quarta-feira, 29 de setembro de 2021

A Lei de Segurança Nacional e a segurança do Estado Democrático de Direito

A boa-nova da ab-rogada LSN vem embalada por alvíssaras, mas suscita dúvidas.

Já que os de hoje não se incumbiram da tarefa, os historiadores do futuro terão o desafio de explicar por que, ao longo de três décadas das mais amplas liberdades democráticas da História do Brasil, permaneceu em vigor a Lei de Segurança Nacional (LSN), reformada em 1983, nos estertores da ditadura. Redemocratizado o País a partir de 1985, promulgada a Constituição em 1988, a Lei n.º 7.170 resistiu incólume ao descarte do entulho autoritário até poder ser hoje ab-rogada em razão da decisão do Congresso no dia 10/8/2021 e sancionada em 1.º/9/2021 pelo presidente da República.

Casamata da antipolítica e da criminalização da oposição, garrote vil para o que a ditadura estigmatizou como “subversão”, será agora substituída pela Lei n.º 14.197, que introduziu um título (XII) na Parte Especial do Código Penal de 1940, a definir os “crimes contra o Estado Democrático de Direito”. A boa-nova vem embalada por alvíssaras, mas suscita dúvidas, a começar pela não opção por um diploma extravagante específico, por afigurar-se a uma colcha de retalhos e, ainda, por excessiva concessão à conjuntura política.

Do ponto de vista da estrutura do nosso ordenamento jurídico, seria mais apropriado substituir o estatuto da ditadura por uma lei específica de defesa do Estado, em vez de fazê-la um título do Código Penal – a exemplo do que se passou com a de n.º 13.260/2016, conhecida como Lei Antiterrorismo. Talvez os congressistas tenham desejado, com toda razão, esconjurar de vez o fantasma da LSN. Em certa medida, porém, extingue-se o crime político e trata-se razões de Estado no catálogo geral dos delitos comuns.

Na trilha correta da defesa do Estado, a lei é certeira ao tipificar os clássicos delitos de atentado à soberania e integridade nacionais, espionagem em favor de estrangeiro, sabotagem da defesa nacional, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Exorbita, no entanto, na utilização da elementar conceitual da “grave ameaça”. Se é indiscutível em crimes de roubo praticado mediante atemorização da vítima, por exemplo, tal violência, de aspecto subjetivo, mostra-se demasiado aberto na tipificação do golpe de Estado tentado, assim desenhado no artigo 359-M: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Pena: reclusão, de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.

Intentar putsch com as balas de festim da “grave ameaça”, mas sem violência, hipótese enunciada pela lei, é retórica. As redes sociais e as ruas estão repletas de palavras de ordem pela deposição do atual governo. Mais efetivo seria criminalizar a incitação, por qualquer meio, do golpe de Estado. Nos degraus da História, o velho coup d’État dos franceses é sempre uma tomada violenta do poder, como ocorreu na autêntica Revolução de 1930 e na mal chamada “revolução de 1964”. Mas convém atentar para sua modalidade por antonomásia de autogolpe, aplicado pelo próprio governo, de que são exemplo o famoso de 18 de brumário de Luís Bonaparte, em 1851, na França, e, no Brasil, o Estado Novo de 1937 e a intraditadura do AI-5 de 1968. Eis o sonho do presidente.

Caso de distopia legislativa, o Congresso Nacional espelhou por demais a quadra política polarizada, e sobretudo se projetou em outras searas ao repassar ao Código Penal temas próprios de outras áreas, como a eleitoral. No influxo da conjuntura, foi claro o propósito de alcançar as chamadas fake news que infestam as redes sociais. A propósito, um parêntese: os feitos em tramitação com base na revogada LSN deverão ser extintos. Penetrando em solo eleitoral, o artigo 359-N prevê reclusão, de três a seis anos, e multa, a quem “impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado (...)”. Parece roman à clef que dissimulam o presidente da República e seus áulicos – tanto que, ao sancionar o novo diploma legal, sua excelência vetou o seguinte artigo 359-O, que tratava de “comunicação enganosa em massa”, de que até um de seus filhos é acusado.

Novidade a ser destacada na decisão do Congresso foi a introdução no Código Penal de outro galicismo, “crimes contra a cidadania”, a punir pelo artigo 359-S quem “impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação (...)”. O presidente vetou a rubrica francesa e a criminalização desta prática a que tanto se dedicam seus acólitos.

No entanto, escapou da tesoura palaciana que ainda talha o figurino antidemocrático da antiga LSN a auspiciosa descriminante do artigo 359-T: “Não constitui crime previsto neste título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.

Se toda lei de defesa do Estado tende a restringir a liberdade do indivíduo, essa excludente de ilicitude contempla a segurança da democracia.

