sexta-feira, 17 de junho de 2022

É coveiro, sim

                                O mundo inteiro, agora, sabe quem é Bolsonaro

Em 2020, no auge da Covid, Jair Bolsonaro preferia passear de jet ski a visitar os hospitais abarrotados e solidarizar-se com os profissionais que arriscavam a vida. Enquanto brasileiros morriam por falta de oxigênio, Bolsonaro imitava uma pessoa lutando para respirar. Já então eram-lhe oferecidas vacinas, que ele desprezava em função da cloroquina. E, quando os cemitérios tiveram de abrir covas rasas para comportar milhares, ele celebrou essa tragédia com uma frase: "E daí? Não sou coveiro".

Agora Bolsonaro terá de ser coveiro. Está diante de dois mortos que o mundo não deixará insepultos: o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Queira ou não, são seus mortos, assassinados pelos exploradores, traficantes e pistoleiros a quem ele entregou a Amazônia. Por "ele", leiam-se Bolsonaro ele mesmo, seu cínico vice-presidente Hamilton Mourão, presidente decorativo do Conselho Nacional da Amazônia, e o ex-ministro Ricardo "Boiada" Salles.

Bruno e Dom foram mortos a tiros, esquartejados, possivelmente incendiados e enterrados na floresta. Não se sabe a que se reduziram seus corpos —ou "remanescentes humanos", como foram chamados pelas autoridades. É insuportável imaginar que dois seres humanos, até há pouco na plenitude de suas forças e virtudes, sejam neste momento material de laboratório e, pior ainda, em Brasília, não muito longe do homem que os responsabilizou pela própria morte chamando-os de "aventureiros" e "excursionistas".

Seja o que tiver restado deles, mesmo que uma unha, terá de ser entregue às suas famílias e sepultado

—Bruno, aqui mesmo, e Dom, quem sabe em seu país. Era o que Bolsonaro mais temia: a prova física do crime. A partir de agora, ninguém mais, em qualquer parte, poderá dizer que o desconhece.

Os coveiros da Covid eram heróis. O coveiro da Amazônia pode ser chamado de muita coisa —você escolhe.

Ruy Castro, o autor deste artigo, é Jornalista e escritor. Autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 16.06.22

Mariliz: o Brasil é uma selva

Uma selva habitada por homens desinteressados pelo paradeiro de Dom e Bruno

A imagem mais clichê que se tem do Brasil no exterior não é exagerada. O Brasil é uma selva. Mas em vez de onças, anacondas e jacarés, o animal que coloca em risco a vida das pessoas é o político brasileiro. A letargia do governo em mobilizar esforços para procurar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips é sintoma da selvageria em que vivemos.

Jair Bolsonaro nem tentou fingir alguma preocupação quando questionado sobre o caso. Classificou como "aventura não recomendada" o trabalho dos profissionais. Minimizou a violência à qual a região está exposta, afirmando que os dois podem ter sido vítimas de uma "maldade". Desde quando dois possíveis assassinatos podem ser chamados de "maldade"? No Brasil de Bolsonaro.

Ele, que gosta de dizer que a Amazônia é dos brasileiros, parece ignorar —ou não se importa mesmo— de que já deu no New York Times que a posse foi entregue a traficantes, pistoleiros, invasores de terra e matadores de indígenas. Bolsonaro conseguiu a façanha de mostrar que não são só nossas florestas que estão à mercê da milícia, mas o país inteiro, refém do bolsonarismo sustentado pelo centrão.

Bolsonaro et caterva normalizam fome, desemprego, mortes na pandemia, chacinas em favelas e violência contra ativistas e jornalistas, atacam instituições, incitam violência, ameaçam adversários políticos. O desaparecimento de Bruno e Dom é tratado como vírgula num cotidiano de barbárie, marca deste governo violento.

A imagem de um país exótico em que os macacos andam no meio dos carros é caricata, mas parte da classe política se encaixa nessa descrição de um Brasil subdesenvolvido, habitado por bárbaros que usariam a lei de talião se pudessem. A verdadeira selva brasileira foi projetada por Niemeyer, fica no Planalto Central e é habitada por homens de terno e gravata que não estão interessados no paradeiro de Dom e Bruno e no que isso representa.

Mariliz Pereira Jorge, a autora deste artigo, é Jornalista e roteirista. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 14.06.22

O ecossistema do crime na Amazônia

Enquanto o presidente combate fantasmas, cresce a verdadeira ameaça à soberania da Amazônia: um narcoestado paralelo entrelaçado aos crimes ambientais

   O desaparecimento do indigenista Bruno Araújo e do jornalista Dom Philips despertou o mundo para um mal que atinge a região do Alto Solimões, na fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, mas que se alastra cronicamente por toda a Amazônia. A escalada do narcotráfico está cada vez mais entrelaçada a uma velha rede de ilicitudes, como o garimpo e a extração de madeira, formando um ecossistema do crime. A Amazônia é hoje um barril de pólvora onde se misturam três mazelas que destroem a reputação do Brasil no mundo: a violência, a miséria e a devastação ambiental.

Na última década, o Brasil passou de um mercado consumidor da cocaína latino-americana para um dos principais fornecedores do planeta. Organizações como o PCC, o Comando Vermelho e a Família do Norte passaram a orquestrar o transporte transatlântico de cocaína, seja a da Colômbia e do Peru, passando pela rota amazônica até os portos do Nordeste, seja a da Bolívia, passando pelo interior do Centro-Oeste aos portos do Sudeste. A média de apreensões, que entre 1995 e 2004 era de 6 toneladas ao ano, explodiu nos últimos seis anos para 50 toneladas.

Segundo a ONU, o País responde por 7% das apreensões globais, atrás apenas de Colômbia (34%) e EUA (18%). O Brasil é a quarta maior origem para a Oceania e a primeira para a Ásia e a África, e está se tornando para a Europa o que o México é para os EUA.

Na Amazônia, o narcotráfico se entrelaça com os crimes ambientais. As facções se valem dos carregamentos clandestinos de madeira e manganês para escoar as drogas, e também estão envolvidas na mineração ilegal de ouro e invasão de terras indígenas. “Esses grupos criam empresas, lavam dinheiro e tomam parte no contrabando e no tráfico de armas e drogas”, diagnosticou Aiala Couto, um dos coordenadores da pesquisa Cartografias das Violências na Região Amazônica, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O estudo constata que, entre 1980 e 2019, enquanto no Sudeste os homicídios caíram 19%, no Norte aumentaram 260%. A dinâmica também se diferencia pela acentuada interiorização: enquanto nos municípios rurais do País a violência cai, nos amazônicos, cresce. Para não deixar dúvidas sobre a imbricação entre crimes ambientais, grilagem e as dinâmicas das facções, nos municípios sob pressão do desmatamento, as taxas de homicídios são bem superiores à da Amazônia Legal.

No Alto Solimões, os cartéis de Miami, Medellín e Sinaloa mantêm um grande esquema de transporte de armas e drogas, pistolagem, lavagem de dinheiro e pesca e caça ilegais, que se mescla aos negócios de comerciantes, pescadores, caçadores e políticos locais. A polícia trabalha com a hipótese de que atravessadores tenham assassinado Araújo e Philips por causa dos prejuízos que suas investigações causavam à pesca ilegal.

“A criminalidade à frente das ilicitudes ambientais tem efeitos brutais, incluindo mais insegurança e corrosão da autoridade”, disseram R. Muggah e M. Margolis, do Instituto Igarapé, em artigo para a Reuters. “O Brasil megalopolitano conhece esse roteiro bem demais. Os municípios no caminho da onda de crimes amazônicos devem agora escrever o seu.” 

O mero envio de forças militares é caro e pouco efetivo para enfrentar o ecossistema do crime. “É preciso investir no fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectem esferas federal e estadual, e, em especial, diferentes órgãos e Poderes (Polícias, MP, Defensorias, IBAMA, ICMBio, Judiciário, entre outros)”, aponta o Fórum.

Mas é precisamente essa tessitura de uma rede institucional que tem sido explicitamente desconstruída pela agenda antiambientalista de Jair Bolsonaro. O mesmo presidente que nutre paranoias conspiratórias sobre ameaças à soberania da Amazônia por parte de Estados e ONGs e gosta de desafiar autoridades que poderiam auxiliar o Brasil no combate a organizações criminosas cada vez mais sofisticadas e internacionalizadas faz vista grossa à real e crescente ameaça às vidas, ao desenvolvimento e à soberania da região: o sequestro da Amazônia por um narcoestado paralelo.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 16.06.22

Scholz, Macron e Draghi, visita inédita à Ucrânia

Segundo Macron, trio que representa maiores economias da UE viajou para transmitir "mensagem de unidade europeia aos ucranianos". Em visita a um subúrbio de Kiev, Scholz critica "crueldade" da "guerra russa".

O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, o presidente da França, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, que representam as três maiores economias da UE, chegaram nesta quinta-feira (16/06) à Ucrânia. Segundo Macron, o trio viajou ao país para transmitir "uma mensagem de unidade europeia aos ucranianos" em meio à guerra de agressão da Rússia contra o país do leste europeu.

Além dos três líderes europeus, o presidente da Romênia, Klaus Iohannis, também viajou para a Ucrânia. Os quatro se reuniram com o presidente ucraniano Volodimir Zelenski.

[Esta viagem] é uma mensagem de unidade europeia aos ucranianos e ucranianas, de apoio para falar do presente e do futuro, porque sabemos que as próximas semanas serão muito difíceis", assinalou Macron numa breve declaração.

O alemão Olaf Scholz, por sua vez, afirmou, pouco antes da sua chegada a Kiev, que o objetivo da viagem é garantir a solidariedade e a continuidade do apoio à Ucrânia.

"Não só queremos demonstrar solidariedade, como garantir também que a ajuda que estamos organizando - financeira, humanitária, mas também de armamento - continuará. E que continuaremos com ela quanto tempo for necessário para a luta pela independência da Ucrânia", disse Scholz.

