domingo, 24 de julho de 2022

Em discurso na convenção do PL, Bolsonaro faz ao menos 7 alegações enganosas

Presidente repetiu informações imprecisas sobre temas como auxílio emergencial, covid-19 e corrupção   

Bolsonaro durante discurso na convenção do PL, no Maracanãzinho, neste domingo, 24. Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

O presidente Jair Bolsonaro (PL) fez um discurso de pouco mais de 1h na convenção do Partido Liberal (PL) neste domingo, 24, no qual repetiu ao menos sete alegações enganosas sobre temas como auxílio emergencial, covid-19 e corrupção. Veja abaixo um compilado de checagens do Estadão Verifica e de reportagens do Estadão sobre os assuntos mencionados pelo presidente.

Auxílio Emergencial x Bolsa Família

O que Bolsonaro disse: que em 2020 o governo gastou com o Auxílio Emergencial o equivalente a 15 anos de Bolsa Família.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. O governo federal gastou com auxílio emergencial em 2020, contando o pagamento residual, cerca de R$ 293 bilhões. Conforme levantamento do Estadão Verifica, de 2004 a 2018 o orçamento do Bolsa Família reajustado pela inflação, com mês de referência de dezembro de 2020, equivale a cerca de R$ 390 bilhões — uma diferença de quase R$ 90 bilhões. Já em valores nominais — isto é, sem o reajuste inflacionário — o valor total é de R$ 269 bilhões.

Brasil alimenta 1 bilhão

O que Bolsonaro disse: que a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP) garantiu a segurança alimentar de 1 bilhão de pessoas no mundo.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: o presidente repetiu um dado controverso, já mencionado durante discurso na Cúpula das Américas. Ocorre que um estudo divulgado pela Embrapa em março de 2021 aponta que a produção agrícola do Brasil é responsável por alimentar 800 milhões de pessoas no mundo, cerca de 10% da população mundial. A metodologia do estudo, no entanto, foi contestada por especialistas ouvidos em reportagem do portal UOL. Um dos pontos levantados é que a conclusão parte do pressuposto que todos os grãos exportados pelo Brasil são usados para alimentação, mas eles podem ser usados para rações de animais e outras finalidades.

No Brasil, a fome voltou a patamares registrados na década de 1990. Segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer no País atualmente; 14 milhões a mais do que no ano passado. Mais da metade da população brasileira (58,7%) convive com algum grau de insegurança alimentar (leve, moderado ou grave).

Decisão do STF sobre responsabilidade no combate à covid

O que Bolsonaro disse: que a condução do combate à covid-19 passou a ser de governadores e prefeitos por decisão judicial.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela competência concorrente dos entes federativos em relação à saúde. Especialistas em Direito Constitucional consultados pelo Estadão Verifica nesta checagem esclarecem que, na verdade, a atuação do STF visa apenas à garantia do cumprimento da Constituição de 1988, que trata das competências para legislar sobre saúde pública, mesmo em estado de calamidade.

Os ministros do STF entenderam que a União pode legislar sobre saúde pública, mas que também deve resguardar a autonomia dos demais entes federativos a respeito do tema. O artigo 23 da Constituição define como “competência comum” entre União, Estados, municípios e Distrito Federal “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”. 

Governo sem corrupção

O que Bolsonaro disse: que seu governo está há três anos e meio sem corrupção.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O mandato de Bolsonaro registra denúncias e suspeitas do crime envolvendo nomes importantes da gestão federal e aliados, que geraram investigações como a que levou à prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, da Educação. Veja a lista publicada pelo Estadão com dez acusações de corrupção nas quais integrantes ou aliados do governo Bolsonaro foram ou são acusados de envolvimento.

Lula e roubo de celulares

O que Bolsonaro disse: que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende o roubo de celulares como um direito do bandido de “tomar uma cerveja”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Lula não defendeu que bandidos deveriam poder roubar celulares para “tomar cerveja”. A origem da desinformação é um vídeo editado do petista que circula nas redes desde pelo menos 2021. A peça traz série de frases recortadas e desconexas uma das outras, retiradas de uma entrevista concedida por Lula em 2017.

Em um determinado momento da fala, o ex-presidente diz o seguinte:  “É uma coisa que está intimamente ligada. Ou seja, o cidadão teve acesso a um bem material, a uma casinha, a um emprego, e de repente o cara perde tudo. Então, vira uma indústria de roubar celular. Para que ele rouba celular? Para vender, para ganhar um dinheirinho. Eu penso que essa violência que está em Pernambuco é causada pela desesperança.”

Em uma outra parte da entrevista, Lula afirma sobre rivalidades entre torcidas de futebol: “É preciso distensionar para a sociedade perceber que a torcida do Santa Cruz e do Sport não são inimigas. São adversárias durante o jogo, depois vão para o bar tomar cerveja juntos. E ainda deixam o pessoal do Náutico batendo palma do lado.” 

Lula e legalização de drogas

O que Bolsonaro disse: que Lula quer legalizar as drogas no Brasil.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Como mostrou esta reportagem do Estadão, o documento com diretrizes para a criação de um programa para um eventual novo governo de Lula menciona o termo “drogas” uma única vez e não trata de legalização. O documento propõe substituir a atual “guerra” contra o narcotráfico por estratégias de enfrentamento baseadas em “conhecimento e informação”, além de focar em redução de riscos.

Teto de gastos

O que Bolsonaro disse: que foi o primeiro presidente a ter que lidar com o teto de gastos, que limita o investimento público.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O teto de gastos foi aprovado durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) em 2016. O novo regime fiscal passou a valer no ano seguinte, com duração prevista de 20 anos. Bolsonaro só assumiria a Presidência em 2019.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Comunicação da Presidência e atualizará esta publicação se houver resposta.

O Estado de S. Paulo online, em 24.07.22

Bertha Deleon, de advogada do presidente de El Salvador a refugiada no México: "Bukele é muito imaturo e vingativo"

Ela fez parte da equipe jurídica do presidente salvadorenho, posteriormente candidato da oposição, e no final de 2021 teve que fugir do país devido à perseguição do governo e seus aliados.

Bertha María Deleón, ativista e ex-advogada de Nayib Bukele, na Cidade do México, em 13 de julho de 2022. (Inak Malvid)

No dia em que perdeu as eleições como candidata a deputada em El Salvador, em 28 de fevereiro de 2021, a advogada e ativista Bertha Deleon conversou com uma amiga próxima para discutir sua situação. “Olha, você tem que ir, e você tem que ir agora,” sua amiga disse a ela. Não que ela não soubesse.

“Eles estavam me seguindo de moto, grampearam meus telefones, hackearam meu e-mail, colocaram drones no meu pátio. Em questão de três meses, perdi 80% dos meus clientes”, diz Deleon agora, numa tarde de meados de julho, na Cidade do México. Embora já fosse uma advogada reconhecida, ninguém queria problemas com o presidente. E ela, que representou Nayib Bukele em diferentes processos entre 2016 e 2019, o confrontou totalmente durante a campanha. "Você disse que dinheiro é suficiente quando ninguém rouba, seu dinheiro não é mais suficiente para você", ele começou dizendo em um vídeo que postou nas redesuma semana antes da votação. No local, ele acusou Bukele de ter enchido o governo de amigos e familiares, o culpou por casos de corrupção e pediu aos eleitores que não permitissem que "uma pessoa incapaz, um mentiroso e um manipulador acumule mais poder".

Uma afronta regular em qualquer disputa eleitoral em outras democracias, mas um desafio inimaginável para Bukele, um político obcecado pelas redes sociais e pela imagem que construiu de si mesmo, que não tolera ser questionado publicamente. “Um adolescente com poder, incapaz de conversar sobre os assuntos mais importantes sem olhar constantemente para o telefone”, descreveu Deleón na época , dois dias antes das eleições. Foi o ponto final de um relacionamento que havia rompido há um ano e que levou o advogado a fugir de El Salvador e buscar refúgio em outro país.

'Você jogou merda em mim no Twitter'

A ligação entre Deleon e Bukele foi quebrada no mesmo lugar onde nasceu no final de 2015: no Twitter. Bukele era então prefeito de San Salvador e uma estrela em ascensão na política salvadorenha. Deleón teve destaque e não apenas na rede social: naquele ano ele conseguiu, junto com outros colegas, incluir o crime de lavagem de dinheiro em um processo aberto contra o ex-presidente Francisco Flores, aparecendo como demandante. “Ele começou a me escrever por DM [Mensagem Direta] no Twitter e me fez perguntas sobre esse caso e outros casos, e eu respondi a ele como respondia a outros. Nunca o tinha visto pessoalmente, parecia-me alguém progressista”, diz Deleon.

Ela construiu uma reputação como litigante em um país onde "o direito penal é uma selva" e logo conquistou a confiança de Bukele, que em 2016 a convidou para fazer parte de sua equipe jurídica. Ela era a única mulher em um grupo de 12 advogados e se tornou a figura que o acompanhou durante os complicados processos judiciais. Em 2019, quando Bukele já havia vencido as eleições presidenciais, mas ainda não havia assumido o cargo, Deleon o representou nas audiências por um caso de difamação. Eles tinham um diálogo aberto, diz o advogado, e às vezes falavam sobre seu próximo governo. Em uma dessas ocasiões, ela lhe disse que estava interessada em ser Ministra da Segurança, que poderia lhe apresentar um plano, que estava pronta para isso.

"Por que alguém iria querer ser ministro da segurança?"

