segunda-feira, 4 de julho de 2022

Pedro Passos: 'Governo Bolsonaro é um show de horror; Lula tem solução antiga para problemas novos

'Seria um horror submeter o Brasil a mais quatro anos de bolsonarismo', diz empresário que é um dos fundadores da Natura em entrevista ao 'Estadão'. Entrevista com Pedro Passos, empresário, concedida a Adriana Fernandes e Ricardo Grinbaum

O empresário Pedro Passos; ‘Com a Simone, a discussão vai subir a barra’ (Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 01/06/2022)

Pedro Passos, está preocupado com o resultado das eleições. Um dos fundadores da Natura, Passos vê problemas sérios nas duas candidaturas favoritas.  “A síntese do governo do presidente Jair  Bolsonaro (PL) é um show de horror”, disse, “(se vencer) ele vai levar a gente para uma situação muito grave por conta da situação institucional e da falta de compromisso com determinadas agendas econômicas, como a ambiental, o que isola o Brasil.”

Já em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o temor é em relação a um projeto que ele considera ultrapassado e ineficaz com soluções antigas para problemas novos. “Quando analiso a proposta do PT  vejo que está mais parecida com o governo Dilma do que o Lula 1 (primeiro mandato de Lula). Esse 1 faz toda diferença.”

('Mercado considera os dois candidatos ruins, cada um a seu jeito', diz Stuhlberger, sobre eleição)

Passos defende que os empresários devem participar do debate público. “Empresário que fica muito debaixo do pano não privilegia a classe empresarial. Acaba tendo uma conotação de lobista, de tirar vantagem seja qual for o governo.” "Tem que colocar mais a cara. Não pode ficar embaixo do radar", diz.

Ele mesmo está engajado na campanha de Simone Tebet (MDB). Com outros empresários, ele ajuda a preparar propostas para o plano de governo. “Estou confiante de que com a Simone a discussão vai subir a barra.”

Passos acredita que quem ganhar a eleição tomará posse, apesar de todo o ruído político. “A gente sabe que, pelo histórico dele, o Bolsonaro não quer a democracia”, disse. “Mas, apesar de tudo, o Brasil tem ainda resistência a esse tipo de coisa. Os generais sabem que o Brasil é mais importante do que alguns cargos comissionados. Não vai haver suporte para um movimento como esse.”

Passos deu a seguinte entrevista ao Estadão:

Faltando três meses para as eleições, o que esperar das eleições deste ano?

Eu sou um ativista pela terceira via. Independente de projeções eleitorais que eu não sei fazer, a melhor forma de colocar o Brasil no rumo é ter uma alternativa ao que está aparecendo nas pesquisas, Bolsonaro e Lula. Uma chapa Simone-Tasso dá uma consistência bastante importante para as prioridades dessa terceira via. Fala muito mais de futuro do que as alternativas hoje existentes.

O que o levou a fazer essa escolha pública?

Podemos muito adjetivar o que o governo Bolsonaro tenta fazer: destruir as instituições, a democracia, os regulamentos mínimos da lei eleitoral, uma atitude muito tosca do que o Brasil precisa. Então, não precisa falar de programa de governo Bolsonaro porque a gente vive o programa Bolsonaro. A síntese é um show de horror. Em diversos campos. Ele sempre defendeu a ditadura, torturadores, etc. Não tem surpresa em relação à biografia dele. Há surpresa em relação a algumas coisas que ele disse na campanha e não fez. Seria um horror submeter o Brasil a mais quatro anos de bolsonarismo. Por outro lado, eu tenho acompanhado, e participei de um jantar com Lula, e tentando extrair das próprias diretrizes do programa do PT, fico com uma sensação de que a gente está voltando ao passado, com soluções antigas para problemas novos.

A melhor forma de colocar o Brasil no rumo é ter uma alternativa ao que está aparecendo nas pesquisas, Bolsonaro e Lula

Quais seriam essas soluções velhas?

Temos um cenário internacional muito mais complexo. Um país também mais complexo em termos de inflação, pobreza, etc. Sabemos que o Brasil precisa de um conjunto de reformas. Por isso, eu acho que a opção da Simone. Ela pode enriquecer o debate eleitoral que está muito ralo, com soluções antiquadas de um lado e trágicas de outro lado.                                                                                                

Por que o debate eleitoral em torno de ideias não acontece? 

O que se vê são generalidades. Estou confiante de que com a Simone a discussão vai subir a barra. Hoje, não tem discussão. Teve um encontro da CNI e o Lula não foi. Ele está numa posição muito de postura eleitoral e menos de explicitar qual é o programa. Alguns falam: não vai ser isso, na hora 'H' vai mudar. Eu falo: já não deu certo em 2018. Estelionato eleitoral, não vale a pena acreditar que o candidato vai mudar de postura.

Poderia dar exemplos das soluções que considera antiquadas sendo apresentadas pela campanha do Lula?

A maioria delas já foi vista e não deu certo.  Novo regime fiscal. Ou seja, tirar o teto de gastos, mas não define qual é o novo regime, se terá outro. Reformas tributária e administrativa muito superficiais. A agenda de aumento da produtividade da economia não é prioritária. Crítica a preços de combustíveis, “abrasileirar os preços”. Eu gostaria que vocês me explicassem o que é isso. Não seguir o mercado internacional? Não seguir a cotação do dólar? Isso é bobagem. Alguém vai pagar essa conta daqui a um ano, dois, três anos.  Estímulos setoriais novamente. A “política cambial não pode ser passiva”. O que é isso? Intervenção do câmbio? Abre-se uma janela para muita coisa. Intervenção de câmbio a gente sabe que não dá certo. Resistência às concessões na área de saneamento, estado indutor do crescimento através das empresas estatais, a Petrobras reintegrando toda a cadeia de distribuição e refino.

Você tem uma lista...

Já vimos onde isso vai dar. Tem a proposta do ativismo dos bancos públicos, sabemos que isso é um problema porque desequilibra o mercado de capitais de longo prazo. As políticas industriais. Eu tenho uma relação de algumas políticas industriais que foram feitas no Brasil. Uma se chamava Política de Desenvolvimento Produtivo, PDP, crédito subsidiado do BNDES a um grupo de setores contemplados. O que deu? Lembram de alguma coisa relevante que ficou aí? Teve o programa PSI, aquele que o juro estava tão barato que tinha gente comprando caminhão para estocagem de mercadoria e não para trafegar. Foram R$ 316 bilhões em subsídios creditícios alocados ao programa. Têm ainda os planos Brasil Maior, Inovar-Auto. Tem algum sentido subsidiar combustível fóssil para quem não está abaixo da linha de pobreza? Essas generalidades destroem a política econômica brasileira. Isso para falar do que eles estão propondo. Agora, para fazer diferente depois que eles foram eleitos, eu prefiro não acreditar em história da carochinha. Quando analiso a proposta do PT, está mais parecida com o Governo Dilma do que com o Lula 1 (2003/2006). Esse 1 faz toda a diferença.

(Quando analiso a proposta do PT, está mais parecida com o Governo Dilma do que com o Lula 1 (2003/2006). Esse 1 faz toda a diferença)  

A senadora Simone Tebet está bem atrás das pesquisas. As chances da candidatura dela deslanchar são mais difíceis?

Eu estou trabalhando para não acontecer isso. É uma matéria difícil para a terceira via. O PSDB, o MDB não conseguiram se entender adequadamente e o tempo está curto. Mas temos que elevar a barra do debate. Ela vai se tornar mais conhecida a partir da convenção. Torço para que se confirme o nome do Tasso, que vai dar consistência econômica e socioambiental ao programa dela. Um pouco dessa conversa aqui é no sentido de mostrar que o Brasil precisa de uma discussão mais madura a respeito de futuro, de prioridades, integrando políticas públicas com parceria privada. Pela situação de guerra e pandemia tem uma baita oportunidade para o Brasil que é a atração do capital que está circulando no mundo. Tem um caminho para fazermos uma agenda econômica verde e o Brasil tem uma grande vantagem pela frente porque vamos gerar crédito de carbono mais barato. Mas precisa ter segurança jurídica, dos contratos, para atrair o capital internacional.

Qual o seu nível de envolvimento na campanha da Simone Tebet?

Tem um grupo de empresários, etc., que vem trabalhando há dois anos na linha de buscar uma alternativa a essa polarização. Para nós, é importante o País ser pacificado. E agora afunilou o nome da Simone e estamos procurando ajudar com formulações e ideias. É um grupo de formulação de conteúdo.

Pode contar quem está no grupo?

Não tenho autorização. O que nós vemos na prática, independentemente de pesquisas, pelo menos em determinados grupos, é um grande nível de aceitação da terceira via.  

Como vice na chave do PT, o ex-governador Geraldo Alckmin poderá ter um papel diferenciado na área econômica?

Não sou amigo do Alckmin, mas fui sempre um apoiador dele e tenho ótima relação com ele, de muito respeito. Não está claro para mim essa opção política. Eu conheço o pensamento do Alckmin em termos de economia, foi um belíssimo gestor. Ele tem muitas qualidades e é difícil entender a opção política. Entendo que talvez seja um movimento contra o Bolsonaro, mas acredito que o Alckmin pode ser talvez influenciador para evitar caminhos errados. Não sei se o PT vai permitir e dar esse espaço para ele.

Há alguma interlocução com o PT?

Não. Interlocução direta não tem. Teve esse jantar, que foi divulgado, inclusive, de uma maneira maliciosa. A manchete que eu li no dia seguinte é que os empresários tinham aplaudido entusiasticamente, o que não é absolutamente verdade. Foi um aplauso protocolar. Eu acho que conversar é bom, faz parte da democracia, não é tomada de posição. Como há a visão de que a maior parte dos grupos empresariais é dirigida através de lobbies, fica uma má impressão. O empresário tem que conversar com os possíveis candidatos, tem saber qual é o programa, quais são as ideias. É importante cobrar coerência e acho uma pena o Lula não estar participando de debates. Ele está prestando um desserviço ao País, como fez o Bolsonaro lá atrás. Não ir aos debates é um desrespeito à democracia. O Lula sabe debater, sabe conversar.

A defesa da democracia entrará no debate na campanha eleitoral?  O senador Flávio Bolsonaro  disse em entrevista ao 'Estadão' que não o presidente Bolsonaro não terá como controlar uma eventual reação violenta de apoiadores que contestem o resultado das urnas?

Não quero parecer ingênuo. A gente sabe nitidamente que o Bolsonaro não quer a democracia pelo histórico dele e pelo que está fazendo de tentar destruir as instituições, o STF. Mas eu vou falar, apesar de tudo, o Brasil tem ainda resistência a esse tipo de coisa. Os generais sabem que o Brasil é mais importante do que alguns cargos comissionados. Não vai haver suporte para um movimento como esse.

Como você vê a candidatura do Ciro Gomes?

Ele é um sujeito muito inteligente, estudioso, faz a lição de casa. Mas a visão do Ciro na área econômica, pelo menos, é muito frágil. Ele defende praticamente as ideias, e às vezes mais extremadas, do que o próprio PT. Agora, politicamente parece que ele entrou num patamar de estabilidade.

Entre o empresariado, como está a participação no debate eleitoral? 

Há dois meses você escreveu um artigo criticando aqueles empresários que se prestam ao jogo do poder, do dinheiro fácil, do privilégio.

