segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Somente 1 em cada 4 deputados tem atuação boa ou ótima, diz pesquisa

Desempenho é medido pela plataforma Legisla Brasil, com base em 17 índices; fiscalização e controle derrubam média


Deputados em dia de trabalho

A qualidade da atuação parlamentar virou desafio na Câmara dos Deputados em uma gestão marcada pelo aumento do controle sobre o Orçamento por parte de integrantes do Congresso. Apesar de muitos deputados irem bem em indicadores como produção legislativa, menos de um quarto deles tiveram desempenho geral considerado bom ou ótimo nesta legislatura.

A maioria deles deixa a desejar em atos de fiscalização e controle, o que joga a média da Casa para baixo e mostra que a atuação não deve se restringir à elaboração de leis. O desempenho é medido pela plataforma Legisla Brasil, por meio de um índice a ser lançado hoje.

A ferramenta calcula a qualidade do trabalho dos deputados a partir de 17 indicadores distribuídos nos eixos de produção legislativa, atos de fiscalização e controle, iniciativas de mobilização e alinhamento partidário. O estudo aponta que parlamentares governistas pontuam melhor em indicadores que medem o número de relatorias e de cargos ocupados. Já a oposição atua bem na fiscalização e na convocação de audiências públicas – dos cem deputados que mais pediram requerimentos de informação ao Executivo, por exemplo, apenas seis dão sustentação ao governo.

Base e oposição se dividem na incidência e mobilização interna e externa no Congresso. O indicador mede a capacidade de articulação dos deputados e sua relação com líderes. Partidos como União Brasil, Republicanos, PSDB, PP, PL e PSD têm maior pontuação em número de cargos ocupados, enquanto legendas de oposição lançam mão de projetos com status de tramitação especial.

Critérios

As notas são distribuídas de zero a dez, e aplicadas em faixas que vão de uma a cinco estrelas. Cerca de 42% dos parlamentares não ultrapassam duas estrelas, desempenho considerado fraco; 35% tiveram atuação regular e 16% alcançaram quatro estrelas. A análise considera todos os deputados que assumiram cargos na Câmara, mesmo que temporariamente, entre janeiro de 2019 e julho de 2022.

Apenas 41 quadros alcançaram nota superior a 5,3 – equivalente a cinco estrelas. Destes, 15 são petistas e seis compõem a bancada do PSB. Três são do PCdoB, mesma quantidade de representantes do PDT e do PSOL na lista. União Brasil, Republicanos, Cidadania, Novo e PL aparecem com dois quadros cada. O PTB tem um representante.

Entrega

Segundo a economista Olivia Carneiro, uma das criadoras da ferramenta, o índice mede a entrega do parlamentar, e não sua atuação ideológica. “Existem vários tipos de caminhos que podem seguir e ir bem: tem o mais fiscalizador, o mais propositivo, tem o que negocia mais, e eles podem desempenhar bem cada um na sua esfera”, afirmou.

Um dos achados do índice é que o partido e o tempo de Casa não são definidores da performance, disse Luciana Elmais, cofundadora do Legisla. “Quando você vê quais são os parlamentares cinco estrelas, tem gente que está lá há muitos mandatos e tem gente que está no primeiro. Isso quebra vários estereótipos.”

Gustavo Queiroz / O Estado de S. Paulo, em 01.08.22

Procuradores buscam candidatos ao Planalto para defender lista tríplice na escolha de PGR

Entidade de integrantes do MPF quer diálogo com candidatos, tem dificuldade para se aproximar de Bolsonaro e só recebeu sinalização positiva de Simone Tebet

O presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, afirma que tem procurado os presidenciáveis para tratar de temas de interesse do Ministério Público.  Foto: Divulgação/Associação Nacional dos Procuradores da República

Para tentar evitar futuras indicações à Procuradoria-Geral da República com base em critérios políticos, como ocorreu com Augusto Aras, integrantes do Ministério Público Federal vão entregar um documento em defesa da lista tríplice aos candidatos ao Palácio do Planalto. Preocupados, procuradores abriram diálogo especialmente com aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto.

O petista tem se esquivado de dizer se resgatará, caso eleito, uma tradição a que ele mesmo deu início, no primeiro mandato, de indicar um nome votado pela carreira. A lista para PGR não está prevista em lei e a escolha é uma prerrogativa do presidente, mas, desde os anos 2000, a Associação Nacional dos Procuradores da República realiza eleições e entrega aos chefes do Executivo os três nomes mais bem colocados na disputa no MPF.

Em junho de 2021, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a indicação de Augusto Aras para um mandato de mais dois anos no comando da procuradoria-geral da República.

Em junho de 2021, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a indicação de Augusto Aras para um mandato de mais dois anos no comando da procuradoria-geral da República. Foto: Dida Sampaio / Estadão

O documento será levado aos candidatos em meio ao segundo mandato de Aras, que foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) sem integrar a lista da entidade. Integrantes do MPF fazem críticas, reservadas e abertas, ao que chamam de alinhamento do PGR com o atual governo.

O presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, afirma que tem procurado os presidenciáveis para tratar de temas de interesse do Ministério Público. Segundo ele, um dos principais assuntos é a lista tríplice, que, na sua avaliação, torna a escolha mais transparente. “Com ela, não tem candidaturas tiradas do peito ou do bolso do paletó”, diz o procurador.

De acordo com Cazetta, os três mais bem votados “são pessoas cujas histórias de carreira passam a ser avaliadas por um número grande de membros” do MPF. Após a indicação do presidente, cabe ao Senado a realização da sabatina e a aprovação do indicado.

Neste momento, os procuradores estão abordando todos os candidatos à Presidência. Até agora, apenas a senadora Simone Tebet (MDB) disse que vai escolher um dos nomes da lista da ANPR. Com Ciro Gomes (PDT), a reunião foi adiada em razão de um desencontro de agendas.

Bolsonaro também deve ser procurado, mas os integrantes do MPF enfrentam dificuldades para identificar um interlocutor. Sob reserva, eles dizem que a conversa será dura, posto que o presidente ignorou a lista por duas vezes.

Tratativas

Sobre Lula e entorno, as investidas se intensificaram mais recentemente, porém, desde 2021, a diretoria da APNR já dialoga com o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), o ex-presidente do PT Rui Falcão e o ex-ministro Eugênio Aragão, que defende a legenda durante a eleição. Dos três nomes, procuradores afirmam ao Estadão que Falcão foi o mais receptivo ao respeito da lista tríplice.

Já Aragão, que foi subprocurador-geral da República, é o mais refratário ao rito da ANPR. O ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff (PT) era próximo do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, mas a amizade acabou em meio à Operação Lava Jato. Petistas reclamam da atuação de Janot à frente da PGR, quando o partido foi alvo de inquérito por envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras.

Investigado, condenado e preso, mas solto por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de reverter o cumprimento da pena após a segunda instância e de anular suas sentenças por erros processuais, Lula não descartou, segundo apurou o Estadão, a lista como critério de escolha, mas pode deixar de indicar o primeiro colocado. O ex-presidente Michel Temer (MDB), por exemplo, escolheu Raquel Dodge, segunda colocada. Pessoas próximas dizem que o petista tem adiado o debate para evitar o assunto na campanha eleitoral.

Luiz Vassallo e Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo, em 01.08.22

domingo, 31 de julho de 2022

Estamos cegos?

Raras vezes houve traficância política tão espúria no Congresso Nacional, em detrimento de um Brasil viável no futuro

Estamos cegos? Plenário da Câmara vota a PEC Eleitoral (Cristiano Mariz/Agência O Globo)

Existe um ponto cego natural no campo de visão de todo ser humano. Mesmo para quem é dotado de visão perfeita, enxerga atrevidamente bem de longe e perto e nunca terá necessidade de usar óculos. Esse ponto cego tem nome — mancha de Mariotte, em homenagem ao físico francês que o descobriu quatro séculos atrás. Nunca nos impediu de tocar a vida. Aliás, podemos ignorar a existência dessa minúscula área da retina de cada olho desprovida de receptores de luz. Isso porque as duas manchas monoculares não se sobrepõem, e nossa visão binocular compensa esse defeito de fábrica que, não fosse assim, nos impediria de ver em toda a amplitude aquilo que olhamos.

O caso do Brasil atual é inverso. A mancha da cegueira nacional não é inata nem pequena. É como se toda a terra, águas, ar e vida nacional estivessem desprovidos de receptores de luz. Uma cegueira que nos impede de reagir àquilo que desfila a nossa frente e que olhamos com os dois olhos bem abertos: a destruição a marretadas de leis, instituições, Estado de Direito, civilidade em sociedade. Ou, pelo menos, assim pareceu ao longo desta semana particularmente sombria. Raras vezes houve traficância política tão espúria no Congresso Nacional, em detrimento de um Brasil viável no futuro. Nesse quesito, igualam-se em cinismo, demagogia e hipocrisia os bolsonaristas e oposicionistas que votaram (469 votos a 17) a favor da PEC de estelionato eleitoral, embrulhada em papel de presente social. Na verdade, não se igualam. Os primeiros foram mais explícitos, não precisavam esconder seu interesse pessoal, os segundos se mostraram mais covardes. Como escreveu Hélio Schwartsman na Folha de S.Paulo no artigo “Falso dilema”, “paro um pouco antes de concluir que, com uma oposição dessas, o Brasil merece mesmo ser governado por Jair Bolsonaro e seus comparsas”.

Além da opção nacional por não querer ver, marchamos rumo ao precipício empunhando um apagão cívico que, a cada ciclo eleitoral, se torna menos desculpável. Segundo dados elaborados pelo Instituto Quaest a pedido do RenovaBR, só 15% dos eleitores brasileiros lembram em quem votaram para o Congresso na eleição de 2018! E, mesmo assim, se consideram no direito de reclamar: mais de 65% dos entrevistados se declararam insatisfeitos com a atuação dos congressistas. Não espanta que mais da metade (55%) admita não saber para que serve um deputado, justo quando a gula de poder no Congresso atinge níveis e$catológicos. Faltam 77 dias para que os 156,4 milhões de brasileiros aptos a votar façam suas escolhas — se é que chegaremos lá em condição de pensar num futuro decente.

Nos 100 anos de sigilo que o bolsonarismo tenta impor à memória nacional, não pode caber também o pretendido apagão da cultura, da educação cívica, ambiental, científica e sexual brasileiras. Como explicar a vida e o Brasil de hoje ao adulto de amanhã que veio ao mundo num hospital público enquanto a mãe era violentada por um anestesista/estuprador em série? Como, no futuro, explicar o Brasil de 2022 ao bebê de 1 mês e à sua irmã de 6 anos que na semana passada perderam o pai, assassinado por gostar de ser petista? O que fará no Brasil de amanhã a menina loirinha de menos de 2 anos com a foto em que aparece como coadjuvante da felicidade familiar, junto a um bolo de aniversário em formato de revólver calibre 38? Sairá atirando na democracia como o avô, tios e pai? Ou terá a chance de conviver com outras gentes?