—Primeiro porque eu realmente pensei que Nayib iria seguir uma política diferente. Ou seja, eu acreditava que era progressista, que seria capaz de inovar e que, por exemplo, se abriria para dialogar com as gangues de forma... aberta. Quer dizer, agora que digo isso, dói-me dizer isso, porque me sinto tão estúpido... Mas foi isso: eu realmente acreditava que seria um novo começo e que talvez eu tivesse chance de tentar algo que não havia sido feito antes. Conheço o sistema penitenciário de El Salvador, trabalhei na justiça... Desde 2005, quando comecei a fazer carreira, me movi no meio criminal. Eu sei que a segurança não é apenas a questão criminológica, que engloba outras coisas, mas em El Salvador isso é uma grande parte do problema e é nisso que ninguém quer entrar. E eu conheço o sistema prisional,

Em junho de 2019, Bukele assumiu o cargo de presidente. Deleon não fazia parte do gabinete. Para muitos no governo – e fora dele – esse foi o motivo do rompimento, que levou o advogado a se tornar uma voz crítica. Mas Deleon diz que depois disso eles ainda falaram com confiança. Por isso, escreveu-lhe no WhatsApp dois dias antes de domingo, 9 de fevereiro de 2020, quando começou a dizer que iam assumir a Assembleia se não aprovassem um empréstimo de segurança que o Governo queria, e perguntou-lhe por que ele estava fazendo isso. E que lhe escreveu novamente no mesmo domingo, quando viu que Bukele chegou à Assembleia com os militares e fez uma grande encenação, uma exibição de autoritarismo diante das câmeras. "Você estragou tudo", escreveu Deleon. E ele ligou e postou no Twitter o que achou.Deleon escreveu naquela tarde. "Temos que ter paciência para aguentar quatro anos de birras e excessos do presidente mais legal ."

O presidente não foi tão legal no que diz respeito ao Twitter, seu habitat digital favorito, a plataforma onde ele demitia pessoas e dava ordens a seus funcionários. Deleon lembra que Bukele tirou uma captura de tela de seu tweet e enviou para ele no Whatsapp. “Ele me disse: você já jogou merda em mim no Twitter, eu nunca vou te perdoar por isso. Foi a última vez que tive uma troca direta.” Para alguém tão preocupado com sua imagem, isso era inaceitável. O presidente bloqueou seu ex-advogado no Twitter e em seus telefones, que o defenderam no tribunal e o tiraram de problemas, e a partir de então outros meninos de recados ficaram encarregados de tentar colocá-la em seu lugar.


Foto: Inaki Malvid

O assédio contra ela cresceu e se aprofundou quando Delón começou a fazer campanha para se candidatar a deputado nas eleições legislativas de fevereiro de 2021, um ano depois. Mais de 19.000 pessoas marcaram seu rosto na cédula no dia da votação, mas não foi suficiente para ele entrar. O partido de Bukele, Nuevas Ideas, conquistou um número sem precedentes de cadeiras, o que lhe deu maioria absoluta na Assembleia Legislativa . Naquele dia Deleon conversou com a amiga e ouviu seus conselhos, mas resistiu à ideia de fugir do país. Primeiro foram seus dois filhos. E eu pensei que poderia esperar até o final do ano. Sua amiga não pensava o mesmo.

Dois meses depois, em 1º de maio, a nova Assembleia tomou posse e a primeira coisa que fez foi exonerar os magistrados da Sala Constitucional do Supremo Tribunal e depois o Procurador-Geral da República, que foi substituído por um homem fiel a Bukele. Quando alguns países condenaram a virada autoritária de seu governo, o presidente convocou diplomatas para lhes dizer que não havia nada a condenar, que sua imagem positiva havia crescido dois pontos depois de varrer a separação de poderes. Antes do final de maio, Deleon foi intimado ao Ministério Público. "Eles me leram cinco acusações diferentes", diz ele. Os arquivos da investigação criminal já haviam sido abertos. “O promotor de fato”, denunciou então, "começou a cumprir o papel de perseguir aqueles que o governo ou o presidente consideram desconfortáveis". Logo, até sua mãe começou a lhe dizer que ele tinha que ir.

O tempo que passou até ele sair de El Salvador, em agosto do ano passado, foi um período de exaustão e paranóia, diz o advogado. "Eu não dormi mais, você me entende?" Deleón explica que ela tinha que ir ao Ministério Público três vezes por semana, que eles a seguiam explicitamente para intimidá-la, que o assédio nas redes não parava. Em setembro, quando já estava em uma casa segura no sul do México, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concedeu-lhe medidas cautelares , considerando que se encontrava em "uma situação grave e urgente de risco de dano irreparável a seus direitos em El Salvador". ". Vigilância com drones, monitoramento e assédio em redes de funcionários e pessoas ligadas ao Governo, estimou a CIDH, traduziu-se em “uma situação de risco à sua vida e integridade”.

As razões pelas quais ele teve que deixar o país pareciam claras. Mas era um pouco mais difícil entender a crueldade da perseguição. Não que fosse inédito: o bukelismo já atacava o jornalismo que tirava a roupa suja de seu governo, contra organizações civis, contra políticos de outros partidos, contra diplomatas, mas era evidente que Deleon não tinha uma estrutura por trás disso. .

— Que risco político você poderia representar se tivesse perdido a eleição? Qual foi a utilidade do governo colocá-la na cadeia?

—Olha, se pensarmos razoavelmente, com bom senso, não adianta perder tempo e recursos assim. Nunca detive qualquer tipo de poder, nem econômico nem social, porque fui um ativista independente. Eu nunca estive em uma organização de direitos humanos como tal. Quer dizer, eu estava fajando sozinho. E ele sabe disso. Mas o problema com uma pessoa como Bukele é que ele é muito imaturo, muito visceral e vingativo.

Deleon nunca acreditou que a perseguição chegaria a esse ponto: "Sempre pensei que ele respeitaria a relação profissional que tive com ele e os resultados que lhe dei", explica. Em agosto de 2021, ela deixou El Salvador com a filha para a Califórnia e foi aconselhada a não retornar. A Iniciativa Mesoamericana de Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos a ajudou a encontrar um lugar para se abrigar no sul do México, enquanto ela solicitava refúgio no país. No começo foi muito difícil, ela conta: o desenraizamento, ficar longe do filho adolescente, explicar para a filha de seis anos que eles estavam fugindo. “E ela me disse: Mas por que vamos fugir? Você roubou alguma coisa?" Agarravam-se ao menor: o sabor de tortilhas, chocolate quente, dois novos amigos, alguns passeios de moto. Em fevereiro deste ano, Dois anos depois de Bukele invadir a Assembleia, ele foi notificado de que havia recebido o status de refugiado e residência permanente neste país. Agora você tem que começar de novo.

Eliezer Budassoff, da Cidade do México para o EL PAÍS. O autor desta reportagem, é editor de projetos especiais para o EL PAÍS na América e no México. Foi diretor editorial do The New York Times em espanhol e editor das revistas Black Label e Green Label. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 24.07.22

Putin desperta sentimento de identidade na Ucrânia

Pesquisas e especialistas confirmam que a invasão russa desencadeou a unidade nacional em um país independente por apenas 30 anos. A agressão de Moscou também alimenta o ultranacionalismo

Um menino com uma bandeira ucraniana no centro de Lviv em março (Luís de Vega)

A Ucrânia é um estado jovem que, desde que conquistou sua independência há 30 anos, vive com um vizinho que nega sua existência. Este vizinho, a Rússia, quer subjugar militarmente a antiga república soviética desde 2014. O sentimento nacional ucraniano vem crescendo exponencialmente desde que Vladimir Putin ordenou a anexação da Crimeia naquele ano e promoveu a revolta dos separatistas em Donbas (no leste). A invasão que começou em fevereiro despertou ainda mais a afinidade da população por uma identidade ucraniana, tanto nas províncias ocidentais quanto naquelas mais próximas da cultura russa, as do leste.

Andrew Wilson, professor de estudos ucranianos da University College London , escreveu na última edição de seu aclamado The ucranianos, nação inesperada (2015, Yale University Press) que a identidade nacional ucraniana ainda está em processo de construção após séculos de sujeição. para potências poderosas, países estrangeiros — Polônia, Império Austro-Húngaro, Rússia czarista e União Soviética. "As nações são formadas por circunstâncias e oportunidades", escreveu Wilson. “Os ucranianos gostam de falar sobre uma 'ideia nacional'. Conceitos como 'nação' pertencem ao domínio da imaginação política e cultural”, refletiu este acadêmico. Putin, segundo sua tese, foi a circunstância determinante para construir o novo cidadão ucraniano.

Em 2014, segundo dados coletados por Wilson em seu livro, o sentimento de pertencimento à Rússia Mundial (Russki Mir) na Ucrânia representava 12% da população, enquanto nas províncias orientais de Donetsk e Lugansk —no Donbas pró-russo—, foi de 24% e 33%, respectivamente. Oito anos depois, e com a invasão varrendo o país, uma das principais instituições de pesquisa da Ucrânia, a Rating, informou nesta primavera que a porcentagem de ucranianos que ainda se consideravam essencialmente russos havia caído de 12% para 8%. Nas regiões orientais, ainda era de 23%, mas o mais significativo sobre o estudo da Rating é que as pessoas que se consideram acima de todos os cidadãos da Ucrânia passaram de 75% para 98% em apenas seis meses.

"A Ucrânia nunca foi considerada uma sociedade fortemente coesa", diz um estudo publicado em abril por Oleksandra Deineko e Aadna Asland, pesquisadores em diversidade regional da Universidade Metropolitana de Oslo. Ruth Ferrero, professora da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidade Complutense de Madri, assim coloca no livro Ucrânia, da revolução de Maidán à guerra de Donbas:"O desenvolvimento da nação ucraniana precedeu a fundação do estado ucraniano, o que impede o desenvolvimento adequado de uma adesão nacional cívica." Os dados coletados no estudo de Deineko e Asland, realizado nos primeiros meses da invasão, confirmaram que houve uma virada de 180 graus: 80% dos cidadãos afirmaram estar participando de tarefas de defesa do país; Antes da invasão, e com o conflito aberto no Donbas e na Crimeia, apenas 20% disseram estar envolvidos como voluntários na sobrevivência da Ucrânia.