Essa coisa do empresário não se manifestar incomoda muito. Numa democracia, o empresário é um agente da sociedade. Ele tem que se manifestar. Nos Estados Unidos, algumas empresas estão se manifestando em relação ao tema do aborto, que regrediu. Tenho impressão de que o empresário ficar muito por debaixo do pano não privilegia a classe empresarial. Acaba tendo uma conotação de lobista, de tirar vantagem seja qual for o governo. Nas relações com o governo, num Estado grande como a gente tem, influente, afeta muito o negócio. Não podemos ser ingênuos. Mas o empresário tem que colocar mais a cara. Não pode ficar embaixo do radar.

Essa coisa do empresário não se manifestar incomoda muito. Numa democracia, o empresário é um agente da sociedade. Ele tem que se manifestar - Pedro Passos, empresário

Empresários de setores que são altamente regulados pelo governo não temem retaliação?

A liderança empresarial hoje é frágil. Tem isso, mas eu prefiro que as empresas se posicionem, os empresários. Não dá para ficar escondido. Faz parte do jogo correr algum risco para tentar mudar o País, que está cada vez mais pobre, sem saúde, educação, segurança institucional, jurídica. Eu fico muito preocupado porque a gente quebra o País. O empresário tem que se manifestar.

Além da agenda ambiental, a qual você é ligado, o que não pode falta no debate econômico?

As reformas econômicas. Ter um Estado mais coordenador do que operador, não tentar fazer escolhas que não deram certo, ter cuidado com o ativismo financeiro dos bancos estatais, porque isso pode destruir o mercado e afastar os investidores externos. Tem que ter compromisso com as regras fiscais, se não a esse teto de gastos que o Bolsonaro já furou, mas tem que definir uma âncora fiscal num  País onde o Congresso tem poderes sobre o Orçamento que não deveria ter, como o orçamento secreto. A economia funciona bem quando se tem clareza do ambiente de negócios. Tem muito capital para investir no Brasil e ajudar a fazer a transição climática. Daqui a 15 anos, vamos fazer captura de carbono de outras formas e por isso o Brasil precisa também investir em ciência e tecnologia, inovação.

Qual o cenário que você vê com uma vitória do Bolsonaro ou do Lula?

São situações diferentes. O Bolsonaro vai levar a gente para uma situação muito grave por conta dessa coisa institucional, a falta de compromisso com determinadas agendas econômicas, como a ambiental, que isola o Brasil. Além de ser uma tragédia para a saúde. Na educação, o que está acontecendo com quatro ministros em três anos de governo, o armamento da população. É um atraso civilizatório. O Lula é o diagnóstico que as formulações não vão dar certo. Se não trabalhar na agenda de produtividade, não vamos colocar o Brasil em condições de igualdade com os outros países.

O governo com o Congresso está aprovando uma série de medidas eleitorais com apoio de ampla maioria dos parlamentares terão forte impacto nas contas públicas, entre elas corte de tributos. Qual a sua avaliação?

A redução de impostos que está sendo feita é uma  bomba. É uma redução de espaço de investimentos melhores na saúde e educação. Como vai mudar isso para frente? Não é um custo pequeno. É absurdo. É irresponsabilidade. E do ponto de visto constitucional acho que não tem suporte uma mudança na véspera da eleição. Essa conta vai sobrar para o próximo governo. O empresário e todo o cidadão gostaria de ver redução de impostos, mas precisa de reforma tributária, crescimento. Ficar empurrando o cobertor curto só causa transtorno para a economia. Não é o que o empresário quer. Queremos segurança institucional, jurídica. Como fica a projeção sobre o risco país no ano que vem com esse aumento dos gastos improvisados de última hora. É muito difícil. Infelizmente, talvez estejamos vivendo o pior momento da nossa história depois que resgatamos a democracia.

Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 04.07.22

Por que tantas pessoas estão pegando Covid novamente? Tudo o que você precisa saber neste momento da pandemia

As sublinhagens BA.4 e BA.5 do ômicron continuam a se espalhar e têm a capacidade de reinfectar aqueles que já passaram por ela. Essas são suas principais características

Centro de Atenção Primária (CAP) do Creu Alta de Sabadell, em janeiro do ano passado. (Foto: Albert Garcia)

Muitos médicos estão chamando o aumento nos casos de Covid que começou no início de junho de “onda silenciosa”. Nela há menos focos do que nos anteriores, não há mensuração exaustiva de diagnósticos, pois o Ministério da Saúde e as comunidades o abandonaram no final de março , e não produz quase tantos quadros graves quanto os anteriores ao vacinas. Mas os casos leves continuam a crescer, impulsionados por duas sublinhagens do ômícron (BA.4 e BA.5) que têm a capacidade de serem transmitidas até mesmo em pessoas que tiveram a doença recentemente. É algo que os médicos notam em suas consultas e que também é demonstrado pelas estatísticas com as quais a pandemia agora é medida, além de um aumento notável nas internações. Estas são as características desta onda:

Que onda é a atual?

A última onda clara de covid foi a sexta, que atingiu seu pico em janeiro com a grande explosão de casos ômícrons . Depois disso houve uma queda e uma nova alta em abril, que alguns consideraram ser a sétima onda , e que caiu novamente em maio. No início de junho os diagnósticos começaram a crescer novamente. Desse ponto de vista, esta poderia ser a oitava onda, mas muitos médicos falam dela como a sétima, sem contar a anterior devido à sua pequena magnitude, ou juntar as duas em uma.

Como os casos estão sendo medidos?

Desde o final de março, a Saúde e as comunidades só recolhem nas estatísticas os casos dos maiores de 60 anos, já que para os menores dessa idade, se forem pessoas saudáveis, não são indicados exames diagnósticos . Isso evita saber se há mais incidência em outras faixas etárias. Como os autotestes foram autorizados nas farmácias, há também a questão de saber quantos casos positivos, mesmo aqueles com mais de 60 anos, estão sendo deixados de fora das estatísticas por não serem notificados.

Quantos casos existem realmente? Eles são mais do que em outras ondas?

Esta terça-feira foram 841 casos por 100.000 habitantes em 14 dias (nos maiores de 60 anos), mais 86 do que na sexta-feira passada e 188 há mais de uma semana. Estamos aproximadamente nos níveis de maio - a maior parte do mês estava acima de 800. A diferença é que então ele parou nesses números, enquanto agora há uma tendência clara e rápida de alta. São também níveis semelhantes aos máximos medidos nas ondas antes do ômícron: 899 na terceira e 700 na quinta. Mas ainda estamos bem abaixo do pico da sexta onda, quando a incidência acumulada ultrapassou 3.000 casos.

Quais comunidades são mais afetadas?

Madrid é a que apresenta a maior incidência cumulativa entre as pessoas com mais de 60 anos: 1.450 casos por 100.000 habitantes. Outros seis estão acima de mil: Ilhas Baleares, Ilhas Canárias, Castilla-La Mancha, Extremadura, Galiza e La Rioja. A Andaluzia é, de longe, a que regista menos casos: 271. Todos os outros estão acima de 500.

Quais são as sublinhagens BA.4 e BA.5 do ômicron?

Praticamente todos os casos desta onda são causados ​​pela variante omicron. Mas não para o primeiro, que chegou à Espanha no final do ano passado. Ela vem evoluindo e duas sublinhagens estão surgindo: BA.4 e BA.5. Segundo o último relatório da Saúde , continuam a crescer e já representam entre 19,2% e 76,3% das infecções, dependendo da comunidade autónoma. Mas é um relatório que costuma estar um pouco desatualizado com o que está acontecendo a todo momento, então é provável que eles estejam ainda mais consolidados.

Eles são mais contagiosos?

Essas sublinhagens parecem ser ainda mais contagiosas que o ômicron original, que já era muito mais transmissível que o delta e o delta, por sua vez, que os anteriores. O que os torna ainda mais expansivos é que são capazes de contornar a imunidade dos anticorpos produzidos tanto pela infecção natural quanto pela vacina, de acordo com vários experimentos de laboratório. É por isso que é possível que uma pessoa tenha a doença neste inverno e a tenha novamente agora.

Eles são mais sérios? As internações estão aumentando muito?

Essas sublinhagens não parecem ser mais graves que as anteriores, muito pelo contrário. Na ausência de estudos mais precisos, a vacina continua apresentando alto nível de proteção na prevenção de casos graves e óbitos. No entanto, quando o número de infecções aumenta, as internações também crescem, e agora estão fazendo isso de forma decisiva: na terça-feira havia 9.500 pessoas internadas com covid (quase 1.200 a mais do que há apenas quatro dias) que ocupam 7,8% dos leitos e 433 na UTI (mais 73 do que na sexta-feira e para mais de 400). pela primeira vez desde a Páscoa), 4,9% de ocupação. Embora esses números ainda sejam administráveis ​​nos hospitais, se o aumento continuar, como indica a tendência, as baixas dos banheiros e o fechamento das fábricas para as férias podem levar a um verão complicado nesses centros.

Que sintomas eles produzem?

Mais estudos também são necessários para detalhar os sintomas dessas sublinhagens. Os médicos estão atendendo a grande maioria das condições leves nas consultas, com as características típicas da covid: dor de cabeça, dor de garganta, cansaço, febre, coriza, tosse...

Quão grande essa onda vai crescer?

É muito difícil prever como as ondas de covid se comportarão. O exemplo mais próximo que a Espanha tem é Portugal, país vizinho, com altas taxas de vacinação, onde a onda causada por essas sublinhagens vem diminuindo há mais de uma semana. Lá, a incidência atingiu um pico de 3.600 diagnósticos por 100.000 habitantes, o maior registrado no país. No entanto, a pressão sobre os hospitais está longe da das ondas anteriores. De acordo com os últimos dados disponíveis, a tendência é de queda: são 1.743 internados, dos quais 85 estão em UTI, bem abaixo do número alcançado na primeira grande onda no país, quando foram mais de 3.000 internações e meio mil pacientes em terapia intensiva . Isso não significa que o mesmo acontecerá na Espanha, mas é um precedente a ser levado em consideração.

O aumento de infecções é o culpado pelo fim das máscaras?

Não houve relação temporal direta entre o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras e o aumento de casos. A transmissão está em níveis muito altos desde antes de serem removidos dentro de casa e não caiu abaixo de 400 casos por 100.000 habitantes desde o outono passado . Acontece que as máscaras faciais não são a única restrição que foi retirada: praticamente nenhuma permanece em vigor, nem mesmo o isolamento de casos positivos . As máscaras, no entanto, reduzem a probabilidade de contágio e algumas comunidades, como a Catalunha, pediram aos idosos que as usassem novamente dentro de casa (embora ainda não sejam obrigatórias).

Será necessária outra dose da vacina para enfrentar essa onda?

A Saúde não tem nos seus planos colocar uma nova dose de reforço da covid a quem já a tem (53,5% da população) até depois do verão, embora incentive os maiores de 18 anos que não a receberam a colocá-la. É muito provável que vacinas com mais eficácia contra as novas variantes tenham sido aprovadas até o outono e que a revacinação com elas (com o que seria uma quarta dose) comece para a população com mais de 80 anos e aqueles que vivem em residências. A Comissão de Saúde Pública, órgão que decide sobre a administração de doses, não se pronunciou sobre a população abaixo dessa idade, algo que terá de ser estudado quando chegar a hora.