Está tudo em aberto. Não só aqui, no mundo todo.

Trinta e cinco anos atrás, o historiador americano Arthur M. Schlesinger Jr., um dos conselheiros mais próximos do ouvido de John Kennedy, debruçou-se sobre a despedida do século em que vivia. “Os dois maiores vilões pereceram — o fascismo com um estrondo, o comunismo com um gemido”, escreveu. Acrescentou que o triunfalismo do mundo democrático obscureceu a precariedade dessa vitória. “Se, no século XXI, o sistema falhar na construção de um mundo mais humano, próspero e pacífico, como falhou no século XX, estará lançado o convite para a emergência de credos alternativos assemelhados ao fascismo e ao comunismo”, avisou. Acertou só pela metade — justamente a que nos toca.

Dorrit Harazim, a autora deste artigo, é jornalista e documentarista. Publicado originalmente n'O Globo, em 17.07.22

Bolsonaro é considerado tóxico até por aliados

Quando o partido do ministro da Casa Civil entra na Justiça para impedir que seus candidatos sejam identificados com Bolsonaro, tem-se a exata noção do tamanho da rejeição a ele

É notório o esforço do presidente Jair Bolsonaro em difundir desconfiança contra as urnas eletrônicas e as pesquisas de opinião. O objetivo é transmitir a mensagem de que teria um grande apoio popular, muito maior do que o registrado nas urnas e aquele medido pelos institutos de pesquisa. Afinal, a fantasia bolsonarista inclui alçar Jair Bolsonaro à categoria de líder de uma maioria silenciosa, que estaria incondicionalmente a seu lado.

A farsa só convence quem quiser ser convencido por ela. Jair Bolsonaro teve 57,8 milhões de votos no segundo turno das eleições de 2018, mas seu desgoverno foi capaz de produzir uma altíssima taxa de rejeição, além de ser o presidente da República candidato à reeleição mais mal avaliado desde a redemocratização. Segundo a última enquete realizada pelo Datafolha, 53% dos brasileiros afirmam que não votam em Jair Bolsonaro de jeito nenhum. Vê-se logo por que o bolsonarismo tem verdadeira ojeriza a pesquisas de opinião – afinal, estas retratam uma realidade que esse movimento fanático teima em negar.

Bolsonaristas podem continuar acreditando que seu líder é querido e admirado pela maioria do povo. Mas a farsa recebeu agora um novo capítulo, especialmente vexaminoso, a escancarar a desconexão do discurso do bolsonarismo com a realidade. Segundo informou o Estadão, os principais aliados políticos de Jair Bolsonaro, cientes do caráter tóxico da presença do presidente em suas campanhas, querem escondê-lo de sua comunicação com o eleitor.

Eis a realidade da rejeição do bolsonarismo por parte da população. Até o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressistas-PI), vêm escondendo o presidente Jair Bolsonaro das campanhas próprias e de seus aliados no Nordeste.

Na convenção do PL que definiu Jair Bolsonaro como candidato à reeleição, Arthur Lira vestiu a camisa “Bolsonaro 22”. No entanto, isso era só para satisfazer a patota bolsonarista. Na hora de se comunicar com o eleitorado em Alagoas, o presidente da Câmara – justamente uma das pessoas que mais se beneficiam do orçamento secreto e das relações com o Palácio do Planalto – quer mostrar independência. Em vez de “Bolsonaro 22”, os marqueteiros de Arthur Lira almejam outra mensagem: a do tocador de obras independente e padrinho direto dos recursos para o Estado. Para piorar, Arthur Lira apoia para o governo de Alagoas o senador licenciado Rodrigo Cunha (União Brasil), que é contrário a Jair Bolsonaro.

Houve também o inusitado pedido do diretório estadual do Progressistas no Piauí, controlado por Ciro Nogueira, para que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) proibisse a circulação de imagens de seus candidatos ao lado do presidente. Na ação, o partido do ministro-chefe da Casa Civil – a quem Jair Bolsonaro deu nada mais nada menos do que as chaves do Orçamento Federal – afirma que o presidente da República “possui altíssimo índice de rejeição em pesquisas mais recentes” e que o material que circula no WhatsApp de seus candidatos ao lado de Bolsonaro é fake news. Segundo o Progressistas, diante da alta impopularidade do presidente, eles serão prejudicados se aparecerem vinculados a Jair Bolsonaro.

O TRE do Piauí negou o pedido do Progressistas. “Está claramente nos limites da liberdade de expressão e comunicação”, disse a sentença, prolatada em junho deste ano. Certamente, é muito importante que o eleitor saiba, na hora de definir o seu voto, quem tem dado apoio e sustentação a Jair Bolsonaro.

As eleições são território de falsas promessas e de crescente desinformação. Mas elas também revelam muitas coisas. O processo eleitoral tem uma nota de realismo. Políticos sabem quem tem potencial de voto e quem horroriza o eleitor. Ao longo desses três anos e meio – sua primeira função na esfera do Executivo –, Jair Bolsonaro construiu e consolidou sua reputação de governante despreparado, irresponsável, conflituoso e que não é afeito ao trabalho. A alta rejeição não é fruto do acaso, mas simples consequência de seus atos.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 31.07.22

sábado, 30 de julho de 2022

Equipe econômica da campanha de Tebet ganha reforço de Edmar Bacha

 Ele já presidiu o BNDES, o IBGE e foi um dos criadores do Plano Real.

 Edmar BachaEdmar Bacha e Simone Tebet Ag. O Globo

Legitimada pela na última quarta-feira pela convenção do MDB, a campanha de Simone Tebet começou a recrutar novos quadros para reforçar os planos da presidenciável. Sobretudo no desenvolvimento do plano de governo. A convite de Elena Landau, cérebro econômico da candidatura, Edmar Bacha se juntou à equipe e vai cuidar da área de macroeconomia. Ele já presidiu o BNDES, o IBGE e foi um dos criadores do Plano Real.

João Paulo Saconi / Coluna de Lauro Jardim / O Globo, em 30.07.22

Ex-membros da gestão Doria trabalharão em programa de governo de Tebet

Rossieli Soares e João Gabbardo contribuirão nas áreas de educação e saúde, respectivamente


Senadora Simone Tebet, candidata à Presidência da República (MDB, PSDB, Cidadania)

O ex-ministro Rossieli Soares (PSDB) e o ex-prefeito de Porto Alegre José Fogaça (MDB) trabalharão na parte de educação do programa da senadora Simone Tebet (MDB).

O médico João Gabbardo, secretário-executivo do Ministério da Saúde durante a pandemia, colaborará com o programa em sua área.

Soares ocupou o cargo de secretário de Educação do governo de São Paulo durante a gestão João Doria (PSDB) até abril, quando deixou o posto para lançar candidatura a deputado federal. Na gestão, trabalhou com Gabbardo, que foi coordenador-executivo do Comitê Científico do estado.

Publicado originalmente no Painel da Folha de S. Paulo, em 30.07.22

Primeiros candidatos registrados no TSE declaram ter em casa R$ 5,6 milhões em dinheiro

Até a sexta-feira, 757 políticos tinham nome inscrito no tribunal; juntos, eles têm um patrimônio de R$ 668,5 milhões

Os primeiros políticos que pediram registro de candidatura ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declararam, juntos, ter mais de R$ 5,6 milhões em dinheiro em espécie, em moeda nacional e estrangeira, guardados em casa. Dos 757 candidatos registrados até esta sexta-feira, 29, na Corte, 78 disseram ter quantias em dinheiro vivo. Desses, 28 têm ao menos R$ 50 mil em cédulas.

O resultado ainda parcial do registro de candidaturas mostra que o patrimônio desses políticos é de R$ 668,5 milhões em bens, entre imóveis, automóveis, aeronaves e participação em empresas.

A informação sobre os bens é feita por meio de autodeclaração e a Justiça Eleitoral não submete o patrimônio apresentado por candidatos à averiguação. Em alguns casos, porém, o Ministério Público Eleitoral pode entender que há prejuízo à interpretação do eleitor sobre o candidato e oferecer denúncia por falsidade ideológica.

Não é considerado crime deixar cédulas guardadas em casa. Altas quantias, porém, costumam gerar dúvidas sobre a origem dos recursos.

Na lista dos que inauguraram o registro de candidatura neste ano, o que apresentou o maior patrimônio em espécie foi o vereador do Rio de Janeiro Luciano Vieira (PL), que tentará uma vaga de deputado federal: R$ 1 milhão. Quando se elegeu para a Câmara Municipal, em 2020, declarou R$ 770,2 mil, no somatório de todas as posses. Agora, os bens declarados pelo vereador somam R$ 7,6 milhões. Um aumento de cerca de dez vezes em apenas dois anos. Ele não foi localizado ontem.

Em segundo lugar, aparece o candidato a deputado federal Elio Lacerda (Patriota-MG), com R$ 511 mil em dinheiro declarados. Depois dele, Sargento Hamilton (Patriota-MG), postulante à Assembleia Legislativa, com R$ 400 mil em espécie. Os montantes em espécie declarados variam de R$ 1 milhão a R$ 40. O candidato que declarou ter R$ 40 é o advogado Edney Duarte Jr. (Novo), que pretende concorrer a um assento na Assembleia paulista. Também postulante ao cargo de deputada estadual pelo Novo em São Paulo, Carol da Banca disse ao TSE ter R$ 200 em espécie.

Nas eleições de 2018, 2.540 candidatos declararam, somados, R$ 313 milhões em espécie, de um total de R$ 24,2 bilhões em bens. Pela primeira vez, em razão da Lei Geral da Proteção de Dados (LGPD), os bens declarados, como imóveis e carros, passaram a não ser detalhados pelo TSE. A base de dados permite apenas uma consulta genérica, sem qualquer referência a endereços e modelos, por exemplo.

O deputado Helio Lopes (PL-RJ) disse, na eleição de quatro anos atrás, não ter nada em seu nome. Desta vez, declarou à Justiça dois terrenos de R$ 18 mil cada. Já Altineu Côrtes (PL-RJ), líder do partido na Câmara, disse ter perdido patrimônio de uma eleição para outra. Os R$ 3,9 milhões em bens passaram a ser R$ 1,2 milhão. O deputado Carlos Jordy (PL-RJ), candidato à reeleição, declarou R$ 122 mil, ante R$ 102 apresentados em 2018.

Vinícius Valfré para o Estado de S. Paulo, em 30.07.22

‘Arma de fogo pode garantir liberdade no futuro’, diz Bolsonaro

Presidente voltou a defender armamento da população durante convenção que oficializou o deputado Major Vitor Hugo como candidato ao governo de Goiás

O presidente Jair Bolsonaro posa em estande de tiro do Comando da PF 

Em nova defesa do armamento da população, o presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou nesta sexta-feira, 29, que as armas podem garantir a “liberdade” no futuro. “Arma de fogo é a garantia que o cidadão pode dar à sua família e, quem sabe, garantir sua liberdade no futuro”, disse.