Liubomir Marchenko é um empresário de 29 anos de Dnipro, a quarta maior cidade da Ucrânia (970.000 habitantes). No Dnipro, eixo entre as províncias do leste e do oeste, a maioria da população fala russo como língua principal, lembra Marchenko: “Em 2014 não houve mudança substancial na abordagem da cultura russa porque era vista como algo positivo; as estrelas da televisão e da música ou da literatura eram russas”. A ofensiva atual forçou uma mutação neste empresário e seus amigos: “Em 2014 a paixão pela Rússia começou a declinar, mas agora a filiação russa foi quase completamente perdida. Agora estamos plenamente conscientes de que somos ucranianos.” Marchenko salienta que esta mutação não se deve tanto à violência que a Rússia provoca, mas à forma como o país reagiu: “Em 2014, fizemos asneira na Crimeia, Donetsk e Lugansk, mas desta vez a unidade da sociedade e das instituições foi incrível. Isso é o que nos deixa orgulhosos”.

A independência da Ucrânia envolveu a chamada "desrussificação" do novo Estado, um processo que foi acelerado pela revolução pró-europeia que derrubou o presidente pró-russo Viktor Yanukovych em 2014. La apuesta por potenciar el ucranio, lengua reprimida durante siglos, y por revisar la historia nacional fue recibida también con suspicacia desde sectores del este y en las grandes ciudades orientales y del sur —con una población que en buena parte procede de olas migratorias de la União Soviética-. A invasão fez com que muitos ucranianos abandonassem a língua russa .

Controvérsia com o ultra Bandera

Maxim Kultishev é do norte de Kiev e admite que em 2014 ainda estava alheio a qualquer sentimento nacional. A guerra em Donbas e a anexação da Crimeia estavam longe, explica ele, em províncias culturalmente mais próximas da Rússia. “Mas minha vida mudou em março, quando minha casa foi bombardeada”, explicou este homem de 31 anos no último sábado. O exército russo sitiou Kiev sem sucesso, deixando um rastro de morte e destruição nos subúrbios da capital . Kultishev se considera um patriota pela primeira vez.

O homem assistiu a um concerto no último sábado do poeta e músico mais icônico do patriotismo ucraniano contemporâneo, Serhiy Zhadan . A atuação de Zhadan foi uma homenagem ao amigo Taras Bobanich, comandante do batalhão paramilitar Pravi Sektor - sob ordens do Ministério da Defesa - que morreu em combate em abril. Pravi Sektor é um grupo ultranacionalista que atingiu seu maior ápice de influência na revolução Maidan. A propaganda do Kremlin em que a Ucrânia é descrita como um estado nazista foca em casos como esse grupo ou o mais conhecido Batalhão Azov. Mas a verdade é que a extrema direita não conseguiu representação no Parlamento contra a maioria absoluta que tem o Servo do Povo, o partido do presidente Volodímir Zelenski.

Para Pravi Sektor, mas também para patriotas liberais como Zhadan, Zelensky antes da invasão era pouco mais que um político indesejável. Muito próximo e conciliador com a Rússia, em sua opinião. O próprio Zhadan compôs uma música em 2019 na qual pediu a Zelensky que fugisse para Rostock (Rússia), como Yanukovych. Quando a guerra começou, em fevereiro, o poeta retirou a música de seu repertório. Zhadan tem reconhecimento internacional sem dúvida e além de sua qualidade literária. Em junho, ele recebeu o Prêmio Hannah Arendt de Pensamento Político da Fundação Heinrich Böll dos Verdes Alemães. Também em 2022 recebeu o prestigioso Prêmio da Paz dos Livreiros Alemães.

Isso não impede o poeta e músico de dizer durante o concerto que sempre apoiará o Pravi Sektor. Em primeiro lugar, pessoas como Zhadan apreciam que estão lutando na linha de frente e que no Maidan enfrentaram a polícia do governo de Yanukovych.. O público do concerto era uma mistura de jovens de classe média altamente conscientes nacionalmente e elementos radicais do Pravi Sektor. O EL PAÍS viu grupos fazendo a saudação nazista, numerosos membros do batalhão com apetrechos de extrema-direita, até com elementos identificadores da SS nazista. Uma barraca foi montada para vender retratos e livros dedicados ao líder histórico Stepán Bandera e outros referentes de sua organização, a OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos), emblema do ultranacionalismo ucraniano. Se Bandera é visto no resto da Europa como um ultra e aliado do nazismo na Segunda Guerra Mundial, na Ucrânia ele é considerado pela maioria como um dos primeiros combatentes pela independência da Ucrânia — o invasor alemão o deportou para a concentração de Sachsenhausen acampamento para reivindicá-la.

Bandera dedicou ruas em Kyiv e em Lviv. O ex-embaixador ucraniano na Alemanha, Andrij Melnik, provocou uma polêmica em julho deste ano ao defender que Bandera não realizou assassinatos em massa de judeus e poloneses. Zelensky o removeu do cargo. Apesar disso, é improvável encontrar declarações das autoridades ucranianas que rejeitem o legado de Bandera: para muitos ele é, acima de tudo, um herói nacional diante do inimigo russo.

Zhadan não respondeu aos pedidos do EL PAÍS para uma reunião. Em uma entrevista de 2019, ele afirmou que não é nacionalista, embora tenha amigos que são, "porque a Ucrânia é muito mais complexa". Considerado um referente da cultura urbana pós-soviética dos anos 1990, Zhadan acrescentou que nas circunstâncias atuais “ser de esquerda ou de direita na Ucrânia não faz sentido. Dividir as pessoas em esquerda ou direita hoje na Ucrânia não é construtivo."

Não muito longe do show, Anastasia Lazarova, uma funcionária do banco de 40 anos, estava sentada no terraço de um bar. Ela admitiu se sentir desconfortável com o que Pravi Sektor representa. “ A invasão russa exacerbou a rejeição da cultura e da língua russas , até denegrindo a vitória soviética na Segunda Guerra Mundial”, disse esta filha de russos que emigraram para a Ucrânia durante a União Soviética. "Mas os radicais aqui são uma minoria, não como na Rússia", acrescentou, "o problema não são eles, o problema é Putin".

Cristian Segura, enviado especial a Kyiv / Ucrânia, escreve para o EL PAÍS desde 2014. Formado em Jornalismo e diplomado em Filosofia, exerce sua profissão desde 1998. Foi correspondente do jornal Avui em Berlim e depois em Pequim. É autor de três livros de não-ficção e dois romances. Em 2011 recebeu o prêmio Josep Pla de narrativa. Publicado originalmente em 23.07.22

Bolsonaro oficializa candidatura à reeleição e ataca STF

Ao lado de caciques do Centrão, militares saudosos da ditadura, líderes evangélicos ultraconservadores e figuras da extrema direita, presidente convocou apoiadores para novo ato golpista contra o STF.

Com a presença de caciques do Centrão, militares saudosistas da ditadura, líderes evangélicos ultraconservadores, políticos e influenciadores de extrema direita, o PL oficializou em convenção realizada neste domingo (24/07), no Rio de Janeiro, a candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro e a escolha do general Walter Braga Netto como vice na chapa.

O evento, num ginásio do Rio de Janeiro repleto de apoiadores com as cores verde e amarelo, também foi usado como palco pelo presidente para lançar novos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e convocar um novo ato golpista contra o Judiciário.

A abertura da convenção coube ao deputado pastor Marco Feliciano (PL-SP), que comandou uma oração. Depois, o microfone foi passado para a primeira-dama Michelle Bolsonaro, que tem trânsito entre igrejas evangélicas conservadoras e cuja imagem vem sendo instrumentalizada pela campanha como forma de diminuir a forte rejeição que o presidente sofre entre o eleitorado feminino.

"A reeleição não é por um projeto de poder, como muitos pensam, não é por status, porque é muito difícil estar desse lado. A reeleição é por um projeto de libertação", disse Michelle, numa fala carregada de tom religioso. "Declaramos que o Brasil é do Senhor. (...) Ele [Bolsonaro] é o escolhido de Deus."

Falando pouco depois, Jair Bolsonaro também fez uso de linguagem religiosa, adicionando ainda retórica anticomunista e elogios às Forças Armadas. "Esse é um país cristão, de valores, do presente e do futuro."

Na sequência, Bolsonaro passou a repetir falas golpistas e incitou seus apoiadores contra o STF. "Nós temos que respeitar a Constituição", disse Bolsonaro, em um primeiro momento. Pouco depois, uma primeira menção ao STF feita por Bolsonaro provocou fortes vaias e gritos entre os apoiadores. "Supremo é o povo", gritou o público. 

Era apenas um ensaio. Minutos depois, Bolsonaro foi mais explícito, convocando seus apoiadores a irem às ruas "uma última vez" no feriado de 7 de Setembro, tal como ocorreu na data de 2021, quando o presidente atacou o Tribunal em eventos que reuniram milhares de pessoas em Brasília e São Paulo.

"Convoco todos vocês agora para que todo mundo no 7 de Setembro vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez", disse.

"Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo. Todos têm que jogar dentro das quatro linhas da constituição", disse Bolsonaro, que passou a distribuir ataques ao STF depois que ministros da Corte ordenaram a prisão de aliados do governo e tomaram algumas iniciativas para impedir que o governo tumultue as eleições.

Em outro momento, ao se voltar para Braga Netto, Bolsonaro ecoou seu discurso golpista que tenta minar a confiança no sistema eleitoral. Após afirmar que seus apoiadores "são nosso exército", ele disse: "É o exército que não aceita fraude. É o exército que quer, merece e terá respeito, formado por 210 milhões de brasileiros".

O presidente ainda chegou a pedir que seus apoiadores gritassem "juro dar minha vida pela minha liberdade". "Repitam", disse Bolsonaro, que foi atendido pelos presentes.

A convenção do PL ocorre 70 dias antes do primeiro turno da eleição presidencial. No momento, o presidente de extrema direita aparece em grande desvantagem nas pesquisas e seu governo é reprovado por 48% dos brasileiros - somente 26% tem uma visão positiva. Levantamento Datafolha divulgado no final de junho mostra que seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está 19 pontos à frente de Bolsonaro, marcando 47% contra 28%, e com chances de ganhar já no primeiro turno. O PT oficializou a chapa de Lula na última quarta-feira.