Paul Linde, de Londres para o EL PAÍS, em 29.06.22

Mensagem dos hepatologistas para cuidar do fígado: três dias seguidos por semana sem experimentar álcool (pelo menos)

Os especialistas reunidos no congresso internacional sobre doenças deste órgão pedem menos consumo, menos publicidade e preços mais altos para bebidas alcoólicas

Unidade móvel de escaneamento do fígado do British Liver Trust no Congresso Internacional do Fígado, realizado em junho em Londres. ( Footo: STEVE FORREST/EASL)

A quantidade mais saudável de consumo de álcool é zero. Mas os hepatologistas acreditam que essa é uma recomendação irreal para a maioria da população. No Congresso Internacional do Fígado, que reuniu alguns dos maiores especialistas mundiais no assunto na semana passada em Londres, eles quiseram enviar uma mensagem para cuidar desse órgão essencial para as pessoas que não estão dispostas a deixar de beber completamente: pelo menos três dias seguidos por semana sem experimentar álcool. E um aviso: não é uma indicação isolada. Deve ser acompanhado de moderação e boa nutrição o resto dos dias.

Por trás desse conselho está uma realidade epidemiológica preocupante: a Europa tem a maior taxa de consumo de álcool do mundo e mais da metade das doenças hepáticas em estágio terminal está relacionada ao consumo de álcool, de acordo com um relatório conjunto da Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL) e The Lancet . Todos os anos 287.000 pessoas morrem no continente por doenças do fígado, a maioria evitáveis ​​com hábitos saudáveis, e a tendência é aumentar: é um aumento de 25% em relação a 1990.

Além disso, as hepatopatias possuem uma característica que as diferencia das demais: atacam pessoas jovens e de meia-idade, principalmente entre a população mais vulnerável socialmente. “Isso contrasta com doenças causadas pelo tabaco e obesidade, como câncer de pulmão e diabetes tipo 2, que normalmente causam mortes em pessoas na faixa dos 60 e 70 anos”, diz o documento. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que as doenças hepáticas são a segunda causa de anos de trabalho perdidos na Europa, atrás apenas das doenças coronárias.

Com esta realidade em mente, Aleksander Krag, secretário-geral adjunto da EASL, pede uma redução decidida do consumo de álcool, sua promoção e aumento de seus preços. “Não é que digamos às pessoas que elas não podem beber nada; [você pode seguir] regras muito boas: ficar três dias sem beber toda semana, nunca consumir mais de cinco unidades de álcool de uma vez e não mais de 10 por semana [uma unidade não corresponde a uma bebida: um copo de vinho cheio é igual a três unidades; uma cerveja de 333 mililitros (uma lata), é 1,5; uma dose de uma bebida de alta prova, uma unidade]”, explica Krag.

(A origem da hepatite aguda infantil ainda é um mistério após 894 casos, dezenas de transplantes e 18 mortes)

Krag esclarece que essas quantidades, do ponto de vista da doença hepática, podem ser toleráveis, já que o fígado é um órgão com alta capacidade de regeneração, mas isso não significa que sejam recomendadas. "Você não deve beber um copo de vinho pensando que é saudável, mas porque você gosta."

A verdade é que há aumentos associados no risco de certos tipos de câncer de qualquer quantidade de álcool, que não é apenas tóxico, mas também viciante. Por esse motivo, muitos profissionais de saúde se opõem a fazer recomendações que não sejam tentar beber o mínimo possível. E se nada for consumido, melhor.

Juan Revenga, consultor de alimentação e saúde, explica que "logicamente é melhor beber menos" e descansar por três dias do que não fazê-lo, mas acredita que promover o "consumo moderado" é uma "enteléquia". “Ok, talvez uma cerveja ou uma taça de vinho por dia não vá esmagar seu fígado, mas tem outros riscos. O álcool é viciante e dá uma sensação de bem-estar que, assim que você bebe, você tende a querer um pouco mais. E, ao mesmo tempo, gera uma habituação, porque para encontrar essa sensação você precisa cada vez mais. No álcool, a melhor quantidade é zero”, resume.

Embora existam divergências de opinião sobre como lançar a mensagem para reduzir o consumo, há uma clara unanimidade entre os especialistas sobre a conveniência de fazê-lo. E para isso, existem duas ferramentas muito eficazes: aumentar o preço e diminuir a promoção. “Está bem documentado que o preço do álcool é importante. No País de Gales e na Escócia eles colocaram um preço mínimo e o consumo caiu da noite para o dia”, explica Krag. Isso não deve valer apenas para bebidas alcoólicas, mas também para alimentação não saudável, na opinião do secretário adjunto da EASL, para o qual pede aos políticos impostos diferenciados: “Sabemos que verduras são boas, mas muitos de nossos pacientes não podem pagar eles e eles vão direto para o fast food.”

A outra frente que pode ajudar na mudança de hábitos é regular a promoção do álcool e de alimentos não saudáveis . “Há uma razão pela qual as empresas têm um enorme orçamento de publicidade. Mas por que é legal anunciar álcool?”, pergunta Krag. Ele o compara ao tabaco, cuja promoção é proibida há anos em quase todos os países ocidentais e cuja embalagem alerta sobre os perigos para a saúde de seu consumo. “Por que não implementar essas medidas simples? A indústria do álcool não vai gostar, mas trata-se de proteger os cidadãos", argumenta.

Uma doença que não avisa

Um dos problemas com a doença hepática é que muitas vezes é silenciosa e não avisa até que seja tarde demais. "A maioria das pessoas com cirrose não diagnosticada tem exames de sangue normais", diz o relatório EASL e The Lancet .

A OMS apresentou no congresso de Londres, ao qual o EL PAÍS participou a convite da organização, uma nova linha estratégica de combate às doenças hepáticas com foco na prevenção. “Precisamos aproximar o diagnóstico e o tratamento da comunidade. Torne as varreduras móveis [do fígado] e os exames de sangue [para marcadores hepáticos] mais acessíveis”, disse Philippa Easterbrook, especialista do programa de hepatite da agência. Querem que seja mais fácil detectar problemas quando eles surgirem, que não seja necessário ir a um especialista ou ao hospital, mas que possa ser resolvido no posto de saúde ou mesmo em unidades itinerantes que percorrem os bairros.

É algo que o British Liver Trust (BLT), uma organização não governamental do Reino Unido focada em doenças do fígado, vem fazendo há cinco anos. Com algumas unidades móveis que escaneiam o fígado, eles podem conhecer seu estado de saúde com bastante precisão. É uma máquina que foi inventada há três décadas para entender a cura do queijo. Você pode medir se o interior ainda está macio e isso determina se você precisa de mais descanso. Levado ao fígado, pode calcular o grau de fibrose do órgão. Se estiver acima de certos níveis, é muito provável que você precise de um check-up médico para confirmá-lo.

No tempo em que está sendo executado, eles fizeram mais de 300.000 testes virtualmente aleatórios, em lugares movimentados no Reino Unido. Em 20% de todos eles o resultado não foi o ideal e eles receberam uma carta recomendando que fossem ao médico: não é um método de diagnóstico, insistem seus promotores, mas sim uma maneira fácil, rápida e barata de abordar o que o que acontece no fígado

“Noventa por cento das doenças hepáticas são evitáveis, e o que aumenta o risco são duas coisas: primeiro, o álcool e, segundo, os riscos metabólicos associados ao excesso de peso e diabetes tipo 2”, diz Vanessa Hebditch, porta-voz do BLT. “Sabemos que, se localizarmos a doença precocemente, podemos impedir que o dano progrida e, em alguns casos, até revertê-lo”.

Paul Linde, o autor deste artigo, escreve para o EL PAÍS desde 2007 e é especializado em saúde e questões de saúde. Ele cobriu a pandemia de coronavírus, escreveu dois livros e ganhou alguns prêmios em sua área. Antes disso, dedicou vários anos ao jornalismo local na Andaluzia. Publicado originalmente pelo EL PAÍS, em 04.07.22

Trump nu

Os depoimentos da comissão do assalto ao Capitólio confirmam que o ex-presidente procurou liderar um autogolpe

Uma gravação de Donald Trump, durante a sexta sessão da comissão que investiga o ataque ao Capitólio. ( Foto: J. SCOTT APPLEWHITE (AP)

Na manhã em que pediu a seus apoiadores que marchassem no Capitólio, Donald Trump estava ciente de que muitos estavam armados. A polícia lhe disse. Naquele 6 de janeiro de 2021, ele tentou ir com eles interromper a sessão do Congresso. Quando impedido por agentes do Serviço Secreto por razões de segurança, ele os confrontou. Então ele viu na televisão da Casa Branca como milhares de pessoas invadiram o Capitólio, sem fazer nada. Quando lhe disseram que a máfia queria "enforcar" seu vice-presidente, ele respondeu: "Ele merece". Esses detalhes foram revelados por Cassidy Hutchinson, consultora que trabalhava a poucos metros do Salão Oval,na televisão perante a comissão especial para investigar esses eventos. É o testemunho mais recente e explosivo de uma comissão que durante o mês de junho expôs completamente qualquer possível justificativa para as ações de Trump, e o próprio personagem, retratado por seu próprio círculo de confiança como um mentiroso isolado e demente.

A investigação do Departamento de Justiça já levou a mais de 800 prisões e mais de 300 condenações. Para acusar Trump ou sua comitiva desses crimes, o Ministério Público precisa de provas de que sua intenção era lançar a multidão armada contra o Capitólio e que não foi um evento espontâneo. Embora a comissão ainda não tenha decidido se encaminhará suas conclusões ao Ministério Público, essa é exatamente a história que conseguiu estabelecer nas seis sessões televisionadas. Não há espaço para confusão: tudo o que aconteceu desde a derrota eleitoral foi parte de um plano para não entregar o poder,liderada por Trump, mas apoiada por um apoio disperso que estimulou o ex-presidente. A batalha judicial, desacreditada por mais de 60 tribunais, foi elaborada por três assessores (John Eastman, Peter Navarro e Rudy Giuliani). Politicamente, um grupo de republicanos espalha descaradamente mentiras sobre as eleições. E, finalmente, no dia marcado, supremacistas violentos (Proud Boys e Oath Keepers) lideraram uma revolta armada realizada por milhares de acólitos que se reuniram em Washington por convocação de Trump. Várias dessas figuras-chave tentaram obter um perdão presidencial de Trump nos dias que se seguiram para se proteger da justiça. Não pode haver maior admissão de culpa.

Todos os envolvidos estavam cientes de que não havia fundamento para contestar o resultado eleitoral. Em outro momento sem precedentes, o procurador-geral de Trump, William Barr, declarou que o suposto roubo eleitoral era “uma farsa”. A própria filha e conselheira do ex-presidente, Ivanka Trump, concordou que não houve fraude. Ele foi informado da mesma coisa por advogados de campanha, advogados da Casa Branca, seu gerente de campanha e seu especialista em dados eleitorais. Nas palavras de Barr, o presidente "não estava interessado nos fatos reais", apenas nas vozes do grupo de conspiradores que irresponsavelmente douraram seu ego a ponto de colocar a própria democracia nas cordas. Quase todas as perguntas já foram respondidas. Falta justiça.

Editorial do EL PAÍS, em 04.07.22

As mentiras de Putin sobre ataques russos na Ucrânia

Pesquisas de jornalistas e ONGs expõem informações falsas de Moscou, que alega não atacar alvos civis na Ucrânia. Especialistas apontam seguidas violações do direito internacional pelas forças russas.

Um míssil atinge um shopping center em Kremenchuk – pessoas são mortas, feridas, o prédio é destruído. Milhares de ucranianos foram mortos na guerra de agressão da Rússia até agora. Todos os dias são reveladas novas imagens da destruição e sofrimento do povo na Ucrânia. No entanto, o governo russo, liderado por Vladimir Putin, continua afirmando: "O exército russo não está atacando a infraestrutura civil".