No entanto, membros do governo ucraniano expressaram publicamente o temor de que os três líderes possam usar a visita para pressionar o governo ucraniano a aceitar um acordo de paz que seja favorável ao regime do presidente russo Vladimir Putin, como forma de colocar um ponto final no conflito. A Alemanha e a França mantêm relações tumultuadas com Kiev e membros do governo ucraniano regularmente criticam o que chamam de "hesitação" desses dois países em apoiar a Ucrânia com mais armas. 

Recentemente, Macron afirmou que era vital que o Ocidente não "humilhasse" Putin. Atualmente, a Rússia ocupa 20% do território da Ucrânia. Macron e Scholz também foram recentemente criticados pela Polônia, país aliado da Ucrânia, por causa dos contatos frequentes que os líderes da Alemanha e França mantêm com Putin.

Scholz, Macron, Draghi e Iohannis em reunião com Zelenski, em KievFoto: Ludovic Marin/AFP/Getty Images

Viagem

Macron, Scholz e Draghi viajaram juntos durante a de quarta para quinta-feira num trem especial que partiu de uma estação na Polónia - que não foi identificada.

Os líderes viajaram em vagões diferentes, mas realizaram uma reunião de cerca de duas horas para discutir sobre o encontro que vão ter com Zelenski. Os três se deixaram fotografar durante essas conversas.

A imprensa italiana destacou as fortes medidas de segurança que garantiram a passagem do trem como o esquema organizando em Kiev, que vai contar com 300 membros do exército ucraniano.

Draghi, Macron e Scholz durante deslocamento por trem em direção à UcrâniaFoto: Ludovic Marin/AFP

Os três líderes foram recebidos com sirenes de ataque aéreo na capital ucraniana, já que a Rússia continua a atacar alvos em todo o país. Autoridades ucranianas informaram nesta quinta-feira que um foguete russo lançado durante a noite atingiu um subúrbio de Sumy, no norte da Ucrânia, matando quatro pessoas e ferindo seis.

Logo após sua chegada na Ucrânia, os três líderes foram fotografados visitando Irpin, uma cidade a poucos quilômetros de Kiev que foi palco de combates violentos nas​nas primeiras semanas da invasão da Rússia.

No local, Scholz disse que Irpin tornou-se um símbolo da "crueldade" da invasão russa da Ucrânia e sua violência. "Irpin, como Bucha, tornou-se um símbolo da crueldade inimaginável da guerra russa, da violência sem sentido", disse Scholz, mencionando Bucha, cidade ucraniana que foi palco de chacinas atribuídas às forças invasoras russas. "A destruição brutal desta cidade é um aviso: esta guerra deve acabar", completou Scholz.

Já Macron denunciou a "barbárie" que ocorreu na cidade. "É uma cidade heroica, marcada pelos estigmas da barbárie", disse o presidente francês a jornalistas.

A Rússia respondeu com desprezo ao anúncio da visita do trio. Aliado de Putin, o ex-presidente Dimitri Medvedev tuitou uma mensagem repleta de estereótipos sobre a França, Alemanha e Itália. "Os fãs europeus de rãs, salsichas de fígado e espaguete adoram visitar Kiev. Com zero utilidade. Prometem adesão à UE e velhos obuseiro para a Ucrânia, satisfazem-se com gorilka [um tipo de vodca ucraniana] e voltam para casa de trem, como há 100 anos. Tudo está bem. No entanto, isso não traz a Ucrânia mais perto da paz. O relógio está correndo", escreveu o político russo.

Momento delicado

A visita do trio ocorre em um momento delicado, com a Ucrânia intensificando suas queixas sobre a lentidão na entrega de armas pelo Ocidente. Scholz tem sido o principal alvo de reclamações por parte de Kiev. Tem sido comum ver o embaixador ucraniano em Berlim, Andrij Melnyk, reclamar da hesitação alemã e denunciar que as armas prometidas por Berlim não estão sendo entregues. Em abril, as relações entre Berlim e Kiev atingiram um ponto baixo após Kiev rejeitar uma visita do presidente alemão Frank-Walter Steinmeier.

Scholz com o presidente Zelenski. Relações entre a Alemanha e Ucrânia tem sido tumultuadas desde o início da guerraFoto: Sergei Supinsky/AFP/ Getty Images

A primeira visita conjunta dos líderes também ocorre uma semana antes da cúpula da UE, onde os líderes europeus devem discutir sobre o desejo da Ucrânia de ingressar no bloco de 27 países. A Ucrânia não disfarça que espera um gesto simbólico muito forte nessa reunião, como uma declaração de apoio da candidatura do país à UE.

No entanto, as aspirações de Kiev são vistas com reservas por vários países do bloco. O governo francês, por exemplo, insistiu que é preciso encontrar "um equilíbrio entre as aspirações ucranianas" e as de outros países que já negociam suas adesões na UE sem "desestabilizar nem fraturar a UE". Macron também já disse que a adesão de Ucrânia pode "demorar décadas".

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 16.06.22

Líderes europeus apoiam Ucrânia para ser candidata à UE

O chanceler alemão, Olaf Scholz, o presidente francês, Emmanuel Macron, o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, e o presidente romeno, Klaus Iohannis, reuniram-se em Kiev com presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.

O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, que representam as três maiores economias da União Europeia (UE), além do presidente romeno, Klaus Iohannis, reuniram-se em Kiev nesta quinta-feira (16/06) com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, e afirmaram apoiar que a Ucrânia ganhe o status de país candidato à UE.

A Comissão Europeia deve informar na próxima semana se concederá à Ucrânia esse status, que significa o início de um longo processo para tentar aderir ao bloco.

Zelenski tem feito pressão pela rápida admissão da Ucrânia à UE, como uma forma de reduzir a vulnerabilidade geopolítica do seu país, que sofre uma invasão russa desde 24 de fevereiro. Mas autoridades e líderes do bloco advertem que, mesmo com o status oficial de país candidato, o processo de adesão pode levar anos ou mesmo décadas.

Em uma coletiva de imprensa em Kiev, Scholz disse que o governo alemão apoia o pedido de Kiev para ter status de candidato à UE, e Macron afirmou que "nós quatro apoiamos o status imediato de candidato à União Europeia". 

"É um momento importante. É uma mensagem de unidade que estamos enviando aos ucranianos", disse o francês, pouco depois que os líderes chegaram de trem.  

"Estamos em um ponto de inflexão na nossa história. O povo ucraniano defende diariamente os valores da democracia e da liberdade que sustentam o projeto europeu, o nosso projeto. Não podemos esperar. Não podemos atrasar este processo", disse Draghi, ao apoiar o status de candidato para a Ucrânia.

"Estamos prontos para trabalhar para que nosso Estado se torne membro pleno da UE", disse Zelenski. "Os ucranianos já ganharam o direito de seguir por este caminho e obter o status de candidato."

Pedidos de mais armas

Durante a coletiva de imprensa, Macron anunciou que Paris entregará "mais seis howitzers móveis Caesar" à Ucrânia, e Scholz prometeu fornecer apoio militar para a Ucrânia "pelo tempo que for necessário".

A ministra da Defesa alemã, Christine Lambrecht, disse na quarta-feira que Berlim forneceria à Ucrânia três sistemas de lançamento múltiplo de foguetes M270 (conhecidos em alemão como MARS II) – um a menos do que as quatro unidades que o governo alemão havia planejado enviar inicialmente.

Zelenski afirmou durante a coletiva que, quanto mais armas receber, mais rápido poderá retomar o território ocupado pela Rússia. 

"Cada dia de atraso ou de decisões adiadas é uma oportunidade para os militares russos matarem ucranianos ou destruirem nossas cidades", disse Zelenski. "Há uma correlação direta: quanto mais armas poderosas recebermos, mais rápido poderemos libertar nosso povo, nossa terra."   

O presidente romeno, Klaus Iohannis, condenou a "o uso dos grãos como arma" pela Rússia, dizendo que isso estava tendo um impacto global.

Scholz: "Crueldade inimaginável"

Antes da coletiva de imprensa, os líderes europeus observaram a destruição na cidade de Irpin, vizinha a Kiev.

Scholz disse que a cidade havia passado por uma "crueldade inimaginável" e "violência sem sentido". Foram encontradas valas comuns na cidade de Bucha, que também fica perto de Kiev. 

Scholz, Macron e Draghi visitaram a cidade de Irpin, vizinha a Kiev.Foto: Ludovic Marin/AP/picture alliance

Macron condenou a "barbárie" dos ataques russos e elogiou os moradores locais que lutaram contra a tentativa fracassada da Rússia de controlar o território ao redor da capital. 

"Eles destruíram as creches, os parques infantis, e tudo será reconstruído", disse Draghi, prometendo apoio europeu para reerguer a Ucrânia.

Em um post no Twitter, Iohannis escreveu que "não há palavras para descrever a inimaginável tragédia humana e a horrível destruição" em Irpin.

A viagem ocorreu em meio às críticas de que países europeus não estariam fazendo o suficiente para ajudar a Ucrânia a resistir à invasão.

Publicado oriiginalmente por Deutsche Welle Brasil, em 16.06.22.

bl (Reuters, AP, AFP, dpa) 

Autoridades negligenciam papel de indígenas em buscas no Amazonas

Voluntários indígenas tiveram papel fundamental nas buscas por Phillips e Pereira, mas foram excluídos de coletiva de imprensa liderada pela PF. Delegado sequer mencionou indígenas em agradecimentos iniciais.

Autoridades brasileiras trataram com negligência e invisibilizaram o papel de voluntários indígenas nas buscas pelo jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira.

A coletiva de imprensa em Manaus liderada pela Polícia Federal na quarta-feira (15/06), que detalhou as conclusões das investigações, foi marcada pela exclusão completa de representantes dos povos indígenas do Vale do Javari, a região onde Phillips e Pereira foram assassinados. A mesa acabou sendo dominada por representantes uniformizados de forças de segurança do Estado brasileiro.

