terça-feira, 9 de agosto de 2022

Até 80 mil russos mortos e feridos na Ucrânia, estimam EUA

Segundo Pentágono, de três a quatro mil veículos blindados russos também foram perdidos em menos de seis meses. Para Departamento de Defesa dos EUA, números são "notáveis", visto que Putin não atingiu seus objetivos.

Graças ao preparo dos soldados e ao apoio de países ocidentais, Ucrânia está conseguindo conter ofensiva russa (Foto: Vyacheslav Madiyevskyy/REUTERS)

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos estima que até 80 mil russos tenham morrido ou sido feridos na guerra da Ucrânia, divulgou o Pentágono nesta segunda-feira (08/08).

"Os russos provavelmente tiveram de 70 mil a 80 mil vítimas em menos de seis meses, entre mortos e feridos", disse o subsecretário de Defesa para Política, Colin Kahl, destacando que o número é aproximado e pode ser "um pouco menor ou um pouco maior".

Segundo Kahl, as forças russas também perderam entre "três e quatro mil" veículos blindados. Para ele, as perdas são "notáveis", considerando que os russos "não alcançaram nenhum dos objetivos de Vladimir Putin no início da guerra".

"Fizeram alguns progressos no Leste, embora muito poucos nas últimas semanas", observou. "Mas isto teve um custo extraordinário para os militares russos, devido à qualidade dos militares ucranianos e à assistência internacional que receberam".

De acordo com Kahl, a desaceleração no uso de mísseis guiados de maior alcance e precisão pelas forças russas é um indicativo que seus suprimentos caíram, perto do que seria necessário para Moscou manter os estoques.

Kahl ponderou que o lado ucraniano também teve perdas significativas, mas não citou números. "Ambos os lados estão tendo baixas", admitiu. "Mas os ucranianos têm muitas vantagens, entre elas a vontade de lutar", acrescentou.

Kiev comunicou pelo menos 10 mil mortos e 30 mil feridos em suas tropas. Segundo uma fonte militar, que falou sob condição de anonimato, o Exército ucraniano, que era composto por 170 mil soldados na ativa e 100 mil reservistas no início da guerra, cresceu para entre 300 mil a 350 mil soldados.

Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, cerca de 150 mil a 200 mil soldados russos foram destacados para as fronteiras da Ucrânia, de acordo com estimativas ocidentais. 

Mais 1 bilhão de dólares em ajuda

Também nesta segunda-feira, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, anunciou um novo pacote de ajuda militar à Ucrânia - o maior até agora -, no valor de 1 bilhão de dólares (cerca de R$ 5,12 bilhões). Em comunicado, o chefe da diplomacia americana indicou que a assistência inclui armas, munições e outros tipos de equipamentos de defesa.

Com o valor anunciado nesta segunda, os Estados Unidos já destinaram 9 bilhões de dólares em ajuda em defesa para a Ucrânia desde a chegada do presidente Joe Biden ao poder, em janeiro deste ano.

O anúncio sobre o envio de um novo e massivo carregamento de armas para as forças de Kiev surge num momento em que analistas indicam uma movimentação de tropas e equipamento das forças russas em direção a cidades portuárias do sul do país, com o objetivo de enfrentar uma anunciada contraofensiva ucraniana, que ainda não se concretizou. 

O novo material incluiu lança-foguetes múltiplos High Mobility Artillery Rocket Systems (Himars), milhares de munições de artilharia, sistemas de morteiros, lança-mísseis antitanque Javelin e outras munições e equipamentos.

Comandantes militares e especialistas consideram que os Himars e os sistemas de artilharia têm sido cruciais para impedir que as forças russas conquistem mais territórios. 

"Em cada fase do conflito, estamos focados em fornecer aos ucranianos aquilo que eles necessitam, dependendo da evolução das condições no campo de batalha", disse Kahl.

Em paralelo, o Banco Mundial anunciou uma ajuda suplementar de 4,5 bilhões de dólares à Ucrânia provenientes de fundos também fornecidos pelos Estados Unidos, com o objetivo de ajudar o governo de Kiev a enfrentar "necessidades urgentes motivadas pela guerra". 

Em comunicado, o Banco Mundial precisou que a ajuda suplementar vai permitir que as autoridades assegurem despesas sociais, pensões e gastos com o setor da saúde. 

Tentativa de assassinatos neutralizada

Ainda nesta segunda, o Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) revelou que neutralizou uma tentativa de assassinato do ministro da Defesa, Oleksiï Reznikov, e do chefe de inteligência militar, Kyrylo Boudanov, acrescentando que deteve dois suspeitos do "serviço secreto russo".

A detenção dos dois homens, um dos quais teria chegado à Ucrânia via Belarus, ocorreu em Kovel, no noroeste do território ucraniano.

De acordo com o SBU, os detidos estavam preparando "a eliminação física" das duas altas autoridades da Defesa ucraniana e de um "conhecido ativista ucraniano", cujo nome não foi divulgado.

Cada um dos criminosos seria recompensado com uma quantia que variava entre 100 mil e 150 mil dólares, acrescentou o SBU.

le (AFP, Lusa, EFE)

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 09.08.22. (https://www.dw.com/pt-br/r%C3%BAssia-teve-at%C3%A9-80-mil-mortos-e-feridos-na-ucr%C3%A2nia-estimam-eua/a-62749998)


Pobreza se espalha pelas metrópoles brasileiras e atinge 20 milhões

Os dados são resultados de um trabalho feito em colaboração por três instituições nacionais e foram compilados no nono boletim Desigualdade nas Metrópoles

(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Um estudo divulgado ontem revelou que cerca de 23% da população brasileira que vivia em metrópoles, em 2021, se encontrava em situação de pobreza. O número, que representa quase 20 milhões de pessoas, é o maior da série histórica desde 2012. Outra estatística que também registrou recorde durante o período foi a de indivíduos na faixa de extrema pobreza. De acordo com a pesquisa, mais de 5 milhões de brasileiros, o que corresponde a 6,3% dos residentes dos grandes centros urbanos, estavam entre a parcela mais vulnerável da população.

Os dados são resultados de um trabalho feito em colaboração por três instituições nacionais — o Observatório das Metrópoles do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL) — e foram compilados no nono boletim Desigualdade nas Metrópoles.

Para as análises, foram utilizadas estatísticas anuais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 20 Regiões Metropolitanas entre os anos de 2012 e 2021. Segundo o boletim, uma das vantagens da Pnad é que ela traz informações de outras fontes de renda mensal per capita das famílias brasileiras, para além dos rendimentos de empregos, como auxílios de programas sociais, aposentadoria, seguro-desemprego, entre outros. Atualmente, quase 40% da população brasileira, ou mais de 80 milhões de pessoas, vivem em alguma das regiões metropolitanas do país.

Crise

Segundo o professor Andre Ricardo Salata, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, os números podem ser explicados por quatro fatores principais. "Além da crise de 2014, do enfraquecimento das políticas públicas e do choque da pandemia, tem outro fator importante: a inflação. Em 2021, você teve um impacto da inflação que interrompeu a recuperação da renda das famílias brasileiras. Além disso, em 2021, tivemos a decisão do governo de interromper o auxílio emergencial de forma abrupta", disse.

De acordo com a socióloga da Universidade de Brasília (UnB) Hayeska Barroso, a pandemia representou não apenas uma crise sanitária, mas também social e econômica, que afetou classes sociais de diferentes formas. "As crises tendem a tolher as próprias condições de vida da população mais pobre, e ali está em jogo viver ou morrer literalmente de fome, fazer uma refeição por dia ou fazer uma refeição sem ter a certeza do que vai comer a próxima. Isso não alcança, por exemplo, os mais ricos", afirmou.

Em relação à pandemia, o pesquisador Andre Salata destacou a importância do auxílio emergencial, que, segundo ele, "segurou" a desigualdade social em 2020: "A situação piorou muito em 2021, devido à interrupção do auxílio, que volta depois, mas com valores reduzidos, por isso vemos um salto (da taxa de pobreza)."

A pesquisa ainda mostrou que mais da metade das pessoas em situação de extrema pobreza, isto é, 3,1 milhões de indivíduos, passou a integrar essa condição nos últimos sete anos. Desse total, 1,6 milhões foram apenas em 2021. O rendimento médio das famílias brasileiras também foi muito impactado durante esse período, sendo o menor desde 2012: R$ 1.698. A parcela mais pobre da população dos grandes centros urbanos do Brasil, que corresponde a 40% do estrato social, possui rendimento médio inferior a um salário mínimo, com apenas R$ 396,10.

Desigualdade regional

Os índices também escancaram uma desigualdade regional no país. Nas regiões metropolitanas do Norte e do Nordeste do Brasil, mais de um terço da população vive em situação de pobreza, com exceção apenas de Fortaleza e Natal. Na Grande São Luís e em Manaus, 40% das pessoas vivem na camada mais vulnerável da sociedade.

De acordo com Salata, a taxa de pobreza responde por dois fatores: primeiro, pelo volume de recursos, ou seja, o quão rica é uma metrópole, e, segundo, o quão bem ou mal essa cidade distribui seus recursos. Para ele, é possível compreender o contexto das regiões Norte e Nordeste quando analisadas essas questões. "Nessas regiões, você tem uma renda média mais baixa, e, além disso, uma pior distribuição de renda, ou seja, uma desigualdade maior. Quando você junta esses dois fatores, o esperado é que você tenha taxas de pobreza maiores. A estrutura econômica dessas localidades contribui para isso", explicou.

A pesquisa Desigualdade nas Metrópoles também delineou a concentração de renda no Brasil. De acordo com dados do boletim, em 2021, 10% dos mais ricos ganhavam, em média, 19,1 vezes mais do que os 40% mais pobres do país. Essa foi a maior razão de rendimento médio entre os estratos sociais da série histórica de 2012 até o ano de 2021.

Outro dado relevante, o coeficiente de Gini — índice, que, quanto mais próximo de 1, mostra maior desigualdade social — atingiu 0,565 para o conjunto das regiões metropolitanas do país. Em 2014, esse número era de 0,538.