Mas jornalistas, organizações não governamentais e organizações políticas estão provando o contrário. "Vemos um padrão claro de violações do direito internacional humanitário aqui, que na verdade deveria proteger os civis", diz Wolfgang Benedek, que investigou violações do direito internacional na Ucrânia em nome da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).

De acordo Benedek – que chefia a comissão de especialistas em violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos no território da Ucrânia –, a Rússia não leva em consideração o direito internacional humanitário ou não o faz suficientemente. O fato de a Rússia não estar atacando nenhuma infraestrutura civil é, segundo ele, uma "mentira descarada".

Casos concretos comprovam ataques russos a alvos civis

A Organização das Nações Unidas (ONU) documentou 4.731 mortes de civis e 5.900 feridos civis na Ucrânia desde 24 de fevereiro (até 27 de junho) – mas espera que os números sejam ainda maiores.

A organização internacional de jornalismo investigativo Bellingcat também documentou detalhadamente em um mapa os ataques à infraestrutura civil desde o início da guerra de agressão na Ucrânia. "Vimos um grande número de infraestruturas civis destruídas e civis feridos e mortos", afirma à DW Nick Water, diretor de justiça e responsabilidade da Bellingcat.

Uma das principais razões pelas quais a Bellingcat está lançando o mapa é fornecer informações robustas para responsabilizar os responsáveis no futuro.

No entanto, existem casos específicos em que organizações e jornalistas fornecem evidências de que a Rússia é responsável pelos ataques às infraestruturas civis. A DW selecionou seis exemplos que já foram bem documentados e pesquisados.

Câmara de segurança registrou momento em que míssil atinge shopping center em Kremenchuk (Foto: CCTV/Instagram @zelenskiy_official/REUTERS)

Ataque a um shopping center em Kremenchuk

Mísseis russos atingiram um shopping center com mais de mil visitantes na cidade de Kremenchuk em 27 de junho, segundo fontes ucranianas. Pelo menos 11 pessoas morreram e mais de 50 ficaram feridas.

O Ministério do Exterior da Rússia confirmou o ataque, mas afirmou em seu site que foram bombardeados "um hangar com armas e munições que chegaram dos EUA e da Europa", alegando que a munição estocada foi responsável pelo incêndio que atingiu o centro comercial vizinho, o qual estaria inoperante no momento do ataque. Mas a Rússia não forneceu nenhuma evidência para a alegação.

Vídeo de câmara de vigilância (arquivado aqui) divulgado pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, mostra o ataque. É possível ver como o míssil atinge diretamente o prédio do shopping center – não, como a Rússia afirma, primeiro um galpão fabril cuja explosão atinge o shopping center.

A inteligência britânica escreveu no Twitter que existe a possibilidade de que o shopping center tenha sido atingido acidentalmente e que o ataque aéreo alvejasse outro prédio nas proximidades.

Pesquisa da Bellingcat mostra que fábricas próximas também foram atacadas – mas o shopping também foi atingido.

Manchas de sangue e bagagens no chão após ataque a estação em KramatorskManchas de sangue e bagagens no chão após ataque a estação em Kramatorsk

Manchas de sangue e bagagens no chão após ataque a estação em Kramatorsk (Foto: Ukrainian President Volodymyr Zelenskyy's Telegram channel via AP/picture alliance)

Ataque à estação ferroviária de Kramatorsk

Na manhã de 8 de abril, ocorreu um ataque com míssil à estação de trem de Kramatorsk, no leste da Ucrânia. Cerca de 4 mil pessoas estavam no lugar no momento, segundo o prefeito da cidade, Olexandr Honcharenko.

Repórteres do jornal americano The Washington Post chegaram à estação cerca de 15 minutos após o ataque. Eles relataram pelo menos 20 mortos, incluindo crianças.

De acordo com o governador da região, Pavlo Kyrylenko, pelo menos 50 pessoas morreram e cerca de 100 ficaram feridas.

Um míssil Tochka-U foi encontrado em frente ao prédio da estação. A Rússia nega usar mísseis desse tipo. No entanto, pesquisas da Bellingcat sugerem que os mísseis Tochka-U foram de fato usados por unidades russas na Ucrânia.

A Anistia Internacional também informa que esse tipo de míssil foi usado pela Rússia na Ucrânia. O Ministério da Defesa britânico acredita ser possível que o ataque fosse destinado a um alvo militar e tenha caído na estação devido ao controle impreciso da arma.

Massacre em Bucha

As fotos de Bucha, uma cidade perto de Kiev, deram a volta ao mundo no início de abril. Centenas de corpos se espalharam pelas ruas depois que soldados russos deixaram a cidade no final de março. Os moradores foram mortos por soldados russos e, em alguns casos, torturados, segundo o lado ucraniano.

O Ministério do Exterior russo escreveu no Twitter que tudo aquilo era mentira. "Todas as fotos e vídeos publicados pelo regime de Kiev em Bucha são apenas mais uma provocação."

Mas isso não é verdade, como a equipe de checagem de fatos da DW revelou em março. Uma reportagem do New York Times mostra que imagens de satélite da empresa americana Maxar mostram que os corpos estão na rua Yablunska, em Bucha, desde 19 de março e, em alguns casos, desde 11 de março.

As imagens contradizem claramente o relato russo, segundo o qual os corpos só apareceram depois que as tropas russas se retiraram, em 30 de março.

A revista alemã Spiegel descobriu mais evidências de que foram os soldados russos que assassinaram os civis em Bucha. Como a publicação noticiou, o serviço secreto alemão BND interceptou e gravou o tráfego de rádio dos supostos assassinos de Bucha. Soldados russos trocaram informações via rádio sobre a matança de civis. De acordo com a análise do BND, a ação brutal não é um caso isolado, mas faz parte da estratégia do exército de Putin.

Em entrevista à DW, o prefeito de Bucha, Anatoliy Fedoruk, também descreve a implacável repressão russa à população civil. De acordo com ele, cerca de 90% dos civis mortos tinham ferimentos a bala. A Rússia continua a negar qualquer responsabilidade pelas atrocidades de Bucha.

Investigador de equipe internacional diante dos corpos em Bucha (Foto: Carol Guzy/Zuma Press/dpa/picture alliance)

Ataque a teatro em Mariupol

O teatro da cidade de Mariupol foi atingido e destruído por pelo menos uma bomba na manhã de 16 de março. Uma investigação da agência de notícias AP calcula que pelo menos 600 pessoas foram mortas no ataque. Em seu relatório, a Anistia Internacional cita um número menor de mortes, mas identifica o ataque a bomba como um "crime de guerra russo".

Numerosos civis haviam buscado refúgio no teatro da cidade, severamente bombardeada na época.

A comissão de peritos da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

(OSCE) chegou à conclusão de que "a extensa destruição (...) do teatro de Mariupol, que era assinalado em ambos os lados com a inscrição 'crianças' e no qual morreram centenas de pessoas que buscavam proteção, pode muito bem ser atribuído ao bombardeio russo".

Após avaliação das fontes disponíveis, não há indícios de que a destruição tenha sido causada pelo regimento ucraniano Azov, como alegado pelo lado russo.

Ataque a maternidade em Mariupol

No início de março, vários meios de comunicação informaram que a Rússia havia bombardeado uma maternidade em Mariupol. Em entrevista à BBC no dia seguinte ao ataque, o prefeito Sergei Orlov relatou pelo menos três mortos, incluindo uma criança, e pelo menos 17 feridos, principalmente mulheres grávidas e médicos.

A Rússia negou o ataque, entre outras coisas, a Embaixada da Rússia no Reino Unido escreveu no Twitter que o hospital não estava mais em operação e estava sendo usado para fins militares. Isto é falso. O tuíte já foi apagado, mas ainda pode ser visto após um arquivamento.

Há evidências do ataque à maternidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) disse que verificou e documentou o ataque ao hospital e confirmou que estava o lugar operacional durante o ataque aéreo.

Jornalistas da agência de notícias Associated Press (AP) também documentaram em imagens as consequências do ataque imediatamente depois que ele ocorreu. Entre outras coisas, é possível ver mulheres grávidas feridas sendo carregadas em sofás para fora do hospital destruído. Fotos das consequências do bombardeio também foram publicadas, por exemplo, pela AP e pela agência alemã DPA.

Ataque a maternidade em Mariupol foi documentado por diversos jornalistas (Foto: Evgeniy Maloletka/AP/picture alliance)

Bomba de fragmentação atinge jardim de infância

Apenas um dia após o início da invasão russa da Ucrânia, um jardim de infância na cidade de Okhtyrka foi atingido por bombas de fragmentação. Três pessoas, incluindo uma criança, teriam sido mortas no ataque.

Uma investigação da organização de direitos humanos Anistia Internacional relata o impacto de um foguete Uragan de 220 mm perto do jardim de infância. Uma filmagem de drone mostra o prédio após o ataque.

Uma análise de fontes públicas realizada pela Bellingcat a respeito do ataque conclui que as tropas russas estavam dentro e ao redor de Okhtyrka no momento do ataque e que é altamente provável que essas tropas tenham sido a fonte do ataque.

Kathrin Wesolowski | Marcus Lütticke para Deutsche Welle. Publicado originalmente em 03.07.22 (https://www.dw.com/pt-br/as-mentiras-de-putin-sobre-ataques-russos-na-ucr%C3%A2nia/a-62342321)

sábado, 2 de julho de 2022

Covardia coletiva no Senado

Senadores preocupados exclusivamente com a eleição, e não com o País, aprovam uma PEC que atropela leis e moralidade para autorizar Bolsonaro a comprar votos

Na noite de quinta-feira, o Senado aprovou uma aberração fiscal, moral, social e institucional. Não apenas condescendeu com uma manobra bolsonarista eleitoreira e antidemocrática, como aceitou inscrevê-la na própria Constituição. O Senado, que em diversos momentos foi resistência à barbárie e ao retrocesso de Jair Bolsonaro, aprovou em dois turnos, com um único voto contrário, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022, que institui o estado de emergência até o fim do ano com o único e exclusivo intuito de burlar a legislação eleitoral e criar benefícios sociais às vésperas da eleição.

A votação é o marco histórico de um retrocesso sem precedentes. Em tramitação relâmpago, os senadores autorizaram que a Constituição seja alterada – sem estudo, sem planejamento, sem debate, ignorando as consequências fiscais, sociais e institucionais – para mudar casuística e arbitrariamente as regras do jogo democrático, de forma a permitir o mais deslavado clientelismo. Depois disso, restará algum limite para conter o descalabro e a desfaçatez?

Com frequência, o presidente Bolsonaro reclama que seu cargo tem um poder muito limitado, mas a aprovação da PEC mostrou o exato oposto, explicitando a influência que um presidente da República, por mais fraco e incompetente que seja, tem sobre o Congresso. A irresponsabilidade do Executivo – seu descaramento de desprezar todos os limites morais e legais para fins eleitorais – contagiou o Legislativo.