José Roberto Batochio, o autor deste artigo, é advogado criminalista. Foi Presidente nacional da OAB e Deputado Federal por São Paulo. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 29.09.21.


Em depoimento, dono da Havan mente sobre empréstimos recebidos do BNDES e faz alegações enganosas sobre pandemia

Luciano Hang participa da CPI da Covid do Senado nesta quarta-feira e divulgou dados enganosos

Empresário Luciano Hang em depoimento à CPI da Covid. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Dono das lojas Havan, o empresário bolsonarista Luciano Hang depõe à CPI da Covid nesta quarta-feira, 29. Ele disse que nunca pegou empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), o que é falso — foram 57 operações entre 1993 e 2014. Hang também citou dados enganosos sobre sua cidade natal, Brusque, em Santa Catarina, ao se posicionar contra a adoção de lockdowns. Veja a checagem do Estadão Verifica abaixo.

O que Hang disse: que nunca pegou um empréstimo do BNDES, “principalmente quando o PT esteve no poder”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O BNDES informa que a empresa Havan Lojas de Departamentos LTDA (CNPJ 79.379.491/0001-83) realizou 57 operações entre 1993 e 2014. O PT governou o País de 2003 a 2016, período em que foram feitos 50 empréstimos.

As operações foram celebradas na modalidade indireta e automática, sob a qual bancos parceiros credenciados ao BNDES são os responsáveis pela análise, aprovação e acompanhamento do crédito. Caso o beneficiário final não pague as parcelas, o agente financeiro o fará junto ao BNDES, negociando os valores devidos diretamente com o beneficiário final.

Segundo o banco, não há vínculo entre a Havan e o BNDES. Há um vínculo entre o BNDES e o banco intermediário, e outro entre o banco intermediário e a Havan.

O que disse Luciano Hang: que Brusque “foi uma das cidades que menos fecharam no Brasil” e teve taxa de mortalidade por covid-19 de 2.011 por milhão e taxa de letalidade de 1,1%.

O Estadão Verifica investigou o conteúdo e concluiu que: é enganoso. Hang coloca em dúvida a eficácia do isolamento social e do lockdown para conter a covid-19 por meio de dados isolados da cidade de Brusque (SC). Com essa alegação não é capaz de sustentar a tese, pois há vários fatores que podem influenciar no número de casos e mortes em uma localidade.

Estudos científicos que estimam o impacto desse tipo de medida de forma mais adequada observam, por exemplo, os períodos específicos em que aqueles locais promoveram determinadas políticas ou não. É o caso de um artigo publicado na revista Science, em fevereiro de 2021, que analisou a evolução da pandemia e as intervenções governamentais em 41 países. O estudo aponta que o fechamento de serviços não essenciais contribuiu para diminuir a velocidade de transmissão do vírus.

A reportagem checou os dados citados por Hang por meio de uma página oficial do Ministério da Saúde. A cidade de Brusque havia registrado 30.264 casos confirmados e 319 mortes por covid-19 até esta quarta-feira, 29 de setembro. Dessa forma, a taxa de mortalidade era de 237 a cada 100 mil habitantes (ou 2.370 por milhão de habitantes), e a taxa de letalidade (número de mortes em relação ao total de casos confirmados) era de 1,05%. 

A mortalidade em Brusque é menor do que a média brasileira, de 285 casos a cada 100 mil habitantes, e também que a do Estado de Santa Catarina, 269, conforme informações do Ministério da Saúde. Se fosse um país, no entanto, Brusque seria o 14º com mais mortes por habitante do planeta, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos. O Brasil aparece na 8ª posição.

O que Luciano Hang disse: que nunca foi contra a vacina.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: não é bem assim. Uma busca pela palavra “vacina” no perfil de Luciano Hang no Instagram indica que ele fez diversas publicações favoráveis à vacinação, mas também divulgou conteúdos que descredibilizam a eficácia da Coronavac.

“Você usaria um paraquedas com 50% de chances de abrir?”, escreveu Hang ao comentar sobre o índice de eficácia do imunizante em uma postagem na rede social. Ele ainda fez referências a tratamentos sem eficácia comprovada contra a covid. 

Como explica uma reportagem do Comprova, esse tipo de comparação com o índice de eficácia da Coronavac é enganoso. A imunização consiste em uma estratégia coletiva, e a vacina reduz significativamente as chances de pacientes desenvolverem formas sintomáticas de covid.

O que Luciano Hang disse: que não se vacinou pois tem um “índice de anticorpos altíssimo”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O Estadão Verifica já mostrou em outras checagens que a proteção das vacinas vai além da presença de anticorpos no sangue. Exames sorológicos apenas detectam a presença de anticorpos em determinado momento, mas apresentam risco de falsos negativos e não são capazes de avaliar todos os mecanismos essenciais no processo de defesa proporcionados pelas vacinas. A Anvisa divulgou nota em junho em que explicava que “não existe até o momento definição da quantidade mínima de anticorpos neutralizantes necessária para conferir proteção imunológica contra a infecção pelo SARS-CoV-2”.