Para Salata, entender as metrópoles é fundamental para entender o Brasil. "Elas têm um peso político e econômico muito relevante. Estamos falando das regiões mais ricas, mas vemos indicadores sociais muito negativos, como os que a gente vem destacando nos nossos boletins", afirmou.

Hayeska Barroso também destacou que para entender o empobrecimento da população urbana é preciso entender o desenvolvimento dos grandes centros. "A gente tem que voltar algumas casas dentro do processo histórico para poder entender quais são as condições sociais, históricas, políticas e culturais de formação das cidades no Brasil, que é marcada por um desenvolvimento desordenado, por um processo de ocupação e de estabelecimento de moradias também de maneira desordenada", argumentou.

"A gente não tem um acompanhamento no mesmo ritmo da garantia das condições de vida e de políticas sociais que deem conta de atender as demandas dessa população urbana", completou ela.

Isadora Albernaz, estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo no Correio Braziliense. Publicado originalmente em 09.08.22

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

'Bolsonaro é mal-agradecido em relação à democracia', diz ex-ministro e orador em ato de 1977

José Gregori, que não vê risco de golpe, diz que Estado democrático de Direito é como o 5G

José Gregori, ex-ministro da Justiça e orador do evento em que foi lida a "Carta aos Brasileiros", em 1977 - (Rubens Cavallari/Folhapress)

O advogado José Gregori estava na Faculdade de Direito da USP em 1977 quando Goffredo da Silva Telles Jr. leu a famosa "Carta aos Brasileiros". Não foi mero espectador do ato histórico; fez o discurso que precedeu o do orador principal.

Hoje com 91 anos, assinou a "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito", que já passou de 750 mil assinaturas. Ao comparar os dois momentos, procura "traduzir" o tema central de ambos os documentos.

"Para as novas gerações eu digo: o Estado democrático de Direito é como se fosse o 5G", afirma Gregori, que foi ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Ele argumenta que, embora o Brasil não viva sob uma ditadura consolidada como naquela época, tem um presidente que acena com um regime fora dos limites do Estado democrático de Direito. Para Gregori, isso é um contrassenso.

"[Bolsonaro] é um mal-agradecido em relação à democracia, regime onde vicejou e procriou", afirma. "Ele deveria ser um dos maiores defensores da democracia e do Estado democrático de Direito, para o qual ele não colaborou em nada."

Afinal, foi por se tornar deputado numa democracia que Jair Bolsonaro (PL), no fim dos anos 1990, pôde falar em fuzilar o presidente da República e dirigir palavras de baixo calão a Gregori, então secretário dos Direitos Humanos.

Apesar da tensão institucional que o país enfrenta, o advogado não vê risco de golpe clássico, por achar que os militares não se entregariam a essa aventura, e considera que a carta a ser lida no dia 11 de agosto na mesma USP poderá ter peso histórico semelhante à versão de exatos 45 anos atrás.

Só não sabe se isso vai conter Bolsonaro caso ele perca a eleição. "Isso é indecifrável", diz. "Porque ele é tão contraditório, de uma lógica deslógica completa, que é difícil saber o que o irrita e o que o satisfaz."

O sr. participou de vários outros manifestos e atos contra o governo Bolsonaro. Nesses últimos dois anos, foi minha tarefa principal: assinar manifestos. Alguns até redigi.

Nenhum desses outros manifestos atingiu a repercussão da "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros", já se aproximando de 1 milhão de assinaturas. A que o sr. atribui esse alcance? A consciência da nação brasileira estava de certa maneira arranhada, para não dizer muito machucada, com alguns fatos que impactaram a opinião pública. Primeiro, aquelas mortes na Amazônia [do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips]. Depois, a troca de tiros no Paraná [em que um bolsonarista matou um militante do PT].

De repente, o presidente toma a iniciativa de chamar todos os embaixadores. Quem tem alguma experiência sobre governar sabe que só se chama embaixador para anunciar uma coisa muito trágica ou então uma grande vitória.

Então todo mundo se interessou por essa notícia e viu uma coisa absolutamente inverossímil em qualquer fita de cinema, qualquer novela, qualquer jornal: o sujeito pôs em dúvida as eleições das quais vai participar, em um sistema do qual ele já foi beneficiário. É desse tipo de situação em que cada um, entre os quatro muros da sua casa, quer se manifestar de alguma maneira.

Bolsonaro afirmou que quem a assinou é cara de pau e sem caráter. O sr. gostaria de comentar? O presidente mais uma vez não está entendendo o Brasil. Quando tantas pessoas acham que é o momento de expressar sua vontade, é porque o elevador bateu na mola. É assim que ele tem que ver. Quem assinou é porque realmente achou que a assinatura evitaria um mal maior.

Mas eu acho muito difícil que as Forças Armadas brasileiras se iludam de que o Brasil possa satisfazer as aspirações de progresso e de liberdade com outro regime que não seja o Estado democrático de Direito. Achar que os militares possam se iludir a respeito de um regime forte é julgar o militar brasileiro atrasado, o que já não corresponde à realidade.

O sr. não vê risco de golpe? Não, porque aqueles que podiam reforçar o golpe são pessoas colocadas em posições que não abandonam o lápis e o papel. E veja que os regimes federais mais criativos, mais progressistas e mais pacíficos que o Brasil teve foram aqueles mais democráticos.

Os militares pecam quando fogem um pouco da sua seara. Qual é o militar que hoje está na berlinda? É alguém que quis ser ministro da Saúde sem entender direito sobre pandemia. Mas nas funções absolutamente militares eles têm poucos defeitos para serem criticados.

Os democratas, ainda que não tenham muita convicção democrática, são mais fortes. O Brasil é mais forte pela democracia do que pela não democracia. E a gente não chega aos 91 anos, com a experiência que eu tenho, com os compromissos que eu tenho pela minha experiência pregressa, sem estar movido por uma sinceridade absoluta.

Presidente, ouça o velho José Gregori. Viva bem esses dois meses [até a eleição]. Procure se reabilitar das dúvidas que o senhor terá deixado e chame, no dia seguinte à eleição, aqueles mesmos embaixadores e diga:

"Vocês tinham dúvidas a meu respeito. Agora vocês viram como eu trabalhei nesses dois meses em prol da democracia, em prol dessa eleição. Elas foram as mais limpas, as mais verdadeiras e as menos perturbadas pelos candidatos à Presidência".

É possível fazer alguma comparação entre este momento e o da "Carta aos Brasileiros" de 1977, na qual a atual se inspirou? A "Carta aos Brasileiros" mostrou que nenhum conceito válido de teoria política estava sendo utilizado pelo regime dos militares. Ela era muito didática no sentido de mostrar o que era aquele governo e como ele poderia ser um governo democrático, desde que seguisse a implementação de certas medidas que [Goffredo] foi lendo.

Eu, no meu discurso, acentuei muito isso, com a esperança de que eles aproveitassem o momento, que já tinha de certa maneira diminuído um pouco em relação ao momento de fúria da ditadura. A gente tinha confiança de que eles, convencidos de que estavam reduzindo o Brasil a um monarca e súditos, fizessem um presidente líder com cidadãos. Tinha uma nota de esperança na "Carta aos Brasileiros".

O momento [atual] é parecido. Quer dizer, não temos uma ditadura consolidada como naquela época, mas a gente está num momento em que o presidente acena com um regime que está extravasando os limites do Estado democrático de Direito.

E nós tínhamos o dever de dizer "Não!". O Estado democrático de Direito é um ideal que a gente dificilmente vai preencher, mas de qualquer maneira tem um núcleo duro do qual nenhum regime que se intitule Estado democrático de Direito pode olvidar.

Nessa carta, isso é colocado e, ao mesmo tempo, mostra que o Estado democrático de Direito é uma das coisas mais avançadas que existem em teoria política. Para as novas gerações eu digo: o Estado democrático de Direito é como se fosse o 5G.

E um camarada sem história que justifique a sua assertiva, sem doutrina nenhuma, quer dizer que o Estado democrático de Direito não é o suprassumo da teoria política?

Então por isso é que foi um movimento quase mais de fora para dentro do que de dentro para fora. A nossa carta de 77, a "carta mãe", não teve essa característica da "carta filha".

O advogado e jurista José Gregori discursa durante ato onde ocorreu a leitura da "Carta aos Brasileiros", em 1977 , no Largo São Francisco (Faculdade de Direito da USP), em São Paulo - Reprodução/TV Cultura

O sr. já disse que aquela carta teve importância não só simbólica. Por quê? Pelo sucesso que ela teve no ponto de vista de divulgação, toda pessoa que se metia a criticar [a ditadura], a primeira coisa que fazia era ler a carta. Ela dá um rumo do que é um Estado de Direito e um Estado de fato. E hoje eu digo que é um dos documentos brasileiros de maior longevidade. Eu não tenho dúvida de considerá-la como um documento de grande densidade.

O sr. imagina que a carta de agora possa ter um peso histórico parecido? Acho que sim, porque nós estamos num momento muito contabilístico. A eleição é daqui a dois meses. Metade da moeda é pesquisa; a outra metade, nesses últimos dias, é a carta. Ela cumpre uma finalidade didática de mostrar o que é um Estado democrático de Direito com uma densidade, com uma taxa ainda não satisfatória, mas muito melhor do que a gente teve no tempo em que mandavam os quartéis.

Mas eu acho que ela vai ter pouco peso eleitoral, embora, em compensação, não há debate que vá se fazer no Brasil em que não haja um jornalista para perguntar aos candidatos o que eles acham dessa carta.

O sr. acha que essa carta pode conter Bolsonaro caso ele perca a eleição? Isso é indecifrável. Nem o psicanalista, se é que ele tem, decifra o que é esse cérebro. Porque ele é tão contraditório, de uma lógica deslógica completa, que é difícil saber o que o irrita e o que o satisfaz. Eu acho que a gente só vai saber quem ele era realmente quando os ministros fizerem as suas memórias.

