrar a expansão da influência da União Soviética no continente, os americanos firmaram acordos de cooperação técnica e de financiamento para investimentos com diversos países da América Latina.

Assim, ainda em 1956 foi criado o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), sob o comando do Capitão de Mar e Guerra Lúcio Meira.

O Brasil, que até então só montava veículos, passaria a fabricar carros, caminhões e jipes, tendo como principal polo a região do ABC paulista. São desse período dois modelos que fizeram história no país: o Fusca e a Kombi, ambos da linha de montagem da Volkswagen em São Bernardo do Campo.

Com a produção de veículos nacionais, multiplicaram-se os quilômetros de rodovias. Só nos cinco anos de gestão JK, a malha rodoviária federal pavimentada foi multiplicada por três, de 2,9 mil km para 9,5 mil km.

As ferrovias, por sua vez, entravam os anos 1950 sucateadas.

Além da redução da demanda de carga e passageiros, um outro fator contribuiu para o "estado bastante acentuado de degradação física das estradas de ferro": "Muitas concessões já estavam no final, próximo da devolução, e não havia cláusula nos contratos que obrigassem as concessionárias a fazer investimentos ou devolver as ferrovias no estado em que as pegaram", diz Ratton Neto, que tem larga experiência no planejamento, construção, operação e gestão de sistemas de transporte metroviário e ferroviário.

É nesse contexto que, em 1957, surge a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), estatal que passou a administrar as ferrovias que até então estavam nas mãos de diferentes empresas privadas.

Inicialmente, diz o historiador Welber Luiz dos Santos, do Núcleo de Estudos Oeste de Minas da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária, a intenção não era "destruir" as ferrovias.

"Os primeiros relatórios da empresa demonstram que o projeto era de modernização e unificação administrativa para facilitar a integração entre os diferentes meios de transporte", afirma o pesquisador.

"Os investimentos rodoviários do Plano de Metas de JK não eram uma ameaça ao sistema ferroviário", avalia.

Malha ferroviária brasileira. Entre 1854 e 1985 - em km.  .


A extinção das linhas de passageiros

Os projetos de recuperação e melhoria, contudo, incluíam a desativação de uma série de linhas e "ramais" (jargão do setor para os trechos secundários) considerados deficitários.

A lógica, diz o historiador Eduardo Romero de Oliveira, é que o mundo de meados do século 20 era completamente diferente daquele que, muitas décadas antes, havia norteado a construção de parte das ferrovias.

"Houve uma mudança no negócio", diz o professor da Unesp. "As estradas de ferro da música do Milton Nascimento eram de outra época, para pensar o transporte de café, de açúcar, em um período em que nem a legislação trabalhista existia."

O químico Ralph Mennucci Giesbrecht, um "fanático por ferrovias" que há mais de duas décadas pesquisa sobre elas, especialmente sobre as estações, coleciona diversas histórias desse período turbulento.

"Nos anos 60 e 70 sumiram praticamente todas as ferrovias menores, aquelas consideradas deficitárias", diz ele, autor do livro O Desmanche das Ferrovias Paulistas.

Os conflitos aparecem em histórias como a da desativação do trecho entre as cidades paulistas de São Pedro e Piracicaba, concluída em 1966. O prefeito de São Pedro na época chegou a enviar um telegrama incisivo ao governador, Laudo Natel, questionando o critério da baixa rentabilidade usado para justificar a extinção do ramal.

"Déficit, se não levarmos em conta o bem coletivo, também dá a polícia, dão as escolas e todas as repartições mantidas pelo Estado. O déficit do ramal é muito relativo, pois, não levando em conta o movimento das estações de Barão de Rezende, Costa Pinto, Recreio e Paraisolândia, a estação de São Pedro despachou este ano mais de 40.000 toneladas de cana. Finalizando, aqui deixo minha desilusão por tudo e por todos", dizia a mensagem, conforme reportagem do jornal O Estado de S.Paulo de 30 de outubro de 1966 encontrada por Giesbrecht.

Aos poucos, as linhas de passageiros foram desaparecendo, permanecendo, em alguns casos, aquelas que cruzavam as regiões metropolitanas das grandes cidades, usadas até hoje.

Com o avanço da indústria automobilística e a entrada do avião em cena, as ferrovias entraram em crise, em maior ou menor medida, em todo o ocidente. Nos países em que foram mantidas para transporte de passageiros, o serviço, na maioria dos casos, passou às mãos do Estado.

É o caso, por exemplo, dos Estados Unidos. A estatal Amtrak foi fundada em 1971 e faz até hoje a gestão das linhas de passageiros no país. Também são estatais a alemã Deutsche Bahn, a espanhola Renfe e a francesa Société Nationale des Chemins de fer Français (SNCF).

Trecho da Estrada de Ferro D. Pedro II, rebatizada posteriormente de Central do Brasil (Crédito da foto: Biblioteca Nacional).

A estagnação e o corredor de commodities

Do lado do transporte ferroviário de carga, parte dos investimentos vislumbrados no período JK não saíram do papel, diz o historiador Welber Santos.

Em sua visão, a ditadura militar mudou o foco da política de transportes, que passou a ser mais voltada para as rodovias, com a aposta em grandes obras de engenharia, como a ponte Rio-Niterói, e alguns investimentos questionáveis, como a Transamazônica, que nunca foi concluída.

A Ferrovia do Aço, ele diz, um dos projetos ferroviários que chegou a sair do papel nesse período, começou a ser construída em 1973 com a promessa de ser entregue em mil dias, mas só foi inaugurada em 1992, e com um porte muito mais modesto do que o projeto inicial.

Para Ratton Neto, da Coppe/UFRJ, um dos principais obstáculos à realização dos investimentos necessários à malha ferroviária do país naquela época foi a crise do petróleo de 1973 e o período turbulento que se seguiu.

"Depois daquele choque na economia mundial, o Brasil, que até então tinha acesso fácil a crédito, passou a ser visto como país de alto risco. A partir daí, teve início uma crise que impediu que os planos nacionais de desenvolvimento pudessem ter sequência. Deixamos de planejar para apagar incêndio praticamente até os anos 90", diz ele.

Nos anos 1990, em um contexto de baixo crescimento econômico, inflação elevada e alto nível de endividamento público, a RFFSA é liquidada e as ferrovias são novamente concedidas à iniciativa privada, por meio do Plano Nacional de Desestatização (PND).

A partir daí, elas passam a funcionar majoritariamente como corredores de transporte de commodities para exportação, diz o professor da Coppe/UFRJ.

Hoje, quase metade da malha, 14 mil km, está nas mãos da Rumo Logística, empresa do grupo Cosan. Outros 2 mil km são administrados pela Vale. Cerca de 75% da produção de transporte ferroviário é minério de ferro. "Outros 10% ou 12% são soja", estima Ratton Neto.

Como os contratos de concessão não preveem a realização de investimentos e melhorias, boa parte da malha segue como foi construída no segundo império, com a chamada bitola métrica, ultrapassada, bem mais estreita que a bitola internacional, hoje usada como padrão.

O modelo atual de exploração das ferrovias, na avaliação do especialista, subaproveita o potencial do país e deixa o Brasil refém das rodovias - consequentemente, mais suscetível a greves de caminhoneiros como a de 2018, que gerou caos e desabastecimento.

As estradas de ferro poderiam ser mais utilizadas para transporte de bens industriais, ele exemplifica, de bobinas de ferro e cimento a automóveis, inclusive em trechos curtos, nos moldes das "short lines" dos Estados Unidos.

"Também poderiam ser usadas para transportar contêineres, uma tendência nova e muito rentável", acrescenta.

Um entrave para o planejamento de novas linhas, contudo, é o apagão de dados sobre a movimentação interna de cargas. O Brasil não sabe, no detalhe, o que é transportado e de onde para onde. Iniciativas como o Plano Nacional de Contagem de Tráfego ainda não geram dados robustos nesse sentido, diz o professor

A outra é o próprio modelo de concessão, em que as concessionárias têm controle tanto sobre as vias quanto sobre os trens. Assim, essas empresas acabam tendo o monopólio do transporte ferroviário e, em última instância, decidem o que trafega ou não pelos trilhos.

"As ligações hoje atendem aos interesses dos próprios concessionários."

Os novos projetos anunciados recentemente pelo governo, na avaliação do professor, não chegam a quebrar a lógica das ferrovias como corredor de commodities. Em setembro, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, anunciou a autorização para construção, pela iniciativa privada, de 10 novas ferrovias, com investimentos da ordem de R$ 50 bilhões.

Em paralelo, ele chama atenção também para o projeto da Ferrogrão, que deve ligar o Mato Grosso ao Pará em cerca de 933 km com a proposta de facilitar o escoamento de grãos pela região Norte do país.

Na tentativa de tirar a ferrovia do papel, o governo sinalizou que disponibilizará para a futura concessionária até R$ 2,2 bilhões em recursos da União. O dinheiro, contudo, viria da outorga que será paga pela Vale para renovar a concessão de duas das ferrovias que administra hoje, a Estrada de Ferro Carajás e a Estrada de Ferro Vitória-Minas.

"Os recursos da outorga que poderiam ser usados para geração de benefícios econômicos e sociais nesse caso acabariam captados pelo próprio setor privado."

Camilla Veras Mota - @cavmota, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 12.11.21

Porandubas Políticas

 Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com um "causo" da Paraíba.