Bolsonaro discursou na convenção do PL de Goiás, que oficializou o deputado federal Major Vitor Hugo (PL) candidato ao governo local. Ele foi líder do governo Bolsonaro na Câmara de 2019 a 2020.

A convenção do PL aconteceu no Clube Jaó, em Goiânia. A vaga de vice de Vitor Hugo ainda não foi definida e Wilder Morais (PL) é o candidato ao Senado, em chapa pura. Morais foi senador de 2012 a 2019, após assumir o cargo de Demóstenes Torres, cassado por favorecimento ao bicheiro Carlinhos Cachoeira.

A chapa bolsonarista tem o apoio do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), filiado ao PSD de Gilberto Kassab. No plano nacional, o PSD deve liberar suas bancadas no primeiro turno.

Antes de chegar à convenção do PL goiano, Bolsonaro participou de “motociata” com apoiadores. Ele foi recebido no ato político ao som do jingle “Capitão do Povo”, da dupla Mateus e Cristiano, e tirou fotos com apoiadores.

No discurso, Bolsonaro voltou a resgatar a facada que sofreu na campanha de 2018. “Me acusam de violência política, mas quem sofreu facada fui eu”, afirmou. “No nosso governo, apareceram falsas denúncias de corrupção. Se aparecer algo concreto, ajudamos a apurar”, acrescentou, sem citar escândalos como a prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro por suposta corrupção passiva no gabinete paralelo montado na pasta e revelado pelo Estadão.

O presidente ainda disse que ele e Vitor Hugo, se eleitos, teriam afinidades. “O outro lado quer destruir valores familiares, liberar as drogas no Brasil”, declarou Bolsonaro ao ressaltar o lado conservador do aliado.

Eduardo Gayer para o Estado de S. Paulo, em 29.07.22

Bolsonaro é blefe ou ameaça séria?

Podemos ser arrastados para um desastre, mas não por desatenção ou por grave erro de avaliação, como aconteceu na Alemanha.

Hitler e seus militares,

É voz corrente que Jair Bolsonaro tenta aliciar uma parte dos militares e das polícias estaduais para um golpe de Estado, mas desatinar é uma coisa, levar o desatino à prática é outra.

Tal desvario é levado a sério por muitas pessoas lúcidas, e antes isso, pois, como sabemos, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Comparar o Brasil de hoje com a Alemanha da primeira metade do século passado não faz muito sentido, mas vale a pena registrar que a revista Foreign Affairs, numa recente edição retrospectiva, mostrou que vários jornalistas de primeira grandeza ainda se recusavam a crer que Hitler fosse mesmo levar suas alucinações à prática quando seu regime totalitário já estava praticamente implantado. No final de 1944, cerca de 100 mil opositores do nacional-socialismo, entre os quais comunistas, social-democratas e liberais, além de judeus e homossexuais, começavam a ser amontoados em campos de concentração. A pseudociência da “eugenia” começava a ser posta em prática mediante assassinatos e castração de indivíduos pertencentes a “raças inferiores”, como os ciganos. Contudo, em que pese aquele monstruoso precedente, não creio que Bolsonaro ponha em prática suas elucubrações golpistas, ou que permaneça sequer um mês no poder, caso o faça.

Embora mais vitriólico que a média dos populistas, ele é isto: um simples populista. Como todos dessa categoria, ele ostenta uma mescla de traços contraditórios. De um lado, um certo senso de realidade, que lhe permite espertamente atingir posições de poder; do outro, um apego a mitos, blefes e bravatas, que cedo ou tarde leva seus anseios à bancarrota. O que não ostentam, porque dele carecem, é ânimo para governar com seriedade. Todos nos lembramos de Jânio Quadros. Eleito presidente em 1960, ele renunciou oito meses depois acreditando no mito por ele mesmo criado de que “forças ocultas” o estariam impedindo de governar. Imaginou que o povo o carregaria nos ombros de volta ao palácio. Ficou a ver navios. Bolsonaro está cumprindo um roteiro semelhante. Se perder, como é provável, vai esgrimir a asnice da fraude eleitoral, sua versão das “forças ocultas” de Jânio Quadros.

O que não podemos é subestimar o estrago que políticos desse tipo podem causar ao País. Embora pessoalmente eu não creia que Bolsonaro vá muito longe, ou que consiga se manter na Presidência se de fato recorrer ao golpe, não podemos descartar a possibilidade de suas manias arrastarem o País para um buraco. Daí a conveniência de ponderarmos algumas das forças em tese capazes de protagonizar ações relevantes, de apoio ou resistência ao golpe anunciado. Refiro-me, em especial, (1) aos partidos políticos, (2) ao Congresso Nacional e (3) à opinião pública, incluindo nesta última a imprensa, instituições da chamada “sociedade civil” e, no limite, manifestações de massa.

Os partidos políticos podem ser descartados, pela singela razão de que já não os temos. Sabemos todos que nossa estrutura partidária praticamente se liquefez na eleição de 2018. Naquele ano, 24 siglas conseguiram acesso à Câmara federal, a maior delas detendo cerca de 15% das cadeiras – cifras suficientes para assegurarmos por larga margem o título de campeão mundial da fragmentação partidária, que, aliás, nos pertence há muito tempo. Mas a fragmentação é apenas uma parte da história. Ferreamente controladas por oligarquias, tais organizações não se renovam, não desenvolvem perfis programáticos e, não por acaso, carecem por completo de confiabilidade.

Precisamente porque nossos partidos são o que são, o Congresso é um desconexo aglomerado de especialistas em trocas clientelistas de apoio por cargos no Executivo. Trocam qualquer coisa por qualquer coisa, como vimos poucas semanas atrás, quando o Senado, quase por unanimidade – ficando o senador José Serra como uma solitária exceção –, atropelou as mais comezinhas regras do jogo eleitoral a fim de turbinar com R$ 41 bilhões a campanha do sr. Bolsonaro. Quem quiser mapear a atual anatomia do Legislativo, forçosamente terá de começar pela entidade que o domina, o Centrão. Se Jair Bolsonaro tivesse êxito em seu propalado intento de golpear o regime democrático, ele faria exatamente o que já vem fazendo, ou seja, delegará a essa pitorescamente denominada figura a tarefa de acomodar seus acólitos na máquina do Estado e de mandar a fatura aos contribuintes.

Contudo, errará por larga margem quem supuser que Bolsonaro ou qualquer outro interessado em solapar as instituições atingirá seu objetivo nadando de braçadas. Salta aos olhos que a sociedade está despertando do estado abúlico em que afundou desde os tempos da sra. Dilma Rousseff, senão antes. Entidades importantes como a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e a Academia Paulista de Letras já começaram a soar o alerta. Muitas outras logo seguirão pelo mesmo caminho. Ou seja, podemos ser arrastados para um desastre, mas não por desatenção ou por algum grave erro de avaliação, como aconteceu na Alemanha.

Bolívar Lamounier, o autor deste artigo, é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, Bolívar Lamounier escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto d'O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente, em 30.07.22

Para 73% dos eleitores, há corrupção no governo Bolsonaro

Pesquisa Datafolha mostra que índice é maior entre jovens (86%) e entre quem reprova a gestão do presidente (94%).

Pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira (29/07) mostra que 73% dos entrevistados acreditam que há corrupção no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) - 19% responderam que não há corrupção, e 8% não souberam responder. A corrupção, no entanto, é apontada como o maior problema do Brasil por apenas 3% dos eleitores.

Em levantamento do Instituto Datafolha divulgado há dois meses, 70% disseram que havia atos de corrupção no governo, 23% que não e 7% não souberam responder.

De acordo com a pesquisa, o índice de pessoas que acreditam haver corrupção é maior entre os jovens (86%) e entre quem reprova o governo Bolsonaro (94%).

Por outro lado, entre os eleitores do presidente, 49% dizem que não há corrupção. Entre os que aprovam a gestão do presidente, 51% acreditam não haver atos corruptos.

A pesquisa também questionou os eleitores sobre qual o maior problema do Brasil: 20% responderam que é a saúde. Em seguida vem economia (13%), desemprego (10%), fome e miséria (10%), inflação (9%), educação (9%) e violência urbana (6%).

A pesquisa ouviu 2.566 eleitores de 183 municípios brasileiros nesta quarta e quinta-feira. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.

Intenções de votos

Na quinta-feira, o Datafolha divulgou levantamento sobre a corrida ao Planalto. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparece com 47% das intenções de votos nas eleições de outubro, 18 pontos à frente do presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem 29%.

Em relação à pesquisa Datafolha anterior, publicada em 23 de junho, Bolsonaro subiu um ponto, e Lula permaneceu com o mesmo percentual.

Em terceiro lugar, aparece o ex-governador de Ceará Ciro Gomes (PDT), com 8%, mesmo patamar da pesquisa anterior. Simone Tebet (MDB) tem 2%, e André Janones (Avante), Pablo Marçal (Pros) e Vera Lúcia (PSTU) aparecem com 1% cada. Votos em branco e nulos somam 6% e não sabem/não opinaram, 3%.

A pesquisa foi a primeira após o lançamento oficial das principais candidaturas e também a primeira após o Congresso aprovar um grande pacote de auxílios sociais, que ainda parece não ter se refletido positivamente para Bolsonaro.

Considerando apenas os votos válidos - que excluem brancos/nulos - Lula aparece com 52%, e poderia já vencer no primeiro turno. Bolsonaro registra 32% dos válidos. O terceiro colocado, Ciro Gomes, aparece com 9%.

Em um eventual segundo turno, Lula venceria com 55% dos votos, contra 35% de Bolsonaro. Entre os entrevistados, 7% disseram que não votariam em nenhum dos dois candidatos, e 2% se mostraram indecisos. No levantamento anterior, de junho, Lula venceria por 57% a 34%.

Em um cenário entre Lula e Ciro, o ex-presidente venceria por 52% a 33%, com 14% de votos nulos ou brancos e 2% de indecisos. 

Em uma disputa com Bolsonaro, Ciro venceria com 51% dos votos contra 38% do atual presidente. Brancos e nulos somariam 10% e indecisos, 2%.

Rejeição de Bolsonaro

Segundo o Datafolha, 53% dos eleitores não votariam de forma alguma em Bolsonaro - de longe a maior rejeição entre todos os candidatos. Lula registra 36% de rejeição, e Ciro Gomes (PDT), 25%.

O atual presidente também voltou a registrar maus índices de aprovação do seu governo. Em outra pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira, 45% dos entrevistados reprovaram o governo. Segundo o instituto, esse é o pior desempenho de um candidato à reeleição a esta altura do mandato desde que a possibilidade de um segundo mandato consecutivo no Executivo foi criada, em 1997. Apenas 28% dos brasileiros aprovam o governo Bolsonaro.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 30.07.22 (https://www.dw.com/pt-br/para-73-dos-eleitores-h%C3%A1-corrup%C3%A7%C3%A3o-no-governo-bolsonaro/a-62655008)

sexta-feira, 29 de julho de 2022

A ‘fé no taco’ petista arruinou o País

Lula afirma que o teto de gastos só se impõe a governos sem credibilidade. Fato: a âncora fiscal se tornou um imperativo justamente porque petistas destruíram credibilidade do governo

Em recente entrevista ao portal UOL, Lula da Silva (PT) disse o seguinte: “Quando você faz uma lei de teto de gastos é porque você é irresponsável, porque você não confia em você, não confia no seu taco”. O candidato acrescentou que, caso seja eleito, não precisará governar com um teto de gastos porque a âncora fiscal só faz sentido, em sua visão, quando o governo “não tem credibilidade para garantir estabilidade e previsibilidade” aos agentes econômicos. Lula tem razão.