Bolsonaro há muito tempo defende a tortura e a ditadura. Como é para o sr., com seu histórico de luta pelos direitos humanos, perceber que tantos brasileiros ainda apoiam esse tipo de pensamento? Em primeiro lugar, Bolsonaro é mal-agradecido. A gente sabia [nos anos 1990] que tinha um deputado como ele, do baixo clero congressual, que [aproveitava] tudo que era beirada de legislação a favor de militares.

Mas, quando se pegavam as falas mais compridas dele, era um negócio tão alógico, tão fora de esquadro, que não se dava muita importância. A gente tinha a caneta na mão [durante o governo FHC] e, no entanto, ninguém pediu a cassação dele, ninguém o perseguiu.

E ele prosperou, porque se tornou uma espécie de S.A. política, colocando os filhos na política. Quer dizer que é um mal-agradecido em relação à democracia, regime onde ele vicejou e procriou. Ele devia ser –o que talvez ainda possa ser, porque nunca nego a possibilidade de alguém na 24ª hora se emendar—, mas eu digo que ele deveria ser um dos maiores defensores da democracia e do Estado democrático de Direito, para o qual ele não colaborou em nada.

Agora, sobre a eleição de 2018, essa ainda é uma história que está para ser contada. Tanto o PT como o PSDB não estavam numa situação muito confortável. A Lava Jato estava atuando, e atuando de uma forma diferente do que tinha sido toda a luta anticorrupção no Brasil, porque prendia nomes importantes.

A corrupção estava sendo o grande assunto. Então [surgiu] uma figura desconhecida, mas com muitos anos de Congresso, que se valeu de uma retórica muito apropriada naquele momento. E a facada fez o resto.

RAIO-X

José Gregori, 91

Advogado, foi secretário nacional dos Direitos Humanos e ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso. Em 1977, fez o discurso que precedeu a leitura da "Carta aos Brasileiros" na Faculdade de Direito da USP

Uirá Machado para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 08.08.22

TSE exclui coronel de grupo de inspeção da urna eletrônica

Decisão foi tomada após vir à tona que Ricado Sant´Anna, designado pelo Ministério da Defesa para a equipe de inspeção dos códigos-fonte, fazia postagens nas redes sociais atacando o sistema eleitoral brasileiro.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, enviou nesta segunda-feira (08/08) um ofício ao Ministério da Defesa comunicando ter descredenciado o coronel do Exército Ricado Sant´Anna da equipe de técnicos designados para inspecionar os códigos-fonte da urna eletrônica e de todo o sistema eletrônico de votação.

Na semana passada, veio à tona que uma mensagem compartilhada pelo coronel chegou a ser rotulada como "fake news" pelo Facebook e que Sant´Anna costumava compartilhar conteúdo questionando a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e atacando grosseiramente adversários políticos do presidente Jair Bolsonaro. As informações foram reveladas pela coluna de Rodrigo Rangel, do portal Metrópoles, antes de o perfil do coronel ser apagado.

"Conforme apuração da imprensa, mensagens compartilhadas pelo coronel foram rotuladas como falsas e se prestaram a fazer militância contra as mesmas urnas eletrônicas que, na qualidade de técnico, este solicitou credenciamento junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para fiscalizar", escreveram Fachin e o ministro Alexandre de Moraes, vice-presidente do TSE e que também assina o ofício.

Os dois frisaram que o credenciamento de técnicos para inspecionar os códigos do sistema eletrônico de votação precisa levar em consideração "a necessidade de segurança e de isenção dos que se arvoram como fiscalizadores", conforme disposto em resolução aprovada no ano passado pelo plenário da Corte.

"A posição de avaliador da conformidade de sistemas e equipamentos não deve ser ocupada por aqueles que negam prima facie [à primeira vista] o sistema eleitoral brasileiro e circulam desinformação a seu respeito", acrescenta o texto.

Posições pessoais não interferem, diz Ministério da Defesa

Em nota oficial, o Ministério da Defesa afirmou que o trabalho da equipe das Forças Armadas no âmbito da fiscalização do sistema eletrônico de votação é "técnico" e "estritamente institucional". "Assim, não há interferência das posições pessoais dos integrantes no trabalho da equipe", diz o texto.

A pasta também afirma que "já no fim de semana passado o Exército havia decidido selecionar um novo integrante para a equipe em substituição ao atual" e ressalta que o TSE será informado assim que um substituto for definido.

Desde outubro do ano passado, a inspeção da urna e dos códigos-fonte dos sistemas de votação pode ser feita por dezenas de entidades, incluindo as Forças Armadas, em uma sala designada na sede do TSE.

Técnicos das Forças Armadas designados pelo Ministério da Defesa realizam o procedimento desde a última quarta-feira, após a pasta pedir acesso aos códigos-fonte com caráter "urgentíssimo".

O que diziam as postagens do coronel

De acordo com a coluna de Rodrigo Rangel, do portal Metrópoles, antes de ser apagado, o perfil do coronel Ricado Sant´Anna no Facebook seguia à risca a cartilha do bolsonarismo, com posts grosseiros de ataques a adversários e questionamentos à confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro.

Em um dos posts, ele compartilha um vídeo que compara o exercício do voto à compra de um bilhete de loteria. "Pra quem não entendeu ainda a briga contra esse sistema que nenhum país desenvolvido adotou, SÓ NÓS, então, se ainda confia no sistema, é achar que está tudo certo, então aceite a aposta na lotérica do jeito que está nessa sátira… pra despertar o ÓBVIO!!!!", diz a legenda.

Em outra postagem, Sant'ana questionava os resultados de pesquisas eleitorais. "Votar no PT é exercer o direito de ser idiota", dizia uma imagem compartilhada pelo coronel.

Em um comentário em uma postagem em que a candidata ao Planalto Simone Tebet(MDB) defende que mulheres votem em mulheres, o coronal volta a ser agressivo: "Vaca vota em vaca”, escreveu.

Bolsonaro e seus aliados atacam frequentemente as urnas eletrônicas e o TSE, acusando as eleições brasileiras de serem fraudadas. No entanto, nunca ninguém apresentou nenhuma prova das acusações.

No mês passado, Bolsonaro reuniu dezenas de diplomatas estrangeiros no Palácio da Alvorada para fazer uma apresentação de mentiras sobre o sistema de votação brasileiro, atacar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do TSE. 

A menos de três meses do primeiro turno das eleições, o evento exibiu fotos de Bolsonaro cercado de apoiadores e resumiu teorias fantasiosas sobre as urnas eletrônicas que vêm sendo repetidas pelo presidente e seus apoiadores desde pelo menos a eleição de 2018.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 08.08.22. (https://www.dw.com/pt-br/tse-exclui-coronel-de-grupo-de-inspe%C3%A7%C3%A3o-da-urna-eletr%C3%B4nica/a-62749738)

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Maria Silvia: porque meu voto é de Simone Tebet

Teremos uma eleição presidencial tão ou mais polarizada do que a de 2018 e parcela dos eleitores votará em rejeição ao candidato oponente. Os que lideram a disputa já exerceram a Presidência, tiveram a chance de implementar seus projetos e de serem avaliados. 


Com fama de trator, Maria Silvia, autora deste artigo, foi a primeira mulher a presidir o BNDES.

Até o momento não se dispuseram ao debate nem a revelar suas prioridades e planos de ação para enfrentar um Brasil combalido pela insegurança alimentar, pelo emprego insuficiente e informal, pelo sistema educacional incapaz de qualificar os jovens em matérias essenciais como Português e Matemática, pela deterioração da imagem do País devido aos persistentes ataques às instituições e ao meio ambiente, pela polarização que afasta, antagoniza e destrói a esperança no futuro. Tudo isso em um cenário econômico nacional e internacional instável e desafiador.

O País precisa de lideranças que tenham sólido comprometimento com a democracia como pilar de nossa sociedade, com instituições de Estado fortes e com a ética como base para o desenvolvimento sustentável. Que entendam a complexidade e o acelerado processo de mudança do mundo atual, identifiquem as oportunidades de protagonismo do Brasil em temas como mudança climática, transição energética e demanda por alimentos. Líderes que valorizem a pesquisa, a inovação e a ciência como catalisadores de mudança, melhor qualidade de vida e desenvolvimento econômico. Que possuam a compreensão de que é necessário um ambiente de negócios com regras estáveis, transparentes e simples, bem como o enfrentamento dos desafios na área de segurança pública, para a atração de investimentos e geração de empregos. Precisam ter experiência, principalmente no campo político, e a capacidade de diálogo requerida pelo processo democrático para transformar projetos em ações. Ter empatia com a população, entender os diferentes desafios e realidades de um país continental, priorizar projetos e ações que gerem igualdade de oportunidades, especialmente para os jovens. Ter competência para unir e pacificar os corações e mentes de um país dividido, cansado, desesperançado, onde o sonho de muitos é viver em outro país e recuperar a autoestima nacional é tarefa urgente e imprescindível.

Identifico em Simone Tebet os atributos para endereçar essa urgente, ambiciosa e indispensável agenda de mudança para o Brasil. Ela representa a renovação na política, é jovem e experiente. Tem compromisso com a ética, os valores democráticos e as instituições. Vem do Centro-oeste, conhece os desafios da economia e da política além do eixo Sudeste/sul, tem intimidade e experiência com a política nacional. Graduou-se em Direito pela UFRJ e é mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, lecionou por 12 anos, função que exercita a capacidade de dialogar, ouvir e repensar. Filiada ao MDB, foi deputada estadual no seu Estado, prefeita de Três Lagoas e vice-governadora. Em 2014 foi eleita senadora, função que exerce até hoje. No Senado foi líder do MDB e presidente da mais importante comissão da Casa, a de Constituição, Justiça e Cidadania. Foi a primeira mulher, em 198 anos, a se colocar na disputa à presidência do Senado e liderou a primeira bancada feminina da história da instituição. Tornou-se conhecida

Ela representa a renovação política, é jovem e experiente; tem compromisso com a ética

nacionalmente na CPI da Covid, onde suas intervenções fundamentadas e incisivas tiveram papel primordial no trabalho da comissão. Nesses oito anos como senadora esteve em posição privilegiada para conhecer, debater e influenciar múltiplos e relevantes temas nacionais.