Na quarta-feira, mais de cem voluntários indígenas de cinco etnias diferentes do Vale do Javari estavam participando das buscas, que se estenderam por dez dias. Indígenas guiaram membros de forças de segurança na mata e também foram responsáveis por localizar objetos das vítimas, ajudando a delimitar com mais precisão a área das buscas pela dupla.

Durante a coletiva de quarta-feira, o superintendente da Polícia Federal do Amazonas (PF-AM), Alexandre Fontes, listou em seus agradecimentos uma série de organizações oficiais do Estado brasileiro – Ministério Público do Amazonas, Corpo de Bombeiros e Forças Armadas, entre outras – por seu papel nas buscas e na elucidação do crime. Fontes, no entanto, não mencionou os indígenas.

O delegado somente abordou o papel dos indígenas após ser questionado sobre a ausência da menção por uma jornalista estrangeira, já na fase de perguntas da coletiva de imprensa.

Ao ser cobrado, Fontes, ladeado por representantes uniformizados da Marinha, Exército e Polícia Militar, finalmente afirmou que foi "um equívoco" não mencionar o "trabalho realizado em parceria com ribeirinhos e indígenas". Antes de corrigir o "equívoco", Fontes havia passado o microfone para os representantes uniformizados, que por sua vez trocaram elogios sobre o papel das suas agências e órgãos oficiais, sem também mencionar os indígenas.

No entanto, Fontes ainda evitou mencionar o papel da União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que deu início às buscas pela dupla ainda no mesmo dia em que Phillips e Pereira foram vistos com vida pela última vez, em 5 de junho.

No dia 11 de junho, voluntários indígenas foram responsáveis por encontrar pertences da dupla numa lona em uma área de igapó, numa região de difícil de acesso. Segundo a Univaja, a descoberta foi comunicada às autoridades, que isolaram o local no dia seguinte. Imagens divulgadas pelo canal de TV britânico Channel 4 mostram o momento em que os objetos foram localizados.

Indígenas também foram responsáveis por encontrar o barco de Amarildo da Costa Oliveira, o "Pelado", que confessou ter assassinado o jornalista e o indigenista. Além disso, eles ajudaram a guiar membros das forças de segurança nas matas.

Nesta quinta-feira (16/06), a postura das autoridades de ignorar as ações dos indígenas prosseguiu. Uma nota de pesar divulgada nesta manhã pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, afirma: "[o ministério] enaltece o trabalho realizado pela Polícia Federal e pelas Forças Armadas, que rapidamente elucidaram o caso" — sem mencionar o papel dos povos do Vale do Javari.

Nos primeiros dias após o desaparecimento da dupla, o governo brasileiro foi alvo de críticas e acusado de lançar uma reposta lenta e de inicialmente se empenhar pouco nas buscas. A Justiça Federal chegou a ser acionada para ordenar que o governo disponibilizasse mais recursos

Para a Univaja, apenas a PM local tratou indígenas como "verdadeiros parceiros na busca"

Em nota divulgada na noite de quarta-feira, a Univaja, organização que representa as etnias Marubo, Matis, Matsés, Kanamari, Korubo, Tsohom-dyapa e povos isolados do Vale do Javari, detalhou seu papel nas buscas.

"Nós, Univaja, participamos ativamente das buscas desde o dia 05/06/22 através da Equipe de Vigilância da Univaja (EVU). Fomos os primeiros a percorrer o rio Itaquaí atrás de Pereira e Phillips ainda no domingo, primeiro dia do desaparecimento dos dois. Desde então, a única instância que esteve ao nosso lado como parceira nas buscas foram os policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM)."

"Fomos nós, indígenas, através da EVU, que encontramos a área que, posteriormente, passou a ser alvo das investigações por parte de outras instâncias, como a Polícia Federal, o Exército, a Marinha, o Corpo de Bombeiros etc. Foi a equipe de vigilância da Univaja que entrou na floresta em busca de Pereira e Phillips para dar uma satisfação aos seus familiares. Foi a equipe de vigilância da Univaja, a EVU, que indicou para as autoridades o perímetro a ser vasculhado em profundidade pelos órgãos estatais", continua a nota.

"Para isso, nós contamos com a colaboração e proteção constante dos policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM): os únicos a nos tratarem como verdadeiros parceiros na busca, valorizando o nosso conhecimento e a nossa sabedoria enquanto povos indígenas, conhecedores do nosso território".

Ainda na nota, a Univaja agradeceu o comandante da PM local e a imprensa nacional e internacional. "Viemos à público prestar agradecimentos ao Coronel Cavalcante, aos policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM) que nos acompanharam nas buscas, e também à imprensa nacional e internacional que foi nossa parceira, nos ajudando a levar para o mundo inteiro ouvir a nossa voz e conhecer o que está acontecendo em nossa região."

Phillips e Pereira desapareceram em 5 de junho. Dez dias depois, investigações apontaram que eles foram asassinadosFoto: Eraldo Peres/AP Photo/picture alliance

Ainda na quarta-feira, o assessor jurídico da Univaja, Eliésio Marubo, criticou durante uma live transmitida no Instagram o que chamou de "soberba" da Polícia Federal. "A PF foi soberba, assumiram para si como se tivessem fazendo todo o trabalho e não foi", disse.

Ainda na nota, a Univaja classificou o assassinato de Pereira e Phillips como "crime político" e alertou que os dois suspeitos presos pelos assassinatos, Amarildo e seu irmão, "fazem parte de um grupo maior". "O que acontecerá conosco? Continuaremos vivendo sob ameaças?", finaliza a nota da Univaja.

Antes de ter sido ignorada na coletiva, a Univaja havia sido alvo em 10 de junho de uma nota agressiva por parte da Fundação Nacional do índio (Funai), órgão federal do Estado brasileiro responsável por promover políticas de proteção aos povos indígenas, mas que, sob o governo Bolsonaro, passou por um processo de desmonte e aparelhamento por militares, ativistas evangélicos e militantes de extrema direita.

Na nota, a Funai acusou a Univaja de divulgar informações "inverídicas" e acusou Pereira e Phillips – naquele momento ainda desaparecidos – de não possuírem autorização para entrar em terras indígenas no Vale do Javari. A Univaja rebateu a Funai e disse que Phillips não entrou nas terras indígenas da região e que Pereira tinha documentação em ordem. A região específica em que os dois desapareceram não é parte da terra indígena. A Funai ainda ameaçou acionar o Ministério Público Federal contra a Univaja.

Após um pedido da Defensoria Pública da União, que acusou a Funai de usar um "tom intimidatório", a Justiça Federal do Amazonas mandou a fundação retirar a nota do seu site.

Até outubro de 2019, Pereira foi o responsável pela Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai, quando foi exonerado por pressão política, já no governo Bolsonaro e quando a Funai estava sob a jurisdição do então ministro da Justiça Sergio Moro. Em seu lugar, foi indicado um delegado da Polícia Federal, apoiado pela bancada ruralista.

Viúva de Phillips diz que inicia "jornada em busca por justiça"

A viúva do jornalista britânico Dom Phillips, que foi assassinado na Amazônia com o indigenista Bruno Pereira, declarou na noite de quarta-feira, em nota, que agora "se inicia" uma "jornada em busca por justiça".

A nota foi divulgada após a PF confirmar que foram encontrados restos mortais na área em que a dupla desapareceu e que um suspeito confessou ter assassinado Phillips e Pereira.

"Embora ainda estejamos aguardando as confirmações definitivas, este desfecho trágico põe um fim à angústia de não saber o paradeiro de Dom e Bruno. Agora podemos levá-los para casa e nos despedir com amor", declarou Sampaio, que vivia com Phillips em Salvador. 

Forças de segurança participando das buscas Phillips e PereiraForças de segurança participando das buscas Phillips e Pereira

Forças de segurança participando das buscas. Agências e órgãos federais não dividiram crédito com indígenasFoto: Bruno Kelly/REUTERS

Jornalista veterano e colaborador do The Guardian, Phillips, de 57 anos, vivia no Brasil há 15 anos. Ao longo da sua carreira, ele também escreveu para vários outros veículos internacionais, incluindo Financial Times, New York Times e Washington Post, além de ter produzido reportagens para o serviço em inglês da Deutsche Welle (DW).

"Hoje, se inicia também nossa jornada em busca por justiça. Espero que as investigações esgotem todas as possibilidades e tragam respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais rapidamente possível", completou Sampaio.

A viúva também agradeceu aos indígenas e à Univaja, pelo papel nas buscas por Phillips e Pereira.

"Agradeço o empenho de todos que se envolveram diretamente nas buscas, especialmente os indígenas e a Univaja. Agradeço também a todos aqueles que se mobilizaram mundo afora para cobrar respostas rápidas. Só teremos paz quando as medidas necessárias forem tomadas para que tragédias como esta não se repitam jamais. Presto minha absoluta solidariedade com a Beatriz e toda a família do Bruno", finalizou Sampaio.

Jean-Philip Struck para a Deutsche Welle Brasil, em 16.06.22

'Capítulo escuro na história sangrenta da Amazônia':

Como imprensa internacional repercutiu confissão de assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira. 


Bruno Arújo (à esq.) e Dom Phillips desaparecidos desde 5 de junho

A imprensa internacional repercutiu a informação dada por autoridades brasileiras de que um pescador confessou ter assassinado o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips na Amazônia. Os dois estão desaparecidos desde o dia 5 de junho, e na quarta-feira (15/6) a Polícia Federal disse ter encontrado restos humanos — com "grandes chances" de que esse material seja os corpos da dupla.

O jornal americano New York Times afirmou que os desaparecimentos são "um capítulo escuro na recente história sangrenta da Amazônia".