De fato, um presidente responsável e imbuído de espírito público até pode prescindir de um controle mais rigoroso dos gastos públicos, pois conhece muito bem os efeitos perversos da gastança desenfreada sobre a população, sobretudo os mais vulneráveis. O que Lula, malandramente, escondeu do distinto público é que o teto de gastos só foi instituído pela Emenda Constitucional (EC) 95, durante o governo de Michel Temer, porque sua cria, Dilma Rousseff, feriu de morte a racionalidade na elaboração do Orçamento da União e corroeu a confiança no governo.

O resultado desse voluntarismo petista é tristemente conhecido pelos brasileiros: a pior recessão econômica de toda a série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 1948. Até hoje, a conta desse descalabro é paga pelos contribuintes.

Na entrevista, Lula tentou enganar a população ao difundir a falácia de que a “Faria Lima”, aludindo ao centro financeiro da capital paulista, teria “obrigado” o governo Temer a criar o teto de gastos. Ora, para começar, a EC 95 foi uma construção coletiva do Palácio do Planalto e do Congresso, fruto do entendimento entre os dois Poderes e após ampla discussão na sociedade de que algo havia de ser feito para reorganizar as finanças públicas, destroçadas pela política econômica de Dilma. Ao fim e ao cabo, o teto de gastos se impôs justamente para que a credibilidade do governo federal, corroída pela ex-presidente, fosse restabelecida.

Tanto pior é o fato de que Lula, hoje o candidato mais bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto, tem anunciado previamente que será, ele também, um irresponsável. É disso que se trata. O petista tenta ludibriar os eleitores sobre a motivação original para a criação do teto de gastos e, como consequência desse embuste, promete governar por mágica, como se dinheiro brotasse do chão a seu comando e em respeito a seus desejos. Se assim for, sua vitória tem tudo para ser uma reprise do desastre de 2014-2016.

Ao dizer que “não precisará” do teto de gastos para governar, Lula se mostra disposto, assim como Dilma, a dilapidar o Tesouro em nome de seu projeto de poder. É tudo o que o País, definitivamente, não precisa após a ruína das contas públicas decorrentes da irresponsabilidade populista dos governos petistas e, nos últimos três anos e meio, do presidente Jair Bolsonaro, ele mesmo um dos algozes do teto de gastos. Nesse ponto, Lula e Bolsonaro podem dar as mãos.

Ao fim e ao cabo, discutir a pertinência do teto de gastos significa falar sobre a qualidade da democracia representativa que queremos para o Brasil. O Orçamento da União é – ou ao menos deveria ser – o retrato mais bem acabado da concertação nacional em torno das prioridades na alocação dos recursos públicos, que são finitos. Há de ter, pois, espírito público e muita responsabilidade na sua elaboração e na sua execução. Um país, como um lar, não tem condições de dar qualidade de vida para seus habitantes quando as contas estão em desarranjo, quando gasta mais do que ganha.

Seja qual for seu matiz partidário ou ideológico, para que um governo possa implementar políticas públicas sustentáveis, das quais depende o bem-estar de milhões de brasileiros, é preciso antes de tudo haver dinheiro. Boas políticas públicas exigem responsabilidade fiscal. A forma mais segura e democrática de viabilizar essas políticas é negociar bem a alocação dos recursos orçamentários. A outra, bem mais fácil, é criar uma peça de ficção orçamentária e ver no que dá. O País já conhece o final dessa história.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, 29.07.22


Estamos esperando o quê?

Há muitas pessoas que detêm o poder político e o econômico no nosso país que não assumem sua responsabilidade como elite.

Nossas elites menosprezam a cara da revolta. Aparentam não ter olhos para ver os sinais de agravamento da miséria e do esgarçamento do tecido social e político do País. Será que o Brasil precisa aumentar mais a desigualdade, deteriorar ainda mais as condições ambientais e ameaçar mais e mais a democracia para que a insatisfação se torne visível?

Parte significativa da nossa elite, em sua insensibilidade e ignorância, não vê a potencialidade destruidora de uma força social descontrolada, desorganizada e crescente, dos que já não têm mais nada a perder e que poderão passar a agir no tudo ou nada. Pessoas invisibilizadas, discriminadas e desesperançadas são capazes de explodir como uma horda desenfreada, pronta para ultrapassar todo tipo de barreira e quaisquer limites.

A contagem regressiva se acelera com o aprofundamento do fosso que separa brasileiros pela cor da pele, pela região, condição social, orientação sexual, opção religiosa, por preferências políticas e tendências ideológicas. Nessas clivagens segregacionistas, viver ou morrer tende a ser indiferente para os que têm a vida relegada a níveis sub-humanos; e os efeitos desse tipo de apatia são devastadores.

O mundo dito civilizado caminha para o mundo da barbárie. Sinais disso são que o nazifascismo está voltando, a guerra assombra o mundo mais uma vez, intensificam-se as crises migratórias, energéticas e alimentícias e a cultura do Velho-Oeste estadunidense se infiltra nas sociedades. No Brasil, a propagação do ódio, a discriminação dos contrários, o cultivo do medo, a disseminação de notícias falsas, a demonização dos meios de comunicação e a destruição de reputações esterilizam o livre debate de ideias, que é o único caminho para a construção de soluções compartilhadas e duradouras.

O nosso país está dividido em dois blocos preocupantemente assimétricos: um pequeno, dos que têm acesso; e um gigante, dos que não o têm. E a pior desigualdade é a impossibilidade de acesso, que resulta na carência de meios para a realização individual e coletiva e na desumanização do viver. A educação, que é condição indispensável para o viver bem e para a ascensão social, não produzirá seus efeitos benéficos enquanto a escola pública brasileira não atingir padrão semelhante ao das escolas privadas; com isso, as discrepâncias continuarão sufocando aqueles que não têm acesso.

Os brasileiros não precisam de esmola nem deveriam ser tratados como fracos, inferiores e incapazes, como historicamente tem sido. A fraqueza, a inferioridade e a incapacidade nascem dos preconceitos dos poucos que, ao longo da nossa história, vêm tendo acesso às benesses civilizatórias, e se acomodaram no falso conforto da indiferença. A gravidade dessa deformação é tão destruidora que pioramos continuamente as diferenças entre os privilegiados e os apartados.

A bem da verdade, há muitas pessoas que detêm os poderes político e econômico no nosso país que não assumem sua responsabilidade como elite. Fazem com que as coisas públicas sejam confundidas com coisas que não têm dono. Esse desrespeito com o que é comum está na base do bloqueio ao acesso dos que não têm o suficiente para morar, se locomover, se comunicar, comer, se divertir, cuidar da saúde, se vestir e se educar dignamente.

Diante deste cenário de desarranjos e de injustiças, e considerando as eleições presidenciais que se aproximam, é evidente que a governabilidade do País não estará inteiramente nas mãos nem do ex-presidente Lula nem do atual presidente Bolsonaro, os dois candidatos que lideram todas as pesquisas de preferências realizadas até agora.

Quem acredita que Lula vitorioso conseguirá governar adequadamente tendo os bolsonaristas desencadeando ações agressivas, instigadas pelo perdedor? Ou, ao contrário, quem acredita que, se Bolsonaro ganhar, a crise nacional, nos campos político, econômico e social, não se agravará ainda mais?

Quem desconsidera o fato de parte da população estar sendo estimulada a se armar e a reagir àquilo de que discorda? Quem acredita que centenas de milhares de pessoas fanatizadas e armadas poderão ser controladas em eventuais desatinos?

Como fica a imagem do País, quando o presidente da República, perante o mundo, ataca sem provas nosso sistema eleitoral, o mesmo que o elegeu, e tenta desmerecer as autoridades constitucionalmente responsáveis por este sistema reconhecido internacionalmente por sua excelência e confiabilidade?

Como poderá desenvolver-se um país sendo repudiado pela comunidade internacional? O que acontecerá ao Brasil, se formos submetidos a boicotes?

O desmatamento da Amazônia, por exemplo, é algo tão grave quanto a desconstrução da democracia. O respeito pelo meio ambiente e os processos políticos de diálogo são valores perseguidos pelas pessoas que em todo o mundo defendem o crescimento humanizado e a convivência harmoniosa.

Compete a nós, integrantes das elites brasileiras, assim como a toda a sociedade, opormo-nos de forma clara aos ataques à democracia para fortalecer a ordem pública nacional e o Estado de Direito constitucional, saindo da passividade e da contemplação para agirmos com efetividade nos nossos ambientes de influência.

Amarílio Macêdo, o autor deste artigo, é empresário, CEO da holding do Grupo J. Macedo e Conselheiro do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial / IEDI. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 29.07.22.

Inaceitável chantagem

Bolsonaristas tentam coagir Justiça Eleitoral com ameaça de tumulto caso as exigências do presidente não sejam atendidas. Ora, se Bolsonaro não aceita as regras do jogo, não o dispute

O Estadão informou que o governo de Jair Bolsonaro realiza uma operação de bastidores para tentar convencer o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a adotar propostas do Ministério da Defesa sobre as urnas eletrônicas nas eleições de outubro. Segundo fontes do governo, essa negociação tem o objetivo de evitar reações violentas de bolsonaristas no 7 de Setembro e no dia das eleições. Nessas tratativas, há a indicação de que o acatamento das propostas por parte da Justiça Eleitoral seria também um modo de acalmar o próprio presidente Jair Bolsonaro, evitando que ele adote alguma atitude de incentivo a distúrbios e outras confusões.

Essa negociação é um completo disparate, rigorosamente inconstitucional. Em primeiro lugar, o Poder Executivo não tem nenhuma competência sobre as atribuições da Justiça Eleitoral a respeito das eleições. Toda pressão do governo federal para que o TSE faça mudanças nos procedimentos relativos às urnas é exercício abusivo da função pública.

Em segundo lugar, as sugestões do Ministério da Defesa, feitas no âmbito de um órgão consultivo da Justiça Eleitoral, são apenas isto: sugestões. O TSE não tem nenhuma obrigação de aceitar, tampouco de oferecer contrapartidas. Não existe, não pode existir, uma “negociação” entre Ministério da Defesa (ou outro órgão da administração federal) e Justiça Eleitoral, pelo simples e cristalino motivo de que o Ministério da Defesa (ou outro órgão da administração federal) não tem competência sobre as eleições.