Cancelo chuvas

A seca era medonha. A Paraíba em desespero, o governador aflito. Um dia, caiu uma chuva fininha no município de Monteiro. Inácio Feitosa, o prefeito, correu ao telégrafo:

"Governador José Américo: chuvas torrenciais cobriram todo município de Monteiro. População exultante: Saudações, Feitosa".

Os comerciantes da cidade, quando souberam do telegrama, ficaram desesperados. O município não ia mais receber ajuda. Ainda mais porque a mensagem era falsa e apressada. Feitosa correu de novo ao telégrafo:

"Governador José Américo: cancelo chuvas. População continua aflita. Feitosa, prefeito".

Santos Cruz

Do general Santos Cruz em comunicação assertiva para este analista político: "vou apoiar Sergio Moro. Saúde".

Bolsonaro no PL

A entrada de Jair Bolsonaro no PL, partido de Valdemar da Costa Neto, amarra o tronco do governo ao centrão. Trata-se de uma jogada combinada com o PP de Arthur Lira, o outro partido que integra o centrão. Significa a escolha da velha política como paredão de sustentação do governo. Vai atrair alguns deputados e perder outros. Por velha política, entende-se: ficar no poder seja qual for o presidente. Se outro candidato - Lula ou um da terceira via - se viabilizar e demonstrar ter chances em outubro de 2022 será uma correria em direção à sigla do favorito. A conferir.

O vice

Comenta-se que o general Hamilton Mourão, o vice-presidente, seria descartado do cargo na eleição de 2022. Bolsonaro estaria pensando em um nome político, de um dos partidos do centrão. Nesse caso, especula-se que o ministro das Comunicações, Fábio Faria, teria se cacifado com o leilão da 5-G, e, assim, estaria apto a ser o candidato a vice de Bolsonaro. Sairia do PSD de Kassab para ingressar no PP de Lira. Assim, Bolsonaro contentaria todo o centrão: ele no PL e um vice do PP. Faria deixaria livre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Simonetti Marinho, que sairia como candidato a senador pelo RN. E Mourão? Candidato a senador pelo RS ou mesmo RJ.

- A tolerância chegará a tal ponto que as pessoas inteligentes serão proibidas de fazer qualquer reflexão para não ofender os imbecis. Dostoievski.

O PSD de Kassab

Gilberto Kassab é um dos mais eficientes articuladores da política nacional. Está comendo pelas beiradas, ou seja, filiando quadros importantes dos Estados. Seu candidato a presidente será o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Que saiu do DEM para o PSD. Pacheco terá como objetivo inicial fechar Minas Gerais em torno do seu nome. Minas é o segundo maior colégio eleitoral do país. Pacheco faz boa figura: simpático, moderado, fluente, educado. Não será surpresa se mostrar crescimento.

Moro

Sergio Moro precisa ganhar flexibilidade, aquele jeitão de falar o que a imprensa gosta de ouvir, ampliar o circuito de amizades na política, expor-se mais no espaço da visibilidade. Parece acanhado, com dificuldade de se comunicar com seus públicos.

Ciro

Ciro Gomes colocou um cabresto do PDT. Ou o partido volta atrás com os votos de apoio à PEC dos Precatórios ou cairá fora como candidato. Logo mais, veremos. Pareceu que o candidato queria um pretexto para pular fora da candidatura.

Lula

Este analista ainda não se convenceu que Lula quer ser candidato. Como não surgiu outro capaz de enfrentar Bolsonaro, seu nome subiu às alturas. Com o perfil resgatado, prestígio alto, vida tranquila, enfrentaria de bom grado uma campanha que tende a lembrar todos os malfeitos do PT? Diz-se que torce para surgir um nome do arco da esquerda ou centro-esquerda para que ele possa orientar o PT a apoiá-lo.

O vai-e-vem

Os números que se apresentam sobre o desempenho do país na esfera da economia são como uma gangorra. Ora, fala-se de crescimento de até 7,5% do PIB. Outras vezes, esse número chega próximo do zero. E lá vem mais: se somarmos o resultado primário dos Estados e municípios, estatais e governo central para termos o resultado do setor público passamos de um déficit primário de R$ 636 bilhões ( - 11,7% do PIB) nos nove primeiros meses para um superavit de R$ 14,2 bilhões(0,22% do PIB) este ano, ou seja, uma melhora de R$ 650 bilhões, apesar dos gastos extras com Covid este ano.

Não se iludam

Não se iludam uns e outros. Se a equação BO+BA+CO+CA (Bolso, Barriga, Coração, Cabeça) for bem equacionada, Bolsonaro ganhará mais um mandato. Ou seja, se as massas carentes tiverem o seu dinheirinho pingando ao final de cada mês, o capitão fará um gol de placa. O que interessa para essa massa de votantes é geladeira cheia e barriga satisfeita. O instinto de sobrevivência falará mais alto. O dinheiro que seria para pagar precatórios pode reeleger Bolsonaro. A recíproca é verdadeira. Barriga vazia queimará a possibilidade. E nem água vai faltar. Chove em quase todo o país, com tendência a acabar com a crise hídrica.

Um ponto fora da curva

Diz-se que Bolsonaro significa no mapa político um ponto fora da curva. Seu estilo pra lá de grotesco, infelizmente, começa a ser banalizado e fixado no vocabulário da política. E assim deixa de ser um ponto fora da curva. Se assim for, o futuro estará cheio de nuvens pesadas.

O Brasil

O prestígio do Brasil está ao rés do chão. Quebrado, esfacelado. E o cara não está nem aí....Barack Obama faz um discurso em que clama para que o Brasil, ao lado da China, Rússia, EUA e outros países, lidere a campanha pelo ambiente saudável. Bolsonaro ouviu daqui. Entrou por um ouvido, saiu pelo outro.

Governadores

Os governadores aproveitarão o tempo que lhes resta na atual gestão para fazer o obreirismo de pequenas coisas. É tempo de fazer política. É tempo de correr o Estado. É tempo de atrair as massas. É tempo de pão e circo.

É breve a vida

Tomo a liberdade de fazer uma reflexão sobre a vida. Valho-me de Sêneca com seu puxão de orelhas: "somos gerados para uma curta existência. A vida é breve e a arte é longa. Está errado. Não dispomos de pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o bastante e nos foi generosamente concedida para a execução de ações as mais importantes, caso toda ela seja bem aplicada. Porém, quando se dilui no luxo e na preguiça, quando não é despendida em nada de bom, somente então, compelidos pela necessidade derradeira, aquela que não havíamos percebido passar, sentimos que já passou".

O tempo corre

A vida passa e não percebemos o quanto ela avançou. De repente, damo-nos conta de que o tempo que gastamos foi usado de maneira fútil, sem percebermos que nossos dias finais chegam rapidamente, trazidos pela cegueira de darmos valor à coisas que desperdiçam nossa atenção, guiados pelo voluntarismo que nos aproxima da materialidade cheia de magia da vida material. É a preocupação exagerada com a estética, é a discussão radical que não faz crescer a pessoa, é o pingo de azeite que mancha nossa gravata, a ponto de consumirmos um bom tempo para deixá-la limpa e sem mancha.

Oportunistas

A vida só é mesmo sentida e percebida diante dos grandes riscos que enfrentamos, do medo que avança ante o desconhecido e que ameaça consumir nossas energias, do perigo a que somos levados quando nosso corpo tem dificuldades de administrar as intempéries do tempo. Resta resistir aos contratempos que aparecem, quando menos se espera, e que servem como massa de manobra de certa categoria de protagonistas, como os individualistas, os populistas, os demagogos, os negacionistas, os obscuros, os oportunistas.

Fecho a Coluna com Gilberto Gil

Amigas e amigos de todo o Brasil. Cantemos com Gilberto Gil:

Andar com fé

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Que a fé 'tá na mulher

A fé 'tá na cobra coral

Oh oh

Num pedaço de pão

A fé 'tá na maré

Na lâmina de um punhal

Oh oh

Na luz, na escuridão

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá olêlê

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Olálá

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Oh menina

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

A fé 'tá na manhã

A fé 'tá no anoitecer

Oh oh

No calor do verão

A fé 'tá viva e sã

A fé também 'tá prá morrer

Oh oh

Triste na solidão

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Oh menina

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Olálá

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Certo ou errado até

A fé vai onde quer que eu vá

Oh oh

A pé ou de avião

Mesmo a quem não tem fé

A fé costuma acompanhar

Oh oh

Pelo sim, pelo não

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Olêlê

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Olálá

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá (olêlê, vamos lá)

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá (costuma, costuma a fé não costuma faiá)

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá (costuma, costuma a fé não costuma faiá)

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá (olêlala)

Andá com fé eu vou que a fé não costuma faiá

Torquato Gaudêncio, cientista político, é Professor Titular na Universidade de São Paulo e consultor de Marketing Político.

--------------------------------------------------
Livro Porandubas Políticas
A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.
Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.
Cada exemplar da obra custa apenas R$ 60,00. Adquira o seu, clique aqui.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Consórcio falido

STF agravou a briga dentro do Centrão pelo acesso ao cofre aberto por Bolsonaro

O orçamento secreto agora não tão secreto vai continuar por outros meios, mas a decisão do STF garantiu a briga no consórcio montado para gastar à vontade em ano de eleição. Os consorciados são parlamentares do Centrão e Jair Bolsonaro.

O processo que levou ao orçamento secreto agora não tão secreto começou lá atrás, ainda durante Dilma, e tinha como objetivo limitar a capacidade do Executivo de manipular votos no Parlamento via distribuição de emendas. Foi “aperfeiçoado” por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre dentro do mesmo espírito, ou seja, o Legislativo avançando em suas prerrogativas.