Mesmo quem já foi infectado pela covid-19 deve se vacinar. O Estadão explicou neste guia que a imunidade natural ao vírus não é constante na população e não é mensurável. Quer dizer, ainda não se sabe quanto dura a proteção gerada pelo contágio.

O que Luciano Hang disse: que fez uma doação de 200 cilindros de oxigênio ao governo do Amazonas.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdadeiro. A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa da Saúde do Estado ao Estadão Verifica por e-mail. A doação, porém, só foi anunciada depois que agências de checagem como Aos Fatos desmentiram publicações nas redes sociais sobre o assunto.

Pedro Prata, Samuel Lima e Victor Pinheiro, de Brasília e S. Paulo, para O Estado de S.Paulo, em 29.09.21, às 17h,01

Abismo da Prevent Senior se amplia com depoimento de advogada à CPI e ameaça tragar Governo Bolsonaro

Bruna Morato, representante de 12 médicos, afirma que havia um alinhamento da operadora de saúde com o ‘gabinete paralelo’ e o Ministério da Economia com o intuito de manter a economia girando

Bruna Morato, advogada representante de médicos que trabalharam na Prevent Senior, durante seu depoimento na CPI da Pandemia nesta terça-feira, 28 de setembro, em Brasília. (Roque de Sá / Agência Senado)

A advogada Bruna Morato, que diz representar 12 médicos que trabalham ou trabalharam na Prevent Senior, detalhou à CPI da Pandemia nesta terça-feira, 28 de setembro, o modus operandi da operadora de saúde na prescrição de medicamentos ineficazes contra a covid-19 para seus pacientes, que teriam sido cobaias de um experimento ilícito. Morato descreveu ainda o alinhamento da Prevent Senior com o Governo Jair Bolsonaro, mais concretamente com o Ministério da Economia, para promover a hidroxicloroquina e outros medicamentos do chamado kit-covid, ineficazes para combater a infecção pelo coronavírus. O objetivo era boicotar a quarentena e manter a economia girando. Também afirmou que os médicos que representa ficaram receosos de denunciar a Prevent Senior para os conselhos regional e federal de medicina, por causa da proximidade da operadora com as entidades. “O que estamos assistindo é um escândalo macabro com sinais tristes de eugenia, que revela o quão triste é essa página da historia brasileira”, definiu o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

A advogada relatou, sempre falando a partir da versão de seus clientes, que a Prevent Senior buscou, ainda no ano passado, se aproximar do Ministério da Saúde. Diante da resistência do então ministro Luiz Henrique Mandetta, a empresa buscou o chamado gabinete paralelo que assessorava o Governo. O grupo era composto por médicos negacionistas como o toxicologista Anthony Wong, o virologista Paolo Zanotto e a pesquisadora Nise Yamaguchi. De acordo com Morato, esse gabinete estava alinhado a interesses do Ministério da Economia, para que a pandemia não prejudicasse a economia. A intenção, explicou ela, era “conceder esperança para que as pessoas saíssem às ruas sem medo, e essa esperança tinha um nome: hidroxicloroquina”.

Morato afirmou, contudo, que em nenhum momento ouviu “falar da pessoa do ministro da Economia [Paulo Guedes], o que eles falavam era de um alinhamento ideológico”. Em momento posterior, disse ainda que não tinha informações sobre conversas ou a participação de membros do Ministério da Economia no gabinete paralelo. A pasta não se pronunciou oficialmente sobre o caso até o fechamento desta edição, mas fontes afirmam que não há registro de encontros de membros do alto escalão com autoridades da Prevent Senior.

Morato foi convocada dias depois de os senadores ouvirem, na última quinta-feira, o diretor-executivo da operadora de saúde, Pedro Benedito Batista Júnior. No centro da discussão está um dossiê que aponta irregularidades no tratamento de pacientes com covid-19. O documento mostra como a operadora, voltada para idosos, testou em seus hospitais o chamado kit-covid —composto por hidroxicloroquina e ivermectina, entre outros medicamentos ineficazes contra a covid-19— em pacientes infectados sem o aval dessas pessoas ou da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Além disso, a seguradora também teria ocultado mortes pela doença, como forma de apresentar as melhores estatísticas de recuperação.

De acordo com Morato, os médicos da Prevent Senior estavam submetidos ao lema “lealdade de obediência” da empresa. Recebiam um pacote lacrado com medicamentos do kit-covid e uma receita já pronta que deveria ser entregue a pacientes que apresentassem sintomas gripais. “Não existia autonomia com relação à retirada de itens desse kit. Quando o médico riscasse algum item da receita, o paciente ainda assim recebia o kit completo”, relatou à CPI. Ela disse que os plantonistas davam o pacote aos pacientes dizendo que, caso não entregassem, poderiam ser demitidos. Também pediam informalmente que se tomassem algo do kit, que escolhessem somente proteínas e vitaminas. Os demais, além de ineficazes, poderiam ser perigosos para idosos.