A covardia coletiva dos senadores é, também, prova de que o problema moral, cívico e político do País não se restringe ao bolsonarismo. Não há oposição digna do nome. Não há coerência mínima entre os que afirmam ser a resistência contra o retrocesso bolsonarista. Não adianta o PT chamar Bolsonaro de genocida e depois aprovar a aberração da PEC 1/2022, que inventa estado de emergência para burlar regra eleitoral e fiscal. Não adianta os senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) tentarem resgatar a esperança de uma opção responsável para 2023, se depois avalizam uma mudança constitucional que cria benefícios eleitoreiros por fora do teto de gastos, da regra de ouro e da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ademais, a votação da PEC 1/2022 confirma um princípio fundamental da vida democrática: a decisão sobre o voto é sempre pessoal e intransferível. Corajoso e coerente, o voto do senador José Serra (PSDB-SP) contrário à PEC 1/2022 entra para a história, pois mostra que nem todos os senadores aceitaram a irresponsabilidade fiscal e institucional. Nem todos aceitaram chamar de “benefício social” o que é escandalosa compra de voto. Houve um que, honrando o mandato parlamentar conferido pelo eleitor paulista, foi fiel ao interesse público e à Constituição. 

Contra tudo e contra todos, no mais genuíno espírito de Quixote, José Serra não se curvou a Jair Bolsonaro nem se apavorou ante a perspectiva de ser acusado pela malta bolsonarista de prejudicar os pobres. Aliás, diga-se, o único a se preocupar genuinamente com os pobres naquele acoelhado Senado foi Serra, pois a miséria se perpetua quando a elite dirigente, como fez a quase totalidade dos senadores, despreza a Constituição, ignora as leis e administra irresponsavelmente o dinheiro público. 

É esse vigor cívico encontrado no voto de Serra que se pede aos deputados quando forem avaliar a PEC. Não é porque o Senado se submeteu ao cabresto de Bolsonaro que os integrantes da Câmara devem fazer o mesmo, ratificando a destruição não apenas da prudência fiscal e da integridade das regras eleitorais, como do próprio sentido da Constituição – que, de instrumento de proteção da democracia, foi transformada por malandros em meio para burlar impunemente as regras do jogo.

São muitas e urgentes as necessidades sociais do País, mas isso não pode ser pretexto para dar R$ 41,2 bilhões a Bolsonaro para comprar votos. O Senado sucumbiu. Cabe agora à Câmara decidir com qual atitude deseja entrar na história: a coragem ou a covardia.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 02.07.22

O mercado entre o roto e o rasgado

Investidores sabem que a vitória de Bolsonaro seria desastrosa, mas temem a irresponsabilidade lulopetista

Com base nas pesquisas de intenção de voto, analistas de mercado projetam naturalmente uma disputa dura entre o presidente Jair Bolsonaro e o petista Lula da Silva na eleição presidencial, com vantagem para o último. “O quadro é desolador”, disse Daniel Leichsenring em evento da Verde Asset Management, da qual é economista-chefe. “Nem eu, nem o mercado, nem os gringos consideram uma eleição binária”, disse o CEO da Verde, Luis Stuhlberger. “O mercado considera os dois candidatos ruins, cada um a seu jeito.”

A desolação se refere precisamente àquilo que há de não binário na disputa. Independentemente das propostas de Lula e de Bolsonaro, o mercado antecipa a ruína da já combalida ancoragem fiscal em caso de vitória de qualquer um dos dois. O debate parece dominado por “quem vai gastar mais”, disse Leichsenring. Segundo Stuhlberger, “o teto de gastos virou o inimigo público número um de Bolsonaro e Lula”.

Aos representantes do mercado, a propaganda de Lula vende o retorno a um passado dourado, aludindo às políticas econômicas ortodoxas e até liberais de seu primeiro mandato. Mas mesmo que fosse o caso – o que as evasivas de Lula de discutir economia antes das eleições não permitem antecipar – a situação hoje é diferente.

Com o loteamento do Orçamento aos parlamentares do Centrão promovido por Bolsonaro, a discricionariedade do Congresso aumentou. Mais importante, o atual ciclo das commodities não deverá ser, como foi há 20 anos, suficiente para tirar o País do baixo crescimento, desemprego elevado e juros e inflação altos. “Não posso dizer o que vai acontecer com os ativos se o candidato A ou B ganhar. A única coisa que consigo concluir é que, se o PT ganhar, vamos ter mais inflação”, disse Stuhlberger.

Tanto pior se o PT optar por reeditar a malfadada Nova Matriz Econômica. Com o inchaço do funcionalismo público, o crédito indiscriminado aos “campeões nacionais” ou o desvirtuamento das estatais, os resultados finais da gestão petista foram “os mesmos problemas de miséria, educação, saúde e desigualdade”, afirmou Leichsenring.

Vença o intervencionismo populista e atrasado de Lula, vença a administração irresponsável de Bolsonaro em quase todas as áreas relevantes, o resultado eleitoral será devastador sobre o ambiente de negócios. “Usando uma linguagem não minha, mas das ruas”, arrematou Stuhlberger, “é tipo um psicopata contra um incompetente bem-intencionado”.

Analistas de mercado têm o dever de subsidiar seus investidores com cenários prováveis e suas consequências, e é natural que estejam se concentrando na disputa entre Lula e Bolsonaro, líderes das pesquisas. Mas enclausurar-se em um fatalismo quanto à escolha entre esses dois seria condescender a uma profecia autorrealizável. Há alternativas. Sem renunciar ao realismo que lhes cabe enquanto profissionais de mercado, financistas são também cidadãos, e também a eles cabe se mobilizar por opções que libertem o País da obrigação de escolher entre o roto e o rasgado.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 02.07.22

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Terrorismo eleitoral

Talvez pressentindo a derrota e para assustar eleitores, bolsonaristas anunciam o apocalipse caso percam eleição

Na entrevista que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) concedeu ao Estadão, transpareceu o sentimento de derrota que, a esta altura, parece predominar no Palácio do Planalto.

À falta de ideias ou planos coerentes, por absoluta incapacidade, para aplacar as aflições de uma população exausta e faminta e lhe transmitir alguma esperança por dias melhores, ao presidente da República e sua prole não resta outra coisa senão apelar para o terrorismo eleitoral. Pelo que se pode depreender não apenas das falas do senador Flávio durante a entrevista, mas também das manifestações públicas de seu próprio pai, o Brasil será o inferno na Terra caso os eleitores tenham a ousadia de não reconduzir o “mito” ao cargo em outubro.

O senador, que coordena a campanha de Bolsonaro à reeleição, disse ao jornal que o presidente “não terá como controlar” seus apoiadores caso estes resolvam se insurgir com violência contra uma eventual derrota do incumbente nas urnas. “Como a gente tem controle sobre isso?”, questionou o senador, em referência à possibilidade de um levante golpista no Brasil como houve nos Estados Unidos durante a invasão do Capitólio. 

É evidente que o presidente tem como desestimular o golpismo de seus apoiadores: basta que abandone o discurso subversivo, que há anos Bolsonaro cultiva com zelo. O risco de haver confusão cairá drasticamente quando o presidente deixar de propagar mentiras sobre as urnas eletrônicas, parar de atacar a Justiça Eleitoral e condenar planos de sublevação. Ou seja, ao contrário do que sugere seu filho Flávio, o movimento golpista dos bolsonaristas não tem nada de espontâneo – originou-se no Palácio do Planalto e de lá é orquestrado, como uma forma de manter o País refém do receio de tumulto nas eleições.

A tônica do discurso de campanha do presidente não são seus planos para tirar o País do atoleiro no qual, em boa medida, ele mesmo nos colocou. São suas desabridas desqualificações do sistema de votação eletrônica, seus ataques contra a honra e a imparcialidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as ameaças de insurgência contra uma eventual derrota, um resultado bastante provável tendo em vista a alta rejeição dos eleitores ao incumbente.

Nem o presidente nem seus aliados mais próximos, como denota a entrevista do senador Flávio Bolsonaro, substituirão o discurso terrorista por uma mensagem de esperança aos brasileiros. Bolsonaro é o que é e se fez na política semeando ódio ao que lhe parece diferente, estimulando conflitos e desafiando as instituições democráticas. Não é improvável que, de fato, parta para a ação e faça tudo o que tem ameaçado fazer caso entre para a história como presidente de um mandato só.

O País, contudo, dispõe de todos os instrumentos legais para cassar candidaturas que violem a lei eleitoral e, principalmente, para punir severamente todo e qualquer cidadão que atentar contra o Estado Democrático de Direito consagrado desde o preâmbulo da Constituição. Cabe à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal e, por fim, ao Poder Judiciário ter coragem de fazer valer todo esse arcabouço jurídico.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 01.07.22

Campanha de Bolsonaro prevê gastar até R$ 132 milhões e foca arrecadação no agronegócio

Principal origem dos recursos são empresários, sobretudo pecuaristas; TSE define limite por chapa presidencial em dois turnos e coligações trabalham com valor total

A campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) já começou a arrecadar doações em dinheiro para a eleição de outubro.  Foto: Gregg Newton / AFP

A campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) já começou a arrecadar doações em dinheiro para a eleição de outubro. A principal origem dos recursos, que ainda não são públicos, vem de empresários do agronegócio, principalmente de pecuaristas. A estratégia adotada garante que os doadores tenham, por enquanto, seus nomes preservados. Até agora, o PL tem enfrentado dificuldades para conseguir contribuições e planeja inaugurar em breve uma plataforma para receber doações online.

Os emissários para a arrecadação são o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), coordenador da campanha, e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto. A tarefa inclui esforços dos ex-ministros Tereza Cristina (Progressistas) e Tarcísio de Freitas (Republicanos). Tereza era titular da Agricultura, já foi cotada para vice na chapa de Bolsonaro, mas vai disputar uma vaga no Senado por Mato Grosso do Sul. Tarcísio, por sua vez, comandou a pasta da Infraestrutura e hoje é pré-candidato ao governo de São Paulo.

A campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) já começou a arrecadar doações em dinheiro para a eleição de outubro. 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleceu ontem que o teto de gastos para as campanhas presidenciais será o mesmo de 2018, corrigido pela inflação. São R$ 88 milhões no primeiro turno. Se houver segunda rodada da disputa, são permitidos mais R$ 44 milhões em despesas, perfazendo, ao todo, R$ 132 milhões.

Tanto o comitê de Bolsonaro quanto o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto, trabalham com a ideia de atingir o teto de gastos – um total de mais de R$ 260 milhões. Se arrecadarem mais, porém, podem transferir os recursos para aliados. Em 2018, numa campanha atípica, Bolsonaro gastou R$ 2,5 milhões do teto vigente à época, de R$ 105 milhões. A campanha de Fernando Haddad desembolsou R$ 37,5 milhões.

O Diretório Nacional do PT reservou 26,03% do fundo eleitoral (recursos públicos) destinado ao partido para a campanha de Lula, o que garante ao petista R$ 130 milhões para os dois turnos. A cúpula do PL não bateu o martelo sobre quanto vai transferir desse fundo para a campanha de Bolsonaro.

O plano está sob análise e provoca preocupações no partido por causa da quantidade de candidatos com mandato. Muitos dirigentes admitem que será impossível atender a todos sem doações. A decisão final caberá a Costa Neto. A legislação permite que, a partir de 16 de agosto, as doações sejam repassadas para uso das campanhas. Por enquanto, porém, o dinheiro precisa ser transferido para os cofres dos partidos.

“Já fiz algumas reuniões para tratar disso. As doações estão chegando e são para o partido. Obviamente que o partido tem preocupação de checar a origem dos recursos. Não dou divulgação porque grande parte das pessoas não quer publicidade, tem medo de represálias”, disse Flávio ao Estadão, sem querer estabelecer uma meta. “Temos muitos segmentos que nos apoiam, em especial do agro. São pessoas que estão se mobilizando, que ligam para saber como fazer doação, o que não acontece com outros candidatos.”