Coube ao “gênio” político Jair Bolsonaro consumar a entrega de fatia importante de seus poderes – a alocação de recursos através do Orçamento – aos chefões do Centrão, hoje os verdadeiros donos das principais decisões de governo. Eles já estavam em rota de colisão entre si por conta do único fator que lhes interessa, que é acesso aos cofres e máquina públicas.

A disputa tinha sido trazida a público no começo da semana pelo chefão do PL, ao qual Bolsonaro pretende se filiar, e que já tem um pedaço do Palácio do Planalto. Concorre ali com o chefão do PP, dono de um outro pedaço. O enfraquecimento de outro chefão do PP, o presidente da Câmara, trazido pela decisão do STF de suspender em parte o orçamento secreto, complica o jogo entre esses senhores.

Que já era intrincado o suficiente considerando-se o papel do Senado, do qual depende agora a tramitação da PEC dos precatórios e seus R$ 90 bilhões de “espaço fiscal” (na verdade, uma gambiarra despudorada). Apenas nas aparências o presidente do Senado manifestou muxoxo com o ataque do STF ao orçamento secreto que ele diz que não existia. Na prática, seu poder político de barganha aumentou consideravelmente.

Há quem enxergue na decisão claramente política do STF de suspender as emendas do relator um esforço de “salvar” a democracia e princípios da Constituição. O que o Direito não consegue, porém, é salvar o Brasil do seu próprio sistema político, que funciona (desde sempre?) para alimentar grupos privados (partidos políticos) que se juntam para apropriar-se de recursos públicos (estruturas do Estado e fundos) em benefício próprio.

O resultado dessa confusão, em parte um espelho da confusão mental de Bolsonaro, e da qual o grande público está alheio, é uma considerável paralisia política agravada por um quadro econômico que permanece em crescimento muito abaixo do necessário com medíocre recuperação de emprego e renda. O consórcio Centrão-Bolsonaro tem condições apenas de agravar esse quadro. 

William Waack, o autor deste artigo, é Jornalista. Apresentador do Jornal da CNN. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 11.11.21.

11 de novembro de 2021 | 03h00

PT celebra eleição fraudulenta de Ortega na Nicarágua, mas volta atrás e tira nota do ar

Partido apoia pleito sem opositores ou observadores internacionais, constrangendo o ex-presidente Lula no momento em que articula volta ao Palácio do Planalto

Lula discursa no lançamento do Memorial da Verdade, em São Paulo, em agosto deste ano. (Marcelo Chello, AP)

Uma “grande manifestação popular e democrática”, é como os dirigentes do PT definiram as eleições que confirmaram a permanência de Daniel Ortega no poder da Nicarágua. O pleito fraudulento, que já tinha um vencedor definido antes mesmo do início das votações, ocorreu no último domingo, quando os rivais de Ortega estavam todos presos ou exilados. Ainda assim, o partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se apresenta como pleiteante à presidência em 2022, encarou o resultado como “o apoio da população a um projeto político que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e igualitário”. A nota, publicada no site da legenda na segunda-feira, foi amplamente criticada, tanto por opositores quanto por apoiadores do partido. Nesta quarta-feira, não estava mais no ar.

Enquanto o PT celebrava as eleições fraudulentas na Nicarágua, quatro ex-presidentes, incluindo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), assinavam uma carta exigindo que a região ignore o resultado do pleito. Diante das críticas, a presidenta nacional da legenda, a deputada Gleisi Hoffmann, usou sua conta no Twitter para colocar panos quentes, afirmando que a nota não havia sido submetida à direção partidária. “Posição do PT em relação qualquer país é de defesa da autodeterminação dos povos, contra interferência externa e respeito à democracia, por parte de governo e oposição”, escreveu ela. Depois, a legenda publicou uma nova nota no site do partido, dizendo que Gleisi “esclarece posição do PT sobre eleição na Nicarágua” e incluindo seu tuíte.

Em um momento em que Lula se apresenta como presidenciável e anuncia uma agenda de encontros internacionais com lideranças europeias, o gesto do PT vai na contramão dessas costuras democráticas. Em agosto, Lula aconselhou Ortega a “não abrir mão da democracia”. “Se eu pudesse dar um conselho ao Daniel Ortega, daria a ele e a qualquer outro presidente. Não abra mão da democracia. Não deixe de defender a liberdade de imprensa, de comunicação, de expressão, porque isso é o que favorece a democracia”, disse o petista em uma entrevista ao Canal Onze, do México.

Mas as eleições deste domingo na Nicarágua ocorreram em um contexto antidemocrático, a despeito dos conselhos de Lula —que não tocou mais no assunto. Ortega, que tem o apoio de somente 19% da população, segundo pesquisas sérias, teve 75% de apoio no pleito, de acordo com os resultados iniciais oficiais, que projetaram também uma participação de 65% da população. Os números foram considerados uma farsa pela oposição e pela comunidade internacional. A organização Urnas Abiertas informou que, de acordo com seus 1.450 observadores em todo o país, a abstenção foi em média de 81,5%.

Esta não é a primeira vez que o PT sofre críticas por apoiar uma eleição questionada. No fim do ano passado, o partido lançou uma nota saudando as eleições legislativas que ocorreram na Venezuela quase sem nenhuma oposição, sem o reconhecimento dos Estados Unidos e da Europa e com grande abstenção. “As eleições são a resposta democrática a esta política de bloqueio, que visa a atingir o governo constitucional do país, mas tem como grande vítima o povo venezuelano, gravemente prejudicado no acesso a alimentos, medicamentos e outros direitos”, afirmava a nota.

Marina Rossiafonso Benites, de São Paulo / Brasília para o EL PAÍS, em 10.11.21

Liberdade para as drogas

Os Estados não podem competir com quem gasta e esbanja somas delirantes para garantir o controle de certas cidades ou regiões, nas quais estes substituem, pouco a pouco, as autoridades. Leia aqui o artigo de Mário Llosa, publicado no EL PAÍS.

Planta de cannabis na fazenda de produção da Associação de Pesquisa e Apoio ao Paciente de Cannabis Médica (APEPI) em Paty dos Alferes, estado do Rio de Janeiro, Brasil em 9 de setembro de 2021. (Mauro Pimentel, AFP)

O Partido Socialista, no poder, e o Partido Popular, na oposição, forjaram uma momentânea aliança no Parlamento espanhol para pôr fim à Cannabis, que, ao que parecia, seria tolerada na Espanha. Equivocaram-se gravemente. Com essa proibição, só conseguirão que as máfias de narcotraficantes que já pululam na Espanha, embora menos que no México e em outros países latino-americanos, se fortaleçam e aumentem sua prática criminosa, assim como o consumo de drogas no país.

Quando fui candidato, nos anos oitenta do século passado, vivíamos na Frente que me apoiava a paixão pelo programa. Acreditávamos que desempenharia um papel crucial na eleição e nos enganamos redondamente: não desempenhou nenhum, e a maioria de eleitores nem sequer o leu. Mas para mim foi estimulante; segundo o programa, todos os problemas peruanos tinham solução. Menos as drogas, que fugiam do controle do país porque eram um assunto internacional.

Na área que nós, peruanos, chamamos de “sobrancelha de montanha”, entre os Andes e a Amazônia, o território da coca, fonte da cocaína, são feitas até três colheitas por ano; embora os camponeses não consumam a droga, só a semeiam e vendem. Eles chacchan a folha de coca, ou seja, mastigam-na, e o suco que extraem os protege do frio, da fome e do cansaço. Os aviõezinhos colombianos chegam às solitárias paragens dessa serra e seus pilotos pagam em dólares pela carga que transportam. Quem convenceria os camponeses de que deveriam substituir seus cultivos de coca por produtos alternativos que iriam vender, atravessando caminhos espantosos, que tomam muitos dias, até o Agrobanco das cidades, que lhes paga em sóis e, além disso, tarde, mal e nunca? Ninguém, é claro. E, por isso, a produção de coca é cada vez mais extensa no Peru e na América Latina, e o comércio da cocaína, que muitas vezes chega até nós importada do exterior, mais intenso.

A única solução para esse problema é a decisão corajosa que o Uruguai tomou: liberalizar o comércio da droga, embora eu não entenda por que apenas uma empresa estatal exerça esse direito; a lei deveria ser liberal, e as empresas privadas também deveriam desfrutar desse comércio (sob a supervisão do Estado, é claro).

Essa foi a solução que propôs, há muitos anos, um economista liberal, Milton Friedman, que, além disso, acrescentou que se continuasse crescendo o combate às drogas, aqueles que viviam desse trabalho seriam os piores inimigos de sua liberação. E ocorreu exatamente isso.

Atualmente, aqueles que lutam contra as drogas são muitos milhares de pessoas e instituições no mundo, começando pelos Estados Unidos, onde os funcionários da DEA [Drug Enforcement Administration, ou Departamento de Fiscalização de Drogas, em livre tradução] são hoje enérgicos adversários de sua redenção legal. Estamos acostumados a que nos informem, com base em estatísticas e pesquisas, que a luta contra a droga conquista muitas vitórias, que sua circulação está diminuindo e coisas parecidas. Mas a verdade é que as drogas são vendidas em toda parte − os narcotraficantes as dão de presente nas portas das escolas para que os jovens, e até as crianças, tornem-se usuários precoces − e a corrupção e a violência promovidas pelos poderosos cartéis não têm limites. Centenas de mulheres, suas vítimas preferidas, e outros tantos homens morrem diariamente nos países latino-americanos, em lutas pela posse de territórios ou rivalidades pessoais, enquanto, ao mesmo tempo, as lutas por aeroportos clandestinos ou delegacias de polícia ou, como na Venezuela, pelo domínio da força militar, vão minando os Estados, no nível ministerial e, às vezes, até no do próprio presidente, como foi o triste caso do Peru.