Caso não prescrevessem, os médicos sofriam constrangimentos públicos e acabavam demitidos. Questionada por senadores sobre por que os profissionais de saúde que representa não denunciaram a Prevent Senior ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), a advogada afirmou que as entidades não aceitam denúncias anônimas. Também citou uma suposta proximidade da operadora de saúde com esses organismos. Ao longo da pandemia, a CFM mostrou um alinhamento ideológico ao Governo Bolsonaro e, sob a justifica de defender a autonomia do médico, não colocou freios à prescrição de cloroquina contra a covid-19. Os senadores acabaram aprovando, então, um requerimento pra investigar com urgência os conselhos, assim como a Agência Nacional de Saúde Suplementar —que regulamenta o setor de seguros privados de saúde.

O tratamento precoce com kit-covid foi adotado também como forma de reduzir custos, acrescentou Morato, “uma vez que é mais barato disponibilizar medicamentos do que realizar internação em UTI”, explicou durante a sessão. Assim, pacientes chegavam a receber o kit em casa antes de qualquer tipo de exame ou internação. Era uma estratégia de reduzir custos, reafirmou ela, diante de senadores estarrecidos. Além disso, pacientes não sabiam que estavam assinando termos de consentimento para fazer parte de um experimento com medicamentos. De acordo com ela, os clientes deveriam assinar termos genéricos, no hospital ou por SMS, com a justificativa de que era necessário para a retirada dos medicamentos.

Antes de apresentar o dossiê à CPI, a advogada diz que procurou o setor jurídico da Prevent Senior para buscar um acordo. Os médicos pediram três atitudes para a empresa: que assumisse publicamente que o estudo com o kit-covid não foi conclusivo; que a operadora admitisse que havia um protocolo institucional de tratar com o kit-covid, já que os médicos não tinham autonomia; e, em terceiro, que a empresa assumisse suas responsabilidades diante de quaisquer ações judiciais por parte de pacientes que foram tratados.

Em julho deste ano, a Prevent Senior contava com 542.471 clientes, um aumento de quase 12% em relação a agosto do ano passado. Cerca de 4.000 pacientes internados na rede de hospitais da operadora morreram com covid-19 ao longo da pandemia, ou 22% dos 18.000 usuários que chegaram a ser hospitalizados por conta da doença nas unidades administradas pela empresa. No início da pandemia, a Prevent Senior chegou a acumular 30% das mortes por covid-19 no Brasil, concentrando muita atenção negativa naquele momento. A tentativa de reação desencadeada naqueles dias acabou devolveu a empresa aos olhos da população brasileira, e de uma forma ainda mais comprometedora.

FELIPE BETIM, de São Paulo para o EL PAÍS, em 28/09/21

Desmatamento e modelo agrícola aumentam risco de 'tempestade de poeira'

A tempestade de poeira que engoliu cidades do interior de São Paulo no último domingo (26/09) tem relação direta com a existência de grandes porções de solo seco e sem cobertura vegetal na região hoje, segundo especialistas entrevistados pela BBC News Brasil.

Imagem de satélite dos arredores de Franca, uma das cidades impactadas pela tempestade de poeira (Planet)

O fenômeno impactou várias cidade do nordeste paulista, como Franca, Ribeirão Preto e Barretos. A região tem forte presença do agronegócio e um dos menores índices de cobertura florestal original do país.

Também houve registros do fenômeno no Triângulo Mineiro, região vizinha da área atingida em São Paulo.

Coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Humberto Barbosa diz que a tempestade foi causada por uma combinação entre ventos fortes, seca intensa e solos desprotegidos.

A tempestade de poeira se formou no fim do período seco. Nesta época, diz ele, muitos agricultores deixam os solos nus para plantar no início das chuvas.

Como a região vive uma seca extraordinária e enfrenta altas temperaturas, a camada superficial do solo se ressecou e ficou vulnerável à ventania.

"A ventania gerou uma erosão eólica, que removeu não só a poeira como também o material de queimadas recentes", diz Barbosa.

Ele diz que imagens de satélite de alta resolução feitas na véspera da tempestade mostram grande quantidade de terra nua nos arredores de Franca.

O principal produto agrícola da região afetada é a cana-de-açúcar.

Nuvem de poeira no interior de São Paulo (Twitter)

"A impressão digital está lá: é muito clara a relação (da tempestade de poeira) com a degradação do solo", afirma.