Durante o evento deste domingo, Bolsonaro atacou Lula, repetindo várias mentiras e elementos da cartilha bolsonarista, demonstrando que deve continuar a apostar na propagação de fake news contra adversários nesta campanha. Bolsonaro, por exemplo, afirmou falsamente neste domingo que Lula quer "descontruir a heteronormatividade" e que "criou a ideologia de gênero" para que "crianças a partir dos 5 anos de idade" sejam estimuladas a "fazer sexo".

Convenção mais "recheada" que em 2018

Entre os participantes da convenção estavam o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro; o ex-presidente e senador Fernando Collor; o ex-ministros Eduardo Pazuello, Onyx Lorenzoni e Tarcísio de Freitas; o senador Romário; e figuras do baixo clero da extrema direita bolsonarista como os deputados Daniel Silveira, Hélio Lopes e Carla Zambelli, além do advogado Frederick Wassef, que ganhou notoriedade em 2020 após esconder o antigo "faz-tudo" do presidente, Fabrício Queiroz, em um sítio em Atibaia quando este era investigado pela Justiça. O ex-PM Queiroz, por sua vez,  chegou a publicar nesta semana nas redes sociais convocações para a convenção deste domingo, mas não apareceu no evento.

A convenção que oficializou a candidatura à reeleição neste domingo contrastou com o evento que marcou o lançamento do nome de Bolsonaro em 2018. No último pleito, o ato foi organizado pelo então nanico PSL e não contou com a participação de figuras políticas relevantes, acabando por ser dominado por uma mistura de militares da reserva e membros desconhecidos da extrema direita que ainda projetavam seus nomes. Naquela campanha, Bolsonaro só viria a conseguir fechar uma aliança com o também insignificante PRTB, sigla que à época abrigava seu atual vice, Hamilton Mourão, hoje no Republicanos.

Desta vez, com o poder da máquina federal, Bolsonaro oficializou um leque de alianças mais robusto. Saiu de cena o nanico PRTB, entraram o PL, PP, Republicanos e PTB - siglas que somam 179 deputados federais e 19 senadores no Congresso. Caciques do Centrão - grupo de legendas sem ideologia definida que se aproxima de governantes em busca de cargos e verbas - também marcaram presença, entre eles Valdemar Costa Neto (presidente do PL), Ciro Nogueira, (presidente licenciado do PP); e Marcos Pereira (presidente do Republicanos).

Em 2018, vários desses partidos apoiaram a candidatura do então tucano Geraldo Alckmin à Presidência. Na ocasião, Bolsonaro atacou o ex-governador, afirmando que sua aliança reunia "a nata do que há de pior do Brasil". Uma das cenas mais célebres da convenção de 2018 foi o registro do general Augusto Heleno, no palco, ao lado de Bolsonaro, cantarolando "Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão". Desta vez, Heleno nem participou da convenção.

Embora a rejeição retórica contra o Centrão tenha arrefecido nas fileiras bolsonaristas, isso está longe de ser um sinal de moderação do presidente. Diante da desvantagem nas pesquisas, Bolsonaro tem multiplicado ataques ao sistema eleitoral, especialmente às urnas eletrônicas, espalhando mentiras sobre a segurança dos equipamentos e direcionando críticas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao STF.

A estratégia vem sendo encarada por observadores como um ensaio para uma eventual tentativa de golpe de estado no caso de uma derrota, a exemplo do que ocorreu nos EUA após o pleito de 2020, quando o republicano Donald Trump - ídolo de Bolsonaro - espalhou falsas acusações de fraude na votação e instigou uma violenta insurreição contra o Congresso americano após fracassar na sua tentativa de reeleição.

Embora os principais políticos do Centrão tenham evitado abraçar na totalidade os ataques às urnas e a retórica golpista de Bolsonaro, os caciques partidários têm mostrado pouco incômodo com as ações do presidente. Ciro Nogueira, por exemplo, chegou a afirmar nesta semana que Bolsonaro tem o "direito de criticar" as urnas eletrônicas.

Braga Netto oficializado como vice

Enquanto a modesta convenção de 2018 foi marcada pela ausência de anúncio do companheiro de chapa presidencial, o evento deste domingo tratou logo de oficializar quem será o vice de Bolsonaro: o general Walter Braga Netto. Desta vez, o presidente decidiu não concorrer ao lado do atual vice, general Hamilton Mourão.

General quatro estrelas de 65 anos, Braga Netto ganhou projeção quando chefiou a operação militar de intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, em 2018, durante o governo do presidente Michel Temer. No período, o estado registrou melhora em alguns índices de criminalidade, mas o saldo final foi alvo de críticas: o número de tiroteios teve um aumento robusto e o número de mortes causadas pela polícia explodiu. A intervenção também foi marcada por episódios trágicos como o assassinato da vereadora de esquerda Marielle Franco por dois ex-policiais ligados ao crime organizado.

Braga Netto (esq.) defendeu ditadura militar de 1964 quando comandou pasta da DefesaFoto: EVARISTO SA/AFP

Sob o governo Bolsonaro, Braga Netto ganhou ainda mais destaque. Em 2020, ele assumiu o cargo de ministro-chefe da Casa Civil do governo. Na pasta, coordenou as ações do governo federal no primeiro ano da pandemia, período que foi marcado pela explosão de casos da doença, atrasos na compra de vacinas e promoção de tratamentos ineficazes e até potencialmente perigosos.

Braga Netto, no entanto, foi em grande medida poupado pela CPI da Pandemia, que evitou antagonizar de frente com as Forças Armadas cooptadas por Bolsonaro. Em 2021, quando passou para a comandar o Ministério da Defesa, o general chegou a divulgar uma nota em tom de ameaça contra o presidente da CPI, senador Omar Aziz, após este apontar que "membros da parte podre das Forças Armadas" estavam "envolvidos com falcatrua dentro do governo".

Ainda em 2021, dez dias após assumir a pasta da Defesa, Braga Netto divulgou uma ordem do dia direcionada aos quartéis no qual defendeu a celebração do golpe militar de 1964. No texto, o então ministro chamou o golpe de "movimento de 31 de março de 1964" e não fez qualquer menção à ditadura que foi instalada posteriormente ou à dura repressão ocorrida neste período, onde reinou a censura e perseguição política.

Braga Netto repetiu a dose em 2022, desta vez afirmando que o golpe "fortaleceu a democracia" e foi "um marco histórico da evolução da política brasileira".

Jean-Philip Struck, do Rio de Janeiro, RJ, para Deutsch Welle, em 24.07.22

sábado, 23 de julho de 2022

Varíola dos macacos: quais os sintomas? Tem cura? Como é a transmissão?

A OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou neste sábado (23) que a varíola dos macacos é uma emergência sanitária global. A decisão foi tomada depois de semanas de uma indefinição por parte dos especialistas diante da expansão da doença e do potencial risco de contaminação.

Com mais de 600 casos no Brasil, a varíola dos macacos tem causado alerta na comunidade científica e gerado perguntas entre a população. Quais os sintomas da doença? Como é a transmissão? Ela pode matar?

A seguir, dois infectologistas tiram dúvidas sobre o assunto que tem gerado preocupação em médicos e cientistas pelo mundo com o surto de casos fora da África, algo raro para a doença que costumava se limitar ao continente.

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O que é a varíola dos macacos?

É uma zoonose viral, isto é, uma doença infecciosa que passa de animais para humanos, causada pelo vírus de mesmo nome (varíola dos macacos). Este vírus é membro da família de Orthopoxvirus, a mesma do vírus da varíola, doença já erradicada entre os seres humanos.

Onde surgiu a varíola dos macacos?

A varíola dos macacos foi identificada pela primeira vez em 1958 entre macacos de laboratório. O primeiro caso em humanos foi notificado em 1970, na República Democrática do Congo, e desde então a doença tem sido detectada em países nas regiões central e ocidental da África, sendo considerada endêmica lá, ou seja, com incidência relativamente constante ao longo dos anos.

Somente em 2003 a doença foi registrada fora daquele continente —naquele ano, ocorreu um surto nos Estados Unidos entre pessoas que tinham como animal de estimação cão-da-pradaria (um tipo de roedor) e que haviam tido contato próximo com um grupo de animais importados da África. Não se sabe se os macacos são a espécie onde este vírus surgiu precisamente.

Por que surgiram muitos novos casos da varíola dos macacos?

Uma investigação epidemiológica está em andamento para tentar explicar o motivo do surgimento dos surtos atuais. Existem algumas hipóteses, entre elas:

O vírus sofreu uma mutação, o que tornou sua capacidade de transmissão muito mais eficiente;

A diminuição na proteção gerada pela vacina contra varíola desde que os programas de vacinação foram suspensos há cerca de 40 anos;

Um nicho populacional novo propício para a disseminação.

Quais os sintomas da varíola dos macacos?

A doença começa com febre, fadiga, dor de cabeça, dores musculares, ou seja, sintomas inespecíficos e semelhantes a um resfriado ou gripe. Em geral, de a 1 a 5 dias após o início da febre, aparecem as lesões cutâneas (na pele), que são chamadas de exantema ou rash cutâneo (manchas vermelhas). Essas lesões aparecem inicialmente na face, espalhando para outras partes do corpo.

Elas vêm acompanhadas de prurido (coceira) e aumento dos gânglios cervicais, inguinais e uma erupção formada por pápulas (calombos), que mudam e evoluem para diferentes estágios: vesículas, pústulas, úlcera, lesão madura com casca e lesão sem casca com pele, completando o processo de cicatrização. Vale ressaltar que uma pessoa é contagiosa até que todas as cascas caiam —as casquinhas contêm material viral infeccioso— e que a pele esteja completamente cicatrizada.

Os casos atuais têm apresentado alguns elementos atípicos, como a ausência dos sintomas de mal-estar iniciando o quadro clínico, e também a manifestação do exantema que começa na área genital e perianal e pode não se espalhar para outras partes do corpo.

Como é a transmissão da varíola dos macacos?

A varíola dos macacos não se espalha facilmente entre as pessoas —a proximidade é fator necessário para o contágio. Sendo assim, a doença ocorre quando o indivíduo tem contato muito próximo e direto com um animal infectado (acredita-se que os roedores sejam o principal reservatório animal para os humanos) ou com outros indivíduos infectados por meio das secreções das lesões de pele e mucosas ou gotículas do sistema respiratório.