"Phillips dedicou grande parte de sua carreira a contar as histórias do conflito que devastou a floresta tropical, enquanto Pereira passou anos tentando proteger as tribos indígenas e o meio ambiente em meio a esse conflito. Agora parece que o trabalho se tornou mortal para eles, mostrando até que ponto as pessoas estão dispostas a explorar ilegalmente a floresta tropical", escreveu o jornal americano.

PF diz que suspeito confessou mortes e que 'há grandes chances' de restos mortais serem de Dom Phillips e Bruno Pereira

'Amazônia, sua linda': Dom Phillips escrevia livro sobre como salvar floresta

Treinado na selva, Bruno Pereira superou desconfiança e ganhou respeito de indígenas

O diário destacou a experiência e o profissionalismo do jornalista britânico.

"Phillips era um correspondente experiente que fazia reportagens no Brasil há 15 anos, incluindo um período como escritor freelancer para o Times em 2017. Sua especialidade eram histórias profundas sobre grupos vulneráveis em lugares de difícil acesso na Amazônia, tornando-o particularmente experiente com o tipo de viagem que se tornou a sua última."

O jornal britânico The Guardian, para o qual Dom Phillips escrevia, disse que o "anúncio [da Polícia Federal] pôs um triste fim a uma busca de 10 dias que horrorizou a nação e destacou os crescentes perigos enfrentados por aqueles que ousam defender o meio ambiente e as comunidades indígenas do Brasil, que enfrentam um ataque histórico sob o presidente de extrema direita do país, Jair Bolsonaro".

A publicação também descreveu que na coletiva de imprensa da PF em Manaus "militares e policiais se parabenizaram pelo trabalho realizado, antes de reconhecerem tardiamente o papel desempenhado pelos indígenas que ajudaram a liderar as buscas".

O The Guardian está cobrindo o tema com regularidade, e entre outras publicações, divulgou um perfil de Phillips e Pereira intitulado "O escritor e o ativista: como Dom Phillips e Bruno Pereira se uniram pela Amazônia".

"Era para ser uma das últimas viagens de Dom Phillips à Amazônia, o pontapé inicial de um livro que revelaria toda a exuberante complexidade da maior floresta tropical do mundo. Em vez disso, parece ter sido um capítulo final para Phillips e seu amigo Bruno Pereira, especialista em indígenas e guia", escreveu o jornal, que promove uma campanha de arrecadação de fundos para os familiares dos desaparecidos.

O britânico Financial Times, de notícias financeiras, também destacou as pressões que jornalistas e ambientalistas sofrem na Amazônia.

"Indígenas e funcionários de organizações não governamentais há muito suportam o peso da agressão de grupos que operam ilegalmente na área. Ambientalistas dizem que a situação se deteriorou dramaticamente desde a eleição em 2018 do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, cuja retórica em apoio a garimpeiros e madeireiros ilegais foi tomada como sinal verde para arrasar a floresta tropical", escreveu o FT.

"As agências de fiscalização ambiental do Brasil também foram submetidas a cortes orçamentários, que resultaram em redução de mão de obra e uma crescente sensação de impunidade entre os operadores ilegais da região."

A versão britânica da Bloomberg, canal econômico, repercutiu os desdobramentos mais recentes compartilhando a declaração da esposa de Dom Phillips dizendo que "agora podemos trazê-los para casa e nos despedir com amor".

O jornal espanhol El País também vinha publicando atualizações sobre o caso, e conta hoje com a coluna da jornalista brasileira Eliane Brum sobre o tema, que leva o título "Dom e Bruno são vítimas de guerra."

Em publicações traduzidas para diferentes idiomas, o alemão DW (Deutsche Welle) levantou o questionamento se Dom e Bruno foram vítimas por suas lutas em proteção às terras indígenas e destacou comentários do presidente Jair Bolsonaro que não foram bem recebidos por parte do público.

O americano Washington Post destacou em sua reportagem declarações de Bolsonaro, em que o presidente fala que as reportagens de Phillips desagradavam muitos na Amazônia e sugerindo que o jornalista deveria ter tomado precauções maiores em sua viagem.

"Esse caso tem sido acompanhado de perto no Brasil, onde uma das das questões mais polêmicas é sobre se a floresta amazônica deve ser desenvolvida ou preservada. O presidente Jair Bolsonaro, um forte defensor do desenvolvimento, que já apoiou garimpeiros e desmatadores ilegais, culpou Phillips por seu desaparecimento. Em um comunicado na quarta-feira, ele disse que o jornalista era 'mal-visto na região'."

Mesmo antes da descoberta dos corpos, a imprensa internacional já estava cobrindo intensamente o caso. Em uma carta aberta ao presidente Jair Bolsonaro e aos ministros da Defesa e Relações Exteriores, publicada na semana passada, editores do The Guardian, The New York Times, The Associated Press e vários outros veículos nacionais e estrangeiros haviam expressado "extrema preocupação com a segurança e o paradeiro" dos dois homens.

Os jornalistas pediram por mais esforços nas buscas, em um momento em que as autoridades eram acusadas de empregar poucos recursos.

"Como editores e colegas que trabalharam com Dom, estamos muito preocupados com relatos de que os esforços de busca e resgate até agora têm recursos mínimos, com as autoridades nacionais demorando a oferecer limitada assistência', diz o texto.

Entenda o caso



Indigenista Bruno Araújo Pereira (ao centro), servidor da Funai que sumiu enquanto se deslocava de barco (Crédito - divulgação FUNAI)

Bruno da Cunha de Araújo Pereira é indigenista e servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio). Ele estava licenciado do cargo e trabalhando em um projeto das ONGs WWF-Brasil e União dos Povos Indígenas do Parque do Javari (Univaja) para ensinar indígenas a monitorar suas terras com o uso de tecnologias como drones.

Dom Phillips é jornalista e colaborador de diversos jornais no exterior, entre eles o britânico The Guardian. Phillips mora no Brasil há 15 anos e é casado com uma brasileira. Ele realizou diversas viagens para a Amazônia, onde fez reportagens sobre desmatamento e crimes.

Ele viajou para o extremo oeste da Amazônia acompanhado de Bruno para coletar dados para um livro que estava escrevendo sobre como salvar a floresta.

Mapa da região do Vale do Javari (Crédito UNIJAVA0

No domingo, dia 5 de junho, Bruno e Dom desapareceram a poucos quilômetros do Vale do Javari, que é a segunda maior reserva indígena do Brasil. Eles viajavam de barco pelos mais de 70 km que ligam o lago do Jaburu ao município de Atalaia do Norte. Na última vez que foram vistos, eles pararam na comunidade de São Rafael, às 6h, onde tinham uma reunião marcada com o líder pescador Manoel Vitor Sabino da Costa, conhecido como Churrasco.

Dali, eles seguiram seu caminho pelo rio. A dupla deveria ter chegado a Atalaia do Norte duas horas depois, mas desapareceu. Quem soou o alerta foram os indígenas da Univaja. Segundo a associação, Bruno e Dom viajavam em uma lancha em bom estado e com combustível suficiente para a viagem.

A Univaja disse que às 14h enviou uma equipe "formada por indígenas extremamente conhecedores da região". A equipe teria percorrido inclusive os "furos" do rio Itaquaí, mas nenhum vestígio foi encontrado. Às 16h, dizem os órgãos, "outra equipe de busca saiu de Tabatinga, em uma embarcação maior, retornando ao mesmo local, mas novamente nenhum vestígio foi localizado".

Há relatos de que Bruno Pereira era alvo constante de ameaças feitas por pescadores ilegais, garimpeiros e madeireiros. Além disso, a Univaja também relatou ameaças a seus integrantes — tendo registrado boletim de ocorrência na polícia poucas semanas antes do desaparecimento de Bruno.

Jornalista britânico Dom Phillips mora em Salvador e faz reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos

Jornalista britânico Dom Phillips moravaem Salvador e fazia reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos (Twitter)

Dois dias depois do desaparecimento, em 7 de junho, a polícia prendeu o pescador Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como "Pelado", e o nomeou como suspeito no caso — mas não forneceu detalhes sobre qualquer relação entre ele e os desaparecidos. "Pelado" foi preso com drogas e munições de uso restrito de autoridades. Há relatos de que ele estaria ameaçando indígenas que trabalham nas buscas.

A sua lancha tinha rastros de sangue — e o material foi enviado para perícia em Manaus para determinar se o sangue é humano ou de animais. O resultado do exame deve sair em cerca de 30 dias. Em uma audiência de custódia, Amarildo acusou policiais de espanca-lo.

No domingo (12/6), foram encontrados objetos pessoais de Bruno e Dom em um trecho do rio. O material orgânico enviado para perícia foi encontrado na sexta-feira (10/6).

As buscas foram feitas pelas polícias Federal, Militar e Civil, além da Força Nacional, Exército, Marinha e grupos de indígenas. Duas aeronaves, três drones, 16 embarcações e 20 viaturas foram usados nas buscas.

Primeiras buscas foram feitas por pequenos grupos de indígenas (Reuters)

Em entrevista coletiva na noite da útlima quarta-feira (15/06), o delegado Eduardo Alexandre Fontes, superintendente da Polícia Federal (PF) no Amazonas, afirmou que investigadores encontraram restos humanos nos locais de busca pelo indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Ele afirmou que ainda não há conclusões sobre o real motivo do crime e se houve algum mandante.

Segundo o delegado, "há grandes chances" de que o material encontrado seja dos corpos da dupla.

Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61818810, em 16.06.22

terça-feira, 14 de junho de 2022

Zelenski diz que Ucrânia vai recuperar o Donbass e a Crimeia

Presidente ucraniano afirma que a ofensiva russa no leste começou a perder força e que as tropas do seu país vão recuperar todo o território perdido para Moscou.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, afirmou nesta segunda-feira (14/06) que a ofensiva russa no Donbass começou a perder força e que as tropas ucranianas vão recuperar não só a região como também a península da Crimeia.