Em maio a senadora foi lançada pré-candidata à Presidência pelo MDB e o Cidadania, iniciando uma atribulada caminhada até 26 de julho, quando sua candidatura foi homologada pelas convenções desses partidos e do PSDB. Nesses poucos meses assistimos à desistência de vários pré-candidatos enquanto Simone seguiu firme, apesar do fogo amigo dentro de seu partido e da descrença em relação à viabilidade de sua candidatura. Equilibrada e segura, manteve a coerência de seu discurso e a determinação em ser a primeira mulher de seu partido a disputar a Presidência da República.

A senadora certamente conhece os desafios pela igualdade de oportunidades na carreira que escolheu. Como professora e mãe de duas jovens, sabe da ansiedade dos jovens por um Brasil de que possam se orgulhar e em que possam planejar seu futuro. Ela prega a pacificação do País, a união de forças, a parceria públicoprivada, políticas inclusivas e o crescimento em bases sustentáveis. Conhece os desafios nacionais e está aberta a ouvir, aprender e aceitar a colaboração de especialistas nos diversos temas. Por tudo isso, os que não desejam votar em um candidato em rejeição a outro têm agora a opção de votarem em alguém que representa os anseios de um país mais igualitário, mais cordial e com mais oportunidades. Simone Tebet tem as condições, compromisso e sensibilidade para devolver a autoestima e a esperança ao nosso Brasil. •

Maria Silvia Bastos Marques, a autora deste artigo, é conselheira independente, foi secretária de Fazenda do Rio de Janeiro, presidente da CSN, da Icatu Seguros, do BNDES e do Goldman Sachs. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 04.08.22

Câmara ‘virtual’ é enorme retrocesso

No ‘novo normal’ da Câmara, sessões virtuais, indispensáveis na pandemia, passaram a integrar a caixa de ferramentas governista para atropelar os processos legislativos


Plenário - principal lugar de trabalho dos representantes do Povo

Em março de 2020, o Congresso respondeu com notável agilidade a uma situação paradoxal: a eclosão da emergência sanitária exigia, a um tempo, que todos se isolassem em suas casas, mas também a atividade enérgica do Poder Público, em especial dos representantes eleitos. Assim, foram mobilizados dispositivos eletrônicos para viabilizar deliberações e votações a distância, possibilitando, por exemplo, a rápida aprovação do “orçamento de guerra”.

Hoje, com a imunização em massa, as taxas de contágio e ocupação hospitalar estão controladas. Escritórios, estádios, shows ou shoppings funcionam normalmente. Mas, na Câmara, o trabalho remoto, que, num momento excepcional, se mostrou indispensável para servir aos interesses da sociedade, foi transformado pela ala fisiológica capitaneada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), em um instrumento para tratorar o processo legislativo conforme as suas conveniências corporativas.

Nesta semana, mais uma vez, Lira baixou um Ato convertendo todas as sessões em virtuais. Já em fevereiro, Lira usou o vírus como desculpa para suspender as sessões presenciais e solapar as comissões temáticas, despejando direto no plenário votações intempestivas, como a da legalização dos jogos de azar. Em março, chegou a suspender por tempo indeterminado as sessões presenciais. Em julho, o expediente foi empregado para atropelar a deliberação da chamada “PEC Kamikaze” que, numa tacada, violentou a legislação eleitoral, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a própria Constituição, na tentativa de angariar votos para Jair Bolsonaro.

É evidente que o mundo do trabalho nunca mais será o mesmo após a pandemia. Acelerando 20 anos em 2, o isolamento forçado pelo vírus impulsionou ao mesmo tempo a digitalização de todas as relações sociais. O trabalho híbrido chegou para ficar, e batalhões de especialistas estudam como tirar proveito da realidade virtual para ampliar a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores.

Mas o trabalho legislativo não é um trabalho qualquer. É da essência do Parlamento, como denota sua etimologia (parler, “falar”), o diálogo, o debate, o confronto transparente, cara a cara, de diferentes pontos de vista. É na tribuna, mais do que em qualquer outro lugar, que a oposição, de viva voz, se faz ouvir. É nas comissões parlamentares que os legisladores se debruçam sobre as contribuições de especialistas e organizações da sociedade civil.

Mas justamente essa essência tem sido desvirtuada a olhos vistos pelas manobras de Lira. As sessões virtuais não são a única ferramenta de seu kit. Votações relâmpagos às seis horas da manhã, canetadas nos prazos regimentais, “problemas técnicos” esquisitos nos sistemas de informática, requerimentos de “urgência” duvidosa, fatiamentos de projetos, tudo isso serviu para degradar o processo legislativo a um nível inaudito.

Assim a boiada passa, e matérias com profundas implicações para milhões de brasileiros tramitam a toque de caixa, e praticamente às cegas. Deputados votam textos quilométricos sem o devido tempo para a apreciação ou acompanham sessões a bordo de um táxi, isso quando não delegam a um assessor registrar presença no plenário virtual e digitar o botão de “sim” ou “não”. No fim de 2021, chegou-se à situação esdrúxula na qual os parlamentares aprovaram o projeto final que alterava o Imposto de Renda sem sequer conhecer o texto que estavam votando.

É evidente que a suspensão das sessões presenciais nesta semana não se presta a atender aos interesses da população, muito menos à segurança dos deputados. Como apurou a Coluna do Estadão, seja por desinteresse no trabalho legislativo às vésperas do início da campanha, seja para retaliar os cortes de emendas do “orçamento secreto”, muitos deputados disseram não estar “estimulados” a aparecer em Brasília. 

Que em outubro o eleitorado cuide bem de escolher os seus representantes. Independentemente da orientação ideológica de cada um, é uma precondição – tautológica até – que se mostrem dispostos a exercer essa representação de corpo presente.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 04.08.22

Passando vergonha

O senso de urgência do ministro da Defesa parece estar descalibrado. Ele pediu acesso ‘urgentíssimo’ a dados do TSE que já estavam disponíveis havia dez meses   

O alinhamento do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, (foto acima) à cruzada do presidente Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral chega às raias do constrangimento. Nesse sentido, ele segue com disciplina marcial os passos de seu antecessor na pasta, Walter Braga Netto – aquele que, na condição de ministro da Defesa, mandou avisar que não haveria eleições caso não houvesse voto “auditável”.

Por meio de um ofício classificado como “urgentíssimo”, no dia 2 passado o ministro da Defesa requereu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acesso aos códigos-fonte das urnas eletrônicas. Ora, esses códigos já estavam à disposição das entidades fiscalizadoras do processo de votação, entre as quais figuram as Forças Armadas, desde outubro do ano passado; logo, urgência não havia, a não ser a urgência do ministro da Defesa de causar confusão.

Como os dados já estavam disponíveis, o TSE prontamente atendeu ao pedido do ministro da Defesa. No dia seguinte ao ofício “urgentíssimo” de Paulo Sérgio, já havia local e cronograma definidos para que técnicos indicados por ele começassem uma auditoria que, a rigor, poderia ter sido realizada ainda no ano passado. Convém lembrar que, em ofício datado de 6 de outubro de 2021, o então presidente da Corte Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, convidou Braga Netto, então ministro da Defesa, a indicar auditores nos seguintes termos: “Senhor ministro, com meus cordiais cumprimentos, informo que os códigos-fonte dos programas que compõem o sistema eletrônico de votação estão disponíveis para inspeção de suas evoluções, das 10h às 18h, na Sala Multiuso, localizada no subsolo do edifício-sede deste Tribunal”. Objetivamente, nada foi feito pelo Ministério da Defesa.

Ainda que com atraso de dez meses, é muito bom para o País que o Ministério da Defesa tenha decidido se debruçar sobre os códigos-fonte. Quanto mais entidades fiscalizadoras atestarem sua higidez, tanto mais evidente ficará para a sociedade que o modelo brasileiro de planejar e realizar eleições é extremamente seguro e eficaz, e que não por acaso é tido como um paradigma para todos os países democráticos.

A abertura dos quatro códigos-fonte dos programas do sistema eleitoral – Sistema de Apuração (SA), Sistema de Votação (VOTA), Sistema de Logs SA VOTA e Sistema de Totalização (SisTot) – em outubro passado, a um ano da realização do pleito, já fora uma clara demonstração de que o TSE pretende atuar com a máxima transparência na organização das eleições de 2022. Até então, os códigos-fonte eram liberados para auditoria com antecedência de seis meses.

A questão, no entanto, nada tem a ver com a confiabilidade do sistema de votação, já amplamente comprovada. O objetivo do ministro da Defesa, a serviço do presidente Bolsonaro, não é melhorar coisa alguma, e sim difundir dúvidas sobre a lisura do processo. Nenhuma resposta da Justiça Eleitoral deixará os bolsonaristas satisfeitos, pois a estratégia do presidente, amplamente anunciada pelo próprio, é denunciar “fraudes” na eleição para não reconhecer o resultado caso seja derrotado.

Sob inspiração do presidente da República, há quem aposte na desordem para deslegitimar as escolhas dos eleitores neste ano. Não são triviais as ameaças de ataques hacker contra os servidores do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados às vésperas das eleições de outubro. O Estadão teve acesso a um relatório interno do TSE em que técnicos enumeram algumas possibilidades de ataque que, no limite, podem impedir o acesso a dados, tal como ocorreu com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2020. Ainda que os sistemas da urna eletrônica não sejam comprometidos, uma tentativa de invasão a outros sistemas do TSE que seja bem-sucedida bastaria para que os arautos do caos levantassem suspeitas contra todo o processo.