O problema é ainda mais profundo. Os sistemas de governo e as autoridades estão ou serão corrompidos pela enxurrada de dinheiro que as drogas produzem, a ponto de que, em alguns lugares que irão se espalhando, tudo depende delas e dos funcionários que têm a ver com sua circulação. Os Estados não podem competir com quem gasta e esbanja somas delirantes para garantir o controle de certas cidades ou regiões, que praticamente ficam nas mãos dos narcotraficantes e nas quais estes substituem, pouco a pouco, as autoridades.

Diante desse drama, não há mais remédio a não ser a legalização. É lógico que se comece pelas drogas menores, como já fizeram alguns países avançados, para medir suas consequências, e depois, sob receita médica, incluam-se as drogas maiores que sejam efetivamente um remédio contra a esquizofrenia e outras doenças. É verdade que, pelo menos no Peru, há uma velha polêmica − com discussões a viva voz, artigos e livros − entre os médicos que veem na legalização da cocaína um grave perigo para a saúde dos usuários (são minoria) e aqueles que, pelo contrário, acreditam que o vício nessa droga não seria pior do que o provocado pelo cigarro e pelo álcool. Mas o que interessa agora é acabar com esse contrapoder inesperado que, em muitos lugares, já substituiu o Estado e dita a lei.

Não estou exagerando nem um pouco. Em cidades onde o uso das drogas era secreto e inconfessável, hoje é quase público, está ao alcance de todo mundo e se tornou uma exibição de modernidade, de juventude e de progresso.

Em todo caso, a pior solução é endurecer as penas e aumentar as forças da ordem que combatem o narcotráfico. Já vimos − e o caso do México não é nem de longe o único − que à medida que cresce a perseguição, os narcotraficantes, que têm todo o dinheiro do mundo, armam-se com metralhadoras e fuzis mais sofisticados, comprados nos Estados Unidos, e multiplicam as demonstrações de força, deixando um rastro de mortes nos povoados e nas cidades que controlam. Esse caminho, o das hecatombes e matanças, não é realista.

É claro que a liberdade para as drogas tem seus riscos e o Estado deve combatê-los, neste caso com um maior controle judicial e policial daqueles que se veriam prejudicados por essa lei. Do mesmo modo, é imperioso que os sistemas de saúde prestem um serviço de desintoxicação e cura àqueles que estiverem dispostos a se livrar desse fardo, que também pode ser um grave perigo para a saúde. Tudo isso é útil e produtivo. Não é assim, no entanto, agir como se, na verdade, estivéssemos derrotando os narcotraficantes. Não é assim. São eles que estão ganhando a guerra. É preciso tirar a venda dos olhos e admitir. E eles continuarão ganhando enquanto os Estados pretenderem destruí-los. Eles é que estão nos destruindo.

O pior é a violência associada a essa situação em que os grandes traficantes são objeto de culto − as revistas e programas mais frívolos informam sobre eles, pois sua popularidade é grande − e as perseguições e guerras que travam entre eles já fazem parte da realidade cotidiana, como se as consequências de tudo isso não fossem os torturados e os mortos que se multiplicam por toda parte. A solução do problema não está só na legalização das drogas, é claro. Mas, de imediato, é a única maneira de acabar com a ilegalidade que rodeia essa questão, em que todos os dias morrem, em horríveis condições, dezenas ou centenas de inocentes. A legalização colocará ponto final a essa violência desmedida que paralisa o progresso e mantém muitos países no subdesenvolvimento.

Mário Vargas Llosa, o autor deste artigo, é escritor. Prêmio Nobel de Literatura. Publicado originalmente por EL PAÍS, em 06.11.21.

Moro candidato? Como ex-ministro pode afetar corrida à Presidência

O ex-ministro Sergio Moro não anunciou, até o momento, uma pré-candidatura à Presidência da República, mas sua filiação ao partido Podemos, nesta quarta (10/11), é um passo a mais na direção de concorrer a um cargo público nas eleições de 2022.

Moro escolheu o Podemos para se filiar (Adriano Machado, Reuters)

Longe do cenário político no último ano — que passou morando nos Estados Unidos — Moro volta ao Brasil sem ter a mesma popularidade que tinha como juiz no auge da operação Lava Jato.

Sua imagem foi desgastada por crises que vão desde uma passagem conturbada pelo governo Bolsonaro até a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que considerou o ex-juiz parcial no julgamento do ex-presidente Lula.

Mas apesar das crises e do distanciamento, Moro ainda mantém uma popularidade que não pode ser desconsiderada — nas pesquisas feitas pelo Datafolha que incluíram seu nome, o ex-ministro ficou pouco abaixo dos 10% de intenção de votos.

"Eu diria que ele está hoje no mesmo patamar do (governador de SP) João Doria", afirma Mauro Paulino, diretor do Instituto Datafolha.

O ex-ministro é considerado uma grande "aquisição" pelo Podemos, cujo integrante mais conhecido nacionalmente era até hoje o senador Álvaro Dias (Paraná). Mesmo que Moro acabe não concorrendo à Presidência, seu capital eleitoral será aproveitado pelo partido, que também considera a possibilidade de lançá-lo como candidato ao Senado.

Entenda quais são os pontos fortes e as fraquezas de Moro em uma eventual campanha presidencial e seu impacto na disputa de 2022 — caso o ex-ministro decida realmente enfrentar Lula e Bolsonaro nas urnas.

Rosto conhecido

Embora Lula e Bolsonaro sejam hoje os favoritos para as eleições presidenciais do ano que vem, não se pode desconsiderar a possibilidade de um outro candidato ir para o segundo turno, explica Mauro Paulino, do Datafolha.

"Nos últimos anos, de maneira geral os eleitores têm se dividido em três grupos. Um mais de esquerda, um mais de direita e um grupo 'pêndulo', ou seja, que tende a votar no centro ou que varia de um extremo a outro", explica Paulino.

"Apesar do favoritismo atual de Lula e Bolsonaro, não dá para desconsiderar um terceiro nome por causa desse grupo mais ao centro — que votou em Bolsonaro em 2018 mas agora está descontente."

Moro é um de muitos nomes entre os possíveis candidatos conhecidos como "nem-nem" — de eleitores que não querem nem Lula, nem Bolsonaro. Políticos como Ciro Gomes (PDT), João Doria e Eduardo Leite (ambos do PSDB) e Luiz Henrique Mandetta (DEM) ainda podem ser lançados como pré-candidatos pelo seu partido e disputar uma vaga no segundo turno.

Uma vantagem que Moro tem em relação a esses e outros políticos que se colocam como uma "terceira via", aponta Mauricio Moura, diretor do instituto de pesquisa Ideia Big Data, é o fato de seu nome já ser conhecido nacionalmente.

"O fato de ser amplamente conhecido pela opinião pública é um grande diferencial em relação a outros candidatos", diz Moura.

Colocado sob os holofotes na última década por causa de sua atuação como juiz dos processos da operação Lava Jato, Moro foi tratado como símbolo do combate à corrupção durante anos, atingindo alta popularidade no auge da operação.

"O positivo desse reconhecimento (do seu nome) é que ele já tem uma imagem consolidada com o público, não precisa de muito pra reforçar essa imagem", afirma Mario Paulino.

No entanto, aponta o pesquisador, o fato de Moro ser um rosto conhecido também traz aspectos negativos — ele também precisa lidar com desgastes associados à sua imagem.

Moro rompeu com Bolsonaro um ano após assumir Ministério da Justiça (Reuters)

Alta rejeição

O lado negativo de ser mais amplamente conhecido é ter que lidar com uma índice de rejeição relativamente maior.

No caso de Moro, cerca de 26% dos brasileiros diziam que não votariam no ex-ministro de jeito nenhum em pesquisa divulgada pelo Datafolha em maio deste ano (última na qual ele foi incluído).

A passagem do juiz pelo governo Bolsonaro e a suspeição declarada pelo STF são principais fatores dessa rejeição.

"Moro saiu do governo Bolsonaro menor do que entrou", afirma Maurício Moura, do Ideia Big Data.

Ministro da Justiça e da Segurança Pública de Bolsonaro entre janeiro de 2019 e abril de 2020, Moro rompeu com o governo dizendo que o presidente não estava cumprindo as promessas feitas quando o convidou para o ministério. O episódio se deu pouco depois de uma polêmica envolvendo a acusação de que o presidente havia interferido na Polícia Federal para proteger seus filhos.

A aliança mal sucedida com Bolsonaro foi especialmente problemática para Moro porque acabou afetando sua imagem com dois públicos: pessoas que rejeitam Bolsonaro e ficaram decepcionadas quando Moro entrou no governo, e bolsonaristas, que o consideraram "traidor" ao abandonar o presidente.

Já a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que o considerou parcial no julgamento de Lula no âmbito da Lava Jato prejudicou sua imagem como juiz.

"Essa imagem amplamente associada à Lava Jato se deteriorou, ele teve seu capital reputacional diminuído", afirma Maurício Moura.

"Moro vai ter que lidar com algumas perguntas indigestas em uma campanha", afirma Creomar de Souza, CEO da consultoria política Dharma e professor da Fundação Dom Cabral. "Ele interferiu nas eleições de 2018 ao condenar Lula, como acusa a esquerda? Por que ele aceitou ser ministro de Bolsonaro?"

O ex-ministro não foi incluído nas últimas pesquisas de rejeição feitas pelo instituto, em julho e setembro. Na última, que ouviu 3.667 eleitores em 190 cidades nos dias 13 a 15 de setembro, a maior rejeição era de Bolsonaro (59%), seguido por Lula (38%).

Tradicionalmente, candidatos com alta rejeição não iam para o segundo turno das eleições presidenciais, explica Mauro Paulino. "Mas isso mudou em 2018, quando a disputa no segundo turno ficou entre Haddad e Bolsonaro, ambos com alto índice de rejeição."

Decisão do STF sobre suspeição de Moro no julgamento de Lula fortaleceu discurso de perseguição política adotado pelo ex-presidente (Getty Images)

Corrupção e economia

O público que votaria em Sergio Moro para presidente hoje é composto basicamente por eleitores "órfãos do PSDB" no sul, sudeste e centro-oeste, diz Mauro Paulino, do Datafolha.

"Eleitores que consideram a corrupção o principal problema do país, têm uma tendência conservadora, optaram por Bolsonaro em 2018 e agora estão insatisfeitos", explica Paulino.

Ter a imagem fortemente associada à pauta anticorrupção é um ponto a favor de Moro caso dispute a Presidente contra Bolsonaro e Lula, cujos governos tiveram que lidar com uma série de escândalos.

Por outro lado, Moro terá o desafio de fazer uma campanha em uma momento em que a sociedade está pressionada por outras questões, de ordem econômica: inflação, desemprego, desigualdade.

"As pessoas não sabem como Moro se posiciona em relação à política econômica", afirma Creomar Souza. Seu posicionamento em diversos outros assuntos também não é conhecido. Moro evitou se posicionar até agora, por exemplo, sobre a postura do governo Bolsonaro no combate à pandemia, outro tema que deve ser central na campanha para 2022.

A economia sempre foi um fator importante na eleição, explica Mauro Paulino, e o tamanho que o tema da corrupção teve em 2018 foi atípico. "Se as previsões de que a situação econômica no ano que vem vai estar até mais difícil do que hoje, o assunto vai readquirir o protagonismo perdido em 2018", diz ele.

"Por outro lado, ainda existe uma capilaridade desse tipo de discurso anticorrupção. Combater a corrupção é algo que tradicionalmente é visto no Brasil como a missão de um 'herói político'", lembra Souza. "Basta lembrar que o PT, antes do mensalão, tinha esse discurso. E Bolsonaro foi eleito em 2018 com esse discurso."

Letícia Mori, de São Paulo para a BBC News Brasil em São Paulo, em 10.11.21

Novo partido de Bolsonaro: PL esteve no centro do escândalo do mensalão no governo Lula

A participação de integrantes do PL no caso foi denunciada pelo presidente nacional do PTB e então deputado federal Roberto Jefferson (RJ). Na época apoiador de Lula e hoje aliado de Bolsonaro, o ex-parlamentar está preso por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes no inquérito das fake news.

O presidente Jair Bolsonaro (E) e o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto

Provável destino partidário do presidente Jair Bolsonaro, o Partido Liberal (PL) esteve no centro do escândalo do mensalão, que abalou o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005. O presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, anunciou que a cerimônia de filiação de Bolsonaro ao PL acontecerá no próximo dia 22 em Brasília.

O PL e o próprio Costa Neto foram manchete em 2005 durante o chamado escândalo do mensalão, em que o governo Lula foi acusado de pagar dinheiro a deputados em troca de apoio a projetos do governo.

Foi Jefferson o primeiro a utilizar o termo "mensalão", em entrevista à jornalista Renata Lo Prete, então editora da coluna Painel do jornal Folha de S. Paulo, publicada em 6 de junho de 2005. Ele acusou o então tesoureiro nacional do PT, Delúbio Soares, de pagar parlamentares do partido e do PP para votar favoravelmente a projetos de interesse do Palácio do Planalto.

O deputado afirmou: "Um pouco antes de o Martinez (José Carlos Martinez, presidente do PTB morto em 2003 num acidente aéreo) morrer, ele me procurou e disse: 'Roberto, o Delúbio está fazendo um esquema de mesada, um mensalão, para os parlamentares da base. O PP, o PL, e quer que o PTB também receba. R$ 30 mil para cada deputado. O que você me diz disso?'".

PTB, PP e PL, entre outros partidos, faziam parte da base parlamentar do governo Lula.

No dia seguinte, o presidente nacional do PL, deputado federal Valdemar Costa Neto (SP), ingressou com representação contra Jefferson na Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara.

Valdemar da Costa Neto, em foto de 2005, foi condenado por por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão (Evaristo Sá / AFP via Getty Images)

A equipe da BBC News Brasil lê para você algumas de suas melhores reportagens

"A ofensa, da forma como foi praticada, atingiu e maculou, quiçá de forma irreparável, a reputação ilibada não só dos parlamentares nominados, mas também a credibilidade, o conceito moral e administrativo desta Casa", afirmou Costa Neto.

Na dupla condição de acusador e acusado, Jefferson redobrou a aposta: citou como beneficiários dos pagamentos o próprio Costa Neto e os deputados do PL Sandro Mabel (GO) e Bispo Rodrigues (RJ), além de três parlamentares do PP (Pedro Corrêa, então presidente da sigla, José Janene e Pedro Henry).

Na sessão da Comissão de Ética em que Jefferson foi ouvido, em 14 de junho, Costa Neto confrontou-o: "Então dê os nomes".

O presidente do PTB respondeu: "Afirmo que Vossa Excelência recebe e repassa".

Jefferson foi condenado em votação secreta à perda de mandato por quebra de decoro.

Jefferson, Costa Neto, Corrêa, Henry e Rodrigues, entre outros, foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República no caso do mensalão e, posteriormente, julgados e condenados a penas variadas pelo Supremo Tribunal Federal em 2012.

No total, 41 pessoas foram julgadas e 26 condenadas no processo, incluindo o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente nacional do PT José Genoino.

Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto com a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (D)

"O PL é um partido estruturado nacionalmente, mas é também uma das siglas mais implicadas em corrupção na história recente. Essa escolha de Bolsonaro entra em contradição com o discurso do presidente contra a velha política, o toma-lá-dá-cá e a moralidade. Os bolsonaristas terão de se contorcer para explicar essa opção", afirma Victor Gandin, cientista político e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Base dos governos Lula e Dilma

Desgastado pelo episódio, o PL mudou de nome para disputar as eleições do ano seguinte.

Assumiu a identidade de Partido da República (PR), após fusão com o Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), do deputado federal e ex-candidato à Presidência Enéas Carneiro (SP). O objetivo declarado da fusão foi assegurar o cumprimento da cláusula de barreira, que exigia de cada sigla um percentual mínimo de 5% dos votos para eleger deputados.

No ano seguinte, já com 34 deputados, o então PR passou a fazer parte da base parlamentar de Lula, reeleito para um segundo mandato, e indicou Alfredo Nascimento para o Ministério dos Transportes. Mais tarde, compôs a aliança que elegeu a também petista Dilma Rousseff por dois mandatos.

Em 2019, o PR mudou novamente de identidade e voltou a se chamar PL.

O partido foi criado em 1985, logo após o fim da ditadura militar. Seus fundadores provinham sobretudo de partidos que haviam sustentado o antigo regime, como o então Partido Democrático Social (PDS, hoje PP), ou desertado no último minuto, como o Partido da Frente Liberal (PFL, hoje Democratas) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

À frente da nova sigla, destacavam-se políticos como Afif Domingos, ex-secretário de Agricultura do governo Paulo Maluf, de São Paulo, e Álvaro Valle, dissidente do PFL do Rio de Janeiro. Em 1989, o PL lançou Afif à Presidência, mas obteve apenas o sexto lugar entre 21 candidatos, com 3,2 milhões de votos (4,8% do total).

O partido apoiou as candidaturas presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1994 e Ciro Gomes (PPS) em 1998, mas chegou ao poder em 2002 ao emplacar o então senador por Minas Gerais José Alencar como vice de Lula.

Fundador do conglomerado têxtil Coteminas, Alencar tivera uma passagem frustrada pelo PMDB nos anos 1990, tendo sido preterido por caciques tradicionais do partido em disputas pelo governo do Estado. Sua presença na chapa presidencial ao lado de Lula ajudou o candidato do PT a se tornar mais palatável a setores conservadores. Na prática, a relação de Alencar com o PL, no qual era novato, permaneceu distante.

Nos últimos 10 anos, o PL consolidou-se como um dos pilares do Centrão, bloco de partidos que domina a Câmara dos Deputados e serve de fiel da balança em votações decisivas na relação do Legislativo com o governo federal.

A sigla soma atualmente 43 deputados, atrás apenas do PSL (54 parlamentares) e do PT (53). Os votos do PL foram fundamentais para a eleição de Artur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara, e o partido emplacou a deputada federal Flávia Arruda (DF) como ministra-chefe da Secretaria de Governo.

