segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Derrotar o bolsonarismo vai ser muito mais difícil do que imaginávamos

A esquerda brasileira ainda não entende a força de seu oponente porque acha que só o lulismo tem penetração e alcance social

O presidente Jair Bolsonaro fala à imprensa em Brasília após ouvir os resultados das eleições. (Evaristo Sá - AFP)

Em 2018 achávamos que Bolsonaro não poderia ganhar as eleições. Ele os venceu. Nós estávamos errados. Em 2022 achávamos que o bolsonarismo havia enfraquecido. Ele voltou forte e duro . Estávamos errados novamente. O fato é que não queremos entender uma realidade que insiste em se impor: o bolsonarismo se enraizou no Brasil, veio para ficar e representa milhões de brasileiros, seus desejos, seus medos, suas esperanças. Se queremos parar de cometer erros, temos que assimilar isso. Devemos começar a julgar e interpretar o bolsonarismo pelo que é, uma radiografia de uma grande parcela da sociedade brasileira, conservadora e, sim, muitas vezes reacionária.

A gente também tem que assimilar outra coisa, que o Bolsonaro é maior que o Bolsonaro, vai além. Isso, ontem à noite, ficou muito claro e foi um tapa na cara da esquerda brasileira que ainda não entende a força de seu oponente porque acha que só o lulismo tem penetração e alcance social. O partido de Bolsonaro, o Partido Liberal, o PL, conquistou a maior base parlamentarde todos, 99 deputados. O Partido dos Trabalhadores, o PT, obteve 79. Dos 27 senadores que votaram neste domingo, o PL obteve oito; o PT, quatro. O Brasil enfrenta um Congresso conservador que vai impedir o avanço de qualquer diretriz de direitos humanos, o que significa que muito mais mulheres sofrerão violência sexual ou que muito mais LGBTs serão mortos porque em um país como o Brasil o conservadorismo se traduz em violência.

E as eleições para governadores de estado? Mais do mesmo. Nos maiores estados do país, destacaram-se representantes ou aliados do bolsonarismo. No Rio de Janeiro e Minas Gerais venceram no primeiro turno; em São Paulo, Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Bolsonaro, vai para o segundo turno com Fernando Haddad , ex-ministro de Lula, mas começa como claro favorito. É possível que, dos quatro estados mais importantes da federação, o bolsonarismo mantenha três e o PT mantenha apenas um, a Bahia, que também será definido no segundo turno.

Resultados das eleições no Brasil

O bolsonarismo está muito vivo. Ele está muito vivo no que poderíamos chamar de bolsonarismo adaptativo, mais moderado, menos radical, como é o caso dos governadores, que são uma versão muito mais leve de Bolsonaro e que até se distanciaram dele quando se interessaram. Mas um bolsonarismo mais histérico, mais delirante também está muito vivo, como no caso de figuras folclóricas do bolsonarismo moralista mais radical como a ex-ministra de Bolsonaro, Damares Alves, uma evangélica fundamentalista que foi eleita senadora com grande número de votos .

O segundo turno vai ser uma loucura. Lula começa como favorito, com 48,4% dos votos contra 43,2% de Bolsonaro. Lula vai ter que fazer muito esforço e dar o melhor de si, levar para as ruas uma militância que ontem era muito plana e formar um enorme arco de alianças com o maior número de lideranças possível. E mesmo isso não garante a vitória. A realidade é que o bolsonarismo tomou o lugar de uma direita tradicional muito mais moderada e civilizada que desapareceu, sobretudo vítima de seus próprios erros, guerras internas e lutas de egos masculinos. Algo que já sabíamos há muito tempo se confirma: sem uma direita moderada, competitiva e democrática, a extrema direita circula livremente. Vamos até imaginar que Lula vença as eleições.

Em suma, a verdade é que continuamos perplexos com o avanço da extrema direita global. Não queremos entender que o que eles significam está tão impregnado na sociedade, mas está. Tem que descer mais na rua, tem que ouvir mais. Se queremos lidar com o pushback temos que entender que o pushback é muito maior do que assumimos e, sim, muita gente está feliz com isso. A extrema direita significa muito mais do que gostaríamos.

Esther Solano, a autora deste artigo, é doutora em ciências sociais pela Universidade Federal de São Paulo. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 03.10.22, às 14h:07

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