É bom, portanto, que o TSE faça tudo o que estiver a seu alcance para evitar ou minimizar esses ataques, para tranquilidade dos cidadãos brasileiros. Já para os fanáticos bolsonaristas, nada será suficiente para fazê-los aceitar uma eventual derrota de seu “mito”. Logo, se há algo “urgentíssimo” a fazer no País, é deixar esses golpistas falando sozinhos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 04.08.22

Podemos decide apoiar Simone Tebet para a Presidência

Ex-partido de Sérgio Moro recusou indicar a vice da candidata do União Brasil para se aliar com o MDB

Simone Tebet, candidata à Presidência; senadora do MDB tem apoio do PSDB, Cidadania e Podemos (Foto: MARCELO CHELLO / ESTADAO)

O Podemos decidiu nesta quinta-feira, 4, que vai apoiar a candidata do MDB à Presidência, Simone Tebet. O partido vai se somar à aliança que também já conta com PSDB e Cidadania, que indicaram a senadora tucana Mara Gabrilli (SP) para ser candidata a vice. Inicialmente a sigla pretendia lançar o ex-juiz Sérgio Moro como candidato a presidente, mas ele trocou o partido pelo União Brasil e hoje é candidato ao Senado pelo Paraná. O anúncio da aliança será feito nesta sexta-feira, 5, último dia das convenções partidárias.

A definição pelo apoio ao MDB aconteceu após a legenda avaliar várias outras alternativas. O Podemos convidou o senador Alvaro Dias (PR) para concorrer ao Palácio do Planalto, mas ele recusou e preferiu tentar a reeleição. O partido foi convidado para indicar a vice da candidata do União Brasil, Soraya Thronicke, e também estudava adotar neutralidade na disputa presidencial, mas preferiu optar pela aliança com o MDB.

A saída de Moro do Podemos em abril foi motivada pela escassez de recursos do partido, que elegeu apenas 11 deputados federais. A sigla, que tem seu funcionamento ameaçado pelas exigências da cláusula de desempenho, que retira o fundo e propaganda das legendas caso não sejam cumpridas, terá de eleger novamente uma bancada de pelo menos 11 deputados federais neste ano. Após desfiliações, hoje, o partido tem oito. A meta é conquistar ao menos 25 cadeiras na Câmara.

O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, era outro que chegou a ser apontado como possibilidade de candidatura presidencial, mas ele deve concorrer a uma vaga de deputado federal pelo Distrito Federal. Deltan Dallagnol, ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal, também vai disputar o cargo, mas no Paraná.

Lauriberto Pompeu / O Estado de S. Paulo, em 04.08.22

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Pela primeira vez, Bolsonaro enfrenta rejeição de banqueiros

Presidente ataca signatários de manifesto pró-democracia; após rasgar cartilha liberal, resta-lhe apelar ao fantasma do comunismo

Pela primeira vez, Bolsonaro enfrenta rejeição de banqueiros / Bolsonaro durante sessão no plenário do Senado, em 2022 (Foto de Cristiano Mariz / Agência O Globo)

Jair Bolsonaro está invocado. O capitão não gostou da nova Carta aos Brasileiros, que condena o golpismo e defende o sistema eleitoral. “O pessoal que assina esse manifesto é cara de pau, sem caráter. Não vou falar outros adjetivos porque sou uma pessoa bastante educada”, esbravejou ontem, em entrevista à Rádio Guaíba.

Nos últimos dias, o presidente passou vários recibos de sua irritação. “Não precisamos de nenhuma cartinha para dizer que defendemos a democracia”, disse. Em outro momento, ele atacou os banqueiros que subscreveram o documento. Sugeriu que todos teriam perdido dinheiro com a criação do Pix. “Eu dei uma paulada neles”, vangloriou-se.

Bolsonaro não se sensibilizou com mais de 670 mil mortes na pandemia. Seria ingenuidade imaginar que ele está preocupado com o número de assinaturas numa petição online. O motivo da ira presidencial é a adesão de porta-vozes da elite econômica e de entidades como Fiesp e Febraban, que lançarão um segundo manifesto na semana que vem. O capitão é tosco, mas sabe o que isso significa.

Em 2018, o establishment vibrou com sua chegada ao Planalto. O apoio foi renovado no início do governo, quando o Congresso aprovou a reforma da Previdência. Com o tempo, a farsa do liberalismo bolsonarista caiu em descrédito. A reunião com diplomatas estrangeiros, em que o presidente alardeou seu golpismo para o mundo, parece ter marcado um ponto de virada.

Pela primeira vez, Bolsonaro vê figurões do empresariado darem as costas ao seu projeto político. Isso indica um cansaço com a escalada autoritária, que afugenta investidores e injeta turbulência no ambiente de negócios. Como a Faria Lima não rasga dinheiro, o movimento sugere que a turma já começa a fazer cálculos para lidar com uma possível vitória de Lula.

Ao furar o teto de gastos e estourar o Orçamento pela reeleição, o capitão deixou claro que não está mais disposto a vestir a fantasia de liberal. O que lhe resta é sacudir o espantalho da ameaça comunista. Na entrevista de ontem, ele insistiu na velha conversa de que o PT vai abolir a propriedade privada. “Você que mora numa casa grande, que tem uma casa de praia... você quer dividir isso com terceiros?”, discursou.

Bernardo Mello Franco, o autor deste artigo, é colunista de O Globo. Publicado originalmente em 03.08.22


Bolsonaro pode ser preso? Conheça os 5 inquéritos que ameaçam o presidente

Se perder a eleição, os inquéritos criminais contra Bolsonaro saem das mãos do ministro Alexandre de Moraes e vão para um juiz de primeira instância, onde as decisões costumam ser mais céleres

Presidente Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

No último dia 16 de maio, o presidente Jair Bolsonaro expôs publicamente um temor que seus interlocutores mais diretos ouvem com frequência. A um grupo de empresários do setor de alimentos afirmou sem meias palavras: “Mais da metade do meu tempo eu me viro contra processos. Até já falam que eu vou ser preso… Por Deus que está no céu, eu nunca vou ser preso.”

Um mês depois, repetiu sua teoria para outro público. Desta vez, Bolsonaro comentava a condenação da ex-presidente da Bolívia Jeanine Áñez por atitudes antidemocráticas. “A turma dela perdeu, voltou a turma do Evo Morales. Agora foi confirmado dez anos de cadeia para ela. Qual a acusação? Atos antidemocráticos. Alguém faz alguma correlação com Alexandre de Moraes e os inquéritos por atos antidemocráticos? Ou seja, é uma ameaça para mim quando deixar o governo?”, afirmou.

E nesta semana, disse o mesmo numa conversa reservada com um ministro do Supremo. Bolsonaro justificava o porquê de atender a pressão do ministro Nunes Marques para nomear desembargadores para o Superior Tribunal de Justiça. Ele precisava de um aliado entre os magistrados para defendê-lo de uma eventual prisão.

O temor do presidente não é em vão. Atualmente, ele é alvo de cinco investigações no Supremo Tribunal Federal (STF). São elas: 1) tentativa de interferência na Polícia Federal; 2) espalhar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral; 3) ataque a instituições de forma organizada nas redes sociais; 4) vazar dados de investigação sigilosa da PF e 5) fazer ligação falsa entre a vacina da covid-19 e a AIDS.

Todas as apurações tramitam no gabinete do ministro Alexandre de Moraes, alvo constante de hostilidades do presidente.

O Estadão apurou que um dos inquéritos que mais preocupa Bolsonaro é o que aponta sua “atuação direta, voluntária e consciente”, segundo a Polícia Federal, na prática do crime de violação de sigilo funcional. O deputado Filipe Barros (PSL-PR) e o ajudante de ordens do presidente Mauro Cid também foram implicados.

Segundo a delegada Denisse Ribeiro, que presidiu a investigação, o deputado entregou ao presidente cópia de um inquérito sigiloso “a fim de municiá-lo na narrativa de que o sistema eleitoral brasileiro era vulnerável e permitiria fraudar as eleições”.

Embora a PF diga que o seu inquérito estava sob sigilo, a Procuradoria-Geral da República afirmou que não e pediu o arquivamento do caso. O ministro Alexandre de Moraes não atendeu ao Ministério Público Federal e mandou dar prosseguimento as investigações. A decisão gerou um cabo de guerra com a PGR. Nesta segunda-feira, 1,º, a vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo voltou a defender o arquivamento do caso, sustentando que o ministro “violou o sistema acusatório”.

Caso Bolsonaro seja reeleito, as investigações seguem sob responsabilidade do Supremo. Nesse contexto, eventual denúncia criminal contra ele só poderá ser oferecida pela Procuradoria-Geral da República, cargo atualmente ocupado pelo procurador Augusto Aras, a quem se atribui alinhamento ao Planalto. Aras exerce seu segundo mandato consecutivo, por escolha de Bolsonaro. Ele ainda fica no cargo mais um ano. Para oposicionistas, a permanência de Aras na cadeira número um do Ministério Público Federal garante blindagem de Bolsonaro.

No entanto, caso Bolsonaro saia derrotado das urnas, as investigações sobre suas condutas serão remetidas à primeira instância judicial, podendo tomar um ritmo de tramitação diferenciado, com rito mais célere. Neste caso, a blindagem de Bolsonaro se dilui. Em tese, qualquer promotor ou procurador poderá requerer uma eventual prisão de Bolsonaro, sem foro especial e sem a ‘proteção’ do guarda-chuva de Aras.

Ordens de prisão decretadas em meio a apurações podem ser de duas classes – temporária e preventiva (sem data para acabar). A primeira é determinada sob o argumento de cumprimento de diligências ou até para fazer cessar determinada conduta pelo investigado. A segunda é justificada sob alegação de ‘garantia da ordem pública’, ou para garantir o prosseguimento das investigações quando há ocultação de provas, ameaça a testemunhas e até risco de fuga do investigado. Já prisão decorrente de condenação hoje só é possível após o trânsito em julgado do processo, ou seja, após todos os recursos judiciais se esgotarem.

Um exemplo claro da mudança nos procedimentos quando a competência se desloca da corte máxima para o primeiro grau é o recente caso do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro. Ele foi preso em junho na Operação Acesso Pago, por ordem do juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal do DF após o Estadão revelar esquema de pagamento de propina em troca de liberação de verbas do ministério. O caso agora voltou ao Supremo e está sob sigilo, após a Procuradoria apontar suposta interferência de Bolsonaro nas apurações.

A suspeita da Procuradoria surgiu a partir de um telefonema de Milton Ribeiro para sua filha, em que o ex-ministro diz ter recebido ligação de Bolsonaro o alertando da investigação da Polícia Federal. Nesta ligação, segundo Milton, o presidente teria dito que teve um ‘pressentimento’ de que ele seria alvo de buscas da PF.