Já a principal entidade que representa os produtores de cana-de-açúcar diz que a nuvem de poeira se formou por causa da seca excepcional e de incêndios acidentais em canaviais (leia mais abaixo).

Pouca vegetação nativa

Segundo o Relatório de Qualidade Ambiental 2020 - análise feita anualmente pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do governo de São Paulo -, resta pouca vegetação nativa na região impactada pela tempestade de poeira.

O relatório agrupa todos os municípios paulistas em 22 Unidades Hidrográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Na unidade que engloba Ribeirão Preto, resta 13,29% de vegetação nativa; na de Franca, 10,83%; e, na Barretos, só 5,52%, o menor índice do Estado.

Em todo o Estado de São Paulo, sobra 17,5% da vegetação original. Isso faz com que o Estado, o 12º maior do país, tenha a segunda maior área agrícola entre todas as unidades da federação, só atrás de Mato Grosso.

As matas remanescentes em São Paulo se concentram nas serras do Mar e da Mantiqueira, onde o relevo acidentado dificulta a atividade agrícola.

Mapa mostra que remanescentes de vegetação nativa no Estado de São Paulo se concentram no litoral (SMA-SP)

Renovação de canaviais

Gerd Sparovek , professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) e presidente da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, diz à BBC News Brasil que a nuvem de poeira se deve à rara coincidência dos seguintes fatores: a ocorrência de ventos muito fortes num período em que há grandes extensões de solo seco e sem cobertura vegetal.

"Os canaviais, principal cultivo agrícola da região, vêm de dois anos consecutivos de um verão pouco chuvoso e que, neste ano, também foram afetados pelas geadas", afirma Sparovek.

Com isso, muitos canaviais se tornaram improdutivos e foram derrubados para dar lugar a uma nova plantação, diz ele.

"Na renovação dos canaviais, quase sempre, durante algum tempo, o solo fica sem cobertura e desagregado pelo preparo com gradagem (quebra de torrões para uniformizar a superfície)", afirma.

Sparovek diz que as mudanças climáticas influenciaram o fenômeno. "O que levou os canaviais a ficarem improdutivos foram as estiagens atípicas no verão e geadas atípicas no inverno", afirma.

"A frente fria e o vento também foram extremos. As mudanças climáticas, segundo o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), já alteraram os extremos climáticos em todo o planeta", completa.

Raízes ajudam a manter o solo coeso; quando removidas, erosão é facilitada (Embrapa)

Revolvimento intenso do solo

Segundo Humberto Barbosa, da Ufal, imagens de satélite mostram que, na área afetada pelo fenômeno, o solo de muitas propriedades foi revirado por máquinas agrícolas para prepará-lo para o plantio.

Essa prática, aliada ao uso intenso de fertilizantes e pesticidas na região, reduz a quantidade de matéria orgânica no solo, segundo o pesquisador.

A matéria orgânica cobre o solo e ajuda a mantê-lo coeso. Sem essa proteção, ele fica mais sujeito a se esfarelar com o vento ou a ser carregado pelas chuvas.

Terras agrícolas com solo seco nos arredores de Barretos, uma das cidades afetadas pela nuvem de poeira (Planet Labs)

Por isso, diz ele, muitos agricultores mundo afora têm abandonado técnicas que revolvam o solo e priorizado práticas menos invasivas.

Barbosa afirma que o procedimento de revolver o solo "sempre foi utilizado, mas as condições climáticas já não são as mesmas do passado".

Como a região vem enfrentando secas cada vez mais intensas, afirma ele, a movimentação do solo amplia o risco de erosão e de tempestades de areia.

O fenômeno pode causar problemas de saúde na população afetada, motivar acidentes de trânsito e contaminar rios.

Plantação de tomate feita sobre a palha da safra anterior (Embrapa)

A solução, diz ele, é investir em técnicas que mantenham a matéria orgânica no solo e evitem a erosão.

Um desses métodos é o chamado plantio direto na palha, no qual a semeadura é feita sobre restos da lavoura anterior. Assim, a terra não fica exposta.

Porém, dados do último Censo Agropecuário, de 2017, mostram que a técnica ainda é pouco empregada da região.

Em Ribeirão Preto, dos 29.675 hectares usados pela agricultura, só há plantio direto na palha em 253 hectares - 0,8% do total. Em Franca, o índice é de 5%.

Por outro lado, em regiões do país que cultivam grãos, como milho e soja, a maioria dos agricultores já adota a técnica, diz Gerd Sparovek, da Esalq-USP.

Segundo ele, há algumas dificuldades à adoção do plantio direto na cana, como o risco de pragas.

Mas Sparovek diz que há outras tecnologias que permitiriam manter o solo da região coberto, como a rotação de culturas.

"Reduzir as áreas sem cobertura é desejável e necessário não só pela erosão eólica como também pela erosão hídrica, principal problema de erosão e degradação do solo da agricultura tropical", afirma.

