segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O pior dos pesadelos

Infelizmente, o 2.º turno terá o embate de dois dos piores candidatos disponíveis. Resta esperar que ao menos respeitem o eleitor, mas, a julgar pelo histórico de ambos, é esperar demais

Lula e Bolsonaro se merecem, mas o País não os merece.

Eis o que dá confiar em Luiz Inácio Lula da Silva para “salvar a democracia”. Mesmo tendo por adversário Jair Bolsonaro – o presidente que fez por merecer a mais alta rejeição no cargo –, o líder petista mostrou-se incapaz de reunir a maioria do eleitorado em torno de sua candidatura. Agora, o Brasil terá o suplício de mais quatro semanas de uma campanha eleitoral que não apenas foi até aqui a mais desprovida de propostas e ideias da história nacional recente, como entra numa fase ainda mais sofrível, ao resumir-se a dois candidatos que são, cada um a seu modo, a exata antítese do que o País precisa.

Não há a mínima condição de mais quatro anos de Jair Bolsonaro. Seu governo foi caótico, conflituoso, desumano e assustadoramente destrutivo. Bolsonaro descumpriu o primeiro e mais básico compromisso de um presidente da República: respeitar e defender a Constituição de 1988. Ameaçou o processo eleitoral, envolveu as Forças Armadas em questões político-partidárias, foi omisso e perverso na pandemia, desorganizou a administração pública, desrespeitou leis fiscais e eleitorais, implodiu o sistema de proteção social, mostrou-se conivente com escândalos de corrupção nas pastas da Educação e da Saúde, fez da gestão do Orçamento público moeda de troca política – subvertendo os critérios de transparência e de eficiência – e usou o aparato estatal para perseguir adversários políticos e beneficiar familiares e amigos, entre outros descalabros. Isso sem falar da sua absoluta falta de decoro no exercício da Presidência. 

Ou seja, Bolsonaro violou quase todos os princípios republicanos e democráticos que este jornal defende desde sua fundação, razão pela qual não podemos considerar adequado para o País que este senhor seja reeleito. Tivesse a Procuradoria-Geral da República ou o Congresso cumprido o seu papel na proteção da lei e do regime democrático, como aliás defendemos em diversas ocasiões nesta página, o candidato do PL estaria hoje inelegível. E o eleitor estaria livre de ser submetido ao pesadelo da recondução do presidente.

Por sua vez, Lula da Silva achou que bastava ter no horizonte a possibilidade de reeleição de Jair Bolsonaro para que o eleitor crítico do presidente apoiasse incondicionalmente a candidatura petista. Não achou necessário apresentar programa de governo nem se comprometer com nenhuma proposta concreta para os próximos quatro anos. Pediu ao eleitor um cheque em branco, coisa que Lula e o PT, como bem se sabe, nunca fizeram por merecer.

O partido de Lula superou-se em desfaçatez. Após ser protagonista dos dois maiores escândalos de corrupção das últimas décadas, quis obter o apoio majoritário do eleitorado sem pedir desculpas à população e, principalmente, sem apresentar o que fará de diferente para que a corrupção não volte. Ontem as urnas mostraram que a tática marota não funcionou. Não basta destacar o caráter tenebroso da gestão de Jair Bolsonaro. O regime democrático exige mais de quem almeja ser o presidente da República.

Se quisesse realmente demonstrar preocupação com a democracia, Lula teria começado por afastar-se, sem meias palavras, dos companheiros ditadores de esquerda na América Latina; teria declarado, sem sombra de dúvidas, seu respeito pela liberdade de imprensa, abandonando qualquer ideia de controlar o que a mídia publica ou deixa de publicar; e teria rejeitado o aparelhamento ideológico da máquina estatal e a condução irresponsável de políticas econômicas, marcas do lulopetismo que acabaram por cindir a sociedade. Mas Lula não fez nada disso e não se deve ter esperança de que o fará algum dia, o que é razão mais que suficiente para que este jornal, igualmente, rejeite o voto neste senhor.

Diante de tal cenário, o que se espera é que os dois concorrentes do segundo turno ao menos respeitem a inteligência do eleitor e mantenham um mínimo de civilidade. A julgar pelo que conhecemos de ambos, infelizmente, é pedir demais.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 02.10.22 às 20h55

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