Presidente Jair Bolsonaro. (FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS)

Confira detalhes de cada uma das apurações que miram Bolsonaro:

Ataques às urnas eletrônicas

Às vésperas da campanha que sua reeleição, Bolsonaro é investigado pela live realizada em julho de 2021, na qual o chefe do Executivo voltou a propagar notícias falsas e declarações infundadas sobre supostas fraudes no sistema eletrônico de votação, além de promover ameaças ao pleito deste ano.

O inquérito foi aberto por ordem do ministro Alexandre de Moraes a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Inicialmente a petição foi distribuída por prevenção ao inquérito das fake news. Em maio deste ano, Alexandre atendeu pedido da Procuradoria-Geral da República e determinou o apensamento do caso ao inquérito das milícias digitais.

No despacho de abertura do inquérito, o ministro do STF pontou que as condutas relatadas na notícia-crime do TSE configuram, em tese, os crimes de calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa e denunciação caluniosa. Além disso, Alexandre citou possível delito de ‘injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda’, além de três crimes previstos na Lei de Segurança Nacional.

Os mesmos ataques que motivaram a investigação criminal levaram à abertura de um inquérito administrativo no TSE. O procedimento apurar se, com a ofensiva de Bolsonaro contra as urnas, Bolsonaro praticou “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea”.

Milícias Digitais

A investigação mira a atuação coordenada de grupos na internet para divulgar notícias falsas e atacar opositores bolsonaristas e instituições democráticas. Depois que o inquérito das fake news esfriou no STF, a investigação se tornou a frente com maior potencial explosivo contra aliados do presidente.

A Polícia Federal já apontou a “atuação orquestrada” de apoiadores do governo para promover notícias falsas e ataques antidemocráticos, usando para isso até mesmo a estrutura do chamado “gabinete do ódio”.

Bolsonaro entrou na mira do inquérito das milícias digitais em fevereiro, após o ministro Alexandre de Moraes acolher pedido da Polícia Federal e autorizar o compartilhamento de provas do inquérito sobre o vazamento de uma investigação sigilosa com a apuração que mira a atuação de uma milícia digital contra a democracia.

Depois, em maio, o ministro do STF atendeu a Procuradoria-Geral da República e determinou que investigação sobre notícias falsas divulgadas por Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas seja fosse incorporada ao inquérito.

m relatórios entregues ao STF, a Polícia Federal (PF) relacionou a investigação ao discurso do presidente na live em que ele lançou suspeitas infundadas sobre a segurança das urnas. A PF apontou “semelhança no modo de agir”, “aderência ao escopo descrito na hipótese criminal” e “atuação direta de Bolsonaro na promoção da ação de desinformação”.

Associação entre a vacina da covid-19 e a AIDS

A investigação se debruça sobre declarações dadas por Bolsonaro durante live feita em 21 de outubro, exatamente um dia após a leitura do relatório da CPI da Covid no Senado. O colegiado pediu o indiciamento por 11 crimes relacionados à conduta do chefe do Executivo no enfrentamento à pandemia.

Durante a transmissão ao vivo, o presidente citou uma notícia falsa sobre pessoas que tomaram as duas doses da vacina contra o novo coronavírus no Reino Unido e passaram a desenvolver o vírus aids. Cientistas do mundo todo desmentiram as declarações.

Em junho Alexandre atendeu um pedido da Polícia Federal e prorrogou as investigações por mais 60 dias. Os investigadores apontaram a necessidade de prosseguimento das apurações.

Uma das movimentações mais recente do inquérito foi o envio, pelo Google da íntegra da transmissão ao vivo em que o presidente divulgou, em outubro de 2021, a informação falsa sobre a vacina.

Vazamento de inquérito da Polícia Federal

A investigação também foi aberta com base em pedido do Tribunal Superior Eleitoral, em agosto de 2021. A Polícia Federal apurou se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime ao divulgar o inquérito sigiloso da corporação sobre uma invasão ao sistema eleitoral ocorrida em 2018.

O inquérito tornado público pelo presidente nas redes sociais foi aberto dez dias após o segundo turno das eleições de 2018, sobre uma denúncia de invasão do sistema interno do TSE. A investigação foi solicitada pelo próprio tribunal. Desde então, nunca não foram encontrados indícios de que o ataque tenha afetado o resultado das eleições daquele ano.

Ao abrir a investigação sobre a conduta de Bolsonaro, Alexandre indicou que o objetivo do inquérito era apurar “notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações”, que buscam atingir “a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal” e de seus membros, assim como de familiares dos magistrados.

Em fevereiro, a PF decidiu concluir o inquérito, mesmo sem colher o depoimento de Bolsonaro, que faltou a interrogatório. A corporação apontou ‘atuação direta, voluntária e consciente’ do presidente na prática do crime de violação de sigilo funcional, mas deixou de promover o indiciamento do chefe do Executivo em razão de seu foro por prerrogativa de função.

O crime de violação de sigilo também foi imputado ao deputado Filipe Barros. Quem não saiu ileso foi o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, homem da confiança de Bolsonaro, que acabou indiciado uma vez que, “na condição de funcionário público, revelou conteúdo de inquérito policial que deveria permanecer em segredo até o fim das diligências, ao qual teve acesso em razão do cargo de Chefe Militar da Ajudância de Ordem da Presidência da República”.

A Procuradoria-Geral da República contrariou a conclusão da Polícia Federal e pediu arquivamento do inquérito contra Bolsonaro, alegando que o material divulgado pelo chefe do Executivo não estava protegido por sigilo.

Após a manifestação, Alexandre não acolheu de imediato o parecer do Ministério Público Federal, determinando que a PF realizasse ‘relatório minucioso’ de análise de materiais colhidos em quebra de sigilo telemático – ou seja, de emails – no âmbito do inquérito. Segundo Alexandre, o documento é ‘essencial para a completa análise’ dos elementos de prova pela Procuradoria-Geral da República.

Nesta segunda-feira, 1º, a vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo reforçou o pedido de arquivamento da investigação alegando que o ministro Alexandre de Moraes ‘violou o sistema acusatório’ ao determinar a realização do relatório citado. Lindôra sustenta que, ao determinar que a PF realizasse nova diligência, Alexandre ‘adentrou nas funções precípuas e exclusivas do Ministério Público, o que é vedado pelo sistema constitucional brasileiro’.

Interferência na PF

A investigação mais antiga sobre o chefe do Executivo é a que apura tentativa de interferência política na Polícia Federal. O inquérito foi aberto na esteira da renúncia do ex-juiz Sérgio Moro – atual candidato ao Senado pelo Paraná – do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em abril de 2020. Tal investigação ganhou fôlego após a divulgação da controversa reunião ministerial do dia 22 de abril daquele ano.

No entanto, em março passado, a Polícia Federal informou ao Supremo que, ‘dentro dos limites da investigação’, não há elementos mínimos para indiciar o chefe do Executivo na esfera penal. O caso agora aguarda parecer da Procuradoria-Geral da República.

Pepita Ortega e Weslley Galzo / O Estado de S. Paulo, em 03.08.22

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Quem é Mara Gabrilli, indicada como vice de Simone Tebet

Senadora pelo PSDB de São Paulo foi a primeira secretária da Pessoa com Deficiência da capital paulista; também foi vereadora e deputada federal

A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) foi secretária da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, vereadora de São Paulo e deputada federal por dois mandatos consecutivos.  (Foto: Paulo Giandalia)

A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) foi a indicada pela federação entre PSDB e Cidadania para concorrer à vice-presidência da República na chapa de Simone Tebet (MDB). O anúncio formal da composição da chapa foi feito na manhã desta terça-feira, 2.

Nascida em São Paulo em 1967, Mara começou a carreira política em 2004, quando disputou as eleições municipais para o cargo de vereadora. Não alcançou a quantidade de votos necessária para se eleger, mas ficou na lista de suplentes.

Em 2005, na gestão de José Serra (PSDB) na Prefeitura, Mara propôs a criação de uma secretaria municipal para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. O então prefeito acatou a proposta e criou a pasta, que foi a primeira no País a ser voltada para a área. A então suplente da Câmara Municipal foi nomeada secretária, cargo que ocupou em 2005 e 2006. 

Nas eleições proporcionais de 2006, alguns vereadores do município de São Paulo foram eleitos deputados federais e estaduais, deixando lacunas na Câmara Municipal. Mara, que era suplente, tomou posse para cumprir os dois últimos anos de mandato. Foi reeleita em 2008 e ficou na Casa até 2011, quando tomou posse como deputada federal, após disputar o cargo no pleito de 2010.

No Congresso, seu trabalho de maior destaque foi a relatoria da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que modernizou a legislatura brasileira e ampliou direitos para as pessoas com deficiência. O texto, que entrou em vigor em 2016, estabeleceu mudanças em relação aos direitos civis dessa população: pessoas com deficiência intelectual, por exemplo, passaram a ter garantido em lei o direito ao voto e a ser votado, ao casamento e a ter filhos, entre outros, sem a necessidade de uma decisão judicial para isso

“A principal inovação se dá na mudança do conceito de deficiência, que agora não é mais entendida como uma condição estática e biológica da pessoa, mas sim como o resultado da interação das barreiras impostas pelo meio com as limitações de natureza física, mental, intelectual e sensorial do indivíduo”, afirma a senadora.

“Nesse sentido, uma pessoa que tenha uma tetraplegia, como eu, mas que tenha condições financeiras de ter um cuidador e para trabalhar, pode ser considerada com menos deficiência do que alguém com uma deficiência menos severa, mas que more em uma comunidade e não consiga sair de casa por falta de acessibilidade, por exemplo”, completa.

Mara sofreu um acidente de carro em agosto de 1994, e desde então não tem mobilidade do pescoço para baixo. Em 1997, fundou o Instituto Mara Gabrilli, uma ONG para fomentar pesquisas científicas destinadas à cura de paralisias e atuar no desenvolvimento social de pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade.

Em 2018, foi eleita senadora por São Paulo com 6,5 milhões de votos. No mesmo ano, tornou-se a primeira brasileira a integrar o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU).