Agricultor trabalha em sistema agroflorestal, onde não há prática de revolver o solo (Embrapa)

Outra ação que deve ser estimulada, segundo ele, é o reflorestamento de áreas mais sensíveis à erosão - medida já determinada pelo Código Florestal, mas que ainda carece de implementação.

Porém, segundo a Única, principal associação que representa o setor de cana-de-açúcar no Brasil, os produtores já adotam práticas adequadas de conservação do solo.

Diretor técnico da entidade, Antonio de Padua Rodrigues diz que a poeira não veio de canaviais em processo de renovação, mas sim de plantações de cana que não se desenvolveram por causa da forte seca.

Outra possível fonte da poeira, segundo ele, foram áreas atingidas por incêndios acidentais onde a cana já havia sido colhida.

Ele diz que os produtores de cana mantêm o solo coberto com palha após a colheita, ainda que antes do plantio revolvam o solo e não façam o plantio direto na palha. Ele afirma, porém, que neste ano muitas áreas pegaram fogo, deixando o solo exposto.

"O setor tem os melhores especialistas, os melhores consultores em solo. Foi uma coisa acima do normal por ter sido um ano muito seco: a cana não cresceu, muita área pegou fogo, e aí você não tem a palha e tem a cinza", afirma.

Práticas agrícolas inadequadas são apontadas como uma das causas para o Dust Bowl, uma série de tempestades de areia que atingiram o sul dos Estados Unidos nos anos 1930.

Tempestade de poeira ocorrida em Oklahoma (EUA) nos anos 1930

Na virada do século 19 para o 20, boa parte da região havia sido desmatada para o avanço da agricultura. Até que uma forte seca deixou os solos vulneráveis a ventanias.

Em poucos anos, milhões de hectares de terras antes consideradas férteis se tornaram inaptas para a agricultura.

O desastre estimulou o governo dos EUA a criar uma agência para educar agricultores sobre como conservar os solos, existente até hoje.

Segundo Gerd Sparovek, nas décadas de 1960 e 1970, houve um grande esforço para alterar o preparo do solo na região, o que fez com que a erosão eólica fosse controlada.

Hoje o fenômeno deixou de ser comum na região, embora ainda ocorra em zonas áridas dos EUA, como no deserto do Arizona.

João Fellet - @joaofellet, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 28 setembro 2021

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Senadores dos EUA pedem a Biden 'sérias consequências' caso Bolsonaro cause ruptura democrática

Em carta a secretário de Estado, presidente da Comissão de Relações Exteriores adverte para 'ataques pessoais' contra o STF.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, senador Bob Menendez, fala em audiência no Congresso em 14 de setembro. - Drew Angerer /AFP

O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, senador Bob Menendez, e outros três senadores enviaram nesta terça-feira (28) uma carta instando o governo Biden a deixar claro para o presidente Jair Bolsonaro que qualquer ruptura democrática no Brasil "terá sérias consequências”. Na missiva enviada ao secretário de Estado, Antony Blinken, os senadores advertem que Bolsonaro vem fazendo ameaças de rompimento da ordem constitucional no Brasil e gestos de intimidação contra ministros do Supremo Tribunal federal (STF).

“Dado que o Brasil é uma das maiores democracias e economias do mundo e um dos principais aliados dos EUA na região, a deterioração da democracia brasileira tem implicações no hemisfério e além”, dizem os senadores na carta, a que a Folha teve acesso. “Instamos o senhor a deixar claro que os EUA apoiam as instituições democráticas brasileiras e que qualquer ruptura antidemocrática da atual ordem constitucional terá sérias consequências.”

Menendez é um moderado bastante respeitado em Washington e, à frente da Comissão de Relações Exteriores, tem grande influência sobre a política externa americana. Além dele, assinam a carta os senadores democratas Dick Durbin, Ben Cardin e Sherrod Brown.

Na carta ao secretário de Estado, os senadores também afirmam que Bolsonaro tem feito “ ataques pessoais” contra integrantes do STF e afirmou que estaria disposto a usar manobras fora da Constituição para impedir os ministros de exercerem suas atribuições legais. “Se o presidente Bolsonaro cumprir suas promessas e abertamente descumprir decisões do Supremo, isso irá estabeceler um precedente muito perigoso para outras tentativas de Bolsonaro de solapar o estado de direito.”

Em fevereiro, Menendez enviou uma carta a Bolsonaro cobrando que o mandatário e o então chanceler Ernesto Araújo “condenassem” e “rejeitassem categoricamente” os ataques de partidários do ex-presidente Donald Trump ao Capitólio em 6 de janeiro, afirmando que, caso isso não aconteça, haveria “prejuízo para a relação bilateral”.