Plataforma

Enquanto a plataforma do PL não entra no ar, a mobilização ocorre em grupos de WhatsApp e reuniões privadas em casas de potenciais financiadores. Como mostrou o Estadão, produtores rurais abriram uma ofensiva para arrecadar recursos e custear as despesas eleitorais de Bolsonaro.

A iniciativa teve participação de nomes até então pouco conhecidos nacionalmente e causou reclamações pela forma como a abordagem foi feita. Todos agiam, porém, com aval de Flávio e Costa Neto. Entre eles estavam os pecuaristas Bruno Scheid, de Rondônia, e Adriano Caruso, de São Paulo.

Muitos estranharam os pedidos de contribuição porque, embora Bolsonaro sempre dissesse ser contra o uso do fundo eleitoral, podia contar agora com parte dos R$ 341 milhões que o PL administrará. O presidente terá, no entanto, de repartir a verba com 12 candidatos a governador, 13 senadores e a atual bancada de 77 deputados federais.

“Bolsonaro conseguiu mostrar que a questão financeira não é impeditivo para alguém virar presidente. Só que agora virou uma campanha muito maior. Temos palanques em todos os Estados. O dinheiro não será suficiente para que todos consigam fazer campanha completa e vamos precisar de recursos”, disse Flávio.

Reunião

O ex-prefeito de Água Boa (MT) Maurício Tonhá, dono da Estância Bahia Leilões, que se dispôs a pedir contribuições no setor, participou de uma reunião com cerca de 50 pecuaristas no Palácio do Planalto, ao lado de Bolsonaro, de Costa Neto, Flávio e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Encontros privados no interior de São Paulo, atrelados à pré-campanha de Tarcísio, também serviram para pedidos de colaboração financeira.

Em maio, parte desse grupo organizou almoço de arrecadação com Bolsonaro na casa de Fernando de Azevedo Marques, da União Química, em Brasília. Havia lobistas e até um investigado pela PF. Tereza Cristina e os ex-pilotos Nelson Piquet e Pedro Muffato estavam presentes. COLABOROU BEATRIZ BUL

Felipe Frazão para O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 01.07.22

A conivência de Bolsonaro

Acumulam-se escândalos no primeiro escalão do governo. Em nenhum deles, Bolsonaro defendeu o cumprimento da lei, facilitou a transparência ou colaborou com a Justiça

Os casos de suspeitas de crimes envolvendo o primeiro escalão do governo de Jair Bolsonaro apresentam uma grande – e preocupante – similaridade. Em todos, não foram os órgãos de controle da administração federal que trouxeram o problema à tona. Em todos, o presidente da República, sempre tão radical no discurso contra o crime, amenizou, em detrimento da defesa da lei, a conduta dos amigos. Em todos, descobriu-se que o governo sabia previamente da existência de indícios, mas optou por não agir. E sempre, entre os envolvidos nos diversos escândalos, havia gente muito próxima ao presidente da República.

O caso mais recente é escandaloso. Acusado por diversas funcionárias da Caixa Econômica Federal de todo tipo de assédio sexual, Pedro Guimarães era uma das pessoas mais vistas ao lado do presidente da República. Participou de várias lives de Bolsonaro. Acompanhou o presidente em diversas viagens. Era parte do núcleo íntimo presidencial. As suspeitas precisam ser investigadas, mas desde já dois fatos são significativos: (i) ninguém que acompanha o dia a dia do poder em Brasília ficou surpreso com as denúncias; e (ii) a Caixa já tinha conhecimento de suspeitas de crime. Conforme o próprio banco informou, o canal interno de denúncias da Caixa havia recebido relatos de assédio por parte de Pedro Guimarães.

No entanto, apesar de tudo isso, o caso tornou-se inaceitável para o governo Bolsonaro apenas quando foi revelado pela imprensa. Até então, era um não problema, com Pedro Guimarães desfrutando de toda a confiança de Bolsonaro, sendo inclusive um dos cotados para ser o vice na chapa de Bolsonaro à reeleição. Diante disso, e do silêncio de Bolsonaro, incapaz de condenar toda forma de assédio sexual e de afastar o amigão Pedro Guimarães, é lícito supor que o indigitado não teria perdido o emprego se não estivéssemos em ano eleitoral.

Esse caso, que por si só já é altamente constrangedor, não é o único em que Jair Bolsonaro adotou uma atitude de conivência com as suspeitas de crime. No ano passado, o presidente da República teve seu então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, investigado por corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando, em razão de suspeitas de facilitação de exportação ilegal de madeira para os Estados Unidos e a Europa. Em nenhum momento, Bolsonaro defendeu o cumprimento da lei ambiental brasileira. Limitou-se apenas, quando a permanência de Ricardo Salles se tornou politicamente inviável, a aceitar o pedido de demissão.

Durante a CPI da Pandemia, várias suspeitas de mau uso de dinheiro público no Ministério da Saúde vieram à tona. Em vez de se colocar em defesa da lei, Bolsonaro sempre se pôs ao lado dos amigos. No caso relativo às negociações para a compra da vacina Covaxin, tal foi a passividade do presidente que um inquérito foi aberto para investigar possível crime de prevaricação. Depois, a investigação foi encerrada, mas não porque se concluiu que Bolsonaro atuou na defesa da lei, e sim porque a Procuradoria-Geral da República, sempre tão camarada com Bolsonaro, entendeu que o presidente da República não tinha o dever de agir naquela situação.

No caso do Ministério da Educação, o comportamento foi o mesmo. Diante das graves suspeitas reveladas pela imprensa, em vez de assegurar condições para uma investigação isenta, Bolsonaro disse que colocava “a cara no fogo” pelo então ministro da Educação. Depois, quando a operação da Polícia Federal foi deflagrada, alegou que tinha exagerado na defesa do pastor. Mas ainda teve o descaramento de dizer que tráfico de influência, crime previsto no Código Penal pelo qual Milton Ribeiro é investigado, era algo comum, sem maior importância.

Em todos os casos, Bolsonaro teve a mesma reação. Em nenhum deles defendeu o cumprimento da lei, facilitou a transparência ou colaborou com a Justiça. Sua resposta foi sempre negar os indícios, desqualificar o trabalho de quem não se subordina a seus interesses e desviar o tema com outras pautas. Vale lembrar que, até hoje, o presidente da República não esclareceu os 21 cheques de Fabrício Queiroz na conta de sua mulher.

Não se combate a corrupção, ou qualquer outro crime, dessa forma. Agir assim é preparar o terreno para novos escândalos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 01.07.22

Brasil ocupa último lugar em educação, entre 63 países

A atual miséria educacional brasileira é possivelmente sem precedentes. Mas não se deve só à incompetência do governo Bolsonaro: o desprezo pela educação está profundamente arraigado na sociedade – e compromete o futuro.

Muitos jovens brasileiros chegam ao fim do ensino médio como analfabetos funcionais (Foto: Leandro Ferreira/ Fotoarena /imago images

Desde 1989 o International Institute for Management Development (IMD), sediado na Suíça, publica um ranking anual de competitividade. Para tal, o IMD World Competitiveness Center entrevista empresária/os, investidora/es e gerentes de 63 países sobre diversos critérios.

No relatório mais recente, a América Latina se saiu especialmente mal. Excetuado o Chile, todos os demais seis grandes Estados ocupam os últimos postos entre as economias examinadas. O Brasil está em 59º lugar; numa das rubricas – relativa à educação de crianças e adolescentes e à formação profissional – aparece até mesmo na última posição.

Isso é uma catástrofe que não se limita à miséria educacional sob Jair Bolsonaro. O governo do populista de direita não está interessado em melhorar o nível dos escolares e universitários brasileiros. Os sucessivos ministros da Educação – até agora quatro – são notórios principalmente por suas excentricidades e seu óbvio desconhecimento da área.

O ex-ministro Milton Ribeiro chegou a ser preso preventivamente por corrupção – e acabou solto no dia seguinte. Abraham Weintraub só se salvou do mesmo destino graças à transferência para o exterior, a serviço do Banco Mundial. Um ministro nomeado não pôde assumir por ter alegado ter um título de doutor que não possuía. O atual ministro, ninguém conhece.

Futuro sem capital humano

No entanto, as consequências da miséria educacional, que o IMD provou tão claramente agora, vão muito além da política insuficiente do governo no ensino: elas estão profundamente enraizadas na sociedade brasileira. Sejam ricos ou pobres, em todas as camadas do Brasil a educação é considerada secundária, algo mais ou menos supérfluo, que é nice to have.

Muitos pobres não entendem que a educação possa ser uma possibilidade de ascensão social, pois praticamente não conhecem ninguém que tenha conseguido. As escolas públicas são tão ruins que até mesmo os mais pobres, se podem, enviam seus filhos para as particulares. Mas os diplomas só valem no papel.

"No Brasil, a educação se resume a uma situação em que uns fingem que ensinam, outros fingem que aprendem, e tudo termina em diploma", disse recentemente o filósofo Eduardo Giannetti em entrevista ao jornal Valor Econômico.

Grande parte dos jovens de classe média não possui a qualificação em matemática e português atestada em seu certificado de ensino médio, como têm mostrado repetidamente os estudos Pisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os países industrializados desenvolvidos. Muitos são lançados como analfabetos funcionais e sem domínio das operações aritméticas básicas no mundo do trabalho, onde são proporcionalmente mal pagos.

Contudo, muitos brasileiros de classe média a alta também pensam que, ao colocar seus filhos em escolas caras, já fizeram o suficiente por sua formação. Não se ensina a pensar, mas a aprender de cor. Um indício é que no Brasil não se leem nem presenteiam livros. Também nas casas dos que poderiam comprá-los, livros são artigo raro. Onde há aula de música na escola? Que crianças ou adolescentes já foram a um museu ou exposição?

Para o Brasil, esse último lugar em relação ao nível educacional da população é um mau presságio, pois compromete seu futuro. Giannetti explica: "Porque a formação de capital humano é o que define a vida de um país. Nenhum local prospera, encontra o seu melhor, se não der a cada cidadão a capacidade de desenvolver o seu potencial humano. E o Brasil está muito longe de alcançar essa realidade."

A isso, não há nada mais a acrescentar.

O autor deste artigo, o  jornalista Alexander Busch , há mais de 25 anos é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Publicado originalmente na Deutsche Welle, em 29.06.22 /https://www.dw.com/pt-br/brasil-ocupa-%C3%BAltimo-lugar-em-educa%C3%A7%C3%A3o-entre-63-pa%C3%ADses/a-62304023 

Senado aprova PEC que amplia Auxílio Brasil em ano eleitoral

Proposta institui estado de emergência, oficializa quebra do teto de gastos e viabiliza programas sociais, a poucos meses das eleições. Medidas poderão custar até 41,2 bilhões de reais aos cofres públicos.


Senado da República é o que está aí nessa cumbuca emborcada, à esquerda

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui um estado de emergência no país e cria e ampliabenefícios sociais a poucos meses das eleições foi aprovada em dois turnos no Senado nesta quinta-feira (30/06). O texto foi enviado à Câmara dos Deputados, onde também deverá ser colocado em votação em dois turnos.

A medida permite que o governo ignore regras fiscais e fure o teto de gastos para ampliar o programa social Auxílio Brasil, e avance na criação de um benefício temporário de mil reais para caminhoneiros, além do Vale Gás e outras medidas que serão válidas até o final do ano.