A transmissão pode ocorrer também pelo contato com objetos contaminados com fluídos das lesões do paciente infectado —isso inclui contato a pele ou material que teve contato com a pele, por exemplo as toalhas ou lençóis usados por alguém doente.

Qual o tempo de incubação do vírus?

O tempo de incubação —intervalo entre o contato com uma pessoa infectada e o aparecimento do primeiro sintoma— é entre 5 e 21 dias.

Como é feito o diagnóstico da varíola dos macacos?

O diagnóstico clínico, baseado em sinais, sintomas e história, pode ser facilmente confundido com outras condições, como catapora ou molusco contagioso.

O diagnóstico definitivo requer teste de laboratório específico, o PCR que detecta o vírus nas lesões de pele, mas essa ferramenta não está disponível em laboratórios clínicos, somente em alguns laboratórios de referência fora do Brasil, e, ainda assim, em quantidade limitada.

Qual o tratamento para a varíola dos macacos?

A varíola dos macacos tende a ser leve e, geralmente, os pacientes se recuperam em algumas semanas sem tratamento específico, apenas com repouso, muita hidratação oral, medicações para diminuir o prurido e controle de sintomas como febre ou dor.

Existem medicamentos antivirais, como o tecovirimat e o cidofovir, que podem ser usados em pessoas sob risco de complicações, mas que não são facilmente disponíveis comercialmente.

A varíola dos macacos tem cura?

Sim, como na maioria das viroses agudas, o próprio sistema imunológico é capaz de eliminar o vírus e o paciente ficar completamente curado, sem intervenção alguma. No entanto, é essencial controlar e quebrar as cadeias de transmissão por meio da identificação de casos, com orientação de isolamento, a fim de se reduzir o número total de infectados.

A vacina da varíola humana protege contra a varíola dos macacos?

Sim, estudos apontam que a vacinação prévia contra varíola pode ser eficaz contra a varíola de macacos em até 85% —isso ocorre porque ambos os vírus pertencem à mesma família e, portanto, existe um grau de proteção cruzada devido à homologia genética entre eles. Entretanto, como a varíola humana foi erradicada há mais de 40 anos, atualmente não há vacinas disponíveis para o público em geral.

Qual a diferença entre a varíola dos macacos e a varíola humana?

As duas doenças têm sintomas semelhantes, porém a varíola dos macacos parece ser mais leve e menos contagiosa do que a versão humana. A varíola humana foi um flagelo de grandes proporções, com mortalidade em 30% dos casos de infecção —ela foi erradicada em 1980.

Varíola dos macacos pode matar?

Pode, mas o risco é baixo. Existem dois grupos distintos do vírus da varíola de macacos circulando no mundo, agrupados com base em suas características genéticas: um predominantemente em países da África Central —com taxa de fatalidade de cerca de 10%—, e outro circulando na África Ocidental, com taxa bem menor, de 1%. A vigilância genômica ainda incipiente mostra que o vírus em circulação fora do continente africano é o menos letal.

Complicações podem ocorrer, principalmente infecções bacterianas secundárias da pele ou dos pulmões, que podem evoluir para sepse e morte ou disseminação do vírus para o sistema nervoso central, gerando um quadro de inflamação cerebral grave chamado encefalite, que pode ter sequelas sérias ou levar ao óbito.

Além disso, como toda doença viral aguda, a depender do estado imunológico do paciente e das condições e acesso à assistência médica adequada, alguns casos podem levar à morte.

Fonte: Ana Luíza Gibertoni Cruz, médica infectologista da UK Health Security Agency e pesquisadora no Departamento de Saúde Populacional da Universidade de Oxford, na Inglaterra; José David Urbaez Brito, médico infectologista, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. Texto de Bárbara Therrie. Publicado originalmente no UOL, em 23.07.23

Brasil registra 153 mortes por Covid e 24 mil casos da doença neste sábado (23)

A média móvel de casos ficou em 42.147 infecções por dia, uma queda de 28% em relação ao dado de duas semanas atrás

Sepultadores paramentados enterram caixão no Cemitério Vila Formosa, em São Paulo - Mathilde Missioneiro - 27.abr.2021/Folhapress

O Brasil registrou 153 mortes por Covid-19 e 24.268 casos da doença neste sábado (23). Com esta atualização, o país chega a 676.979 vidas perdidas e a 33.578.741 pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2 desde o início da pandemia.

A média móvel de casos ficou em 42.147 infecções por dia, uma queda de 28% em relação ao dado de duas semanas atrás. Já a média de mortes agora é de 232 por dia, o que representa uma situação de estabilidade, ou seja, sem variações superiores a 15%, também em relação ao dado de duas semanas atrás.

Os dados do país, coletados até 20h, são fruto de colaboração entre Folha, UOL, O Estado de S. Paulo, Extra, O Globo e G1 para reunir e divulgar os números relativos à pandemia do novo coronavírus.

As informações são compiladas pelo consórcio de veículos de imprensa diariamente com as Secretarias de Saúde estaduais.

O consórcio de veículos de imprensa deixou de atualizar os números de vacinados contra a Covid-19 nos fins de semana e feriados. Nos dias úteis, os dados serão atualizados normalmente. A medida visa evitar imprecisões nos números informados ao leitor.

A mudança ocorre devido a problemas na consolidação dos dados de vacinação pelas secretarias estaduais. Diversos estados não atualizam o total de vacinados aos fins de semana e feriados, e mesmo os que o fazem, por vezes, informam números desatualizados, que não correspondem à realidade e costumam ser corrigidos nos dias seguintes.

Publicado originalmente pela Folha de S. Paulo online em 23.07.22

Covid volta a acender alerta na Europa, que vive 7ª onda e teme nova alta no inverno

OMS destaca risco de 'meses difíceis'; em meio a flexibilização geral, cientistas pedem mais ação de governos

Mulher com máscara caminha em frente ao Louvre, em Paris - Aurelien Morissard - 8.jul.22/Xinhua

Mais de dois anos após o início da pandemia, a Europa volta a lidar com o avanço do coronavírus e um aumento de internações devido à doença. A sétima onda da Covid, impulsionada pela disseminação de subvariantes da ômicron, acende o alerta para o risco de uma explosão de casos no outono e no inverno no hemisfério Norte.

Epicentro das infecções no começo da crise sanitária, o continente voltou ao centro das atenções: o boletim mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), na quinta-feira (21), mostrou que nos sete dias anteriores a Europa concentrou 44% dos novos casos no mundo.

O quadro, ainda que menos grave em relação a outros momentos, fez com que a OMS alertasse para a possibilidade do que chamou de meses difíceis depois do verão europeu, caso as autoridades não tomem providências desde já.

"Esperar para agir no outono [a partir de setembro] será tarde demais", destacou o diretor regional para a Europa, Hans Kluge. O número de novas infecções triplicou nas últimas seis semanas, e as taxas de hospitalização dobraram no mesmo período.

O Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) indicou que 12 dos 27 países da União Europeia relataram em 10 de julho aumento da ocupação em hospitais em relação à semana anterior, e que 23 registraram aceleração de casos em pessoas com 65 anos ou mais.

Ainda que as internações em UTIs permaneçam, por ora, relativamente baixas, 3.311 pessoas morreram no continente em uma semana, segundo a OMS —número distante do pico de janeiro de 2021, quando, ainda sem a proteção das vacinas, 40 mil pessoas perderam a vida no mesmo período.

A imunização tem taxas relativamente satisfatórias —segundo o ECDC, na UE 75,4% da população recebeu ao menos uma dose. Mas o ritmo de ampliação da cobertura vacinal deixou de avançar numa velocidade desejável. Mais de um ano depois do início das campanhas de imunização, a taxa da segunda dose no bloco é de 72,8%, a da primeira dose de reforço chega a 53% e a da segunda ainda está em 5,1%.

Autoridades de saúde não esperam que a onda atual provoque mortes nos patamares do primeiro ano da pandemia, mas especialistas expressam preocupação com a estrutura dos sistemas de saúde para uma possível enxurrada de novos infectados. Holanda, Hungria e Luxemburgo são os países da UE com o maior percentual de novos casos confirmados em uma semana (61%, 51% e 48% de aumento, respectivamente), e esse avanço não se limita ao bloco.

Editorial conjunto de duas revistas médicas britânicas enfatizou preocupações no Reino Unido ao indicar que, nos últimos 50 anos, nunca tantas áreas do setor de saúde estiveram tão perto de "deixar de funcionar efetivamente", prenunciando o que pode vir a ser um colapso em função da alta na Covid.

Foram 9.000 admissões hospitalares devido ao vírus por semana nos primeiros seis meses e meio deste ano; em 2021, a média era de 6.000, e, no primeiro ano de pandemia, 7.000, indicaram os editores de The BMJ e Health Service Journal, que também criticaram a falta de medidas enérgicas das autoridades.

"Infelizmente, o governo está preocupado demais em resolver os próprios desastres políticos para fornecer à população o apoio que precisa", diz Stephen Griffin, virologista da Universidade de Leeds. Segundo ele, o país tem filas em hospitais por falta de pessoal, ao mesmo tempo que o financiamento de medidas de combate à Covid vem sendo cortado.

Prevalecem entre as novas infecções na Europa as subvariantes da ômicron BA.4 e BA.5 —que superam a marca de 90% dos casos também no Brasil. Estudos apontam que as cepas, detectadas na África do Sul no início de 2022, são mais contagiosas do que as anteriores BA.1 e BA.2.

Outro aspecto que mudou são as medidas de prevenção. Nos últimos meses, governos europeus descartaram muitas das táticas usadas na contenção do vírus, entre as quais o uso obrigatório de máscaras, os testes em massa, o comprovante de vacinação e a exigência de testes para viajantes.

A flexibilização foi autorizada após o avanço da vacinação e a queda no número de mortes, mas contou com a pressão dos impactos econômicos dos lockdowns, agravados neste ano pela Guerra da Ucrânia.

