sexta-feira, 17 de junho de 2022

Mariliz: o Brasil é uma selva

Uma selva habitada por homens desinteressados pelo paradeiro de Dom e Bruno

A imagem mais clichê que se tem do Brasil no exterior não é exagerada. O Brasil é uma selva. Mas em vez de onças, anacondas e jacarés, o animal que coloca em risco a vida das pessoas é o político brasileiro. A letargia do governo em mobilizar esforços para procurar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips é sintoma da selvageria em que vivemos.

Jair Bolsonaro nem tentou fingir alguma preocupação quando questionado sobre o caso. Classificou como "aventura não recomendada" o trabalho dos profissionais. Minimizou a violência à qual a região está exposta, afirmando que os dois podem ter sido vítimas de uma "maldade". Desde quando dois possíveis assassinatos podem ser chamados de "maldade"? No Brasil de Bolsonaro.

Ele, que gosta de dizer que a Amazônia é dos brasileiros, parece ignorar —ou não se importa mesmo— de que já deu no New York Times que a posse foi entregue a traficantes, pistoleiros, invasores de terra e matadores de indígenas. Bolsonaro conseguiu a façanha de mostrar que não são só nossas florestas que estão à mercê da milícia, mas o país inteiro, refém do bolsonarismo sustentado pelo centrão.

Bolsonaro et caterva normalizam fome, desemprego, mortes na pandemia, chacinas em favelas e violência contra ativistas e jornalistas, atacam instituições, incitam violência, ameaçam adversários políticos. O desaparecimento de Bruno e Dom é tratado como vírgula num cotidiano de barbárie, marca deste governo violento.

A imagem de um país exótico em que os macacos andam no meio dos carros é caricata, mas parte da classe política se encaixa nessa descrição de um Brasil subdesenvolvido, habitado por bárbaros que usariam a lei de talião se pudessem. A verdadeira selva brasileira foi projetada por Niemeyer, fica no Planalto Central e é habitada por homens de terno e gravata que não estão interessados no paradeiro de Dom e Bruno e no que isso representa.

Mariliz Pereira Jorge, a autora deste artigo, é Jornalista e roteirista. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 14.06.22

Nenhum comentário: