sábado, 11 de março de 2023

Brasil votou para preservar democracia e o governo deve respeitá-la

Para país não ser 'refém de um só homem' há instituições como o BC autônomo

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central - Adriano Machado - 7.mar.23/Reuters

O presidente da República, referindo-se ao presidente do Banco Central, afirmou que "o país não pode ser refém de um único homem (...) esse cidadão, que não foi eleito para nada, acha que tem o poder de decidir as coisas".

É justamente para que o país não fique "refém de um único homem" que existem instituições como o Banco Central autônomo. Se for dada ampla liberdade ao presidente da República para tomar toda e qualquer decisão, ele transformará a sociedade em sua refém.

A estabilidade das democracias exige pesos e contrapesos de poder. Em questões sujeitas à chamada "inconsistência intertemporal", na qual benefícios presentes (juros baixos, por exemplo) podem gerar ganhos políticos ao governante ao custo de grandes perdas futuras para a sociedade (inflação alta, juros altos e baixo crescimento, por muitos anos), as democracias caminharam no sentido de entregar o poder discricionário para técnicos com menores incentivos políticos e mais focados no bem-estar e estabilidade de longo prazo.

O Judiciário, o Ministério Público, as agências reguladoras, as Forças Armadas e outras instituições públicas também são (ou deveriam ser) comandadas por técnicos especializados nas respectivas funções, que mantêm distância das urnas. O mesmo se dá com instituições semipúblicas, como os fundos de pensões de empresas estatais.

Entregar ao presidente e demais autoridades eleitas o poder decisório dessas instituições significa instituir a ditadura da maioria. Daí porque há tanta preocupação e crítica quando há indicações políticas para a direção de tais instituições. É sinal de que seus objetivos precípuos e de longo prazo ficarão subordinados aos interesses da maioria do momento.

O presidente da Petrobras afirmou que a empresa tem "uma máquina de proibir coisas" e reclamou que a companhia "tomou alguns caminhos" de forma racional e "apolítica".

E não deveria ser assim? Uma companhia listada em bolsa, que capta recursos privados, precisa tomar decisões racionais e apolíticas. A "máquina de proibir coisas" é, na verdade, um conjunto de regras de governança que visa evitar que meia dúzia de pessoas tome as decisões que quiser, da forma que quiser.

O reforço da governança da Petrobras veio justamente em resposta ao elevado nível de corrupção ali instalado, quando, a título de atingir questionáveis objetivos de políticas públicas, dilapidou-se o patrimônio da companhia.

Mais uma vez estamos diante de mecanismos que protegem a coletividade —os acionistas majoritários (os contribuintes) e os minoritários— de decisões inconsistentes e irresponsáveis, que geram ganhos políticos no curto prazo, mas muitos prejuízos em seguida.

Um diretor do BNDES propôs que a instituição emitisse o seu próprio título público, para deixar de ser "refém" de recursos orçamentários alocados ao Banco pelo Tesouro. Ora, o BNDES é uma entidade 100% estatal, cuja missão é implementar políticas públicas. Dar ao BNDES o poder de emitir título próprio é praticamente criar um Tesouro Nacional paralelo. O BNDES emitiria o quanto quisesse, emprestaria para quem quisesse, sem dar satisfação às autoridades fiscais ou prestar contas ao Congresso.

O título do BNDES concorrerá diretamente com os do Tesouro, aumentando o custo de financiamento da dívida pública, e com debêntures e certificados privados que hoje já cumprem a função de financiar a infraestrutura e outros setores, sem precisar que o governo entre para fazer isso.

A bem da democracia, o BNDES tem que ser refém da autoridade fiscal. A restrição ao seu "funding" evita dar superpoderes ao Poder Executivo do momento. Assim como a governança da Petrobras deve redobrar a vigilância, agora que a companhia distribuirá menos dividendos (que iriam para o Orçamento da União, de forma transparente) para ter mais recursos a serem alocados por seus dirigentes, sob determinação do governo de plantão, com alta discricionariedade.

Lula foi eleito por pequena margem de votos, garantida por eleitores que temiam que Bolsonaro desmontasse a democracia. Seu governo precisa respeitar as instituições, limites, pesos e contrapesos típicos da democracia.

Marcos Mendes, o autor deste artigo, é pesquisador associado do Insper e autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?' Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 10.03.23

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