Pesquisa global de março da consultoria McKinsey apontou a instabilidade geopolítica como principal preocupação para o crescimento econômico doméstico, seguida pela inflação e pela volatilidade dos preços da energia —a Covid, que liderava a lista, foi só o oitavo motivo mais citado.

Fora da Europa, outros alertas estão se acendendo. Nos EUA, de 4 a 11 de julho foram registrados 866,4 mil casos, aumento de 17,2% em relação à semana anterior. O número é quase quatro vezes maior do que a média de março, ainda que esteja longe do pico de 5,6 milhões, visto em janeiro. No país, onde a cobertura vacinal também avança mais lentamente, 67% dos habitantes estão com o primeiro ciclo de imunização completo, e a média de mortes é de 414 por dia.

Na ponta oposta, a África é o continente com o menor número de novos casos confirmados em uma semana, mesmo com a taxa mais baixa de vacinação —há que se pesar também a subnotificação. Segundo a OMS, 36,2 vacinas foram aplicadas no continente para cada 100 pessoas, bem distante das 171,2 na Europa e 188,15 nas Américas.

O aumento de casos e hospitalizações em várias regiões é explicado, em parte, porque a resposta imune das vacinas é menor contra as novas subvariantes —os imunizantes, porém, permanecem eficazes. ​

Segundo o presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José David Urbaez, o quadro sugere que a Covid não se tornou sazonal e, com o surgimento de variantes, é difícil traçar uma perspectiva a longo prazo. "A pandemia não tem a mesma magnitude de antes, mas não temos como prever o fenômeno evolutivo das variantes. Por isso, governos precisam ser muito mais prudentes."

Renan Marra para a Folha de S. Paulo, em 23.07.22

‘Já temos um golpe em curso no País’, diz Janones ao formalizar candidatura a presidente

“Tenho tolerância zero para gente que quer tumultuar a democracia, para esses pilantras que não querem trabalhar, como Bolsonaro e companhia limitada”. O presidenciável ainda disse esperar que as instituições também se posicionem de forma contrária e reajam às falas em prol de uma possível ruptura do processo democrático.

Candidato do Avante aproveita prestígio de Zema em Minas e participa também de convenção do Novo (Foto: Carlos Eduardo Cherem

O Avante formalizou a candidatura do deputado federal André Janones (MG) à Presidência da República neste sábado, 23, durante convenção nacional da legenda, em Belo Horizonte. Ainda não há definição para vice. Sem citar o nome do presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem será adversário nas urnas, o postulante ao Planalto fez duras críticas ao governo atual e afirmou haver um “golpe em curso” no País.

“Já temos um golpe em curso no País. As eleições vão decidir se continuaremos sendo governados por fascistas e golpistas ou vamos continuar tendo um regime democrático no Brasil”, afirmou Janones.

Na última segunda-feira, 18, o presidente Bolsonaro reuniu embaixadores no Palácio da Alvorada para desacreditar o sistema eletrônico de votação e fazer críticas aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em seu discurso neste sábado, o candidato do Avante afirmou que os ataques do chefe do Executivo ao Judiciário e à imprensa fragilizam o estado democrático brasileiro. “Não estamos vivendo em um estado democrático com os sistemáticos ataques feitos, dia e noite, contra a imprensa e o STF”, disse.

Sobre o fato de ter em torno de 2% das intenções de voto nas pesquisas eleitorais, Janones afirmou que “ninguém vai definir até onde vai seu sonho”. O deputado é um dos que disputam espaço entre os eleitores que não apoiam nem Bolsonaro e nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líderes na corrida pelo Planalto.

O deputado federal André Janones (Avante-MG) foi oficializado como candidato à Presidência neste sábado, 23.  

As críticas endereçadas por Janones ao presidente neste sábado ocorreram na esteira de outras declarações do candidato contra Bolsonaro. Em entrevista ao Estado de Minas nesta sexta-feira, 22, ele afirmou que o chefe do Executivo é um “pilantra que não quer trabalhar”.

Ao jornal, Janones disse que Bolsonaro deseja uma ruptura institucional, mas não tem competência para que uma potencial tentativa tenha sucesso. “Entre a tentativa e a consolidação de um golpe há uma distância gigante”, afirmou.

Mineiro de Ituiutaba (MG), o advogado e deputado André Janones (Avante-MG), 38 anos, ganhou notoriedade ao autoproclamar-se líder da greve de caminhoneiros de 2018, que parou o país, e acabou sendo eleito naquele ano como o terceiro mais votado em Minas Gerais para a Câmara dos Deputados, na esteira do bolsonarismo, com 178.660 votos (1,77% dos votos válidos dos mineiros). Janones tem atualmente cerca de 2 milhões de seguidores nas redes sociais.

O Novo e o PSD, que têm o governador Romeu Zema e o ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), à frente na disputa, realizam suas convenções também neste fim de semana. O Novo faz sua convenção estadual neste sábado, 23, também em Belo Horizonte, formalizando a candidatura de Zema à reeleição e as chapas para deputados estaduais e federais. Os nomes para concorrer a vice-governador e senador na chapa do mandatário ainda dependem de negociações.

O PSD, por sua vez, lança neste domingo (24), a candidatura de Kalil, oficializando a chapa majoritária do ex-prefeito da capital, com o deputado estadual André Quintão (PT), como candidato a vice, e o senador Alexandre Silveira (PSD-MG), que busca a reeleição no Senado.

Carlos Eduardo Cherem para O Estado de S. Paulo, em 23.07.22

Justiça condena a sete anos de prisão ex-presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins por concussão e associação criminosa

Willamara Leila de Almeida, desembargadora aposentada compulsoriamente, foi o principal alvo da Operação Maet, da Polícia Federal, que em 2010 desvendou esquema de venda de sentenças judiciais

Tribunal de Justiça do Tocantins. Foto: Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

O juiz Luiz Zilmar dos Santos Pires, da 2ª Vara Criminal de Palmas, condenou a ex-presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins Willamara Leila de Almeida a sete anos de reclusão, em regime inicial semiaberto por crimes de concussão e associação criminosa. A sentença foi proferida na esteira da Operação Maet – investigação sobre a venda de decisões judiciais – e também atingiu o ex-vice-presidente da corte Carlos Luiz de Souza, condenado a dois anos e oito meses de reclusão, em regime inicial aberto por corrupção passiva qualificada. Willamara, Souza e os outros sentenciados podem  recorrer da decisão em liberdade.

Já com relação ao ex-desembargador Amado Cilton Rosa, também denunciado pelo Ministério Público Federal no âmbito da ‘Maet’, o juiz Luiz Zilmar dos Santos Pires considerou que estava prescrita imputação de concussão. Rosa ainda foi absolvido das acusações de corrupção passiva, corrupção passiva qualificada e peculato.

O caso chegou à primeira instância da Justiça Federal do Tocantins após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida em 2021. A corte declinou da competência do caso que lá tramitava, após os três desembargadores – Willamara, Souza e Rosa – serem condenados pelo Conselho Nacional de Justiça à pena de aposentadoria compulsória.

A ação na qual os ex-desembargadores do Tribunal de Justiça de Tocantins foram condenados parte de denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal em 2011. A acusação foi elaborada no ano seguinte à deflagração da Operação Maet – em dezembro de 2010, a Polícia Federal abriu a ofensiva e chegou a prender Willamara e Souza, além do desembargador Libertato Póvoa – também denunciado, mas falecido em 2019.

A sentença de 244 páginas da Maet, dada 11 anos após a denúncia ser oferecida pelo MPF, indica que a condenação por concussão de Willamara envolve a liberação de quatro precatórios, entre eles um que previa uma indenização de R$ 100 milhões, no âmbito de uma ação de desapropriação.

Nesse caso, Pires entendeu que dois advogados, também sentenciados por concussão, exigiram propina aos beneficiários do precatório, em conjunto com a desembargadora. A magistrada acabou absolvida de uma imputação de corrupção passiva, também envolvendo precatórios.

Já com relação à condenação por associação criminosa, o juiz federal entendeu que ‘ficou clara a estabilidade’ do grupo que ‘atuou entre 2009 a 2010 exigindo porcentagens para liberação de alvarás, cada um à medida de sua participação exposta.

“A finalidade do grupo era a mesma, ou seja, obtenção de vantagem ilícita mediante o recebimento de valores dos beneficiários dos Precatórios”, escreveu o juiz. O marido da magistrada também foi sentenciado por associação criminosa.

Quanto ao desembargador Carlos Luiz de Souza, a condenação por corrupção passiva se deu em razão da venda de um agravo de instrumento – tipo de recurso – envolvendo o Instituto de Ensino Superior de Porto Nacional (IESPEN), sociedade de economia mista com parte de cotas pertencentes à Prefeitura de Porto Nacional (TO).

O Ministério Público Federal narrou que na primeira sessão de julgamento do recurso, após o voto da relatora, negando o agravo, Carlos Luiz de Souza pediu vista – mais tempo para análise . Já na retomada da discussão do caso, Souza e o desembargador votaram conforme um acerto feito com advogados, acusou a Procuradoria.

Ao analisar tal fato específico, juiz Luiz Zilmar dos Santos Pires considerou que dois advogados intermediaram a compra de votos do caso, para favorecer seu cliente, ressaltando que os desembargadores Carlos Souza e Liberato receberam valores em razão do acerto, juntamente com seus assessores (também condenados).

COM A PALAVRA, A DEFESA DE WILLAMARA

Os advogados de Willamara afirmaram ao Estadão que não vão se pronunciar no momento, uma vez que ainda não puderam analisar a íntegra da decisão, mas afirmaram que têm ‘confiança na inocência’ da ex-desembargadora e já indicaram que vão recorrer da condenação.

COM A PALAVRA, OS DEMAIS CITADOS

A reportagem busca contato com as defesas. O espaço está aberto para manifestações.

Correções

21/07/2022 | 18h57

A matéria foi corrigida para fazer constar que a decisão é da Justiça Estadual do Tocantins. Inicialmente registrava que a decisão era da Justiça Federal.