A PEC, que permite o aumento de gastos por parte do governo sem as restrições normalmente impostas pela lei eleitoral, poderá custar até 41,2 bilhões de reais aos cofres públicos. 

Está previsto na PEC o aumento das parcelas do Auxílio Brasil de 400 para 600 reais, a criação de um voucher de mil reais para os caminhoneiros e a ampliação do chamado Vale Gás. 

O texto inclui ainda um auxílio para taxistas, um repasse de até 3,8 bilhões de reais para a manutenção da competitividade do etanol em relação à gasolina, e outro no valor de 500 milhões de reais para o programa Alimenta Brasil.

Os senadores aprovaram a proposta por 72 votos a 1 no primeiro turno, e 67 a 1 no segundo. Para a aprovação, eram necessários 49 votos. O senador José Serra (PSDB-SP) foi o único a votar contra, por discordar do caráter eleitoreiro da proposta.

Oposição vota a favor

Os senadores da oposição também votaram a favor da PEC, ressaltando a necessidade de fornecer ajuda às populações mais carentes. Alguns porém, lamentaram que as medidas possam beneficiar diretamente a campanha para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. A PEC agora segue para a Câmara dos Deputados.

A criação do estado de emergência, como forma de permitir ao governo furar o teto de gastos, foi fortemente criticada. O governo justificou a medida em razão do impacto gerado pela guerra na Ucrânia, que resultou em uma alta global no preço dos combustíveis e uma crise alimentícia global.

A legislação eleitoral brasileira proíbe a criação de novos benefícios sociais em ano de eleições. As únicas exceções são a manutenção de programas que já estejam em andamento, e em caso de calamidade pública ou estado de emergência.

O relator da PEC, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), argumentou que o estado de emergência valeria apenas para os benefícios previstos na proposta, e que não se trata de passar um "cheque em branco" ao governo.

A proposta veio em substituição à chamada PEC dos Combustíveis, que previa uma compensação aos estados que zerassem o ICMS na tentativa de reduzir os preços ao consumidor.

Mas, após uma série de questionamentos à efetividade da proposta, Bezerra apresentou o substitutivo que prevê o conjunto de benefícios sociais.

Deutsche Welle, em 30.06.22. Publicado originalmente em https://www.dw.com/pt-br/senado-aprova-pec-que-amplia-benef%C3%ADcios-em-pleno-ano-eleitoral/a-62321898

PEC que amplia Auxílio Brasil em ano eleitoral é 'passar a perna na lei', diz especialista

A legislação eleitoral proíbe a criação de benefícios em ano de eleição, com exceção de casos de calamidade pública e estado de emergência.

O texto da PEC, que está sendo analisado a três meses das eleições presidenciais, institui um "estado de emergência" sob a justificativa do elevado aumento no preço dos combustíveis.

Auxílio para o gás é elevado de R$ 60 para R$ 120 no bimestre de acordo com PEC que amplia benefícios sociais (Getty Images)

"Se o governo federal conseguir aprovar essa medida, ele deixa um rombo orçamentário enorme para o próximo governo que pode ser ele próprio. Dessa forma, o Brasil retroage no tempo para antes da lei de responsabilidade fiscal, um período em que um governo saía e deixava o rombo orçamentário para o governo seguinte."

A votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria e amplia benefícios sociais em ano eleitoral foi remarcada para as 16h desta quinta-feira (30/06) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, após colegas de Casa pedirem mais tempo para análise. A base governista tentou a aprovação do texto na noite de quarta.

Estado de emergência: por que PEC que libera gastos em ano eleitoral é tão polêmica?

Apelidada nos bastidores do Congresso de "PEC kamikaze", pelo impacto de R$ 38,75 bilhões além do teto de gastos do governo, a medida prevê o lançamento de um "voucher" no valor de R$ 1.000 para caminhoneiros e eleva os valores do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e do auxílio para o gás de R$ 60 para R$ 120 no bimestre.

Eleições 2022: Quais são as propostas dos pré-candidatos?

Há também uma compensação pelo transporte gratuito de idosos, com custo estimado de R$ 2,5 bilhões, e repasses para desoneração do etanol com valor total de R$ 3,8 bilhões.

A legislação eleitoral proíbe a criação de benefícios em ano de eleição, com exceção de casos de calamidade pública e estado de emergência.

O texto da PEC, que está sendo analisado a três meses das eleições presidenciais, institui um "estado de emergência" sob a justificativa do elevado aumento no preço dos combustíveis.

Para entrar em vigor, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos tanto pelo Senado quanto pela Câmara dos Deputados e ter três quintos dos votos dos parlamentares nas duas casas. Após a aprovação, ela é promulgada automaticamente, sem necessidade de sanção presidencial.

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, que está em viagem à Turquia, declarou "não conhecer a PEC". À BBC News Brasil, limitou-se a dizer que "bondade em ano de eleições gerais é complicado. O cenário promete. Com a palavra, o TSE [Tribunal Superior Eleitoral]".

Para Marilda Silveira, professora de Direito Eleitoral no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), "a pretensão veiculada na PEC, se concretizada, tem uma conduta que é expressamente vedada na lei 9.504, artigo 73, parágrafo 10. Há uma vedação expressa de distribuição de qualquer tipo de benesse que não tenha autorização expressa na lei e que não esteja em execução no ano anterior".

"Essa emenda constitucional nasce com desvio de finalidade", diz Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral.

"É uma forma jurídica de tentar passar por cima dessas vedações. A intenção é maliciosamente passar a perna na lei", afirma. "É uma mágica jurídica que estão querendo fazer e um precedente perigoso."

Justificativa para estado de emergência

O senador e ex-líder do governo Fernando Bezerra articulou a mudança da PEC dos Combustíveis, que compensava os estados por zerar tributos sobre combustíveis, para um projeto que cria e amplia benefícios sociais em ano eleitoral

O relator da matéria, o senador e ex-líder do governo Fernando Bezerra (MDB-PE) menciona a Guerra na Ucrânia e o impacto sobre os combustíveis para pedir o reconhecimento do estado de emergência.

"É essencial reconhecer que o país passa por uma situação de emergência provocada pelo forte aumento no preço dos combustíveis, com seus impactos diretos sobre o custo de vida, e indiretos, via efeitos de segunda ordem sobre a inflação", diz um trecho do parecer.

"A PEC perigosamente caracteriza o estado de emergência para que esses benefícios possam ser concedidos", afirma Gabriel Quintanilha, professor convidado da FGV Direito Rio.

Para Alberto Rollo, "estado de emergência é uma situação de exceção. Uma situação de exceção não pode ser criada artificialmente".

Marilda Silveira analisa que a intenção da PEC "é tentar constitucionalizar uma emergência. Mas emergência é uma questão de fato, não é uma questão jurídica".

"A competência é do presidente para decretar casos de calamidade como foi feito na pandemia. Se estão fazendo por PEC é porque eles sabem que tem fragilidade no argumento", diz ela.

Segundo Quintanilha, "a justificativa é muito frágil porque não há nenhum envolvimento direto do país com a guerra. Portanto, há o risco de que até mesmo no Tribunal de Contas seja reconhecido como não sendo um fundamento razoável."

"Se o governo federal conseguir aprovar essa medida, ele deixa um rombo orçamentário enorme para o próximo governo que pode ser ele próprio. Dessa forma, o Brasil retroage no tempo para antes da lei de responsabilidade fiscal, um período em que um governo saía e deixava o rombo orçamentário para o governo seguinte."

Shin Suzuki da BBC News Brasil em São Paulo, em 30.06.22. Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61992544, em 30.06.22

quinta-feira, 30 de junho de 2022

A verdadeira herança maldita

Não se sabe quem será o próximo presidente, mas isso não é importante para os que trabalham neste momento para manter o orçamento secreto intacto e sob controle do Centrão

Quem suceder a Jair Bolsonaro na Presidência da República encontrará um rastro de destruição em áreas essenciais da administração pública federal, como economia, saúde, educação, cultura, relações exteriores e meio ambiente. Mas poucos legados do atual mandatário terão sido tão nefastos para o futuro próximo do País quanto a entrega, pelo Poder Executivo, da responsabilidade que lhe cabe na gestão do Orçamento a um grupo de parlamentares oportunistas, que viram na debilidade moral, política e administrativa de Bolsonaro o ensejo para cobrarem do presidente um alto preço por sua permanência no cargo, malgrado a miríade de crimes de responsabilidade que ele cometeu – e segue cometendo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é figura de proa na arquitetura e na execução desse arranjo inconstitucional. Sob suas ordens diretas está a destinação da maior parte dos bilionários recursos que compõem o chamado orçamento secreto. Poucos políticos detiveram tanto poder em suas mãos na história recente do País como Arthur Lira detém hoje. E o presidente da Câmara sabe disso. Tanto que, à luz do dia, manobra para conservar não apenas o próprio orçamento secreto, mas, sobretudo, o seu papel central no esquema, seja quem for o vencedor da eleição presidencial em outubro.

Como revelou o Estadão no domingo passado, Lira pretende incluir um dispositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 – ou criá-lo por meio de uma resolução do Congresso – que torne obrigatórias as assinaturas do presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e do relator da LDO para as indicações das emendas do orçamento secreto, em conjunto com a anuência do relator-geral do Orçamento, que hoje é quem detém essa “prerrogativa”, chamemos assim, com exclusividade.

Até aqui, a ordem das coisas tem atendido bem aos interesses de Arthur Lira e seu grupo político. Os relatores-gerais do Orçamento nos últimos dois anos foram aliados do presidente da Câmara. Mas Lira, não é de hoje, já está com os olhos voltados para 2023, pensando não só em sua reeleição como presidente da Casa, como também em maneiras de conservar seu poder pessoal de direcionar a distribuição das emendas do orçamento secreto, que no ano que vem deverão somar R$ 19 bilhões. A estratégia eleitoral de Lira para seguir à frente da Câmara na próxima legislatura está umbilicalmente ligada à renovação de seu mandato pelos alagoanos, por óbvio, e ao seu poder de distribuir dinheiro entre os pares.

O relator-geral do Orçamento de 2023 será o senador Marcelo Castro (MDB-PI), um parlamentar que não faz parte do grupo político de Arthur Lira. Já o presidente da CMO será o deputado Celso Sabino (União-PA), aliado de Bolsonaro e escolhido pessoalmente pelo presidente da Câmara para chefiar a comissão. Por fim, o senador Marcos Do Val (Podemos-ES) será o relator da LDO. Do Val, como os brasileiros puderam acompanhar durante a CPI da Pandemia, tem forte inclinação governista.

O que funcionou até aqui com relatores-gerais do Orçamento aliados de Arthur Lira pode não funcionar da mesma forma em 2023, quando a relatoria-geral estará a cargo de um parlamentar cuja atuação o presidente da Câmara pode não ter como controlar. É vital para Lira, portanto, diluir o poder de Marcelo Castro entre seus aliados na presidência da CMO e na relatoria da LDO e tornar o pagamento das emendas RP-9 impositivo, como é para as emendas individuais e de bancada. Já para o País, vital é acabar com o orçamento secreto.