A carta criticava os comentários de Bolsonaro e do chanceler sobre suposta fraude na eleição americana, dizendo que isso demonstra “apoio de seu governo a teorias da conspiração furadas e aos terroristas domésticos” que atacaram o Capitólio e ameaçam “minar a parceria entre os Estados Unidos e o Brasil”.

Em 5 agosto, o assessor de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, esteve no Brasil para discutir um possível veto à participação da China na instalação da infraestrutura da tecnologia 5G no Brasil.

Durante o encontro com Bolsonaro, Sullivan manifestou a preocupação do governo americano com as ameaças do presidente à integridade eleitoral e alegações sobre supostas fraudes nas urnas, segundo informou um alto funcionário da gestão Biden.

Patrícia Campos Mello para a Folha de São Paulo, em 28.09.2021

Advogada denuncia que Prevent Senior fez 'pacto' com o governo para validar cloroquina e frear lockdown

Bruna Morato, que representa médicos que denunciaram rede hospitalar para comissão, relata que médicos eram orientados a prescrever tratamento precoce e que profissionais não tinham autonomia na operadora

Advogada Bruna Morato, que representa 12 médicos que trabalharam na Prevent Senior, é ouvida nesta terça-feira (28) na CPI da Covid Foto: Agência Senado

Em depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira, a advogada Bruna Morato afirmou que o governo federal tinha um "pacto" com a Prevent Senior para validar o tratamento com o chamado "kit covid", de medicamentos sem comprovação científica contra a doença, como cloroquina. Morato representa os médicos que trabalharam e denunciaram a operadora de saúde e afirma que existia uma estratégia para que a Prevent ajudasse a equipe que assessorava o governo, conhecida como "gabinete paralelo", a validar o chamado tratamento precoce. Segundo a advogada, o gabinete paralelo trabalhava alinhado com o Ministério da Economia para viabilizar estratégia para tentar evitar o lockdown.

De acordo com a advogada, no início da pandemia, o diretor da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, tentou se aproximar do então ministro da Saúde, Henrique Mandetta. À época, houve várias mortes na rede hospitalar em razão da Covid-19, o que levou Mandetta a criticar a empresa.Sem sucesso na aproximação, o diretor da Prevent conseguiu por "outras vias" descobrir um grupo de médicos que assessorava o governo de forma paralela, disse Bruna relatando as informações que foram repassadas pelos médicos que a contrataram:

— Por conta das constantes críticas do ministro Mandetta, a direção tinha que tomar uma atitude. Num primeiro momento, se aproximar do ministério, por meio de um médico familiar de Mandetta, mas Mandetta não deu abertura, fazendo com que procurasse outras vias. O doutor Pedro [Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior] foi informado de que existia um conjunto de médicos assessorando o governo federal e alinhado com o Ministério da Economia — disse Bruna.

A informação chamou a atenção de membros da comissão, mas Bruna explicou que isso não significava envolvimento do ministro Paulo Guedes.

— Existe um interesse do Ministério da Economia para que o país não pare e, se nós entrarmos no sistema de lockdown, teremos um abalo muito grande. Existia um plano para as pessoas saírem para a rua sem medo. Eles desenvolveram uma estratégia. Qual? Através do aconselhamento de médicos. Era Anthony Wong, toxicologista, a doutora Nise Yamaguchi, especialista em imunologia, o virologista Paolo Zanotto. E a Prevent Senior iria entrar para colaborar com essas pessoas — disse a advogada.

A advogada Bruna Morato, representante dos médicos que trabalharam na Prevent Senior, disse que havia um pacto ou aliança que alinhou a empresa à divulgação do tratamento precoce

A advogada Bruna Morato, representante dos médicos que trabalharam na Prevent Senior, disse que havia um pacto ou aliança que alinhou a empresa à divulgação do tratamento precoce

Anthony Wong morreu de Covid, informação que foi omitida certidão de óbito, segundo documentos em posse da CPI. Conhecido defensor do "tratamento precoce", ineficaz contra a Covid-19, ele foi submetido às mesmas drogas cujo uso defendia em um hospital da Prevent Senior. Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto são apontados como integrantes do gabinete paralelo. Em reunião no ano passado com Bolsonaro e outros médicos, Zanotto sugeriu a criação de um "shadow cabinet", ou seja, um "gabinete das sombras" para tratar do enfrentamento à pandemia.

A advogada afirmou ainda que, após os contatos dos médicos do chamado gabinete paralelo, a empresa sentiu segurança de que não seria incomodada pelo Ministério da Saúde.

— A informação que eu tive é que uma vez realizado esse pacto ou aliança junto com a... Entre esse conjunto de assessores que depois foram denominados por esta Comissão Parlamentar como sendo o gabinete paralelo, mas que, na época, eram apenas os assessores, é que após esse contato lhe foi transferida certa segurança, então, a Prevent Senior tinha segurança que ela não sofreria fiscalização do Ministério da Saúde ou de outros órgãos vinculados ao Ministério da Saúde.