Agora, na metade de seu mandato no Senado, Mara teve seu nome anunciado como vice de Simone nesta terça-feira, no diretório tucano de São Paulo, com a presença da emedebista e dos presidentes dos três partidos envolvidos na aliança: Baleia Rossi, do MDB; Bruno Araújo, do PSDB; e Roberto Freire, do Cidadania.

Durante o anúncio de seu nome como vice na chapa presidencial, nesta terça-feira, Mara retomou um tema recorrente em suas falas: o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), em 2002, quando o pai dela tinha uma empresa de ônibus na cidade. “Eu vivi dentro de casa meu pai sendo extorquido pelo PT com uma arma na cabeça” disse a senadora.

Pesquisas qualitativas feitas pela campanha do MDB mostraram que uma chapa com duas mulheres seria um diferencial. Além do MDB, o PSTU lançou duas mulheres: Vera Lúcia, candidata a presidente, e a líder indígena Kunã Yoporã, como vice. Já a chapa do PCB é encabeçada pela economista Sofia Manzano, que terá o jornalista Antonio Alves como candidato a vice.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) também era cotada para a vaga, mas os tucanos não abriram mão de indicar um nome da legenda, já que, pela primeira vez desde a criação do partido, o PSDB não terá candidato próprio na disputa pelo Palácio do Planalto. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que era considerado como primeira opção, declinou do convite. Ele também confirmou presença no anúncio da vice.

Davi Medeiros / O Estado de S. Paulo, em 02.08.22

Tebet defende ‘revogaço’ de decretos sobre armas e firma compromisso com empresários por inovação

Candidata do MDB pretende, em um eventual governo, recriar o Ministério da Segurança Pública e reforçar o monitoramento de fronteiras

Simone Tebet em debate do grupo Derrubando Muros nesta terça-feira, 2. Foto: Reprodução/Derrubando Muros

Em reunião com o grupo Derrubando Muros nesta terça-feira, 2, a candidata à Presidência pelo MDB, Simone Tebet (MDB), defendeu um “revogaço” dos decretos do governo Bolsonaro que flexibilizaram o acesso às armas no Brasil. Ela também se comprometeu com propostas do grupo nas áreas de inovação, ciência, tecnologia e desenvolvimento sustentável se for eleita.

“A maior parte das drogas e armas não é fabricada pelos grandes centros, elas vêm do meu Estado (o Mato Grosso do Sul), vêm das fronteiras. E já adianto que a gente tem falado em um ‘revogaço’ dos decretos do presidente sobre armas”, disse Simone. “O pior é o que permite tirar a possibilidade de rastrear as munições. Vários decretos do presidente estão suspensos na raça pela bancada feminina do Senado Federal.”

Simone Tebet em debate do grupo Derrubando Muros nesta terça-feira, 2. Foto: Reprodução/Derrubando Muros

Simone também afirmou que, em um eventual governo, pretende recriar o Ministério da Segurança Pública, reforçar o monitoramento de fronteiras e investir em serviços de informação das polícias, além da melhoria do sistema carcerário. “Para os detentos não saírem piores do que entraram.”

Definição de vice

No dia em que confirmou como sua candidata a vice a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), Simone Tebet reforçou que não cogita desistir da corrida pelo Planalto e disse que aposta em crescimento nas pesquisas eleitorais nos dois meses que antecedem o primeiro turno.

“Caiu muito bem essa chapa, não por ser 100% feminina, mas por ser inclusiva com Mara Gabrilli. Eu tinha tudo para não estar aqui. Muitos (pré-candidatos) foram caindo, uns porque tinham seus interesses e outros talvez por não conhecer o jogo político. De alguma forma, sobramos eu e o PSDB”, disse.

Com críticas e elogios aos governos do PT, Simone também criticou o “salto alto” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência, e o comparou com o ex-presidente argentino Juan Domingo Perón pela suposta tentativa de se “perpetuar na política”. Sobre Bolsonaro, voltou a falar em retrocesso e afirmou que “não há chances” de o presidente ser reeleito.

“Eu me apresento como a candidata do centro democrático. Eu tenho convicção de que nós temos condições de chegar no segundo turno e de ganhar as eleições”, afirmou a senadora.

Economia verde, ciência e tecnologia

Provocada pelos integrantes do Derrubando Muros sobre investimentos e desenvolvimento sustentável, Simone Tebet reafirmou que defende o “agronegócio parceiro do meio ambiente” e listou uma série de propostas de sua chapa na área para atrair investimentos internacionais ao País.

“Eu falo em desmatamento ilegal zero. Os órgãos de segurança têm de ir para dentro do nosso Cerrado, das nossas florestas, para combater o desmatamento ilegal”, observou. A candidata também citou um prejuízo de R$ 60 bilhões para os produtores do agronegócio de Estados do Sul e do Centro Oeste, em apenas dois anos, devido a períodos de seca agravados pelas mudanças climáticas.

Ela destacou ainda a intenção de revalorizar o Ministério da Ciência e Tecnologia e de incentivar a permanência de talentos no Brasil. “A gente não tem hoje jovens preparados e nem uma política do governo federal que transforme o Ministério da Ciência e Tecnologia em uma casa parceira.”

Um documento do Derrubando Muros intitulado ‘Uma agenda inadiável para mudar o Brasil’, elaborado por mais de 30 especialistas em políticas públicas, foi entregue à equipe de Simone Tebet. Outros candidatos à Presidência também foram convidados pelo grupo para debates, ainda sem datas confirmadas.

O Derrubando Muros é um grupo apartidário formado por, entre outros, ativistas, cientistas, comunicadores, acadêmicos e empresários. O grupo reúne especialistas como Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade; Fersen Lambranho, empreendedor; Horácio Lafer Piva, economista e empresário; Joana Monteiro, doutora em economia, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança da FGV; Luíz Barroso, engenheiro especializado em energia, diretor-presidente da PSR Consultoria; Pedro Hallal, epidemiologista e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas, entre outros.

Bibiana Borba e Giordanna Neves / O Estado de S. Paulo, em 02.08.22

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Tebet busca apoio do Podemos e estuda outros vices do PSDB

MDB aprovou coligação com abertura para mais siglas aderirem à senadora

Tebet busca apoio do Podemos e estuda outros vices do PSDBA senadora Simone Tebet, pré-candidata à presidência pelo MDB, prefere composição de chapa com Tasso para vice Agência O Globo

Candidata do MDB ao Palácio do Planalto, a senadora Simone Tebet (MS) negocia apoio do Podemos à sua chapa presidencial. Na última quinta-feira, em aceno à sigla chefiada por Renata Abreu (SP), a Executiva do MDB aprovou a coligação com PSDB e Cidadania, deixando em aberto a possibilidade de mais partidos se somarem à campanha da parlamentar. O movimento intensificou um flerte que já vinha ocorrendo.

Como mostrou a colunista do GLOBO Bela Megale, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) chegou a ser cotado para a vaga de vice de Tebet caso as conversas com o PSDB não avançassem. A costura política é considerada difícil por interlocutores dos dois partidos. Nas últimas semanas, porém, o presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, manteve conversas com Renata Abreu, que pede como contrapartida o apoio da legenda à candidatura do senador Alvaro Dias no Paraná. Lá, no entanto, o diretório emedebista apoia a reeleição de Ratinho Jr (PSD), que deve ter Sergio Moro (União Brasil) em sua chapa ao Senado.

Além de mais um apoio, a campanha de Tebet corre contra o tempo para definir quem ocupará a vaga de vice. Por enquanto, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) desponta como preferido de dirigentes de ambos os partidos.

Mas, segundo aliados da senadora, Tasso vem resistindo a aceitar a função. Entre os motivos estão o desejo por mais domínio sobre a campanha da colega de Senado, sobretudo na área de comunicação e marketing, e um investimento financeiro maior na campanha. Pesaria ainda o apelo da família para que ele se aposentasse da política.

Na esteira de uma possível recusa de Tasso, um dos nomes que passaram a ser ventilados para ocupar o posto foi o da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). A cúpula emedebista, porém, prefere uma indicação tucana para a vaga. A avaliação é que a ausência do PSDB na composição poderia reforçar o discurso de que o apoio da sigla a Simone não vai sair do papel — tese levantada por parlamentares como o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG).

Entre os nomes tucanos cobiçados por pessoas próximas à senadora está o da ex-prefeita de Caruaru (PE) Raquel Lyra. Pré-candidata ao governo de Pernambuco, ela não tem demonstrado interesse em abandonar a disputa estadual. A campanha de Tebet, no entanto, avalia que uma chapa exclusivamente feminina tem potencial de atrair a atenção do eleitorado.

Também é citado o nome do ex-senador José Aníbal, opção parecida com Tasso.

Bianca Gomes, Gustavo Schmitt e Eduardo Gonçalves, de São Paulo para O Globo, em 31.07.22


A rejeição feminina a Bolsonaro

É provável que ela seja fruto menos de suas ofensas e mais de seu desgoverno, que prejudicou a vida de mulheres responsáveis pelo bem-estar familiar num ambiente de privação

Todas as pesquisas eleitorais apontam que o índice de rejeição a Jair Bolsonaro é expressivamente maior entre mulheres do que entre homens. À primeira vista, o dado pode suscitar uma conclusão óbvia e, por isso mesmo, incompleta. Seria uma resposta a um presidente que não perde a chance de proferir piadas machistas ou reproduzir discursos misóginos. Essa atitude de Bolsonaro, no entanto, precede a vitória que o presidente obteve no pleito de 2018 – e, se essa visão fosse majoritária, ele jamais teria se sagrado vencedor da disputa em um país em que as mulheres são maioria.

Poucos são os que exploram com profundidade as razões por trás dessa avaliação tão negativa. Um deles foi o cientista político Felipe Nunes, diretor do instituto de pesquisas Quaest. Em entrevista à jornalista Thaís Oyama, do UOL, ele sugeriu que a resposta pode estar no papel central que as mulheres têm no gerenciamento doméstico e na relevância que o eleitorado feminino dá a políticas públicas.