"Diga a todos os habitantes da região do Donbass que ainda são forçados a ver bandeiras russas em nossa terra ucraniana. Diga a eles que o Exército ucraniano os libertará", prometeu o presidente.

Em seu habitual discurso noturno em vídeo, ele enfatizou que "é claro que eles também libertarão a Crimeia", acrescentando: "A bandeira ucraniana voará mais uma vez sobre Yalta e Sudak, sobre Dzhankoi e Yevpatoria. E que todos os funcionários russos que apreenderam terras preciosas na Crimeia se lembrem: nesta terra eles não terão paz."

Os militares russos ocuparam a península do Mar Negro em 2014, quando a Ucrânia estava enfraquecida após uma mudança de poder e não conseguiu oferecer resistência. Depois, foi realizado um referendo, que não é internacionalmente reconhecido, e a Crimeia foi anexada à Rússia. Zelenski sempre defendeu o retorno da península a seu país, mas raramente afirmou isso com tanta ênfase como um objetivo de guerra.

Zelenski também frisou que "dúzias de tentativas de ataque do Exército russo já foram frustradas ali mesmo, no sul. E graças à contraofensiva, algumas comunidades da região de Kherson já foram libertadas".

O presidente ucraniano afirmou ainda que "nas batalhas no Donbass, o Exército ucraniano e a inteligência ucraniana continuam a derrotar taticamente os militares russos".

Apelo a Scholz 

Em entrevista também nesta segunda-feira ao canal estatal de TV alemão ZDF, Zelenski descartou a realização de negociações de paz com a Rússia até que Moscou "esteja pronta para acabar com a guerra".

"Não temos tempo para conversas que não funcionam", explicou. "Estamos em nosso território. Esta é a nossa cidade", disse ele, antes de acrescentar que "tudo estará perdido se a guerra contra a Rússia for perdida".

O presidente ucraniano pediu que o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, não mantenha "uma equidistância entre a Ucrânia e a Rússia" e pediu "uma postura mais dura" em relação a Moscou, "mesmo que prejudique a economia alemã".

Ele também defendeu a possibilidade de Scholz fazer uma visita oficial à Ucrânia e sublinhou que os Estados Unidos, o Reino Unido, a Eslováquia e a Polônia "foram os primeiros países a dar ajuda", enquanto a França e a Alemanha deram apoio retórico e político, sem inicialmente entregar armas. "No início da guerra não precisávamos de política, precisávamos de ajuda", concluiu Zelenski.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 14.06.22 - md/lf (DPA, EFE)

Artigo de Sarney: a Casa, o Bem de Família

Faltou aos deputados a sensibilidade de imaginar as repercussões para os mais pobres, sobretudo num momento tão difícil para nosso País.

Ao longo da História da Humanidade a casa — o espaço pessoal de uma família, fosse de pedra ou de couro, fixo ou móvel — sempre teve um caráter de refúgio, desde para o visitante, acolhido com o que se tinha de melhor, até à garantia de sua inviolabilidade. A Constituição acolheu esse princípio, estabelecendo que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador”.

O que me levou a fazer política foi a ideia de que a sociedade só se sustenta — o Estado só é viável — se houver justiça social. Para isso eu sabia que tinha que conhecer a vida das pessoas mais humildes; e, graças a Deus, nunca me afastei delas. Testemunhei pessoalmente os seus problemas, desde a falta de trabalho para ter o pão de cada dia, até o problema de como sobreviver sem ele, o pão nosso — e é como um golpe no peito que ouço que 33 milhões de brasileiros estão passando fome.

Vi assim como era importante para os que tinham uma casa, muitas vezes minúscula, a segurança de ali poderem viver, se refugiar, se reunir, ser feliz ou sofrer junto aos seus. E a tragédia que era quando a perdiam, muitas vezes postos fora por dívidas reais ou presumidas.

Então, quando Presidente da República, instituí a regra da impenhorabilidade da casa própria, da residência da família. Acrescentei ainda como impenhoráveis salários, bens de trabalho e as pequenas propriedades autossustentáveis — uma lembrança dos Homestead Acts, que Lincoln e outros líderes americanos fizeram a partir de 1841, que subsistem hoje como um modo de vida em cumplicidade com a natureza.

Perdi a conta do número de vezes que alguém me agradeceu por ter evitado assim que perdesse seu bem de família. Tendo me mantido na política ainda por muitos anos, tive ocasião de defender o princípio com as armas da ação parlamentar, levantando a voz para evitar qualquer tentativa de regredirmos ao capitalismo selvagem.

Foi com enorme surpresa, por isso, que vi a notícia de que a Câmara dos Deputados aprovou, silenciosamente e de maneira inacreditável, projeto de lei — o PL 4188/21 — criando um “marco legal de garantia de empréstimos”, isto é, protegendo os que têm dinheiro para emprestar em detrimento dos que precisam do dinheiro para viver. Faltou aos deputados a sensibilidade de imaginar as repercussões para os mais pobres, sobretudo num momento tão difícil para nosso País.

Para tomar a casa das pessoas, o governo propôs que sejam criadas umas tais de “IGGs”, instituições gestoras de garantias, aumentando o difícil caminho para se chegar aos empréstimos sob o pretexto de dar maior segurança aos credores. A notícia da Agência Câmara descreve singelamente uma coisa tão feia: “Quanto ao único imóvel da família, o texto aprovado muda a lei sobre a impenhorabilidade de imóvel (Lei 8.009/90) para permitir essa penhora em qualquer situação na qual o imóvel foi dado como garantia real, independentemente da obrigação garantida ou da destinação dos recursos obtidos, mesmo quando a dívida for de terceiro (um pai garantindo uma dívida do filho com o único imóvel que possui).”

Debatendo uma dessas tentativas de acabar com a impenhorabilidade da casa própria, há alguns anos, lembrei o Sermão dos Peixes, feito pelo Padre Vieira. Ele diz aos peixes que eles têm um grande defeito, que é os peixes grandes comerem os pequenos. Se os pequenos comessem os grandes, bastava um grande para alimentar muitos pequenos. Mas, como o grande come os pequenos, milhares e milhares de pequenos são devorados pelos grandes.

Assim seria com essa lei, se fosse aprovada: com ela se beneficiariam os que penhoram casas, aqueles peixes grandes que comem os peixes pequenos. Tendo sido senador por 40 anos, apelo ao Senado que examine a gravidade do assunto, com confiança de que jamais deixará passar esse projeto, tão prejudicial ao nosso povo.

José Sarney, o autor deste artigo, foi Deputado Federal, Governador do Maranhão, Senador e Presidente da República. 

Saída à francesa?

A alta rejeição à polarização Lula-Bolsonaro pode gerar surpresas nas eleições de 2022


No Brasil, partidos fora da polarização Lula-Bolsonaro montaram uma chapa liderada pela senadora Simone Tebet, que mostra potencial de crescimento nas pesquisas Foto: JF Diorio/Estadão

Há cinco anos, um candidato desconhecido conseguiu surpreender o mundo ao vencer as eleições para a presidência da França. Esse candidato nunca havia sido eleito para qualquer cargo eletivo, não dispunha de um aparato partidário e lançou sua candidatura apenas quatro meses antes das eleições, o que fazia dele um azarão e improvável vencedor.

O mercado eleitoral já estava muito congestionado, com pelo menos quatro candidaturas aparentemente mais competitivas. O “Parti Socialiste” havia escolhido Benoît Hamon com uma plataforma considerada de esquerda radical. Ainda mais à esquerda, havia a candidatura de Jean-Luc Mélenchon, pelo movimento “La France Insoumise”. A centro-direita havia escolhido o ex-primeiro ministro François Fillon pelo partido “Les Républicains”. Já a extrema-direita foi ocupada por Marine Le Pen pelo então “Ressemblement Nacional”.

Embora Emmanuel Macron tivesse sido ministro da economia do governo socialista de François Hollande, ele concorreu pelo movimento de centro, “En Marche”, que ele mesmo definia como não sendo nem de esquerda nem de direita, em alternativa à intensa polarização política na França. Macron foi eleito em segundo turno com uma esmagadora vitória, alcançando 66,1% dos votos contra 33,90% de Le Pen.

No Brasil, partidos fora da polarização Lula-Bolsonaro montaram uma chapa liderada pela senadora Simone Tebet, que mostra potencial de crescimento nas pesquisas

No Brasil, partidos fora da polarização Lula-Bolsonaro montaram uma chapa liderada pela senadora Simone Tebet, que mostra potencial de crescimento nas pesquisas Foto: JF Diorio/Estadão

No Brasil, os partidos do chamado “centro democrático” finalmente conseguiram se coordenar e montar uma chapa liderada pelos senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) para disputar a presidência como alternativa às candidaturas afetivamente polares de Lula e de Bolsonaro.

De acordo com a última pesquisa do Ipespe (01/06/22), o potencial de voto de Simone seria de 32%: a soma dos 7% dos eleitores que indicaram que votariam nela com certeza e 25% que sinalizaram que poderiam votar na senadora. Além do mais, a sua rejeição é consideravelmente menor (31%) quando comparada com os 43%, 59% e 40% que não votariam de jeito nenhum em Lula, Bolsonaro e Ciro, respectivamente. A pesquisa também indica que 36% dos eleitores não conhecem Simone o suficiente, o que sugere um potencial de crescimento.

Pesquisa Genial/Quaest de junho/2022 indica que 42% dos eleitores ainda estão indecisos sobre em quem votar e que 35% de eleitores podem ainda mudar seu voto (23% em Lula, 71% nem Lula nem Bolsonaro e 28% em Bolsonaro). Simone é a segunda opção de voto entre 26% dos eleitores de Lula, 9% dos de Bolsonaro, 19% de Ciro e 14% de indecisos.

É difícil prever se o Brasil terá um fenômeno Macron em 2022. Mas, se tiver, tudo indica que será uma mulher.