Junto com outras entidades, o Ministério da Defesa foi convidado a oferecer sugestões sobre o processo eleitoral. Não lhe foi atribuída nenhuma competência adicional, como se pudesse interferir nas decisões da Justiça Eleitoral ou fazer barganhas públicas sobre as eleições.

Como se não bastasse essa atuação fora dos trilhos institucionais, há uma agravante muito séria nessa pretensão de interferir às vésperas das eleições no processo eleitoral: a chantagem. Quando o presidente e seu entorno sugerem que não têm como controlar a reação de seus apoiadores caso as propostas do Ministério da Defesa não sejam adotadas, configura-se inaceitável tentativa de coagir a Justiça Eleitoral.

Ora, não deveria ser necessário recordar que o respeito às leis e às normas eleitorais deve ser incondicional. Se Bolsonaro não aceita as regras do jogo nem reconhece a autoridade do árbitro, deve retirar-se da disputa. Insinuar que pode haver violência se Bolsonaro não puder ditar o regulamento das eleições beira o gangsterismo. Não é assim que funciona no Estado Democrático de Direito.

É preciso dizer, no entanto, que o presidente não se daria por satisfeito mesmo que todas as exigências bolsonaristas fossem atendidas, porque não lhe interessa o processo eleitoral, mas apenas o resultado da eleição: a esta altura já está claro que Bolsonaro não aceitará outro desfecho que não seja sua vitória.

Além disso, a chantagem sobre a Justiça Eleitoral é uma incrível inversão de responsabilidades. Desde a redemocratização, as eleições no País têm sido pacíficas. Mesmo nas mais ferrenhas disputas, nunca houve nada que se assemelhasse minimamente à confusão que vem sendo insinuada por bolsonaristas, a respeito de uma possível “convulsão social”, com participação de grupos armados. Se hoje há o risco de eventos violentos no 7 de Setembro ou no dia das eleições, isso é consequência direta do comportamento de Jair Bolsonaro, que não faz nenhum esforço para desestimular a violência. Ao contrário: o presidente estimula o tumulto com suas dúvidas sobre o processo de votação e suas invectivas contra a Justiça Eleitoral. 

Que a lei seja rigorosamente aplicada sobre todos os arruaceiros das eleições. A paz social e a ordem pública na campanha eleitoral e no dia do pleito são temas muito sérios. Não são moedas de troca. Assim como todos os que desejam se candidatar nas próximas eleições, o presidente Jair Bolsonaro tem o dever de promover a paz. Se não o faz, coloca-se à margem das regras do jogo, com consequências nefastas. Há lei no País, e deve valer para todos.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 29.07.22

Mais da metade dos eleitores rejeita votar em Bolsonaro

Datafolha aponta que 53% do eleitorado não votaria no presidente de jeito nenhum. Lula, favorito para vencer a disputa, registra 36% de rejeição. Pacote de auxílios sociais ainda não se refletiu na aprovação do governo.

Jair Bolsonaro segue como o candidato à Presidência mais rejeitado pelos eleitores brasileiros, segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira (28/07). O levantamento aponta que 53% dos eleitores não votariam de forma alguma no atual presidente, que concorre à reeleição. É de longe a maior rejeição entre todos os candidatos.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que aparece como favorito na disputa presidencial, registra 36% de rejeição. Ciro Gomes (PDT), terceiro colocado na disputa, tem 25% de rejeição entre os eleitores. No momento, a disputa para o Planalto é dominada por Lula, que tem 52% das intenções de votos válidos, contra 32% de Bolsonaro e 9% de Ciro Gomes, segundo o Datafolha.

Outros candidatos registram entre 15% e 19% de rejeição, mas o Datafolha aponta que os números mais baixos ocorrem porque eles são praticamente todos desconhecidos da maioria do eleitorado. Um exemplo é o caso de Simone Tebet (MDB), que registra 16% de rejeição, mas que é conhecida por apenas 24% dos eleitores - contra os índices acima de 95% de Lula e Bolsonaro. Na última pesquisa Datafolha para a eleição presidencial, Tebet registrou apenas 2% das intenções de votos totais.

Os índices são semelhantes aos da pesquisa anterior feita pelo Datafolha, divulgada na última quinzena de junho. A variação ocorreu dentro da margem de erro. Na pesquisa do mês passado, 55% dos eleitores afirmaram que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum. No caso de Lula, o índice foi de 35%.

Os levantamentos do Datafolha divulgados nesta semana também exibiram outros números negativos de Bolsonaro. Na fatia do eleitorado jovem, de 16 a 29 anos em 12 capitais, a rejeição de Bolsonaro chegou a 67% dos entrevistados; Lula registrou 32%, seguido por Ciro Gomes (PDT), com 22%.

Bolsonaro tem 45% de reprovação

O atual presidente também voltou a registrar maus índices de aprovação do seu governo. Em outra pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira, 45% dos entrevistados reprovaram o governo. Segundo o instituto, esse é o pior desempenho de um candidato à reeleição a esta altura do mandato desde que a possibilidade de um segundo mandato consecutivo no Executivo foi criada, em 1997. Apenas 28% dos brasileiros aprovam o governo Bolsonaro.

Em relação à pesquisa anterior o presidente até registrou uma oscilação positiva, mas dentro da margem de erro. No levantamento de junho, 47% dos brasileiros avaliaram seu governo como ruim ou péssimo. E 26% consideraram seu governo bom ou ótimo.

A nova pesquisa foi a primeira após o lançamento oficial das principais candidaturas e também a primeira após o Congresso aprovar um bilionário pacote de auxílios sociais, que recebeu críticas por pressionar ainda mais as contas públicas e ser considerado eleitoreiro. Mas, como os números de rejeição, aprovação e intenção de voto mostram, os efeitos do pacote ainda não mudaram a visão negativa que boa parte dos eleitores brasileiros têm de Bolsonaro.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 29.07.22 (https://www.dw.com/pt-br/mais-da-metade-dos-eleitores-n%C3%A3o-votaria-em-bolsonaro-de-jeito-nenhum/a-62641716)

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Vitória do espírito democrático

Ao insistir em sua candidatura, a despeito da oposição em seu próprio partido, Simone Tebet mostra apreço pelo debate democrático, o que inexiste na guerra entre Lula e Bolsonaro

A confirmação de Simone Tebet como candidata do MDB à Presidência da República foi uma vitória pessoal da senadora, diante da enorme resistência de caciques do próprio MDB que ainda defendem a adesão do partido à candidatura do petista Lula da Silva. Foi também uma vitória do espírito democrático.

Em que pesem as diferenças de estilo e objetivo que podem ser apontadas entre Lula da Silva e Bolsonaro, ambos encarnam candidaturas com inequívoco viés populista. Um e outro apostam alto na mistificação em torno de suas figuras, apresentando-se como os únicos representantes das reais aspirações do “povo” e os únicos capazes de evitar todo o mal que o outro poderá causar ao País caso seja eleito. Tanto é assim que, do alto das posições que ocupam nas pesquisas de intenção de voto no momento, Lula e Bolsonaro se sentem desobrigados a debater entre si e com os adversários, o que configura inaceitável desrespeito aos eleitores e um desdém pela própria ideia de democracia. Lula pensa que basta se apresentar ao País como o anti-Bolsonaro para merecer a confiança da maioria dos eleitores. Para o incumbente, idem, apenas com o sinal trocado. E é assim, ao rés do chão, que os dois populistas discutem o que será do Brasil nos próximos quatro anos.

É por isso que candidaturas alternativas, como a de Simone Tebet, têm potencial para qualificar esse debate, como contraponto a essa guerra entre inimigos figadais a que Lula e Bolsonaro pretendem reduzir a eleição. Tebet fez bem à democracia ao insistir em se candidatar, a despeito das inúmeras sabotagens de partidos aliados e até mesmo de alas do próprio MDB, que se preocupam apenas em melhorar as chances do partido no futuro Congresso.

A existência de uma candidatura do centro democrático é muito importante para o País. É fundamental que os valores e as ideias da democracia liberal estejam em circulação e que os eleitores tenham condição de conhecê-los. Se esses valores e ideias têm potencial para vencer uma eleição, só as urnas dirão. Mas ganhar ou perder faz parte do jogo democrático, e, se o futuro reservar ao País mais um governo populista irresponsável, como as pesquisas ora indicam, é tarefa dos democratas qualificar a oposição, hoje desfigurada por interesses paroquiais e fisiológicos. 

É claro que todo partido e todo candidato disputam eleições para ganhar, pois não há sentido em mobilizar eleitores e fundos se não for para exercer o poder. No entanto, a atual campanha mostra que muitos estão disputando o poder pelo poder, sem se preocuparem com projetos de país nem com ideologia. Esses cupins da República se unem aos favoritos na corrida presidencial não por afinidade política, mas exclusivamente por cálculo de potencial de votos para a formação de bancadas que lhes garantirão maior acesso ao dinheiro público que financia campanhas e luxos.

A tal ponto chegou essa desfaçatez que partidos estão leiloando o “passe” de possíveis candidatos com bom potencial de votos, como mostrou recente reportagem do Estadão. Com oferta de até R$ 1 milhão, nomes são disputados não por suas propostas para o País, mas apenas por sua eventual capacidade de “puxar votos” – isto é, iludir o maior número possível de eleitores.

Num ambiente assim, não surpreende que o mundo político se divida hoje entre Lula e Bolsonaro, os dois mais bem posicionados nas pesquisas – e, portanto, com maior potencial de transferência de votos para quem os apoiar. Partidos indignos do nome flertam com um e com outro como escolhem uma fruta na feira, sem qualquer preocupação com o futuro do País.

Diante disso, quem acredita na democracia como uma disputa de ideias precisa defender alternativas, mesmo que, à primeira vista, pareçam eleitoralmente fadadas ao fracasso. 

Mas os brasileiros ainda não estão condenados a escolher o “mal menor”. É bom ressaltar que nenhum candidato ainda obteve um voto sequer na urna. Há tempo, pois, para sonhar com um País melhor no futuro, um Brasil menos desigual e mais próspero. Há tempo para manifestar esse sonho em um voto de esperança, e não de repulsa ou ódio.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28.07.22

Presidente de tribunal militar diz que Forças Armadas não têm que se envolver em eleições

Papel dos militares é 'garantir que processo seja legítimo e, ao final, tenha o respaldo popular', diz

General Luis Carlos Gomes Mattos, que deixa a presidência do STM nesta quarta (27) - Alan Marques - 17.ago.11/Folhapress

Em seu último dia como presidente do STM (Superior Tribunal Militar), o general de Exército Luis Carlos Gomes Mattos afirmou nesta quarta-feira (27) que a condução das eleições é de responsabilidade da Justiça Eleitoral, e não das Forças Armadas.

"A Justiça Eleitoral é responsável pelo funcionamento real daquilo [eleições]. Nossa missão é diferente. Não temos que nos envolver em nada. Nós temos que garantir que o processo seja legítimo, essa é a missão das Forças Armadas", afirmou a jornalistas após a sua cerimônia de despedida, na sede do STM.