"O movimento de Bolsonaro em direção ao PL é um casamento de conveniência. Ele precisa de estrutura partidária e tempo de TV se quiser disputar com chances a reeleição. Por outro lado, o PL e o Centrão também buscam crescimento. Será difícil governar sem o Centrão a partir de 2023", analisa Paulo Sergio Peres, professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Luiz Antônio Araujo, de Porto Alegre para a BBC Brasil, em 11.11.21

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Após eleição com opositores presos, PT celebra vitória de Ortega na Nicarágua

Em nota, legenda classifica pleito, altamente questionado internacionalmente, como 'uma grande manifestação popular e democrática'.

Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, ao lado de sua mulher e vice-presidente, Rosario Murillo, após eleição Foto: CESAR PEREZ / AFP

A reeleição de Daniel Ortega na Nicarágua, rejeitada pelos governos das principais democracias ocidentais, foi celebrada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que, em nota, classificou o  pleito do último domingo como “uma grande manifestação popular e democrática”. As eleições que deram vitória a Ortega, segundo os números oficiais com 75% dos votos, foram realizadas após uma série de prisões de opositores, incluindo dissidentes sandinistas e sete possíveis adversários na disputa, dentre eles sua principal oponente, Cristiana Chamorro.

“Os resultados preliminares, que apontam para a reeleição de Daniel Ortega e Rosario Murillo, da FSLN [Frente Sandinista de Libertação Nacional], confirmam o apoio da população a um projeto político que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e igualitário”, diz a nota, publicada na noite de segunda-feira e assinada por Romenio Pereira, secretário de Relações Internacionais do partido. “Esta vitória será conquistada apesar das diversas tentativas de desestabilização do governo e do bloqueio internacional contra a Nicarágua e seu atual governo, uma situação que penaliza principalmente os mais pobres e necessitados.”

Sem adversários e com o  Conselho Supremo Eleitoral (CSE) controlado por aliados do governo, o presidente foi reeleito para seu o quarto mandato consecutivo.

Na América Latina, países com governos de esquerda, como o Peru, também rejeitaram o pleito que “não atende aos critérios mínimos de eleições livres, justas e transparentes estabelecidos pela Carta Democrática Interamericana”, segundo comunicado da Presidência de Pedro Castillo. Outros, no entanto, como Cuba, Venezuela e Bolívia, comemoraram os resultados.

Nesta terça-feira, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), instou os países da região a agirem após as “eleições ilegítimas" no país. “Rejeitamos os resultados das eleições ilegítimas na Nicarágua”, tuitou  Luis Almagro. “Insto os países da OEA a responderem a esta clara violação da Carta Democrática durante sua Assembleia Geral”.

Vivi para contar: 'Me dei conta de que era o próximo a ser preso, pois Ortega já não respeitava os velhos lutadores'

Em agosto deste ano, o próprio ex-presidente Lula chegou a pedir que Ortega — que já acumula mais de 25 anos no poder nos últimos 40 anos — respeitasse a democracia, durante uma entrevista ao canal mexicano Once.

— Quando a gente pensa que não tem ninguém para nos substituir, nós estamos virando ditadores — disse Lula na entrevista. — Quando eu era presidente do sindicato, convoquei uma assembleia de trabalhadores e decidi que o presidente do sindicato só poderia ser eleito duas vezes. Quando era presidente da República, muita gente queria que eu tivesse um terceiro mandato, mas não aceitei, porque sou amplamente favorável à alternância de poder. Tem que ter revezamento na governança do país para a sociedade ir aprimorando sua participação democrática.

Após o resultado, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, disse que Washington está disposta a usar várias ferramentas, incluindo possíveis sanções, restrições de vistos e ações coordenadas com seus aliados contra aqueles que apóiam os “atos antidemocráticos" das autoridades nicaraguenses.

O subsecretário de Estado americano para as Américas, Ricardo Zúñiga, disse hoje que Ortega impôs "uma ditadura baseada no personalismo", que comparou à de Anastasio Somoza, o ditador derrubado na Revolução Sandinista em 1979. A União Europeia (UE) também rejeitou os resultados, dizendo que as eleições “completam a conversão da Nicarágua em um regime autocrático”.

Após as críticas, Ortega  classificou os EUA como “imperialistas”, “fascistas” e, no caso da Espanha, como “descendentes do franquismo”. Ele também acusou os prisioneiros políticos de seu regime de serem “filhos da puta dos imperialistas ianques”.

—  Eles deveriam ser levados para os Estados Unidos. Eles não são nicaraguenses, não têm pátria! — disse em um discurso inflado na segunda-feira, na Praça da Revolução, no coração da capital, Manágua.

O presidente, que governa o país desde 2007, tem hoje o apoio de menos de 20% população, segundo pesquisa do Gallup de outubro, uma queda drástica após os protestos de 2018, que tomaram conta do país e deixaram dezenas de mortos. 

Marina Gonçalves e agências internacionais. Publicado originalmente n'O Globo, edição online, em 09.11.21, às 17:45.

Os principais recados que Moro dará em seu discurso de filiação amanhã

No discurso que marcará o seu ato de filiação ao Podemos, em Brasília, nesta quarta-feira, Sergio Moro dirá que está à disposição do povo brasileiro. 

A fala é tratada internamente como a senha do ex-juiz de que será o candidato à Presidência da República em 2022, e não ao Senado, como aposta boa parte do universo político. Informa Bela Megale, de O Globo.

Ex-ministro e ex-juiz da Lava-Jato, Sergio MoroEx-ministro e ex-juiz da Lava-Jato, Sergio Moro | Foto: Pablo Jacob/ Agência O GLOBO

Focado em trilhar o caminho da terceira via, Moro também defenderá a necessidade de união do país, hoje polarizado entre Lula e Bolsonaro. O ex-ministro dirá que o Brasil precisa deixar para trás pessoas que usam a política para favorecer interesses pessoais e fará críticas tanto ao governo do ex-chefe, Jair Bolsonaro, quanto às gestões petistas. Por ora, porém, a ideia é evitar a citação nominal a seus adversários.

Em paralelo, será exibido um vídeo com contribuições de Moro ao Brasil. Fotos pessoais do juiz foram cedidas à organização do evento para compor a peça, como imagens de seu casamento e retratos com os filhos pequenos.

A filiação do ex-juiz também marcará a estreia de Moro em uma nova plataforma, o YouTube. A conta oficial já está no ar e deve ter como primeira transmissão o ato de filiação do ex-ministro.

Texto de Bela Megale publicado originalmente n'O Globo online, em 09.11.21, às 16:59

A misteriosa facada em Bolsonaro volta ao jogo em clima eleitoral

Não deixa de causar estranheza que justo agora, quando a reeleição do presidente parece cada vez mais complicada, tenha sido tomada a decisão de reabrir o caso para tentar investigar se havia ou não um mandante —e se era alguém de esquerda

O presidente Jair Bolsonaro tira foto com apoiadores em Miracatau (SP), no dia 13 de outubro, durante entrega de títulos de propriedades rurais. (Alan Santos / PR)

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede em Brasília, acaba de reabrir, de surpresa, o processo sobre a facada contra Jair Bolsonaro, algo que já tinha sido encerrado duas vezes. Antes, decidiu-se que o agressor, Adélio Bispo, deveria ser absolvido por se tratar de uma pessoa com problemas psicológicos e que havia agido sozinho —ou seja, sem mandantes. Hoje, é consenso entre os analistas políticos que foi a facada desferida em Bolsonaro durante a campanha eleitoral que o ajudou em sua eleição, por dois motivos: primeiro, porque o transformou em um mártir, um mito protegido por um Deus que o salvou; também, porque o impediu de participar dos debates eleitorais com os demais candidatos. Algo decisivo, já que são conhecidas as dificuldades naturais do capitão.

O caso parecia encerrado, embora Bolsonaro e sua família nunca tivessem aceitado as investigações e continuassem com o sonho de poder provar que um terceiro —que seria um político e de esquerda— teria participado do atentado.

Não é difícil entender por que justo agora, já em plena campanha pela reeleição, voltem a ressuscitar a misteriosa facada sobre a qual se criou até a fantasia de que seria um falso ataque criado pelos seguidores do então candidato Bolsonaro. Tudo para criar a imagem do mártir, que teria, depois, milhões de votos dos evangélicos.

E não deixa de causar estranheza que, justo agora, quando a reeleição de Bolsonaro parece cada vez mais complicada, tenha sido tomada a decisão de reabrir o caso para tentar investigar se havia ou não um mandante e se era alguém de esquerda. Ao mesmo tempo, o recente documentário do jornalista Joaquim de Carvalho, Uma facada no coração do Brasil, desenterrou a inusitada hipótese de que o atentado foi apenas uma ficção criada pelos seguidores de Bolsonaro para mitificá-lo. E para provar isso difundiu-se a teoria de que não existe uma única foto de sua barriga ensanguentada depois do esfaqueamento e de que houve uma suposta cumplicidade entre os médicos que o atenderam e operaram.

Agora, segundo o jornal O Globo, o que se deseja com a investigação é saber se, além do veredicto dos que conduziram o caso (que insistiram que Adélio agiu sem cúmplices), houve algum mandante que forjou o atentado, usando uma pessoa que aparentemente havia pertencido ao PSOL. Agora que já se respiram ares eleitorais, Bolsonaro e seus filhos insistem que a família precisa saber se houve ou não alguém que planejou tudo. E o sonho dos Bolsonaros e seus seguidores sempre foi tentar provar que o mandante foi algum militante de esquerda para mudar o rumo das eleições.