Pepita Ortega e Fausto Macedo para O Estado de S. Paulo, em 21.07.22.

Rússia vive êxodo de profissionais críticos à guerra

Estima-se que mais de 100 mil profissionais russos já deixaram país por medo de perseguição. Os que ficam, arriscam seus empregos e liberdade. "Há uma espécie de guerra fria civil acontecendo na Rússia", diz professora

As últimas correções feitas antes das férias escolares na Rússia podem ser as últimas da vida profissional da professora de matemática Tatiana Chervenko. Ela espera manter o emprego no próximo ano letivo, mas ainda está incerto.

A docente se tornou um incômodo para a direção da escola em Moscou devido a seu posicionamento decidido contra a guerra na Ucrânia. "Estão me pressionando, devagar mas com constantemente, mesmo envolvendo coisas que parecem triviais", conta, em entrevista à DW.

Como exemplo, Chervenko mostra um caderno de exercícios com a margem rabiscada de caneta. Um rabisco realmente inofensivo feito por um aluno. "Não tinha prestado atenção, é claro, mas a diretora me repreendeu por isso. Eu não teria cumprido meu dever. Eu deveria ter chamado os pais do aluno na escola. Só por esses rabiscos!"

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro, centenas de russos saíram às ruas contra a "operação militar especial" ordenada pelo presidente Vladimir Putin. Chervenko era uma deles. Embora o protesto tenha sido pacífico, foi presa e teve que pagar uma multa equivalente a cerca de 300 euros.

Em seguida, foi chamada pela diretora da escola para uma conversa sobre suas opiniões políticas: "Sabemos da sua ação. É inadmissível." Chervenko  perguntou por que, já que fora ao protesto em seu tempo livre. "Ela respondeu: sim, mas os pais de seus alunos podem ser contra." Desde então, a administração da escola a em na mira.

"Simplesmente vão embora"

A história de Tatiana Chervenko não é única: funcionários públicos estão sendo intimidados em toda a Rússia. Eles ouvem que quem é contra a guerra é contra o Estado, e por isso deveriam abandonar seus cargos voluntariamente.

Ameaças dirigidas a reitores de universidades russas partiram recentemente da Duma, a câmara baixa do parlamento russo. O presidente da Casa, Vyacheslav Volodin, do mesmo partido de Putin, o Rússia Unida, declarou: "É uma questão de segurança do nosso Estado. Trata-se do futuro do nosso país. É por isso que vocês, queridos reitores, devem estar cientes de sua responsabilidade, com toda tolerância. Se não, simplesmente vão embora. Levantem-se e vão embora."

Presidente da Duma, Vyacheslav Volodin dir., diante de Putin), ameaçou reitores de universidades russas: "Trata-se do futuro do nosso país. Vocês devem estar cientes da sua responsabilidade. Se não, levantem-se e vão embora.("Foto: Kremlin Pool/Russian Look/imago images)

A Aliança de Professores do país teme que tais declarações de altas autoridades cheguem à base como um chamado à ação, e que os educadores de pensamento crítico sejam silenciados.

"Isso é fatal para a Rússia. Para toda a sociedade russa. Atualmente estamos passando por uma espécie de guerra fria civil na Rússia", critica Svetlana Lozovskaya, membro da associação de professores. A sociedade está dividida, mas a natural da cidade de Ulan-Ude, espera que os críticos sigam no país e digam a verdade até o fim.

A verdade é que há cada vez menos deles na Rússia. Estima-se que mais de 100 mil profissionais russos já deixaram o país por medo de perseguição após criticarem o Kremlin. Jornalistas, pesquisadores, especialistas em TI, artistas e atores fogem para Alemanha, Geórgia, Turquia ou países bálticos.

Não mais inofensivos

Um deles é Konstantin Mikhailov, um conhecido jovem historiador e erudito religioso. Ele está há algumas semanas em Viena e, como pesquisador, gostaria de poder falar livremente sobre seu trabalho.

"Há cada vez mais proibições; o poder estatal interfere cada vez mais na história, da qual ele sabe muito pouco. Por isso preferi falar até mesmo de coisas inofensivas a uma distância segura."

Porque o que antes era inofensivo deixou de sê-lo para as autoridades russas: Mikhailov faz pesquisas no campo da Igreja Ortodoxa Russa, com foco nas questões de gênero, incluindo a homossexualidade, e esse é um tema arriscado na Rússia moderna.

Atualmente ele trabalha num livro sobre novos movimentos religiosos. Porém cada vez mais movimentos religiosos estão sendo declarados extremistas na Rússia. "É claro que não sou membro desses movimentos, mas eu mesmo poderia ser declarado extremista por pesquisá-los.", conta. Apesar de oficialmente ainda não haver censura na Rússia, "há uma autocensura organizada pelo Estado", afirma Mikhailov.

Sanções também afetam

Além da postura aberta contra a guerra, há também fatores muito práticos que motivam os russos, especialmente os mais jovens, a deixarem o país. É o caso do especialista em TI Roman Stich, de 23 anos, que trabalha principalmente para clientes no exterior.

Com a exclusão da Rússia do sistema internacional de transferência de dinheiro Swift, na esteira das sanções ocidentais devido à guerra, ficou praticamente impossível fazer negócios a partir de Moscou.

"Eu emprego 80 funcionários, e pensei neles acima de tudo. Além disso, há razões políticas. Não quero pagar impostos para uma Rússia militarista e não quero mais ser associado a esse país. Também não quero ter nada a ver com isso no futuro."

Ao contrário de Stich, a professora de matemática Tatiana Chervenko não quer voltar as costas à Rússia. Ela conta que recentemente uma aluna a procurou em lágrimas, dizendo que tinha parentes na Ucrânia e não sabia com quem podia conversar sobre isso. É justamente nesses momentos que ela quer ser procurada como professora.

No momento, Chervenko está de férias. Se perder seu emprego no retorno às aulas, a docente diz que irá à Justiça. Ela quer lutar até o fim.

Juri Rescheto para Deutsche Welle, em 23.07.22

OMS declara varíola dos macacos emergência de saúde global

Mais de 16 mil casos já foram registrados em 75 países, 80% deles na Europa, atual epicentro do surto. Medida visa facilitar a coordenação internacional do combate à doença.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou neste sábado (23/07) a varíola dos macacos uma emergência de saúde global, depois que mais de 16 mil casos já foram declarados (cinco deles fatais) em 75 países, 80% deles na Europa, onde a doença não era endêmica. O continente é atualmente epicentro mundial do surto.

A decisão foi anunciada em conferência de imprensa pelo diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, dois dias depois de uma comissão de emergência com especialistas na doença se reunir para analisar a declaração, que obriga as redes nacionais de saúde a aumentar as suas medidas preventivas.

Essa comissão havia recomendado não declarar a emergência em uma primeira reunião, realizada em junho (quando os casos eram 3 mil). Neste último encontro, segundo Tedros, também não houve consenso total entre os especialistas. Mesmo assim, o diretor-geral decidiu declarar a emergência diante do elevado e crescente número de casos em várias regiões do planeta.

Entre os critérios usados pela OMS para declarar essa emergência, destacou Tedros, está o fato de que "o vírus está se espalhando rapidamente em muitos países onde antes não havia casos".

"Temos um surto que se espalhou rapidamente pelo mundo através de novos modos de transmissão sobre os quais também entendemos pouco e que atende aos critérios dos regulamentos internacionais de saúde'', disse Tedros. "Eu sei que este não foi um processo fácil ou direto e que existem opiniões divergentes entre os membros" do comitê, ele adicionou.

Nível mais alto de alerta

Uma emergência global é o nível mais alto de alerta da OMS, mas a designação não significa necessariamente que uma doença é particularmente transmissível ou letal.

Tedros afirmou ainda que o risco de contágio da varíola dos macacos subiu para um nível "alto" na Europa, que concentra 80% dos casos, mantendo o nível "moderado" no resto do mundo.

O chefe da OMS sublinhou que apesar do alerta global, o surto "está concentrado sobretudo em homens que fazem sexo com outros homens e com múltiplos parceiros", grupo para o qual solicitou assistência e informação sobre a doença.

Ele ressaltou que isso deve ser feito com medidas que protejam a dignidade e os direitos humanos das comunidades afetadas, pois, "o estigma e a discriminação podem ser tão perigosos quanto qualquer vírus".

Sétima emergência global

É a sétima vez que a OMS declara emergência global (mecanismo iniciado em 2005), depois de o ter feito para a gripe A em 2009, o Ébola em 2014 e 2018, a poliomielite em 2014, o vírus Zika em 2017 e o coronavírus, causador da covid-19, em 2020, sendo que o último nível de alerta ainda está em vigor.

 A declaração de emergência serve principalmente como um apelo para atrair mais recursos globais e atenção a um surto. Os anúncios anteriores tiveram impacto misto, uma vez que a agência de saúde da ONU é, em grande parte, impotente em fazer os países agirem.

O chefe de emergências da OMS, Michael Ryan, disse que o diretor-geral tomou a decisão de colocar a varíola nessa categoria para assegurar que a comunidade global leve os surtos atuais a sério.

Embora a varíola dos macacos tenha sido estabelecida em partes da região central e ocidental da África por décadas, não era conhecida por desencadear grandes surtos além do continente ou se espalhar amplamente entre as pessoas até maio, quando autoridades detectaram dezenas de focos na Europa, América do Norte e em outros lugares.

Declarar uma emergência global significa que o surto de varíola é um "evento extraordinário'' que pode se espalhar para mais países e requer uma resposta global coordenada.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, em 23.07.22

STJ mantém prisão de empregado de pet shop que enforcou cachorro

O crime só foi descoberto após a revelação de imagens feitas por uma câmera da loja de Maceió. Elas mostravam o homem puxando a coleira do animal com violência durante uma tosa. O cachorro morreu e o funcionário foi preso em flagrante.