"Nós vamos atuar dentro daquilo que está previsto para garantir que o processo seja legítimo e ao final tenha o respaldo popular", afirmou.

​Mattos deixa o tribunal devido à sua aposentadoria compulsória ao completar 75 anos, idade máxima para ocupar o cargo. Ele também deixa o serviço ativo do Exército. Em seu lugar, o general de Exército Lúcio Mário de Barros Góes assumirá a presidência do STM.

Na cerimônia de despedida estavam presentes o ex-ministro-chefe da Casa Civil Walter Braga Netto, que será o candidato a vice na chapa do presidente Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, e também o ministro Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Ambos são generais da reserva.

O general Mattos ingressou no STM em outubro de 2011 e se tornou presidente da corte março de 2021.

Desde o começo do ano, militares e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) entraram em uma crise, atiçada por manifestações golpistas de Bolsonaro, que, sem provas, pôs em dúvida a segurança das urnas eletrônicas.

Em maio, a corte eleitoral rejeitou sugestões dos militares para alterar o processo eleitoral deste ano. Na negativa, os técnicos do TSE disseram que os militares confundiram conceitos e erraram cálculos ao apontar risco de inconformidade em testes de integridade das urnas.

Na crise com o TSE no começo do ano, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, demorou um mês para responder ao órgão. Em ofício, ele disse que os militares se sentiam desprestigiados pela corte na discussão sobre transparência do sistema eleitoral.

"Até o momento, reitero, as Forças Armadas não se sentem devidamente prestigiadas por atenderem ao honroso convite do TSE para integrar a CTE [Comissão de Transparência das Eleições]", escreveu.

José Marques, de Brasília para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 27.07.22.

A chance da terceira via

Num mundo de raposas, a vez do porco-espinho

A senadora Simone Tebet construiu sua candidatura com a precisão de um ourives e hoje é mais uma alternativa para a desejada "terceira via". Articulou bases sólidas no MDB e no PSDB mas, sendo necessário, isso não é suficiente. Junto com Ciro Gomes, ela patina na pobreza de um só dígito nas pesquisas.

Faltam pouco mais de cem dias para uma eleição que parece polarizada. Bolsonaro quer um novo mandato, mas seu nome tem mais de 50% de rejeição. No caso de Lula, o repúdio oscila entre 33% e 43%. Especular sobre eleição antes do início da campanha é algo semelhante aos palpites sobre o desempenho das seleções antes do início dos jogos da Copa do Mundo.

Mesmo assim, 2022 produziu duas surpresas reveladoras: descarrilaram as candidaturas de João Doria e Sergio Moro. Um governava São Paulo com bom desempenho. O outro havia sido uma das personalidades de maior densidade política do país. Ajudou a eleger Bolsonaro, sentou-se à sua mão direita e desceu aos infernos.

Doria e Moro reluziam na pista como verdadeiros aviões e não decolaram. Ambos descarrilaram pelos mais diversos motivos, mas na essência, deixaram de responder à seguinte pergunta:

O que o senhor vai colocar na minha mesa, em matéria de emprego, saúde e educação, noves fora platitudes ou bondosas generalizações?

(O Brasil voltou ao mapa da fome e o salário mínimo já não compra uma cesta básica.)

Faz tempo, quando o país vivia a hiperinflação, Fernando Henrique Cardoso percebeu que venceria a eleição de 1994 ao ver uma pessoa empunhando uma nota de um real num comício.

Até agora, Simone Tebet e Ciro Gomes já se comprometeram a tentar acabar com o mecanismo da reeleição, principal fator de envenenamento e corrupção da política nacional. Mesmo assim, é pouco, pois não responde à pergunta de um milhão de votos.

A terceira via só ficará de pé, se ficar, quando seus postulantes deixarem de lado as marquetagens e responderem à pergunta fatal. Lula e Bolsonaro, cada um à sua maneira, têm o acervo dos próprios governos.

Simone Tebet atravessou com brilho a preliminar da articulação e a possibilidade de ter Tasso Jereissati como companheiro de chapa aumenta suas chances. Mesmo assim a pergunta continua lá.

De certa maneira, a resposta tem que sair da alma do candidato. Itamar Franco pareceu doido ao botar Fernando Henrique Cardoso no ministério da Fazenda. Ele, com seus modos civilizados e alma tolerante, devolveu ao país a noção de moeda.

Ficou oito anos no poder e as crises sempre saíam do palácio menores do que pareciam ao entrar. Nos últimos quatro anos viveu-se o contrário. O presidente sai do palácio e vai a uma padaria criar problemas que não existem (as urnas eletrônicas), oferecendo soluções fantásticas (nióbio, grafeno e cloroquina).

A política brasileira está cheia de raposas. Há as que decifram pesquisas, há as que concebem planos econômicos e há as que confiam nas suas agendas de telefones e de endereços eletrônicos. Todas elas respondem a quaisquer perguntas, menos à do prato.

Como lembrou o filósofo Isaiah Berlin recuperando uma lição dos gregos: "A raposa sabe muitas coisas, mas o porco-espinho sabe uma só e muito importante". ​

Elio Gaspari, o autor deste artigo, é Jornalista. Autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada". Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 28.07.22


Recado aos fardados

Reunião de ministros da Defesa mostra que não há tolerância com o golpismo no continente

Poucas instituições foram tão afetadas pela chegada de Jair Bolsonaro (PL) ao poder quanto as Forças Armadas. A proximidade com o governo, para não dizer cumplicidade, pôs a perder décadas de esforço dos militares para promover a imagem de profissionalismo e subordinação à ordem constitucional.

O problema maior são as atitudes ambíguas de oficiais de alta patente diante dos interesses do governo, como atesta o caso do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que até alguns meses atrás era o chefe do Exército.

Nesta terça (26), em reunião com ministros da Defesa de todo o continente, coube a Oliveira reafirmar o compromisso do Brasil com a Carta Democrática Interamericana, documento da Organização dos Estados Americanos que impõe o respeito à democracia a todos os integrantes do grupo.

Em condições normais, a declaração do ministro brasileiro seria apenas uma platitude. Tornou-se notícia justamente porque os militares não cessam de dar sinais de alinhamento ao golpismo de Bolsonaro.

No mais preocupante deles, as Forças Armadas, que ficaram duas décadas sem questionar a segurança das urnas eletrônicas, passaram a alimentar o discurso bolsonarista sobre fraudes, das quais não existe nem sombra de indício.

Oliveira foi um dos que se associaram com entusiasmo às fantasias presidenciais nos últimos tempos. Vindo dele, a reafirmação do compromisso com os princípios da OEA não deixa de ser um reconhecimento de que não há tolerância para aventuras e tumulto na região.

Não foi outro o sentido do recado transmitido ao ministro pelo secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin. Os americanos esperam que o Brasil mantenha a tradição e realize eleições limpas neste ano.

A proximidade do presidente com os militares, obtida com concessões corporativistas e cargos, criou outros problemas. Mais espaço no governo também significa mais espaço para corrupção e erros administrativos, que atraem a atenção dos órgãos de controle e corroem a imagem das Forças Armadas.

Como a Folha noticiou, desde o início do governo o Tribunal de Contas da União já condenou ao menos 28 militares por má utilização de recursos públicos —incluindo casos abertos na atual gestão.

Se a associação com Bolsonaro pode ter feito bem às finanças pessoais de um ou outro oficial, é cada dia mais evidente que ela pode ser devastadora para a instituição.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 28.07.22 (editoriais@grupofolha.com.br)


quarta-feira, 27 de julho de 2022

‘Marechalcracia’: Previdência militar precisa mudar

Entre outras vantagens, a integralidade garante ao militar o direito de se aposentar com a maior remuneração da carreira, independentemente da média

O Portal da Transparência lista dezenas de marechais na folha de pagamento do governo, o que é à primeira vista surpreendente porque o título só existe em época de guerra. Eles podem inclusive ter participado do governo: segundo os dados oficiais são marechais Augusto Heleno (GSI), Joaquim Luna e Silva (Petrobras e Itaipu) ou Eduardo Villas Bôas (assessor na Presidência).

A explicação é prosaica: por uma regra anacrônica, militares que se “aposentam” sobem de patente. Por isso os generais viraram marechais. No Brasil, marechal é só um general aposentado.

Há ainda outras regras distorcidas na “previdência” militar. Voltamos a falar delas porque, na última semana, a Folha reportou que oficiais estariam em diálogo com o entorno de Lula. Teriam pleitos para o seu governo. Entre eles, o de que não revogasse a reforma da previdência dos militares.

Eu também pediria. Imagine se aposentar sem idade mínima e sem ter de contribuir nada para a aposentadoria? Os militares ainda hoje contribuem somente para a pensão por morte, mas não para a “aposentadoria”.

Segundo Portal da Transparência, general Augusto Heleno é um dos marechais na folha de pagamento do governo.

Em tese, ela não existiria: militar não se aposenta, vai para reserva. Em outros casos, espertamente, a reserva remunerada é equiparada a uma aposentadoria – por exemplo, para que marechais possam acumular aposentadoria e salário no governo usando a regra de acúmulo que existe para os servidores, sem que esbarre no teto remuneratório.

Mas a grande vantagem do sistema, que não existe em outros países e não está disponível para os demais cidadãos, é o que se chama de “integralidade”. Não foi alterada nem na última reforma.

A vantagem dá o direito de se aposentar com a maior remuneração da carreira, independentemente da média (como ocorre no INSS). Alega-se que o direito é necessário para que um militar de uma determinada patente não ganhe menos do que um de patente inferior. Balela, porque mudar o cálculo para a média não afeta quem está na ativa. O eventual constrangimento com perda de hierarquia no trabalho não existe.

Outras carreiras hierarquizadas não têm a integralidade: como policiais civis, magistrados, diplomatas. Não é o fim do mundo um embaixador inativo ganhar menos do que um conselheiro ou ministro da ativa, ou um desembargador aposentado, menos do que um juiz em atividade.

Enquanto você lia este texto, o País gastou R$ 200 mil com o déficit da previdência militar. São R$ 130 milhões por dia, ou R$ 47 bilhões neste ano. Mais do que o orçamento de quase todos os ministérios. Tem de mudar, sim.

Pedro Fernando Nery, o autor deste artigo, é doutor em economia e colunista d'O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 26.07.22

Aliados de Tebet veem mais potencial eleitoral de dupla feminina do que com Tasso

Embora seja um nome destacado na política, Tasso Jeiressati (PSDB) agrega pouco em termos eleitorais a Simone Tebet (MDB), que tenta se viabilizar como representante da terceira via na eleição. 

Aliados dela fazem elogios ao tucano mas afirmam que números captados pela campanha em pesquisas qualitativas indicam que uma dupla feminina teria mais impacto eleitoral, com capacidade de criar um fato político para impulsionar a candidatura dela, estagnada ao redor de 2% das intenções de voto. 

Alguns nomes chegaram a ser ventilados, como o da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), mas a maranhense Eliziane Gama (Cidadania) conquistou apoio por reunir três características: é nordestina, evangélica e tem a confiança de Tebet.