O último gesto de mau gosto de Bolsonaro sobre o atentado ocorreu dias atrás, por ocasião da morte da jovem cantora Marília Mendonça, amada por todo o Brasil. O presidente, sem nomear a morte da artista, referindo-se apenas à dor de um filho que ficava órfão, aproveitou para relembrar seu atentado, algo que desencadeou uma lista de críticas nas redes sociais, condenando sua já conhecida falta de sensibilidade.

Quem também apareceu foi o polêmico advogado de Bolsonaro e de sua família, Frederick Wassef. Ele voltou ao jogo nos últimos dias para defender a tese de que houve um mandante do atentado. Segundo ele, “há fortes indícios e um conjunto robusto de provas de que a esquerda brasileira ordenou a morte do presidente”. Para ele e para a família Bolsonaro, as duas investigações realizadas pela polícia, que convergiam para a tese de que o agressor agiu sozinho, não teriam mais valor.

Parece não haver dúvida de que há um interesse especial em tentar provar neste momento que o agressor agiu instigado por um político de esquerda, já que, segundo todas as pesquisas, Lula poderia derrotar Bolsonaro ainda no primeiro turno. Seria, portanto, um sonho para o presidente que antes da data da reeleição a polícia descobrisse que o verdadeiro mandante era alguém à esquerda, o que se tornaria o tema central de todas as discussões eleitorais. Como escreveu o jornalista Ricardo Noblat em seu blog, se alguém está interessado hoje em desenterrar a já desmentida hipótese de que o atentado foi organizado pela esquerda, esse alguém é Bolsonaro.

As forças democráticas precisam estar atentas para que esse sonho de Bolsonaro e sua família seja abortado o mais rápido possível para que não obscureça uma eleição já carregada de ameaças. A última é a chegada de Sérgio Moro, considerado uma esfinge difícil de decifrar e que continua a acrescentar ambiguidade e confusão extra às eleições.

O fantasma que Bolsonaro deseja desenterrar justo neste momento de tensão pré-eleitoral pode ser, sem dúvida, um elemento novo e perigoso que acrescenta dramaticidade e intriga à já complexa eleição que ocupa o interesse de toda a vida política, enquanto se agrava a crise econômica, que, como sempre, afeta os mais desfavorecidos, que os políticos usam somente na hora de tentar comprar voto.

Juan Arias, o autor deste artigo, é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicadi no EL PAÍS, em 08.11.21.

STF forma maioria contra 'orçamento secreto' da Câmara

A decisão representa uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tem usado esses recursos para garantir o apoio de parlamentares do Centrão. A informação foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Com placar parcial de 6 a 0, a Corte manteve decisão liminar da ministra Rosa Weber (Felipe Sampaio, SCO/STF)

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta terça-feira (9/11) para barrar repasses às emendas de relator, também conhecidas como "orçamento secreto" da Câmara dos Deputados.

O governo sempre negou haver qualquer direcionamento das emendas para angariar apoio

Na tarde desta terça-feira, o placar no STF chegou a 6 a 0, consolidando a formação de maioria.

Uma liminar suspendendo as emendas de relator foi concedida pela ministra Rosa Weber na sexta-feira (5/11). Além da relatora, votaram contra as emendas: Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes.

Para entender o esquema do "orçamento paralelo" de Bolsonaro, primeiro é preciso compreender como funcionam as emendas do Orçamento federal.

Segundo o site do Senado Federal, as emendas do Orçamento "são propostas por meio das quais os parlamentares podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seus mandatos, tanto junto aos Estados e municípios, quanto a instituições".

As emendas são de quatro tipos: individual, de bancada, de comissão e do relator.

As emendas individuais são destinadas a cada senador ou deputado. As emendas de bancada são coletivas, de autoria das bancadas estaduais ou regionais. Também são coletivas as emendas apresentadas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado.

Já as emendas do relator (também conhecidas no jargão burocrático pelo código RP9) são feitas pelo deputado ou senador que, num determinado ano, foi escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento.

Ao contrário das emendas individuais, que seguem critérios bem específicos e são divididas de forma equilibrada entre todos os parlamentares, as emendas de relator não seguem critérios usuais e beneficiam somente alguns deputados e senadores.

Foram essas emendas que possibilitaram a distribuição de bilhões a parlamentares da base do governo.

"Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos", escreveu a ministra Rosa Weber em sua decisão.

BBC News Brasil, em 09.11.21

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Moro aciona STF contra depoimento de Bolsonaro no inquérito que apura interferência do presidente na PF

Ex-ministro questiona interrogatório sem presença de seus advogados e da Procuradoria-Geral da República

Presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Sérgio Moro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Pivô do inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra o depoimento do chefe do Executivo. Ele pede ao ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação, que cobre parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a oitiva.

O principal ponto questionado por Moro é que o interrogatório foi feito pela Polícia Federal sem a participação de seus advogados e da PGR. A defesa do ex-ministro diz que faltou isonomia no tratamento dispensado ao presidente.

“Esperavam os signatários da presente serem comunicados da data de oitiva do segundo investigado – e assim também o fosse a própria PGR – mantendo-se o mesmo procedimento adotado quando do depoimento prestado pelo ex-Ministro Sérgio Fernando Moro, em homenagem à isonomia processual. Nada obstante, o depoimento do Sr. Presidente da República foi colhido em audiência reservada, presidida pela autoridade policial em período noturno, sem participação desta Defesa e da Procuradoria Geral da República”, dizem os advogados ao STF.

Em depoimento, Bolsonaro admitiu que pediu trocas na diretoria-geral e nas superintendências da Polícia Federal e disse que o ex-ministro da Justiça condicionou as substituições a uma vaga no STF. O presidente também afirmou que viu necessidade em mudar a chefia da PF para ter ‘maior interação’.

Interlocutores de Moro disseram que as perguntas foi selecionadas para ‘blindar’ do presidente. A defesa chegou a preparar uma lista de questionamentos, mas não foi comunicada da data da oitiva, o que impediu o comparecimento no Palácio do Planalto na última quinta-feira, 4, quando Bolsonaro foi ouvido.

Interrogado pela Polícia Federal em maio do ano passado, Moro afirmou que a troca na diretoria-geral teria sido solicitada por Bolsonaro porque o presidente ‘precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência’.

A modalidade do depoimento de Bolsonaro, se presencial ou por escrito, travou as investigações por meses. Em um primeiro momento, o presidente recorreu ao STF para depor por escrito, mas depois quis ‘desistir’ de apresentar sua versão sobre as declarações de Moro. No início de outubro, um anos depois de acionar a Corte, manifestou ‘interesse’ em comparecer pessoalmente diante dos investigadores. O interrogatório era uma das últimas pendências para a produção do relatório final do inquérito.

Rayssa Motta, O Estado de São Paulo online, em 08.11.21, às 15h:47

Quatro ex-presidentes latino-americanos exigem que a região isole o regime de Daniel Ortega

Fernando Henrique Cardoso, Laura Chinchila, Juan Manuel Santos e Ricardo Lagos pedem que governos ignorem resultados da eleição do domingo e suspendam a Nicarágua da OEA.


Nicaraguenses participam de uma manifestação contra as eleições presidenciais de seu país, no domingo, em San José, na Costa Rica. (Jeffrey Arguedas - EFE)

Daniel Ortega enfrenta o repúdio regional. Na noite de domingo, quatro ex-presidentes latino-americanos exigiram aos governos da América Latina que isolem o regime da Nicarágua e ignorem os resultados das eleições presidenciais deste domingo, em que Ortega concorreu sem adversários e se proclamou vencedor. O apelo foi assinado por Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Laura Chinchilla (Costa Rica), Juan Manuel Santos (Colômbia) e Ricardo Lagos (Chile). Os ex-mandatários consideram que o pleito nicaraguense carece de legitimidade e que o financiamento de organismo internacionais ao Governo de Ortega deveria ser suspenso. Separadamente, o Governo da Costa Rica anunciou que não reconheceria os resultados eleitorais da nação vizinha.

“Neste 7 de novembro se registrou na Nicarágua uma jornada eleitoral marcada pela violação dos direitos dos cidadãos para escolher suas autoridades de maneira livre e democrática. O corrido é grave tanto para o futuro do povo nicaraguense como para o resto da América Latina, porque lá se aplicou rigorosamente o itinerário mediante o qual uma democracia se transforma em autocracia”, advertem os ex-presidentes. “Estas eleições tiveram lugar em um contexto de forte repressão, com todos os espaços de oposição democráticos fechados, carente das garantias básicas de integridade eleitoral e sem a presença de observadores internacionais confiáveis. O resultado foi o esperado: a reeleição ilegítima de Daniel Ortega para um quarto mandato e sua intenção de se perpetuar de maneira indefinida no poder”, alegam.

A eleição presidencial deste domingo foi considerada uma farsa pela oposição porque nos últimos meses Ortega mandou prender sete possíveis adversários que teriam chances reais de derrotá-lo. Além disso, desatou uma forte repressão e a detenção de vozes críticas, entre eles empresários, ativistas, feministas e jornalistas. Também tirou do jogo dois partidos políticos da oposição. Apesar disso, o Governo argumentou que as eleições foram transparentes e destacou a participação dos nicaraguenses, embora as imagens deste domingo mostrassem seções eleitorais desoladas e ruas vazias, num sinal de apoio à estratégia da oposição, que orientou a população a ficar em casa. “As condições sob as quais se convocou às urnas determinam a ilegitimidade destas eleições”, afirmam os ex-presidentes.