 Carlos Pereira, o autor deste artigo, é cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 13.06.22.

Simone Tebet: ‘Eu e Ciro estamos no mesmo lado da história’

Pré-candidata à Presidência pelo MDB diz que pretende abrir diálogo com demais nomes do centro político e afirma que é contrária à privatização da Petrobras

Reunião do PSDB que selou apoio a Simone Tebet; Tasso deve ser vice em chapa  

Após consolidar seu nome no MDB e conseguir o apoio do PSDB e do Cidadania para sua pré-candidatura presidencial, a senadora Simone Tebet (MS), de 52 anos, pretende agora abrir canais de diálogo com os demais nomes do centro político. A senadora emedebista vê espaço para uma aproximação com Ciro Gomes, pré-candidato do PDT. “No momento certo essa conversa tem que acontecer e vai acontecer. Estamos no mesmo lado da história. Essa conversa é necessária”, afirmou em entrevista ao Estadão.

Simone se diz ciente do desafio de tornar seu nome conhecido do eleitorado. Ela minimiza as resistências regionais no MDB a seu nome – em vários Estados, os candidatos locais devem se alinhar às candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL) – diz confiar numa decisão tardia do eleitorado.

“Não quero palanque exclusivo. Quero espaço de fala”, afirmou. “Essa é uma eleição de dois rejeitados e que tem uma franja muito grande de eleitores que buscam alternativa.”

Simone disse ainda que, se for eleita, um dos primeiros atos de seu governo será, por decreto, “rever qualquer avanço de porte de armas”. Além disso, a senadora se diz contrária à privatização da Petrobras e afirma que o governo tenta intervir de forma equivocada na empresa. “Tem muitas outras estatais para serem privatizadas.” A seguir os principais trechos da entrevista:

Acredita que é possível concentrar mais o centro? Pretende procurar os outros pré-candidatos desse campo?

Na segunda-feira (dia 13) os presidentes dos partidos vão se reunir para discutir essa agenda. Agora não falo mais só pelo MDB, mas sou também o PSDB e o Cidadania. Sou o centro democrático. Os presidentes dos partidos têm autonomia para conversar com os partidos que não têm pré-candidato e em seguida com os que têm.

Mas acha possível reduzir o número de candidaturas e concentrar forças em uma só?

Acredito que sim. As convenções estão distantes, só começam no dia 20 de julho. São 45 dias. Em menos de 15 dias um pré-candidato mudou de partido, outro abriu mão e o meu nome foi escolhido no centro democrático. Saímos de três pré-candidaturas fortes, com Sérgio Moro, João Doria e Simone, e hoje temos uma.

Pretende abrir um canal de diálogo com Ciro Gomes (PDT) na campanha?

Da minha parte, sem dúvida estou aberta para conversar com o Ciro. Nós dois sempre nos falamos por zap. Me dou muito bem com o irmão dele (o senador Cid Gomes) também. No momento certo essa conversa tem que acontecer e vai acontecer. Estamos no mesmo lado da história. Essa conversa é necessária. Em que sentido, o tempo vai dizer. Hoje o centro democrático tem candidatura própria. Respeito o Ciro, que não abre mão da candidatura. Mas política é diálogo.

Por que sra. coloca a sua candidatura como sendo o ‘centro democrático’? E os demais nomes desse campo?

O União Brasil estava, mas achou melhor caminhar paralelo, e eu respeito. No centro, nós temos três partidos, e não quaisquer partidos. Eu pertenço ao maior partido do Brasil. O PSDB já governou o País e sempre esteve no caminho do centro democrático. O centro democrático está apresentando através do meu nome. E o Cidadania, com a história do Roberto Freire.

A sra. vai tolerar traições políticas na campanha nos Estados onde o MDB é alinhado com Lula ou Bolsonaro?

O MDB sempre respeitou os palanques regionais. O PSDB, como um partido democrático que é, também entende que é preciso respeitar. Essa é uma eleição em que o apoio do partido, com o tempo de rádio e TV e a estrutura, nos dá capacidade de crescer. O MDB tem 2 milhões de filiados, e eles estão às margens dos palanques regionais. O crescimento vai fazer com que a gente atraia os palanques. A democracia é a liberdade de escolha. Não quero palanque exclusivo. Quero espaço de fala. Sempre tive que empurrar portas. As coisas não me vieram fácil para eu achar que alguém pode me carregar. Não vou prejudicar qualquer projeto de companheiros. A política é uma via de duas mãos. Em alguns Estados terei dois palanques, em outros vou ter que dividir com outros pré-candidatos.

Mas em muitos casos o palanque local vem acompanhado da retaguarda da máquina do governo…

Que expectativa tem em relação ao seu desempenho nas pesquisas?

O crescimento será proporcional à queda do desconhecimento em relação ao meu nome. Essa é uma eleição de dois rejeitados e que tem uma franja muito grande de eleitores que buscam alternativa. Não é questão de quando, ou se é antes ou depois da convenção. (O crescimento nas pesquisas) pode acontecer antes ou depois. Vai haver um crescimento rápido a partir do momento em que as pessoas se interessarem pela eleição.

As pesquisas mostram que grande parte do eleitorado decide o voto mais tarde. Em 2018 foram 46%, segundo dados de pesquisa da época. A sra. conta com esse ‘voto volátil’ na reta final?

É muito mais fácil romper essa barreira e alcançar esse eleitor. Ele não está decidido pelo sim, mas pelo não. Esse é o diferencial dessa eleição que me dá certeza que posso chegar ao 2° turno.

O horário eleitoral na TV nesta eleição será decisivo?

Será muito importante. Engana-se quem pensa que a população não está preocupada com a eleição.

Luciano Huck publicou um artigo no ‘Estadão’ no qual apresentou propostas para o Brasil elaboradas pelo grupo dele e defendeu o diálogo. Esse diálogo já existe?

Existe. Eu tenho um carinho muito grande pelo Luciano Huck. Estivemos juntos em algumas ocasiões. Ele tem um compromisso social muito forte. Li a matéria e concordo com grande parte das propostas apresentadas. Não é muito diferente dos programas que estão no nosso plano de governo. Nossa candidatura vai ganhar musculatura porque tem a capacidade de ouvir. Não vamos entregar o prato pronto.

O alinhamento da terceira via é possível no 2° turno, caso se confirme a polarização?

O meu calendário político só tem uma data: o 1° turno. Estou convicta de que temos condições de chegar ao 2° turno, apesar do tempo estar ficando menor. Há sete ou oito meses eram oito pré-candidatos, hoje são praticamente dois. Não tem porque discutir segundo turno.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) será seu candidato a vice?

Nós confiamos demais no PSDB e sabemos que ele vai entregar o melhor nome para o centro democrático. O PSDB tem valorosos nomes. Minha ligação com o Tasso é umbilical. Tenho uma história de vida com ele. Começou com meu pai e depois fomos colegas no Senado por sete anos. Mas a escolha é do PSDB.

Minha ligação com o Tasso é umbilical. Tenho uma história de vida com ele. Começou com meu pai e depois fomos colegas no Senado por sete anos. Mas a escolha (do vice) é do PSDB.”

O teto de gastos foi criticado por Lula. Como a sra vai tratar esse tema se for eleita?

É um grande equívoco (criticar o teto de gastos) de quem não está entendendo a realidade do Brasil. Se você não tem limite para a gastança pública, o dinheiro do povo será usado para benefícios próprios. Se não fosse o teto de gastos, de quanto seria o orçamento secreto no Brasil? Quanto seria a conta para se pagar no ano que vem nos currais eleitorais?

E a reforma trabalhista, qual será a sua posição caso seja eleita?

Não podemos retroceder na reforma trabalhista, mas pactuar com algumas categorias. Não dá para olhar para trás. É hora de falar de reforma tributária e uma reforma administrativa que seja a favor do serviço público.

A sra. mudaria a legislação sobre o porte de armas, que é uma bandeira do bolsonarismo?

Se eu for eleita, um dos primeiros atos será por decreto rever qualquer avanço de porte de armas. Determinados temas são tão complexos que não pode prevalecer a vontade pessoal de um único governante. Sou contra o porte de armas no Brasil. Votei a favor do porte de armas na zona rural, pelas mulheres. A mulher fica sozinha na sede enquanto o marido vai trabalhar e não tem como proteger seu filho.

A sra. vai reduzir o espaço das Forças Armadas no governo se for eleita?

Isso é besteira. Não é esse o problema do Brasil. As Forças Armadas são uma instituição tão importante para a democracia quanto o Congresso Nacional. O problema não está na militarização da política. Os militares nos ajudam a governar como sempre ajudaram. O problema está na politização da polícia.

O que acha da ideia de privatizar a Petrobras? O que deve ser privatizado no Brasil?

Sou a favor das privatizações desde que elas tenham um fim social. Houve um momento em que se privatizou para pagar dívida. Isso passou. Temos mais 40 estatais. Mas sou contra a privatização da Petrobras. Podem haver subsidiárias e setores da Petrobras privatizados, como já tem. Mas neste momento em que mesmo estatal ela não consegue conter a alta, se não fizermos o dever de casa em relação ao refino, não dá para falar em privatizar uma estatal que está dando lucro. Vamos com calma. Tem muitas outras estatais para serem privatizadas. São critérios básicos: entre as deficitárias quais não são estratégicas?

Houve um momento em que se privatizou para pagar dívida. Isso passou. Temos mais 40 estatais. Mas sou contra a privatização da Petrobras.”

Se a sra. fosse presidente hoje, faria alguma intervenção na Petrobras para conter a alta dos combustíveis?