SER OU NÃO SER. A campanha de Tebet diz que a vice com Tasso “não é eleitoral, mas simbólico” e que, mesmo se ele deixar o posto – o que eles ainda colocavam em dúvida -, seguirá atuando em prol da candidata, que ele ajudou a construir e a conquistar apoios no PSDB.

Mariana Carneiro, Julia Lindner e Gustavo Côrtes / O Estado de S. Paulo, em 27.07.22

A sociedade reage ao arreganho bolsonarista

Ante a gravidade da ameaça de Bolsonaro à democracia, reiterada perante embaixadores estrangeiros, a nova mobilização da sociedade civil precisa ser estimulada

O presidente Jair Bolsonaro pode sentir-se acima da lei, do decoro e da honestidade intelectual – e continuar difamando as urnas eletrônicas, criando animosidade contra as instituições e tentando criar um ambiente propício à desordem e à ruptura institucional. No entanto, se pensava que não haveria reação da população, enganou-se. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tolera sua escalada de afronta às eleições. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também. Mas a sociedade não. Há limites.

Depois da reunião do dia 18 de julho com embaixadores, na qual Jair Bolsonaro disse ao mundo que a democracia brasileira não era confiável, o País acordou. Houve um sem-número de depoimentos de entidades e pessoas que participaram e ainda participam do processo eleitoral atestando a lisura e a segurança do nosso sistema de votação e apuração. A democracia brasileira não está nas mãos de algumas poucas pessoas. É uma construção coletiva, robusta e admirada – aqui e no mundo inteiro.

Além disso, os últimos ataques de Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral suscitaram na população uma nova compreensão da dimensão e gravidade das ameaças do bolsonarismo ao Estado Democrático de Direito. Em número crescente, entidades e lideranças civis vêm cerrando fileiras em defesa da integridade das eleições e da Justiça Eleitoral. Não há espaço para retrocesso.

Uma das iniciativas é a reedição da Carta aos Brasileiros de 1977, de autoria do jurista Goffredo da Silva Telles Júnior. Lido em agosto daquele ano na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o documento manifestava repúdio ao regime militar e pedia a volta da democracia. A ser lida no mesmo local, no próximo dia 11 de agosto, pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, a nova Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito denuncia o “momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”.

“Independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições”, diz o manifesto deste ano do Largo de São Francisco, recordando que “são intoleráveis as ameaças aos demais Poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”.

É surpreendente – e tristemente sintomático dos tempos atuais – que a sociedade brasileira precise reafirmar, como diz a carta a ser lida nas Arcadas, que “ditadura e tortura pertencem ao passado” e que “a solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições”. A boa notícia, a confirmar o isolamento dos autoritários, é que o documento vem recebendo amplo apoio dos mais diversos setores da sociedade brasileira. Ninguém preocupado com o País quer saber de bagunça com as eleições ou de ruptura da ordem constitucional.

Entre outras muitas iniciativas em defesa da democracia, vale destacar uma manifestação da Academia Paulista de Letras por sua contundência. “O roteiro para a contestação do resultado das urnas se desenvolve sob as vistas de todos e ameaça repetir, como farsa, a história de ataque às instituições, como ocorreu nos EUA”, diz o texto. “Nesse quadro de incertezas e grandes riscos, a Academia Paulista de Letras conclama a sociedade civil a manter-se atenta na defesa do Estado Democrático de Direito, das instituições, da segurança do sistema eleitoral e do respeito ao resultado da manifestação dos eleitores.”

Como a confirmar os piores temores, o governo de Jair Bolsonaro vestiu a carapuça. Para o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), as manifestações em defesa das eleições são um ataque ao presidente da República. Sem nenhum pudor, o Palácio do Planalto escancara que não está do lado da democracia. A sociedade tem motivo, portanto, para estar alerta. Os liberticidas e autoritários não passarão.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 27.07.22

Tasso abre mão de ser vice de Tebet e PSDB deve indicar nome

MDB, PSDB e Cidadania devem confirmar apoio à candidatura de Tebet à Presidência nesta quarta-feira, mas senador tucano desistiu de participar da chapa

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) decidiu que não será candidato a vice na chapa presidencial da também senadora Simone Tebet (MDB-MS). O mais provável é que o novo vice seja indicado pelos tucanos. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) estava cotada para assumir o posto.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) ganhou destaque nacional na CPI da Covid, assim como Simone Tebet.

Apesar de ser um dos maiores defensores do nome de Tebet dentro do PSDB, o cearense já vinha demonstrando que não tinha disposição para participar das eleições. Tasso também não vai concorrer a um novo mandato no Senado. Contribuiu para a desistência do tucano a dificuldade de MDB e PSDB equacionarem alianças e candidatos nos estados.

Aliados da senadora têm outra explicação para a retirada do nome do tucano. Sondagens teriam apontado que sua imagem não renderia dividendos políticos à chapa e a alternativa pensada, que tem a simpatia da própria Tebet, é a também senadora Eliziane do Cidadania.

O MDB deve confirmar amanhã, 27, o nome de Tebet como candidata a presidente. O evento vai ser virtual. Uma ala do partido, que prefere apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno, tentou adiar a convenção e fazer com que a reunião fosse presencial, mas não conseguiu ter sucesso.

PSDB e Cidadania, que formam uma federação, também vão fazer a convenção no mesmo dia, em Brasília, e devem confirmar o apoio a Tebet. Tasso havia sido convidado pelo ex-presidente Lula para participar de uma reunião em São Paulo no mesmo dia da convenção do PSDB, mas recusou o convite e vai estar em Fortaleza (CE), onde participa das articulações das eleições locais. O parlamentar vai participar de forma remota do evento tucano que irá sacramentar apoio a Tebet. Por meio de nota, o senador deixou a decisão no ar. 

“Fui um dos primeiros a manifestar meu entusiasmo pela candidatura da Simone. Acho uma candidatura preparadíssima, e ela é capaz de unir o Brasil”, diz o texto. “No entanto, a definição da vice depende de uma série de conversas e entendimentos internos de sentido político e eleitoral, em que o propósito final será encontrar aquilo que seja o melhor para a candidatura. Qualquer que seja a decisão, estarei do lado dela.”

O ex-presidente petista chegou a ligar para o cearense no domingo, 24, para pedir apoio do PSDB ao pré-candidato do PT ao governo do Ceará, Elmano de Freitas. O PSDB também avalia apoiar o PDT de Ciro Gomes no Estado. Não há ainda uma definição sobre uma aliança entre tucanos e petistas no Ceará e, de acordo com aliados de Tasso, uma decisão só deve ser tomada em agosto, perto do fim do prazo das convenções (dia 5).

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, disse ao Estadão que Tasso estava resistente a entrar na disputa eleitoral. “O Tasso pessoalmente está discutindo se está com condições de concorrer, disposição”, afirmou.

Ontem, 25, em entrevista à Globo News, Simone Tebet, que antes dava como certa a indicação de Tasso como seu vice, disse que o cearense pode contribuir de outras formas para sua campanha caso não esteja na chapa. “Tasso é um irmão político que tenho, uma das últimas referências vivas ativas daquela velha guarda da grande política que resolvia os problemas reais do Brasil. Ele estará como vice, ou no palanque, ou como coordenador da nossa campanha”, declarou a emedebista.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) deve ser confirmada candidata da coligação formada por MDB, PSDB e Cidadania nesta quarta-feira; ela minimizou a ausência de Tasso na chapa: "Ele pode contribuir de muitas formas". Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Mesmo com o apoio formal do PSDB ao MDB na eleição presidencial, os diretórios estaduais tucanos já decidiram apoiar outros presidenciáveis. Em Minas, o PSDB já declarou apoio a Ciro Gomes (PDT), e em São Paulo e no Rio Grande do Sul, o partido abriu palanque para Luciano Bivar (União Brasil). Dos nove Estados onde o PSDB vai ter candidato a governador (SP, MG, SE, PB, PE, MS, RS, GO e DF) o MDB já decidiu que irá concorrer contra eles em sete. Até agora o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que concorre à reeleição, é o único tucano a ter o apoio do MDB. No Rio Grande do Sul há uma articulação para que Eduardo Leite (PSDB) tenha o apoio dos emedebistas, mas ainda sem conclusão.

Lauriberto Pompeu / O Estado de S. Paulo, em 26.07.22

Simone Tebet reúne apoio da maioria em convenção do MDB após derrota de Renan

Senadora deverá ser homologada como candidata à Presidência da República nesta quarta-feira depois de pacificar o partido

Senadora Simone Tebet deve ser homologada candidata com o apoio de ampla maioria do partido 

Após o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, indeferir pedido do prefeito de Cacimbinhas (AL), Hugo Wanderley, aliado do senador Renan Calheiros (MDB-AL), para adiar a convenção do MDB, a senadora Simone Tebet (MS) deve ser homologada com o apoio de ampla maioria do partido como candidata à Presidência da República nesta quarta-feira, 27.

Segundo integrantes da ala pró-Lula no MDB, o movimento de Renan Calheiros foi um ato isolado e um gesto para “mostrar serviço” ao ex-presidente. Na prática, os diretórios regionais emedebistas estão liberados nos Estados para apoiar quem quiserem.

Convenção do MDB

Com apoio do presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), Simone Tebet conseguiu pacificar a legenda institucionalmente e evitar uma disputa fratricida no dia da convenção. “Atuamos para reposicionar o MDB desde 2019. Lutamos por uma Câmara e o Senado independentes, e recusamos qualquer participação no governo. A candidatura da Simone é o resultado de todo esse processo de renovação democrática do MDB. Ela sempre foi emedebista, tem experiência no Executivo e no Legislativo e fez um grande trabalho no Senado”, disse Baleia Rossi ao Estadão.

Pela primeira vez na história do partido, uma convenção presidencial do MDB será no formato virtual, o que gerou protestos de integrantes da sigla. Mesmo assim, o voto será secreto e o encontro será transmitido ao vivo pelo Youtube..

O PSDB e o Cidadania também realizam suas convenções nesta quarta-feira e vão formalizar o apoio à candidata emedebista, apesar de ainda existirem pendências regionais entre os partidos, em especial no Rio Grande do Sul. A expectativa entre os dirigentes era de que o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) fosse anunciado como candidato a vice, mas o tucano desistiu, nesta terça-feira, 26, de concorrer. A preferida para a vaga é a senadora Eliziane Gama (Cidadania -DF).

“A Justiça Eleitoral devolveu a tranquilidade ao partido e tirou o clima de disputa. Essa será uma convenção homologatória”, disse o ex-deputado federal Lucio Vieira Lima (MDB-BA), que integra o grupo pró-Lula no partido.