Os ex-mandatários solicitam que todos os governos do continente se recusem a reconhecer o resultado eleitoral e que a crise da Nicarágua seja tratada como prioridade na próxima Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, de 10 a 12 de novembro na Guatemala. Também defendem “aprofundar o isolamento internacional do regime”, o que pode incluir a suspensão da Nicarágua da OEA, e suspender todos os programas ou negociações das instituições financeiras internacionais com a Nicarágua “enquanto as condições mínimas de vigência da institucionalidade democrática não retornarem”.

Neste domingo, também o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se pronunciou sobre o processo eleitoral nicaraguense, que descreveu como uma pantomima, enquanto o Governo da Costa Rica, liderado pelo presidente Carlos Alvarado, afirmou que não reconhecerá os resultados por causa da ausência de garantias democráticas.

Em seu pronunciamento, os quatro ex-presidentes que assinam a carta fazem uma alusão à Revolução Sandinista de 1979, liderada pelo próprio Ortega, quando dizem que “há quatro décadas o povo do Nicarágua empreendeu um caminho de resgate da democracia após longos anos sob uma ditadura opressiva extrema”. “Hoje aqueles sonhos estão sufocados por um mandatário que, instalado no poder, assumiu o mesmo caminho e impede o seu povo de escolher com plena liberdade o devir do seu futuro. Perante isso, os povos e governos da América Latina não podem ser indiferentes”, pedem Cardoso, Chinchilla, Lagos e Santos.

Carlos Salinas Maldonado, da Cidade do México para o EL PAÍS, em  08 NOV 2021

Daniel Ortega consuma sua farsa eleitoral na Nicarágua

Regime reivindica 75% de apoio com uma participação de 65% nas eleições de domingo, realizadas com a oposição na prisão ou no exílio. Organização aponta abstenção de 81,5%

Daniel Ortega e Rosario Murillo em seu local de votação na manhã de domingo. (César Perez / AFP)

A Nicarágua se dividiu mais um pouco após a votação de domingo. O país centro-americano não escolheu entre um e outro partido, e sim entre afiançar ou não com sua participação as eleições para renovar um quarto mandato de Daniel Ortega. Em um contexto de prisões maciças, exílio e repressão, a oposição a Ortega protestou ficando em casa como se a eleição não existisse. O líder sandinista, que tem somente 19% de apoio de acordo com as pesquisas sérias, projetou para 7 de novembro uma votação cercada de opositores inofensivos. Apesar disso, o órgão eleitoral divulgou os resultados parciais iniciais que deram à Ortega 75% de apoio, com uma participação de 65% dos eleitores. Estes números contrastaram com a baixa participação detectada nas seções eleitorais no dia das eleições. O presidente havia projetado uma votação para 7 de novembro cercado por oponentes confortáveis. A chamada foi considerada uma farsa pela oposição e pela comunidade internacional. A organização Urnas Abiertas informou que, de acordo com seus 1.450 observadores em todo o país, a abstenção foi em média de 81,5%.

Durante todo o dia o esforço do Governo sandinista foi tentar impor uma narrativa de normalidade democrática e grande afluência nos colégios eleitorais. Desde o começo da manhã os canais oficiais mobilizaram todos os seus recursos tentando mostrar um país votando em paz que abarrotava as urnas para participar da “festa cívica”. As televisões utilizavam para isso planos fechados e mais de um jornalista passou apuros quando nas primeiras conexões não encontraram nenhum eleitor a quem entrevistar quando o estúdio chamava uma entrada ao vivo.

Grupos tão díspares como estudantes, camponeses e empresários se uniram no domingo para pedir à população que ficasse em casa, que não saísse para passear, que não usasse o carro, que não fosse a restaurantes e não saísse para praticar esportes. Nada que demonstrasse normalidade. Ao mesmo tempo em que a propaganda oficial divulgava longas filas diante das urnas, a imprensa independente transmitia imagens com ruas e praças vazias e colégios à míngua em sinal de desprezo a eleições consideradas uma “pantomima” pelos Estados Unidos. O presidente Joe Biden chamou de “autocratas” o casal Ortega-Murillo e também anunciou uma investida internacional contra o sandinista. “Os Estados Unidos, em estreita coordenação com outros membros da comunidade internacional, utilizarão todas as ferramentas diplomáticas e econômicas a nosso alcance para apoiar o povo da Nicarágua e exigir responsabilidades ao Governo de Ortega-Murillo e aos que facilitam seus abusos”, disse no domingo. “Fecharam os veículos de comunicação independentes, prenderam jornalistas e membros do setor privado e amedrontaram as organizações da sociedade civil para que fechassem suas portas”, disse ao casal presidencial.

A realidade é que na falta de líderes políticos por sua prisão, as organizações civis e veículos da imprensa como o Confidencial, 100% Noticias e o Divergente são o rosto com quem se identificam os 65% de nicaraguenses que, de acordo com a empresa de pesquisa Gallup, repudiam os Ortega. Todos eles destacaram sua surpresa pelas ruas vazias e o desprezo à votação em um povo que gosta de votar desde o final da guerra civil e tem uma das mais altas taxas de participação do continente, acima de 68%.

O medo de que a paralisação fosse bem-sucedida fez com que a polícia suspendesse a lei seca, a proibição de vender álcool durante a jornada eleitoral, com a única intenção de promover certa vida nas ruas com bares e restaurantes trabalhando normalmente.

Mas poucas coisas eram normais na Nicarágua no domingo. Até a última hora o regime não descansou. Entre a sexta-feira e o domingo foram presas 21 pessoas de nove distritos diferentes de acordo com o Observatório Cidadão e a organização Urnas Abertas, que monitoraram o processo. A Aliança Cívica, uma coalizão de oposição, denunciou “hostilidade, vigilância, intimidação, agressões, ataques, prisões ilegais e arbitrárias” de alguns de seus líderes. Quatro deles foram libertados depois, mas 16 continuavam presos ao final do domingo. Paralelamente, grupos policiais e paramilitares foram gravados nas ruas de Managua tirando fotos e registrando os movimentos dos poucos opositores que agem com certa liberdade.

As votações foram realizadas com sete candidatos presos, entre eles Cristiana Chamorro, de acordo com as pesquisas a grande favorita para vencer Ortega de goleada. Três partidos foram colocados na ilegalidade e mais de 30 líderes civis e políticos de diferentes correntes, entre os quais há empresários, camponeses, estudantes, defensores dos Direitos Humanos, analistas e jornalistas continuam encarcerados no presídio de El Chipote há cinco meses. A última pesquisa da Gallup mostra que 65% da população disse que no caso de eleições livres votaria em qualquer um que não fosse Ortega e somente 19% disse apoiar o comandante sandinista.

As eleições foram realizadas sem observadores internacionais e o Centro Carter afirmou que a eleição não reuniu os requisitos mínimos para ser considerada como tal. Enquanto isso ocorria, veículos como o The Washington Post, Wall Street Journal, Le Monde, BBC e TVE se amontoavam na fronteira com a Costa Rica pela impossibilidade de entrar no país para informar. Todos eles foram expulsos e tiveram a entrada proibida. Nesse contexto, o jornalista Carlos Fernando Chamorro já especulava que o Conselho Eleitoral daria nessa noite eleitoral 70% dos votos a Daniel Ortega.

“Eu ou a guerra”

Daniel Ortega e sua esposa Rosario Murillo votaram no centro de Managua. O mandatário e a copresidenta, como foi nomeada, avançaram entre aplausos espontâneos e em poucos minutos abandonaram o lugar em um Mercedes Benz. Pouco depois, o presidente obrigou as redes de rádio e televisão a conectar um discurso de 45 minutos em que acusou os opositores de golpistas e terroristas ao mesmo tempo em que criticou as sanções norte-americanas.

Durante seu discurso, Ortega se colocou como o único capaz de manter a paz em um país assediado pelo terrorismo. “Há os que optam pela guerra, pela violência, pelo terrorismo e pelas calúnias. Querem que o país se veja envolto em um confronto violento e em uma guerra como a que vivenciou ao longo da história. A guerra não deixa escolas, a guerra não constrói hospitais, não constroem estradas (...) Que o povo não se banhe de sangue. O voto está aí para evitar”, alertou Ortega em rede nacional, ainda com as urnas abertas. “As eleições são um compromisso dos nicaraguenses de votar pela paz e não pela guerra”, acrescentou entre mais aplausos. De Caracas, o presidente Nicolás Maduro manteve o discurso oficial ao afirmar que “votar nesse domingo na Nicarágua é votar pela paz”, ao mesmo tempo em que cumprimentava Ortega “de antemão”.

Apesar do ar triunfalista, entretanto, o dia depois das eleições surge pior do que o anterior para a Nicarágua. Além da crise política e social que deve gerir, o regime de Ortega precisa lidar com o pacote de sanções econômicas que os Estados Unidos preparam contra a Nicarágua. Nos próximos dias se espera que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assine a entrada em vigor da conhecida como Lei Renascer e que permite torpedear os empréstimos da instituições financeiras e revisar o Tratado de Livre Comércio (CAFTA).

A Nicarágua exporta aos Estados Unidos 62% de seus produtos e importa a preços preferenciais 30% do que consome, de modo que um possível cancelamento do CAFTA colocaria o país à beira do colapso e do desabastecimento. Uma aplicação rígida das sanções econômicas pioraria a situação do segundo país mais pobre do continente depois do Haiti e provocaria um aumento da imigração e das caravanas aos Estados Unidos, outro dos grandes temores da Casa Branca.

Jacobo Garcia, da Cidade do México para o EL PAÍS, em 8 NOV 2021