domingo, 12 de março de 2023

A ‘criatividade’ fiscal de Dilma deu em recessão; e a de Lula vai dar no quê?

No tripé do novo governo, o pé que balança é a economia; Lula atira contra o BC, ironiza o rigor com o dinheiro público e só fala em gastos, nada sobre receitas

O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, durante reunião ministerial realizada em 10 de março.  Foto: Wilton Junior/Estadão

A estratégia do presidente Lula para sobreviver, primeiro, e para o sucesso, ao fim e ao cabo, passa por um tripé: popularidade, governabilidade e desenvolvimento. A coisa balança nesse último pé, lembrando que os três vão se fechando ao longo do governo e vão definir, para o bem ou para o mal, a eleição de 2026 e a história.

Na questão da popularidade, Lula tem discurso, certezas e ações firmes, anunciadas em eventos regados a emoção, que miram o apoio decisivo da base da pirâmide, que vem desde sempre e foi fundamental em 2022: miseráveis e a massa de até dois salários mínimos, que decantam para o eleitorado feminino, pretos e nordestinos.

É basicamente para eles que Lula reativa e prioriza Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Merenda Escolar e isenção do IR e lança o Desenrola (renegociação de dívidas da baixa renda com garantia do Tesouro). Sem falar no reajuste das bolsas da Capes e do CNPq, que atinge também a classe média.

Na governabilidade, o foco está em Arthur Lira, que tem controle raramente visto do Congresso e tem lá seu preço, mas Lula não vai regatear. Conta com Lira e os governadores para impedir a CPI do golpe e aprovar onze MPs, nova âncora fiscal e reforma tributária. Ninguém ganha todas, mas Lula está bem colocado. “É mais fácil negociar com o Congresso do que com a Gleisi (Hoffmann)”, diz-se na área econômica.

O pé que balança é a economia. Não há desenvolvimento sustentável sem responsabilidade fiscal, mas Lula atira contra o BC, ironiza o rigor com o dinheiro público e só fala em gastos, nada sobre receitas. Dinheiro não nasce em árvore e a última de Lula foi animar a plateia falando da “criatividade” de Fernando Haddad e Simone Tebet, o que remete à “contabilidade criativa”, ironia de Delfim Netto para o desmanche fiscal de Dilma Rousseff, que deu em dois anos de recessão.

Estudiosos e representantes do setor produtivo e da área financeira têm um pé atrás, acham o governo sem rumo e Lula 3 mais populista e esquerdista, gastador e voluntarioso. Mas com o benefício da dúvida: será só jogo político? Lula faz populismo, Haddad cuida da economia?

A resposta virá nesta semana, com a nova âncora fiscal. O “criativo” Haddad está serelepe, convencido de que sua engenharia para equilibrar receita e gastos, reoneração e investimento social é uma beleza. Fazer mistério para depois surpreender positivamente é um bom marketing, assim como o slogan de Lula que Haddad encampou: “Pobre no Orçamento e rico no Imposto de Renda”. Justo é. Resta saber o quanto e se a conta fecha.

Eliane Cantanhede, a autora deste artigo, é Jornalista. Comentarista de política no tele-jornal "Em Pauta" da GloboNews. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 12.03.23

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