O próximo presidente da República haverá de empreender um grande esforço para recuperar o controle do Orçamento que foi perdido durante o governo de Jair Bolsonaro. E recuperar esse controle não apenas para cumprir a transparência inscrita na Constituição, razão fundamental por si só e já ordenada pelo Supremo Tribunal Federal, mas para também reconciliar o Orçamento com as grandes prioridades nacionais, que são muito distintas dos interesses paroquiais dos parlamentares que hoje se esbaldam com recursos públicos sem prestar contas a ninguém. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 30.06.22

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Justiça digital como 'veneno-remédio'

Experiência compulsória de modelo online agora exige debates e ajustes

Brad Smith, presidente da Microsoft e advogado, alerta sobre a tecnologia servir tanto para resolver todo tipo de problema quanto para criar novos. O equilíbrio entre vida física e digital seria, para ele, a chave para evitar os perigos do uso mal planejado ou excessivo da tecnologia.

A Justiça brasileira melhorou com o processo eletrônico e, nos últimos anos, o Judiciário retomava o uso de novas tecnologias quando surgiu o novo coronavírus. O isolamento forçou a imediata realização dos atos judiciários em meio digital. Não houve tempo para reflexão sobre o nosso modelo de justiça digital e sua adaptação à realidade normativa e material.

Houve rápida adesão dos juízes à realização de todos os atos por videoconferência, revertendo a resistência da magistratura à gravação de audiências —reivindicação antiga e não atendida da advocacia. Audiências e julgamentos online foram regulamentados em provimentos de tribunais e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Valendo-se da emergência, surgiu um arsenal de normas de gabinete, formuladas sem debate público e sem a participação dos demais atores do sistema de Justiça.

As regras de audiências e julgamentos online estão sendo definidas conforme entendimento exclusivo da burocracia judiciária e, por vezes, servem para distanciar a advocacia e os cidadãos do Judiciário. Antes de avaliar a funcionalidade, as prioridades parecem ser a conveniência do serviço interno e uma produtividade restrita a critérios quantitativos. A realização de Justiça, contudo, é mais ligada à forma com que ela se produz do que com números.

A justiça digital que nasce da pandemia transferiu ônus excessivos para a advocacia: partes e testemunhas, sem recursos ou locais adequados, dependem dos nossos escritórios para participar de atos judiciais, que se transformaram em extensão dos fóruns, especialmente diante da demora na retomada de audiências naqueles locais públicos.

O ingresso livre nos tribunais foi substituído por horas em "salas de espera" virtuais; o botão de "mudo" virou arma para cassar a palavra de advogados. A publicidade dos julgamentos desapareceu. Há pessoas que serão julgadas por um juiz com quem nunca tiveram contato.

Advogados e jurisdicionados, milhares sem meios adequados, participam de audiências com juiz, promotor, partes e testemunhas, pela tela de smartphones, em condições indignas de trabalho e sem segurança para a produção de provas.

É necessário preservar o espaço público e presencial para realização de alguns atos judiciais: audiências de instrução e de custódia, depoimentos sensíveis, reconhecimentos, acareações, júri. Há formalidades que reforçam a seriedade do ato e comunicam às pessoas que ali está se produzindo Justiça, o que não acontece quanto tudo ocorre por vídeo, com perda de percepções pessoais, de interação, de comunicação não verbal e da mediação direta dos profissionais do direito entre si e com jurisdicionados.

Temos hoje um modelo de justiça digital eclodido, não projetado e tampouco fruto de debate público. A advocacia vem alertando para os riscos de piora no acesso à Justiça. No final dos anos 1990, desenvolveu-se o conceito de justiça de proximidade. As audiências e julgamentos online e o regime perene de teletrabalho nos fóruns estão substituindo-o pela justiça de distanciamento.

Para reverter esse processo e usar bem a tecnologia, é preciso regular a justiça digital em lei, pois o Parlamento é a arena adequada ao debate republicano —ou, pelo menos, que o CNJ promova uma discussão com a participação de todos.

Tal regulação deve definir: 1 - quais atos judiciais serão exclusivamente online; 2 - quais atos não poderão ser realizados online; e 3 - quais poderão ser praticados em meio digital apenas com concordância das partes. Após dois anos de experiência compulsória, participando como espectadora, a advocacia está pronta para, conforme sua missão constitucional, integrar-se ao processo de definição do nosso modelo de justiça digital.

Patricia Vanzolini e Leonardo Sica, autores deste artigo, são respectivamente, presidente e vice-presidente da OAB-SP. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição impressa, em 28 de;06.22

Simone Tebet vai invocar esperança contra ‘desencanto’ e ‘pessimismo’ de eleitor

Angústia e decepção são sentimentos de eleitores indecisos captados por pesquisa qualitativa feita a pedido do MDB


Senadora Simone Tebet pré-candidata do MDB/PSDB e CIDADANIA à Presidencia da República (Foto: Adraino Machado / Reuters)

O comando da pré-campanha da senadora Simone Tebet (MDB) à Presidência da República vai invocar a mensagem da esperança diante do atual cenário de desalento do País. A estratégia será adotada para dar tração ao nome da chamada terceira via e tentar romper a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL).

Uma pesquisa qualitativa encomendada pela Executiva Nacional do MDB identificou no eleitorado os sentimentos de decepção e angústia, algo mais marcante do que o registrado nas últimas disputas ao Palácio do Planalto. Associado principalmente ao aumento do custo de vida e a constantes ameaças de desemprego, o pessimismo agora aparece ao lado de sensações como solidão, instabilidade e abandono.

A quinta rodada da pesquisa do Instituto FSB Pesquisa, encomendada pelo BTG Pactual e divulgada nesta segunda-feira, 27, mostrou Simone Tebet (MDB) com 3% de intenção de votos.

O desencanto com a situação do Brasil e o seu impacto no cotidiano surgiram em observações de grupos de eleitores indecisos. O quadro de incerteza e frustração de sonhos e projetos, com aumento da miséria e da desigualdade social, impressionou o marqueteiro Felipe Soutello, da pré-campanha de Simone. “Desde os anos 1990 não vemos tanta tristeza e decepção em viver no Brasil, além de falta de expectativa de futuro. São as piores qualitativas em décadas”, disse Soutello.

Para a maioria dos entrevistados, a responsabilidade pela crise não é somente da pandemia de covid-19, mas, sim, do chefe do Executivo. Feita recentemente, a pesquisa teve o objetivo de mensurar impressões de homens e mulheres de todas as regiões que ainda não têm certeza sobre quem escolher para o comando do País e podem mudar o voto.

A aliança em torno de Simone reúne o MDB, o PSDB e o Cidadania, grupo que se autointitula “centro democrático”. Ainda desconhecida, a senadora passou de 2% para 1% das intenções de voto na mais recente pesquisa Datafolha, divulgada na semana passada.

A cúpula do MDB afirmou que, quando começar o horário eleitoral na TV e no rádio, a partir de agosto, Simone pode crescer. Eleitores sem convicção do voto buscam um candidato que represente uma novidade, mas não querem um “outsider” na política e temem um aventureiro. 

A alternativa, para eles, é um nome com experiência, sem suspeitas de corrupção, que transmita confiança e capacidade de unificar o País.

O MDB identificou que ter lançado uma candidata foi percebido como um diferencial, mas que ser mulher não basta. Parte dos eleitores procura um nome que demonstre competência para administrar, reduzir as desigualdades sociais e resolver problemas, como alta da inflação e desemprego. Não foi à toa que, em um dos comerciais do MDB, Simone disse que era necessário promover o acesso à “comida barata”.

Fadiga

Estrategistas de outras campanhas ao Planalto também notaram o sentimento de fadiga por parte da população e tentam calibrar o discurso dos presidenciáveis. Segundo marqueteiros consultados pelo Estadão, foi possível notar nas propagandas do PL uma tentativa de mostrar Bolsonaro ao lado do povo, como alguém próximo das pessoas, e de vinculá-lo ao Auxílio Brasil.

Lula, por sua vez, aposta em mensagens como “cuidar de gente”, em tom messiânico. Ciro Gomes (PDT) destaca ainda mais as críticas ao modelo econômico e ao “voo de galinha” do Brasil, que, na sua avaliação, impede a geração de empregos de qualidade e provoca aumento da pobreza.

Hoje, 33 milhões de pessoas passam fome no País. A inflação se mostra resistente. Já são dez meses com o IPCA-15, a prévia do índice oficial, acima de dois dígitos. Números divulgados pelo IBGE na sexta-feira passada marcam 12,04%. “

Os dados (da qualitativa) são plausíveis. A maior parte dos indecisos está na faixa de zero a dois salários mínimos, um contingente mais vulnerável à inflação em alta, que reduz o seu já muito limitado poder aquisitivo”, disse o cientista político Antônio Lavareda.

Felipe Frazão / O Estado de S. Paulo, em 29.06.22

Politicagem na política externa

PEC que permite a parlamentar assumir embaixada mantendo o mandato mistura questões de Estado com política miúda

Um grupo de senadores liderados por Davi Alcolumbre (União-AP) busca aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) permitindo que parlamentares ocupem cargos de embaixador sem renunciar ao mandato. Isso em nada tem a ver com os interesses da política externa. É apenas mais uma tentativa de congressistas clientelistas, no fim de feira em que se transformou o governo Jair Bolsonaro, de ampliar seu balcão de negócios com novas mercadorias.

Diplomatas são funcionários concursados de carreira ligados ao quadro de profissionais do Itamaraty. A lei já prevê a nomeação excepcional de brasileiros reputados por mérito e experiência. Não é incomum, no Brasil e em outros países, que chefias de missões permanentes sejam exercidas por juristas e mesmo políticos. Incomum é que os políticos exerçam essa função mantendo seu mandato.

Alcolumbre argumenta que é uma “afronta ao bom senso” o fato de um congressista poder exercer o cargo de ministro das Relações Exteriores sem a obrigatoriedade de renunciar, mas ter essa “amarra” para ser embaixador. A prevalecer esse entendimento, não só os cargos diplomáticos, mas todos os cargos exercidos por profissionais de carreira em quaisquer ministérios estariam sujeitos a ser ocupados por parlamentares.

É justamente a garantia de que os ministros exercerão suas funções políticas sobre um quadro de profissionais técnico e isento que assegura o equilíbrio entre as vontades do governo e os interesses do Estado. Os riscos de conflito com a PEC são evidentes. Os interesses de Estado, nacionais, poderiam ser sobrepostos pelos interesses regionais e partidários dos congressistas. 

A politização da diplomacia ameaça uma das ilhas de excelência do serviço público do Estado brasileiro. “Isso é o princípio da destruição da carreira diplomática como tal”, disse a embaixadora aposentada Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação de Diplomatas Brasileiros. “Você acha que jovens vão entrar no Itamaraty para disputar no par ou ímpar com deputado ou senador, em troca de voto político?”

Alcolumbre sabe perfeitamente bem as razões dos constituintes. Na justificativa da PEC se diz que até agora prevaleceu o entendimento de que “a possibilidade de indicação de deputados e senadores para a ocupação de cargos de chefia de missão diplomática permanente representaria o sequestro da política internacional pela política miúda, fisiológica, em troca de apoio ao chefe do Poder Executivo”. Mas, segundo ele, “a restrição consistia em discriminação odiosa aos parlamentares”. O senador argumenta que “o mundo mudou significativamente nos últimos 33 anos”.

O mundo mudou. Mas os princípios que em 200 anos de regime constitucional garantiram a qualidade dos quadros diplomáticos brasileiros e o equilíbrio entre os Poderes da República não mudaram. Tampouco mudou o apetite de certas alas políticas por cargos e comissões de Estado a serviço de seus interesses paroquiais. O constituinte sempre soube que isso não mudaria e por isso estabeleceu os limites que agora estão ameaçados.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S. Paulo, em 29.06.22