Primeiro é preciso ter um presidente da Petrobras com autonomia e capacidade de dialogar com os acionistas. Ele precisa dizer que sim, vocês podem ter lucro, afinal é uma S.A. Ninguém discute isso. Mas a Petrobras tem um fim social. Com esse diálogo é possível fazer uma política nacional estratégica para fazer com que a Petrobras seja autossuficiente na produção e no refino. O governo tenta intervir na Petrobras de forma totalmente equivocada. A gente tem que respeitar a Petrobras como ela é, uma sociedade de economia mista com um função social estratégica para o Brasil. É possível conciliar os dois.

Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo, em 11.06.22

Golpe transformará Bolsonaro em fantoche dos militares

Presidente e o vice general vão às eleições com as mãos sujas do sangue de Dom e Bruno


Os comandantes das Forças Armadas em março de 2021; o almirante Almir Garnier, o ministro Braga Netto, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e o brigadeiro Almeida Baptista Jr. - Pedro Ladeira/Folhapres

O que diz o ministro da Defesa, tão preocupado com as urnas eletrônicas, sobre a nova tentativa de golpe programada para Sete de Setembro —a 26 dias das eleições? Paulo Sérgio Nogueira sente-se prestigiado a participar de ataques aos ministros do STF e TSE? O general mandará às ruas tanques fumacentos? Comandará a retirada de oxigênio da população para manter a liberdade fardada?

Havendo golpe para invalidar a votação desfavorável a Bolsonaro, será um movimento militar. O presidente se transformará num mito banal. Um ditador de mentira (tudo a ver, para quem sempre viveu mentindo), que poderá ser descartado a qualquer momento. Para a eventualidade, haverá um vice-presidente que é general, óbvio. Na chapa que concorre com as bênçãos do centrão e as mãos manchadas com o sangue de Dom Phillips e Bruno Pereira, o escolhido é Walter Braga Netto, que deixou o cargo de ministro da Defesa.

A articulação golpista abrange um plano com a presença de militares no governo até 2035. Se valer o primeiro mandato de Bolsonaro, serão 16 anos. Um tempo até modesto, levando-se em conta que o Golpe de 64 produziu uma ditadura de 21 anos.

A busca por informações falsas sobre as urnas vem desde 2019 —quando já havia sinais de rejeição ao governo e de que Lula, fora da prisão, voltaria ao páreo— e envolve os generais Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria da Presidência, e Augusto Heleno, que controla o Gabinete de Segurança Institucional e a Abin. Na época, Bolsonaro começou a desferir ataques ao sistema eleitoral. A partir da live-bomba de 2021 —investigada no inquérito das fake news—, eles foram intensificados.

Sem qualquer pudor, Bolsonaro se compara a Jeanine Áñez, que se autodeclarou presidente da Bolívia com uma Bíblia na mão e foi condenada a dez anos de prisão por tramar um golpe de Estado. Só para constar: também foram condenados o ex-comandante das Forças Armadas e o ex-chefe da polícia.

Alvaro Costa e Silva, o autor deste artigo, é Jornalista. Atuou como repórter e editor na Folha de S. Paulo. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro". Publicado originalmente na edição impressa, em 13.06.22.

Dá para responsabilizar Bolsonaro por tragédia no Vale do Javari?

O presidente é ruim na parte do governo e deplorável no papel de bússola moral

Presidente Jair Bolsonaro (PL) em encontro com apoiadores em Orlando, nos Estados Unidos, após participar da Cúpula das Américas, em Los Angeles - Gregg Newton - 11.jun.22/AFP

Ao que tudo indica, Bruno Pereira e Dom Phillips foram mesmo assassinados. Suas mortes são mais uma mácula que o Brasil coletivamente terá de carregar, ao lado das de Chico Mendes, Dorothy Stang e tantos outros. Mas será que dá para apontar o dedo para Jair Bolsonaro e responsabilizá-lo por essa tragédia?

No plano das causas proximais, que são as que importam para o direito, o presidente é obviamente inocente. Até onde sabemos, Bolsonaro não mandou matar a dupla nem tem vínculos diretos com pessoas ou grupos que possam estar envolvidos no crime. Um dos problemas da região é a virtual ausência de Estado, o que torna difícil para o poder público prevenir homicídios. Mendes foi morto sob a gestão de José Sarney; Stang, quando Lula estava no comando.

Bolsonaro, porém, sai mais abalroado do episódio do que seus antecessores. Para início de conversa, ele patrocinou uma política para a Amazônia que deu força a garimpeiros ilegais, madeireiros, grileiros e outros grupos que impõem seus interesses na marra, sem levar em conta direitos de terceiros. O assassinato é um caso extremo dessa lógica.

Mas Bolsonaro também perde por não ter a menor noção de como comportar-se à frente do principal cargo político do país. Presidentes têm dupla função. Precisam ser capazes de montar um governo que funcione e também de liderar o povo, dando exemplos e se posicionando do lado moralmente correto diante das grandes questões. Isso significa que o presidente, por mais que flerte com o populismo, tem de seguir certos roteiros pré-estabelecidos. Numa pandemia, ele deve ser o primeiro a vacinar-se. Se ocorre um desastre natural, ele deve visitar a área afetada e mostrar sua solidariedade. Se um cidadão se vê envolvido num evento com potencial de tragédia, o presidente não pode em nenhum momento tentar culpar a vítima.

Bolsonaro é ruim na parte do governo e deplorável no papel de bússola moral.

Hélio Schwartsman, o autor deste artigo, é Jornalista. Autor de "Pensando Bem..." Foi editor de Opinião da Folha de S. Paulo. Publicado originalmente na edição impressa, em 13.06.22

Defesa e ataque

Fachin evita embate após pasta dar mostra preocupante de alinhamento a Bolsonaro


O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira - Marcos Corrêa - 25.ago.21/PR

Capitão reformado que deixou o Exército devido ao comportamento indisciplinado, Jair Bolsonaro (PL) sempre procurou associar-se ao estamento fardado, ora em busca de legitimidade, ora como instrumento de intimidação.

Ao longo de seu embate com as instituições, que chegou ao paroxismo no Sete de Setembro passado e está colocado como uma variável central da eleição de outubro, o presidente sempre buscou usar as Forças Armadas em seu favor.

Bolsonaro azeitou seu esforço com benesses, como cargos e reformas previdenciária e de carreira próprias. Porém houve atritos, como na crise que derrubou toda a cúpula militar e também o ministro da Defesa, em março de 2021.

Já o titular seguinte da pasta, general Walter Braga Netto, adaptou-se tão bem que hoje é o favorito a ocupar a vaga de vice na chapa presidencial de Bolsonaro.

Ele foi substituído pelo ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que agora reforça a recorrente carga bolsonarista contra o sistema eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral tentou desarmar o presidente da República ao chamar no ano passado os militares para participar de uma comissão sobre a transparência do pleito deste 2022.

O ministro Oliveira retirou o Exército, representado na comissão por um general, do embate —e avocou a si a interlocução. Àquela altura, o estrago estava feito: 88 perguntas haviam sido enviadas pelos fardados, boa parte delas em tom conspiratório descabido.

O TSE tentou dar o assunto por encerrado, tendo acatado uma dezena de sugestões dos militares. Não deu certo: na sexta (10), a Defesa retomou o ataque com um ofício à corte eivado de insinuações sobre os rumos da eleição e com uma reclamação de desprestígio.

"Até o momento, não houve a discussão técnica mencionada, não por parte das Forças Armadas, mas pelo TSE ter sinalizado que não pretende aprofundar a discussão", dizia o texto tortuoso.

A pasta não fala por toda a caserna, mas o ruído de lá emanado não deixa de causar desconforto. O ministério se rebaixa ao servir de linha auxiliar da estratégia bolsonarista de espalhar suspeitas sobre as urnas eletrônicas, mesmo sem dispor de uma mísera evidência.

O presidente do TSE, ministro Edson Fachin, preferiu contemporizar. Evitou o embate com as Forças Armadas, que tratou como uma das entidades habilitadas a acompanhar as eleições, e enalteceu o "diálogo interinstitucional".

O mesmo equilíbrio é esperado de Oliveira, ocupante de um posto fundamental da administração pública que não deveria estar envolvido na aventura do chefe que teme a derrota em outubro.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 14.06.22 (edição impressa).  editoriais@grupofolha.com.br 

sábado, 11 de junho de 2022

Lula quer imprensa encabrestada

Candidato petista defende que veículos de comunicação não sejam livres para publicar o que bem entendem. A isso ele dá o nome de ‘democratização dos meios’

O PT é obcecado pela ideia de uma imprensa encabrestada. O partido jamais lidou bem com a liberdade – assegurada pela Constituição – que permitiu ao jornalismo profissional e independente revelar ao País os muitos erros administrativos e os crimes cometidos por seus próceres e apaniguados ao longo dos 14 anos em que esteve no poder. Se durante todo esse tempo o PT não conseguiu moldar a imprensa à sua maneira, que fique claro que não foi por convicção democrática, mas sim por falta de apoio na sociedade e no Congresso. Fosse a imprensa “regulada” àquela época, talvez os brasileiros não tivessem tomado conhecimento de esquemas como o mensalão e o petrolão, apenas para citar dois grandes marcos da passagem do PT pela administração federal. Ao menos não com a extensão e a riqueza de detalhes com que esses escândalos ganharam a luz do dia.

A campanha eleitoral de 2022 trouxe o tema novamente ao debate público. Em entrevista ao portal Metrópoles, no dia 8 passado, Lula da Silva, atual líder nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, tornou a ameaçar o País com um projeto de “regulação da mídia” caso vença a eleição em outubro. Todo mundo sabe muito bem do que se trata quando o ex-presidente fala em “regulação da mídia”: um eufemismo pouco sutil para a sujeição dos meios de comunicação ao tacão estatal.

“Ninguém quer censura”, disse Lula. “O que a gente quer”, prosseguiu o petista, “é que os meios de comunicação sejam efetivamente democratizados, que as pessoas possam ouvir a oposição, que tenha sempre o outro lado falando. Não pode ser um meio de comunicação que fala só um lado.”