A leitura entre caciques do MDB é que o partido deve se manter em rota de aproximação com Lula e apoiar o ex-presidente no 2° turno. Os petistas mantém canais de diálogos abertos até com o ex-presidente Michel Temer, que apoiou o movimento pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Depois da convenção, MDB e PSDB esperam realizar mais dois eventos juntos de lançamento da chapa: um em Três Lagoas (MS), cidade natal de Simone Tebet, e outro em São Paulo. Aliados da candidata esperam que ela conte com R$ 40 milhões dos cerca de R$ 400 milhões do Fundo Eleitoral do MDB, o que seria equivalente a 10% dos 30% reservados à cota de mulheres.

Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo, em 27.07.22

Maior grupo armado do País, CACs lançam 34 candidatos ao Congresso e organizam partido político

Bancada que os CACs querem eleger no Congresso e nos Estados é formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados


Clube de tiro em São Paulo; CACs querem eleger bancada formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados Foto: Gabriela Biló/Estadão - 9/1/19

Os CACs (colecionadores de armas, atiradores e caçadores) se articulam para a partir de 2023 formar uma bancada no Congresso. Em todo o País, há 34 pré-candidaturas a deputado federal, senador e governador de nomes ligados à Associação Proarmas, a mais representativa da classe. Para os legislativos estaduais e distrital, há mais 23 nomes sendo preparados. Nos planos do maior grupo armado do País também está a criação de um partido político. É a primeira vez que esse agrupamento, que supera todos os policiais militares em quantidade de membros (e em arsenal particular registrado em nome desses PMs), se organiza nos Estados e com o Palácio do Planalto para eleger representantes.

A entrada dos armamentistas oficialmente na política é incentivada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). O candidato à reeleição tem recebido lideranças e pré-candidatos do movimento no Planalto para vídeos e fotos manifestando apoio a esses aliados. A estratégia conflita com o que o núcleo da campanha tem se queixado: falta de interlocução de Bolsonaro com apoiadores de outros segmentos, como o meio empresarial.

Graças à política pró-armamento do governo, o total de CACs registrado saltou de 117.467, em 2018, para 673.818 este ano. O montante supera todos os 406 mil policiais militares da ativa que atuam em todo o País e ainda é maior que o efetivo de cerca de 360 mil homens das Forças Armadas.

A movimentação política é vista com preocupação por policiais e por especialistas em segurança pública. Ao contrário da Polícia e das Forças Armadas, os CACs não possuem a hierarquia do meio militar e têm no presidente e no deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) suas maiores referências. Líder do Proarmas, o advogado Marcos Pollon anunciou sua candidatura à Câmara pelo Mato Grosso do Sul dias depois de ser recebido por Jair Bolsonaro no Planalto.

Em vídeo publicado por Pollon no dia 6 de julho, três dias antes de uma grande manifestação dos CACs na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro acenou mais uma vez à classe. “A todos vocês CACs, um grande abraço, parabéns pelo momento, por essa oportunidade, pela iniciativa”, disse. “E parabéns também quem? Marcos Pollon. Parabéns, Marcos.”

O objetivo do movimento Proarmas é eleger candidatos ao Legislativo, em Brasília e nos Estados, para flexibilizar leis que tratam de armamentos. A atuação política, entretanto, já funciona há meses, sob a coordenação de Eduardo. Como mostrou o Estadão, o filho do presidente articulou armamentistas nos Estados para aprovar leis que facilitam o porte de arma aos CACs. Apesar de eles poderem circular armados, o deslocamento tem regras específicas e deve sempre ter um clube de tiro como destino. Com o direito ao porte, as restrições diminuiriam.

O Estadão identificou 27 candidaturas à Câmara e ao Senado de armamentistas e políticos regionais que querem formar em Brasília a “bancada dos CACs”. Além desses, há outros nove políticos com mandato no Congresso que recebem oficialmente o apoio do Pró-Armas para disputas ao Senado a governos estaduais, com a condição de tratar a pauta armamentista com absoluta prioridade. Há ainda 23 candidatos às assembleias estaduais e distritais. Todos estão distribuídos por PL, PMN, Podemos, PP, PRTB, PSC, PTB, PTC e Republicanos, partidos que formam o Centrão.

A bancada que os CACs querem eleger no Congresso e nos Estados é formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados.

Propostas



O principal alvo do grupo é a revogação completa da Lei 10.826/03, o Estatuto do Desarmamento. Há outras propostas em estágio avançado de tramitação, mas que ainda estão em debate, como o projeto 3723/2019, enviado por Bolsonaro. O texto regulamenta as atividades de atiradores esportivos, caçadores e colecionadores de armas e revoga um artigo do Estatuto que exige a venda de munições em embalagens com código de rastreio e de armas com dispositivo de segurança e de identificação gravado no corpo da arma.

A proposta foi aprovada com mudanças pela Câmara em novembro de 2019 e agora tramita no Senado. Em uma live na semana passada, Pollon citou dois textos alternativos de senadores e um terceiro que é “o nosso substitutivo”. “O 3723, por conta das eleições, ele está meio quieto. Evidente que se ele for pautado, eu tenho que ir lá cuidar”, disse o comandante do Proarmas, que não tem cargo público.

Clube de tiro em São Paulo; CACs querem eleger bancada formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados

Nas Assembléias, além da facilitação do porte para CACs, a ideia é ampliar o acesso por meio do barateamento dos preços. No dia 9 de julho, durante encontro do Pró-Armas em Brasília, Eduardo Bolsonaro comemorou, no carro de som, a redução do ICMS para compra de armas em Alagoas. “Um gol de bicicleta”, afirmou. “Atenção, deputados estaduais, segunda-feira, missão: entrar com projeto de lei igual do Cabo Bebeto (PL-AL).”

Candidatos confidenciaram que o crescimento substancial no número de CACs sob Bolsonaro deu à pauta armamentista um potencial para atrair votos. O contingente de mais de 600 mil pessoas não leva em conta os familiares e amigos que também podem ser convencidos a votar nos candidatos do segmento.

“O momento deles é forte. A pauta pró-armas é defendida por centenas de milhares de pessoas, a maioria evangélicas. Eles me escolheram porque conhecem minhas pautas”, afirmou o vereador Devanir Ferreira (Republicanos-ES), que tentará uma vaga na Câmara, à reportagem.

As lojas de armas e os clubes de tiros são vistos pelos articuladores como importantes propagadores das candidaturas. Esses estabelecimentos também cresceram exponencialmente no governo Bolsonaro. Hoje, existem 2.066 clubes em todos os Estados. Alguns têm em seus nomes inspiração nacionalista: Patriotas do Brasil, Pátria Armada, Brasil Atividades de Tiro e Armas Brasil.

“Temos uma rede integrada de apoiadores. Temos representatividade em mais de 300 municípios, entre clubes de tiros, vereadores e lojas. Com o apoio do Proarmas, a gente consegue chegar a mais gente. A pauta não é só armamentista, mas a base é”, disse o Samurai Caçador (PRTB-SP) ao Estadão. Vereador de Monte Azul Paulista, ele vislumbra que o crescimento da pauta lhe renderá pela primeira vez uma cadeira na Assembleia.

A título de ilustração, o número de clubes de tiros no País é maior do que a quantidade de diretórios de dois jovens partidos com representação na Câmara: a Rede e o Novo, ambos deferidos pelo TSE em 2015. O Novo tem 29 e a Rede, 147, segundo dados da Corte Eleitoral. A quantidade de clubes e associações de tiros é quase semelhante ao número de diretórios do PL. A sigla pela qual o presidente Jair Bolsonaro vai concorrer ao Palácio do Planalto tem 2.250 unidades partidárias, das quais 99,2% são provisórias.

Embora os partidos não tenham mais de um diretório por cidade e os clubes não tenham essa restrição, a comparação mostra a velocidade com que as associações crescem no País. São Paulo é a cidade com maior quantidade de clubes, segundo os dados do Exército. São 53. A cidade é seguida por Brasília e Rio. Ambos com 32 clubes, cada.

Partido dos CAC’s

A organização presidida por Marcos Pollon nasceu em 2020 e já é a mais representativa do Brasil. Os próximos planos são ainda mais ambiciosos. “Quando batermos 1 milhão (de apoios), vamos criar um partido político. ‘Ah, por que 1 milhão?’ Porque estou sendo otimista. Estou trabalhando com índice de conversão de 50%”, disse em um entrevista, em fevereiro.

O interesse político de Pollon, anunciado somente após um encontro com Bolsonaro no Palácio do Planalto, contrasta com o perfil de atuação de Bené Barbosa, um outro líder armamentista no qual Pollon se inspirou para criar o seu movimento. Barbosa hoje se dedica a vender cursos de segurança pessoal e domiciliar, mas já foi a principal voz armamentista no Brasil. Ele usou a visibilidade para investir em seus negócios e não migrou para a política de representação. Procurado pelo Estadão para comentar o avanço dos CACs em Brasília, ele preferiu não se manifestar.

Na avaliação de especialistas, são grandes as chances de alguns CACs serem eleitos. O movimento, pautado “não é sobre armas, é sobre liberdade”, ganhou espaço no eleitorado conservador e evangélico. O lema costuma vir acompanhado pelo de “defesa da família” e dos “valores cristãos”. A pauta pró-armas pega carona no bolsonarismo. E vice-versa. Nas redes sociais, os candidatos usam temas como “voupraguerracombolsonaro”.

Contudo, a real força ainda precisará ser testada nas urnas. “É possível que essas pessoas votem em candidatos pró-armas, embora as pesquisas indiquem que maioria da população brasileira não acredita que com as pessoas se armando terão segurança. Mas tem o financiamento pelos clubes de tiro, o aumento do discurso de que significa liberdade. Aumentou a organização do grupo e o governo estabelecido apoia essa pauta. Tem movimento fortalecido, mas ainda não sabemos se vai garantir votos”, disse Carolina Ricardo.

CAC’s x bancada da bala

A tradicional “bancada da bala” da Câmara também defende o armamento, mas avança para temas como endurecimento de penas, tipificação de novos crimes e estruturação das polícias nos Estados. A pauta apresentada pelos candidatos do movimento em geral é restrita ao armamentismo, ao apoio a Bolsonaro e ao antipetismo. Ela pega carona no bolsonarismo, e vice-versa. Nas redes sociais, os candidatos usam expressões como “voupraguerracombolsonaro”.

“Eles não tem uma agenda programática de segurança pública, não é uma agenda de pensamento no País. É uma agenda armamentista e que pega carona com o Bolsonaro para reduzir a esquerda. Dificilmente, se eleitos, trarão ganhos para a ‘bancada da bala’. Possivelmente, vai aderir à agenda tradicional”, opinou Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

Os petistas já planejam mudanças na política de acesso a armas, caso ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja eleito em outubro. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse ao Estadão que a posição histórica do partido “é pelo controle (das armas) nos termos que estão no Estatuto do Desarmamento”.

O parlamentar é o responsável por planejar o tema da segurança pública no programa de governo de Lula. “Certamente, haverá uma reversão dessas medidas que relaxaram o controle de armas no Brasil. A ponto de vender fuzil para integrante do PCC”, disse.

Vinícius Valfré e Julia Affonso / O Estado de S. Paulo, em 26.07.22.