Funcionário puxou coleira do animal com violência durante tosa (Dollar Photo Club)

Por entender que o pedido de liminar apresentado não se enquadraria nas hipóteses de urgência que justificam a interferência da corte durante o plantão judiciário, o ministro Jorge Mussi, presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça, negou liberdade a um empregado de pet shop acusado de maus-tratos contra um cachorro.

Após a conversão do flagrante em prisão preventiva, a defesa buscou a revogação da medida, ou sua substituição por cautelares diversas.

Em janeiro, o Tribunal de Justiça de Alagoas negou liminar. O desembargador plantonista destacou a gravidade da conduta e a tentativa de ocultar o crime. O magistrado também citou o envolvimento do acusado em outros casos criminais, que acabaram arquivados. Em junho, a corte analisou o mérito do Habeas Corpus e manteve a preventiva.

Ao STJ, a defesa alegou que a prisão teria fundamentação deficiente e seria incompatível com a possível pena máxima para o crime de maus-tratos contra cão, que é de cinco anos. Além disso, a medida só seria plausível quando medidas cautelares alternativas se mostrassem insuficientes ou inadequadas.

No entanto, Mussi considerou que o pedido se confundia com o próprio mérito do caso. "Deve-se reservar ao órgão competente a análise mais aprofundada da matéria por ocasião do julgamento definitivo", assinalou. O ministro ainda ressaltou a brutalidade e crueldade da conduta do funcionário. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Publicado originalmente pelo Consultor Jurídico, em 22.07.22 

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Zelenski critica neutralidade de Bolsonaro frente à Rússia

Presidente ucraniano compara atitude do governante brasileiro à de líderes que permaneceram neutros no início da Segunda Guerra Mundial. "Preciso de uma posição do Brasil", diz ter cobrado durante telefonema.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, criticou a "neutralidade" do presidente Jair Bolsonaro diante da invasão de seu país pela Rússia, cobrando uma posição brasileira e comparando a atitude do governante brasileiro com a de líderes que permaneceram neutros durante o início da Segunda Guerra Mundial.

Zelenski deu detalhes da conversa telefônica que teve com o colega brasileiro. "Ontem eu falei com o presidente Bolsonaro e sou grato a ele por essa conversa. Não foi a minha primeira conversa com o presidente do Brasil. Eu não apoio a posição dele de neutralidade. Eu não acredito que alguém possa se manter neutro quando há uma guerra no mundo", afirmou Zelenski durante entrevista à TV Globo divulgada nesta terça-feira (19/07).

"Na Segunda Guerra Mundial, muitos líderes ficaram neutros num primeiro momento. Isso permitiu que os fascistas engolissem metade da Europa e se expandissem mais e mais, capturando toda a Europa. Isso aconteceu por causa da neutralidade. Ninguém pode ficar no meio do caminho, ninguém pode dizer ‘vou ser um mediador'. Mediador de quê? Um mediador na guerra? Entre quem?", argumentou o presidente ucraniano.

"Preciso de uma posição do Brasil"

"A guerra não é entre a Ucrânia e a Rússia, é a guerra da Rússia contra o povo ucraniano. Porque, mais uma vez, eles estão no nosso território. Nós não chegaremos a um meio-termo porque um país declarou guerra contra o outro. Não. Um país capturou uma parte do nosso território há oito anos", disse Zelenski, fazendo referência à anexação da Crimeia pela Rússia em 2014.

"E nessa época havia muitas pessoas que queriam ser mediadoras e permanecer neutras. Por causa disso, permitiram, desde 2014, que a Rússia lançasse essa segunda onda de invasão, e eles estão invadindo outras partes. Esse é o significado de ‘neutralidade'", criticou. "Portanto, eu não apoio essa posição. Eu disse isso para o presidente: ‘Preciso de uma posição do Brasil'", acrescentou.

Zelenski afirmou que a Ucrânia não ficaria neutra e apoiaria a soberania brasileira caso uma situação semelhante acontecesse no Brasil.

"Precisamos do apoio que mencionei ontem ao presidente. Eu disse para ele: ‘Queremos o apoio do Brasil'. Eu disse: ‘Se amanhã alguém atacar vocês, não ficaremos neutros, independentemente do histórico da nossa relação com esse país que venha a violar a sua soberania. Se alguém capturar a sua terra, matar o seu povo, estuprar as suas mulheres, torturar as suas crianças, como poderei dizer que sou neutro? Eu não tenho esse direito, esse é o mundo moderno'. Escolhendo a neutralidade, permitimos ao senhor Putin pensar que não está sozinho neste mundo, só isso. E as outras coisas, relações comerciais, são secundárias", afirmou Zelenski.

Respondendo a uma pergunta sobre a conversa com Bolsonaro, o ucraniano disse que o brasileiro afirmou apoiar "a soberania e a integridade territorial da Ucrânia".

"Eu quero acreditar nisso. Ele me falou assim: 'o Brasil realmente compreende a dor do que está acontecendo com vocês, mas a nossa posição é neutra'", relatou Zelenski.

Relação amistosa com Putin

Na segunda-feira, Bolsonaro conversou pelo telefone com Zelenski, na primeira conversa entre os dois desde o começo da guerra, em 24 de fevereiro. O governo brasileiro não divulgou detalhes sobre a chamada.

O presidente ucraniano afirmou no Twitter que ambos falaram sobre medidas para desbloquear as exportações de trigo da Ucrânia, cujo escoamento está prejudicado pela invasão russa. Zelenski também frisou a importância de mais países aderirem às sanções do Ocidente contra a Rússia.

Desde o início da guerra na Ucrânia, Bolsonaro vem tentando manter uma posição não alinhada aos interesses de Moscou ou de Kiev. O presidente brasileiro tem uma relação amistosa com o presidente russo, Vladimir Putin, com quem se reuniu em Moscou poucos dias antes do início da guerra, e não chegou a condenar a invasão russa do país vizinho como os países ocidentais – mas tampouco faz críticas duras às sanções do Ocidente aplicadas contra Moscou, como a China. 

Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, disseram que o Brasil quer comprar diesel da Rússia, e que um acordo estaria sendo negociado com o país para adquirir o combustível a um preço mais baixo, em dois meses. No último domingo, Bolsonaro afirmou que essas negociações estavam bastante avançadas, sem dar maiores detalhes.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, em 20.07.22.

O presidente que desacredita o próprio país

Ao voltar a atacar o sistema que o elegeu e a seus filhos, Jair Bolsonaro continua fiel a si mesmo. Para distrair da incompetência do seu governo, cria controvérsias com absurdos.

Bolsonaro no Palácio da Alvorada após apresentação para embaixadores: poucos aplausosFoto: Eraldo Peres/AP/dp

Quase dava para sentir pena do presidente. Diante de cerca de 40 embaixadores de todo o mundo, Jair Bolsonaro enfatizou repetidamente ter vergonha de seu país. Tinha convidado os diplomatas estrangeiros para informá-los de que o sistema eleitoral brasileiro, através do qual ele, seus três filhos e seus aliados políticos extremistas de direita entraram no Parlamento, não funciona.

Como evidência de sua alegação, citou um ataque de hackers em 2018 ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e uma possível modificação de votos. Essa história foi refutada em 2021, quando o TSE deixou claro: as urnas eletrônicas no Brasil jamais entram em rede e não têm nenhuma conexão com a internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa. Bolsonaro também disse que os votos não são auditáveis – alegação desmentida há tempo.

O presidente mais uma vez abordou a tentativa de assassinato contra ele, que supostamente ainda não teria sido esclarecida pela Polícia Federal. Outra mentira! O presidente do TSE, Edson Fachin, foi chamado por Bolsonaro de "juiz que libertou Lula", e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso, de "advogado do terrorista Battisti". Bolsonaro mencionou o Exército várias vezes, dizendo "nós". Ele também falou sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), chamando-o de "grupo terrorista". Foi uma apresentação delirante. Pouco depois, o TSE rebateu 20 inconsistências e mentiras de Jair Bolsonaro. Os embaixadores presentes devem ter se perguntado em que tipo de república de bananas eles foram parar.

Campanha antecipada

Jair Bolsonaro falou aos embaixadores como chefe de Estado e não como candidato. O discurso em que o presidente minou a credibilidade da democracia brasileira foi, portanto, financiado com impostos.

Mas ficou claro que foi um evento de campanha antecipado. Bolsonaro segue a cartilha de Donald Trump, que anunciou antes das eleições de 2020 que não aceitaria uma derrota eleitoral porque esta só poderia acontecer através de uma conspiração. Bolsonaro, já vendo a derrota para Lula, insinua a mesma coisa. Mas isso não lhe vai adiantar de nada. As pesquisas eleitorais são claras demais. O agronegócio, a indústria e o setor financeiro já começaram a se arranjar com um presidente Lula.

Talvez essa seja a explicação para o tom choroso que permeou a apresentação de Bolsonaro. O homem e seus filhos são ótimos em tripudiar. Insultam, xingam e ameaçam. Mas quando são alvos, viram frouxos. Em alguns momentos de sua apresentação, Bolsonaro parecia à beira das lágrimas. O mundo é tão injusto.

Ao final da palestra de Bolsonaro, houve poucos aplausos dos embaixadores. Parecia que eles tinham comparecido apenas para respeitar o protocolo diplomático.

Narcisismo perigoso

Bolsonaro continua fiel a si mesmo. Evita falar sobre os problemas do Brasil e a incompetência do seu governo para resolvê-las: inflação, fome, destruição da Amazônia e falta de perspectivas para a geração mais jovem. Em vez disso, cria controvérsias. Monopoliza o discurso público com seus delírios. O narcisismo de Bolsonaro é insuportável e perigoso.

Pietro Lazzeri, embaixador da Suíça, tuitou: "Participei hoje no Palácio da Alvorada do encontro do Presidente da República com Chefes de Missão Diplomática. No ano do Bicentenário do Brasil, desejamos ao povo brasileiro que as próximas eleições sejam mais uma celebração da democracia e das instituições."

Em sua brevidade e ênfase em "mais uma", foi essa a única resposta correta aos ataques do presidente à democracia brasileira.

Philipp Lichterbeck, o autor deste artigo, queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, em 19.07.22. O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.