É um tanto peculiar essa ideia que Lula faz de “democratização” dos meios de comunicação. Ora, nos regimes democráticos as empresas de comunicação são totalmente livres para decidir o que e como publicar, e há múltiplos veículos de comunicação, que, a depender de seus valores e interesses empresariais, abordam os fatos sob diferentes ângulos. A escolha do “lado”, como disse Lula, que essas empresas decidem focalizar, tanto em coberturas jornalísticas como em editoriais ou artigos de opinião, é uma decisão legítima que diz respeito única e exclusivamente ao veículo e à sua audiência, não ao governo de turno. Não é concebível, numa democracia, que um veículo de comunicação tenha que tomar suas decisões editoriais não conforme os padrões jornalísticos, e sim segundo um modelo estatal de “equilíbrio editorial”.

Ademais, já há limites, éticos e legais para o trabalho dos veículos de comunicação profissionais e independentes. Os jornalistas profissionais são responsáveis pelo que publicam, e as empresas jornalísticas podem ser contestadas na Justiça e ter de responder por eventuais erros ou crimes contra a honra cometidos por seus funcionários. Logo, se Lula, de fato, estivesse preocupado com uma “regulação da mídia que interesse à sociedade”, nem deveria pugnar pela proposta. Os interesses da sociedade já são resguardados pelas leis e pela Constituição. O que Lula quer é outra coisa. Quer subjugar veículos para que deixem de publicar o que ele não quer que seja publicado.

O petista ainda afirmou que as mídias sociais digitais não podem “permitir que mentiras, inverdades, grosserias e ofensas façam parte da cultura brasileira”. É legítima a cobrança por maior responsabilização das chamadas big techs, mas Lula não é o mais indicado para encampar essa agenda. Há quem não se lembre, mas foi o PT que alçou a destruição de reputações por meio das redes sociais à categoria de arma política. O 4.º Congresso do PT, em 2011, marcado por ataques à imprensa, decidiu criar um núcleo de treinamento para a militância nas redes sociais, o que ajudou a abrir esse bueiro do qual saíram extremistas que hoje atacam adversários e turvam o debate público por meio de mentiras e distorções da realidade.

No ideal de uma imprensa subserviente e aduladora e na hostilidade que estimulam contra os jornalistas que ousam publicar o que não lhes convém, Lula e o presidente Jair Bolsonaro são irmãos siameses. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 11.06.22

Bolsonaro investe no tumulto

O presidente aproveitou as manobras de seus prepostos no STF para reinvocar ameaças golpistas; por isso é preciso que o Judiciário o deixe falando sozinho

O Supremo Tribunal Federal (STF), através da Segunda Turma, restabeleceu a cassação do deputado Fernando Francischini (União Brasil – PR), determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por divulgação de notícias falsas sobre o sistema eleitoral. A decisão consolida a jurisprudência deixando uma mensagem inequívoca ao universo político: espalhar desinformação com o intuito de semear a desconfiança sobre as eleições não será tolerado e levará, conforme a lei, à cassação dos mandatos. Nem por isso os ministros do STF Kassio Nunes Marques e André Mendonça deixaram de lograr seu intento: lançar lenha na fogueira armada pelo presidente Jair Bolsonaro para tumultuar o processo eleitoral.

Na semana passada, Marques feriu o protocolo institucional ao derrubar monocraticamente, em vez de encaminhar ao plenário do Supremo, a decisão colegiada do TSE em desfavor do citado deputado, não por acaso bolsonarista.

Um mandado de segurança já estava em julgamento em uma sessão extraordinária do pleno, quando o ministro André Mendonça pediu vista. Paralelamente, Marques havia pautado o processo na Segunda Turma, que afinal restaurou a decisão do TSE, por três votos contra os dois – de Marques e Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro.

A derrota era anunciada. Marques e Mendonça só evitaram que fosse acachapante. Mas a senha foi passada ao presidente. Bolsonaro usou um evento denominado “Brasil pela vida e pela família” como palanque para vociferar contra a decisão, retomar ameaças golpistas, atacar o STF e a imprensa, além de confessar o mesmo crime cometido por Francischini.

Francischini afirmou, nas eleições de 2018, que as urnas não estariam aceitando votos para Bolsonaro. Nunca houve um mísero indício disso além de um vídeo flagrantemente fraudulento. Mas, segundo Bolsonaro, “esse deputado não espalhou fake news, porque o que ele falou na live eu também falei”. É mais um exemplo do arbítrio lógico, ou melhor, da lógica do arbítrio característica de Bolsonaro: se ele falou, não pode ser mentira, assim como ele já disse que, se perder as eleições, elas não podem ser limpas.

Vale lembrar que a mesma Procuradoria-Geral da República que recorreu da decisão de Marques classificou as calúnias do presidente ao sistema eleitoral como “liberdade de expressão”.

No Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, Bolsonaro defendeu que a imprensa brasileira fosse fechada por ser “uma fábrica de fake news” e voltou a invocar “centenas de fragilidades” nas urnas apontadas pelas Forças Armadas. Não há qualquer evidência nem de uma coisa nem de outra, mas importa o pretexto para ameaçar as eleições. “Eu sou o chefe das Forças Armadas. Não faremos papel de idiotas. Eu tenho a obrigação de agir”, vociferou o presidente.

Na verdade, tudo não passa de tática eleitoral. Não sabendo nem querendo governar, Bolsonaro faz a única coisa que sabe bem e que lhe garantiu votos em suas mais de três décadas na política: confrontar. Vendo a sua corrida à reeleição fazer água, Bolsonaro busca juntar suas tropas militantes e lança cortinas de fumaça para que o eleitorado esqueça a inflação, a fome, a crise na educação e na saúde e a destruição do meio ambiente.

Tentando provar a sua força, Bolsonaro só comprova seu desespero; tentando conquistar popularidade, só amplia o seu isolamento. As intenções de voto estão estagnadas e os índices de rejeição crescem. As Forças Armadas e os presidentes da Câmara e do Senado já deram sinais claros de que não embarcarão em aventuras golpistas.

Apesar dos desconfortos no Judiciário fabricados por prepostos bolsonaristas, os tribunais vêm fazendo o seu trabalho. Ainda assim, é preciso que os ministros redobrem a precaução para não se deixar levar por provocações do presidente, que certamente ficarão mais frequentes até o desfecho das eleições. A resposta do Judiciário deve ser dada não em bate-bocas que só favorecem os truculentos, e sim em decisões serenas e firmes, como esta que pôs um limite claro à desinformação. Bolsonaro deve ser deixado falando sozinho. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em11.06.22

TSE responde à Defesa e diz que diálogo deve estar pautado na ‘legalidade constitucional’

Tribunal afirma que vai analisar novos questionamentos enviados pelo ministro da Defesa e que a Justiça está preparada para conduzir eleições ‘com paz e segurança’

Após as Forças Armadas reforçarem, em ofício, o pedido de que as urnas eletrônicas sejam auditadas por partidos políticos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) emitiu uma nova resposta. Em nota, a Corte disse que analisará o conteúdo e que preza por um diálogo institucional pelos “valores republicanos e a legalidade constitucional”. O TSE também defendeu que as siglas podem “fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições, bem como o processamento eletrônico da totalização dos resultados”.

“A Justiça Eleitoral está preparada para conduzir as eleições de 2022 com paz e segurança”, completou.

No questionamento, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, pediu que a Corte permita uma fiscalização externa do processo eleitoral. Para os militares, não caberia ao Tribunal promover e também auditar as eleições. Isso, para eles, fortaleceria a confiança no sistema e melhoraria a percepção de segurança e transparência.

“A atuação de empresa especializada de auditoria, contratada por partido político, nos termos da lei eleitoral, completaria um rol de medidas aptas a aumentar a transparência do processo, caracterizando melhor a separação de responsabilidades entre auditor e auditado”, escreveu o ministro da Defesa.

Em Los Angeles, o presidente Jair Bolsonaro disse que o ofício enviado pelo ministério da Defesa com pedido para facilitar a auditagem de urnas eletrônicas é “técnico”. Ele voltou a falar que a Defesa levantou “centenas de vulnerabilidades” sobre a eleição e a criticar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na resposta, o TSE reforçou que as urnas eletrônicas possuem certificação de segurança e que o novo modelo, de 2020, é “mais seguro que os anteriores”. “Cabe reforçar que o software desenvolvido pela Justiça Eleitoral é o mesmo, sendo utilizado em todas as urnas utilizadas na eleição, cujos modelos anteriores foram submetidos a testes públicos de segurança sem nenhum tipo de comprometimento ou ataque bem-sucedido ao sistema”, pontuou.

O Tribunal também disse que a Comissão de Transparência Eleitoral mantém reuniões periódicas e que vai garantir “eleições limpas, justas e seguras, em que o desejo da população, expresso por meio do voto, seja respeitado e cumprido dentro do Estado Democrático de Direito”.

Disputa

O movimento dos militares é parte de uma disputa entre Forças Armadas e a Corte, que trocaram acusações e defesas sobre a lisura do processo eleitoral nos últimos meses. Como mostrou o Estadão, os militares fizeram 88 perguntas em cinco ofícios sobre supostos riscos e fragilidades que, na visão deles, poderiam expor a vulnerabilidade do processo eleitoral. O militares chegaram a propor uma contagem paralela de votos controlada por eles.

No começo de maio, o ministro Edson Fachin, presidente da Corte, respondeu aos questionamentos levantados e, em especial, disse não existir “sala escura” de aprovação de votos, como alegava a tese dos militares e afirmou que “quem trata de eleições são forças desarmadas”.

O Ministério da Defesa (MD) preparou, então, uma nova resposta, em formato de tréplica.

No ofício há, ainda, questionamentos sobre a proposta de Fachin de ampliar a presença de missões de observadores, principalmente internacionais, para respaldar e dar mais legitimidade às eleições de outubro.

Gustavo Queiroz / O Estado de S. Paulo, em 11.06.22