Pagar contas, fazer compras e administrar um lar não é uma atribuição exclusiva das mulheres, mas é inegável que a divisão de tarefas entre a maioria dos casais não é equilibrada, algo que transcende a questão da renda. Portanto, é sobre as mulheres, sobretudo as mães, que recai a responsabilidade de lidar com um orçamento doméstico apertado ante a alta dos preços, de administrar a escassez quando o desemprego afeta a família e de recorrer a serviços públicos de qualidade duvidosa para cuidar da saúde e da educação dos filhos.

É certo que isso ajuda a explicar o fracasso das tentativas de aproximação que Bolsonaro faz com esse público. Há poucos dias, num almoço com cerca de 50 empresárias em São Paulo, o presidente disse que em seu governo as mulheres “praticamente conseguiram quase tudo que queriam”. Diante de um público previamente selecionado composto por simpatizantes, Bolsonaro foi aplaudido, mas certamente não seria se ali estivessem algumas das inúmeras mulheres anônimas que têm escassa ajuda para enfrentar o desafio de cuidar da família num cenário de carestia e de serviços públicos precários.

É incerto que essas eleitoras rejeitem Bolsonaro porque o presidente faz declarações consideradas ofensivas às mulheres; afinal, Bolsonaro venceu a eleição de 2018 com expressiva votação feminina, inclusive entre as mais pobres, mesmo demonstrando pouco respeito pelas mulheres. O mais provável é que a robusta rejeição feminina a Bolsonaro no momento seja resultado de seu desgoverno, que prejudicou diretamente a vida de mulheres responsáveis pelo bem-estar familiar num ambiente de privação. 

Bolsonaro, hoje, não tem como vender às mulheres o sonho de um futuro melhor, como faz o petista Lula da Silva, porque foi incapaz de resolver as questões do presente. Nesse sentido, é irrelevante fazer um inventário das leis e políticas públicas aprovadas pelo presidente, como fez a primeira-dama Michelle Bolsonaro no lançamento da candidatura do marido, a título de provar a preocupação dele com as mulheres. Pouco importa se foram 46 iniciativas, como apontou uma reportagem do Estadão, ou 70, como disse a primeira-dama. Nenhuma delas teve impacto significativo na vida das mulheres.

Para piorar, Bolsonaro estragou o que de fato tinha relevância para as mulheres pobres: o programa de transferência forçada de renda. Ao desejar ardentemente capturar para si o maior ativo eleitoral do PT, o Bolsa Família, o presidente destruiu o espírito do programa, que era o foco em quem mais precisava do dinheiro. Agora, o programa bolsonarista, chamado de Auxílio Brasil, em vez de priorizar as mães que são chefes de família e que têm mais filhos pequenos, paga o mesmo valor a todos, inclusive homens que vivem sozinhos. Além disso, em vez de aumentar o benefício pago a mulheres pobres que chefiam famílias, ele optou por privilegiar categorias em que a presença feminina é absolutamente minoritária, como caminhoneiros e taxistas.

Bolsonaro está coberto de razão quando afirma que as eleitoras estão à procura de um presidente, não de um casamento. Ser presidente requer governar. Mais que uma questão ideológica ou mera antipatia, a rejeição feminina expressa a disfuncionalidade de seu governo e seu fracasso como presidente.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 01.08.22

O medo da derrota de quem tem apego ao poder

Jair Bolsonaro dá a sensação de que nasceu no tempo errado da História; se dependesse de si, permaneceria no poder eternamente

Se as instituições democráticas estivessem funcionando perfeitamente mesmo, tendo Collor sofrido impeachment em 1992 pelo Fiat Elba e Dilma, em 2016, pelas pedaladas fiscais, Bolsonaro já deveria igualmente ter sido retirado do poder. Começando pelo negacionismo sanitário, que implicou milhares de mortes, que ele deveria ter evitado durante a pandemia.

Pela atitude de afirmar em público que não cumpriria decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), pela corrupção abundante. Manipula dados e espalha ao mundo desinformação envenenadora de mentes, para instabilizar nossa democracia, o que repetiu em reunião com embaixadores de diversos países.

Tem quase 150 pedidos de impeachment acumulados – nenhum avança, pois o aliado Lira, ícone do Centrão, com slogan de campanha “Arthur Lira é foda”, blinda o presidente. Mesmo que o povo vá às ruas, que Dalai Lama ou papa Francisco apelem ou até mesmo que Lira receba mensagem psicografada de Gandhi ou da Madre Tereza, será em vão! Quem manda é Lira e tudo está condenado a mofar na poderosa gaveta do presidente da Câmara.

O procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, reconduzido ao cargo pelo presidente, mesmo fora da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República, é tido como omisso, descumpridor da missão de defesa da ordem jurídica e do regime democrático. É importante a lista tríplice constitucional em nível federal, como há nos Estados, para que o Ministério Público Federal credencie três nomes. Hoje o fiscalizado escolhe a dedo e nomeia o próprio fiscal (PGR).

Bolsonaro dá a sensação de que nasceu no tempo errado da História, pois, se dependesse de si, permaneceria no poder eternamente, como o rei francês Luís 14, o Rei Sol (“o Estado sou eu”). Desde o primeiro dia do mandato, dedica-se à reeleição. Apresenta-se como o salvador da Pátria e acaba de convocar o povo às ruas em tom apelativo messiânico, para 7 de setembro, destilando ódio contra o STF, tendo ao lado ex-presidiários por corrupção e um ex-presidente cassado.

Disse que só Deus poderia tirá-lo da Presidência, como se não existissem povo, democracia ou Constituição. Despreza a nova Carta aos Brasileiros, que, 45 anos depois, renasce bela pela democracia e será lida nas Arcadas do Largo de São Francisco em 11 de agosto. Assinada por pessoas de todos os segmentos, corre rápido para 1 milhão de assinaturas.

É preocupante lermos, a dois meses das eleições, a pesquisa do Poder Data que acaba de ser divulgada: para 41% dos brasileiros ouvidos, a democracia por aqui vai mal ou muito mal. Para 33%, vai mais ou menos. Muito bem, 21%. Feita entre 17 e 19 de julho, ouviu 3 mil pessoas em 309 municípios de todas as unidades da Federação.

Números oportunos para reflexão, após esta tosca reunião do presidente com os embaixadores em Brasília, na qual mais uma vez o presidente repetiu inverdades sem comprovação acerca do sistema de urnas eletrônicas utilizado no Brasil desde 1996 e apontado pela comunidade internacional como referência. Por temer a derrota, pode querer seguir o roteiro de Trump, que, conforme apurado em investigações oficiais, articulou a invasão do Capitólio, após ser derrotado nas urnas.

Afirmar, como tem feito, que desrespeitará as decisões do STF, além de hostilizar diariamente jornalistas e estimular seus seguidores a vir às ruas para gritar tiranicamente em defesa do fechamento do STF e do Congresso, contribui decisivamente para os números ruins detectados pelo Poder Data. Sem esquecer o homicídio de Foz do Iguaçu, fruto de sua disseminação permanente do ódio e do armamentismo.

Exatamente em razão de tal contexto, o cientista político de Harvard Steven Levitsky, um dos autores da obra Como as Democracias Morrem, em entrevista ao Estadão, externou preocupação com o risco de autogolpe por Bolsonaro, cuja atitude lembra a de Erdogan, Orbán, Putin e outros tiranos.

Com apresentação estruturada de forma amadora, que chamou a atenção pela quantidade gigante de erros grotescos de tradução para o inglês, Bolsonaro omitiu aos embaixadores que o uso das urnas eletrônicas foi deliberado pelo Congresso. Assim como sonegou a análise do Tribunal de Contas da União (TCU) da total confiabilidade do sistema, que é utilizado em mais de 40 nações e que deu a Bolsonaro seis mandatos de deputado federal e um de presidente, sem contestação.

Ficou claro para o mundo que, mesmo defendendo a tese esdrúxula e inconstitucional da apuração paralela pelas Forças Armadas, estas não quiseram comparecer à mal-intencionada reunião. A enxurrada de reações de instituições e entidades à atitude do presidente foi inversamente proporcional a seus bons propósitos.

Sem qualquer pudor em relação a limites de gastos públicos, especialmente em período eleitoral, em tempos de candidaturas legislativas sem qualquer exigência de afinidade com programas partidários e surreal elogio ao nepotismo como modelo de política pública, vivemos hoje uma orgia do vale-tudo do poder.

A Constituição é remendada via PEC PIX e as leis se liquefazem para acomodar os interesses de ocasião, sob a trilha sonora do orçamento secreto. Que se respeite, ao menos, a soberana vontade do povo nas urnas eletrônicas – fórmula brasileira designadora da nossa democracia legal eleitoral. E que as escolhas que serão feitas possam nos trazer alguma esperança.

Roberto Livianu, o autor deste artigo, é Procurador de Justiça, Doutor em Direito Pela USP, Escritor, Professor, Palestrante e idealizador e Presidente Do Instituto 'Não Aceito Corrupção'. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 01.08.22

MDB do RS decide apoiar Eduardo Leite e destrava acordo com PSDB nacional

    Em convenção neste domingo, 31, o MDB do Rio Grande do Sul decidiu         apoiar o indicativo da direção nacional do partido e abrir mão da                     candidatura local em prol de Eduardo Leite (PSDB). 

Eduardo Leite ( Foto: Eduardo Beleske)

Dessa forma, o então candidato Gabriel Souza vai ocupar a vaga de vice na chapa de Leite.

A votação foi apertada, 239 votos a favor da aliança com o PSDB ante 212 votos contrários.

Com a oficialização do MDB gaúcho, PSDB e MDB voltam a negociar a vice de Simone Tebet (MDB) no plano nacional, com a possibilidade de os tucanos indicarem o nome que vai compor a chapa da candidata. O nome preferido dela no PSDB é o de Tasso Jereissatti mas ele indicou a correligionários que prefere não ser candidato, o que pode levar a sigla a indicar ou José Aníbal ou Mara Gabrilli, ambos do PSDB de São Paulo.

Coluna do Estadão / O Estado de S. Paulo, em 01.08.22