A advogada disse que o prontuário de Anthony Wong mostra que, de fato, ele foi tratado com remédios sem eficácia para a Covid-19. E rebateu a versão da Prevent Senior de que os dados foram vazados de forma ilegal por um médico. Segundo Bruna Morato, as informações sobre Wong foram entregues pela própria empresa ao ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

Ela também disse que o prontuário de Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang, dono das lojas Havan,mostra que ela teve Covid. O atestado de óbito, porém, não tem essa informação. Regina foi tratada na Prevent Senior.

Bruna Morato afirmou que a prescrição do "kit covid" levava em conta a redução de custos para a empresa:

— Uma estratégia de redução de custos, uma vez que era mais barato fornecer medicamentos do que fazer a internação.

A advogada também disse que o termo de consentimento para aceitar o tratamento sem eficácia comprovada era genérico. De acordo com ela, os pacientes eram induzidos a assiná-lo sem ter clareza do que se tratava:

— No momento em que eles iam fazer a retirada do medicamento, era passada a seguinte informação: para retirar a medicação, precisa assinar aqui. Não tinham ciência de que o "assine aqui" era o termo de consentimento.

Bruna falou do risco de demissão caso um médico não entregasse o "kit covid" aos pacientes:

— Chegou a um ponto tão lamentável, na minha opinião, que esse kit era composto por oito itens. E aí os médicos, pelo menos a explicação que me deram, os plantonistas pegavam o kit, eles entregavam ao paciente e diziam ao paciente: olha, eu preciso te dar, porque, se eu não te entregar esse kit, eu posso ser demitido; mas eu te oriento: se você for tomar alguma coisa daqui, tome só as proteínas ou só as vitaminas.

Outro problema, segundo ela, era a prescrição desses remédios para pacientes que tinham comorbidades, ou seja, outras doenças. O plano atende muitos idosos e seus clientes têm uma faixa etária alta.

— Os pacientes que utilizavam esses kits eram pacientes que já tinham muitas vezes comorbidades associadas, já faziam uso do que me ensinaram se chamar polifarmácia. Então, o conjunto de medicamentos, apesar de ser ineficaz, para aquela população se tornava letal, potencialmente letal — disse a advogada.

Investigação sobre omissões do CFM

A CPI aprovou um requerimento do senador Rogério Carvalho (PT-SE) para que seja soliciada ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal uma invetigação sobre possíveis omissões do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo e da Agência Nacional de Saúe Suplementar (ANS) na apuração de irregularidades envolvendo a Prevent Senior.

Bruna Morato disse que, segundo os relatos de seus clientes, médicos infectados pelo coronavírus eram obrigados a trabalhar.

A CPI aprovou outro requerimento para a Prevent Senior apresentar em 24 horas os termos de consentimento assinados pelos pacientes para aceitar o tratamento precoce com remédios sem eficácia. No depoimento que prestou na semana passada, Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior, disse que havia autorização assinada em todos os casos.

Em seu depoimento na semana passada, Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior, afirmou que profissionais já desligados da empresa adulteraram planilha interna para dar a ideia de fraude. Nesta terça, Bruna rechaçou essa versão, dizendo que nunca houve alteração de dados. Ela também afirmou que não era leal à empresa sofria sanções, como a redução de plantões.

Dossiê de 10 mil páginas

Logo na fala inicial, a advogada disse que representa 12 médicos e afirmou que, a pedido dos clientes, procurou a Prevent Senior para um acordo, que incluía três pontos, nenhum deles envolvendo compensações financeiras. Se o acordo tivesse prosperado, a empresa teria que admitir publicamente que o estudo feito sobre o uso de medicamentos como a cloroquina não foi conclusivo. A empresa também deveria assumir que não dava autonomia aos médicos, orientando-os a prescrever o "kit covid", que vinha lacrado. Por fim, a Prevent Senior dever ficar responsável por arcar com ações decorrentes de medidas adotadas por seus médicos, que tinham medo de ter que bancar seus custos.

Ela disse ter um dossiê de 10 mil páginas e que começou a atender médicos da Prevent Senior em 2014.

— Em 2020, os relatos se transformaram em relatos pavorosos. E, num primeiro momento, eu acredito que as histórias pareciam um tanto quanto confusas e assustadoras, para não dizer perturbadoras — disse Bruna Morato.

Ela ainda ironizou a forma como a Prevent Senior vem se portando:

— Gostaria de agradecer a própria Prevent Senior. Ela vem me atacando, e sendo um tanto quanto rude quanto as sua colocações. Eu agradeço a Prevent Senior, porque seria muito difícil explicar aqui a ideologia da empresa. Mas fica muito claro, quando a gente analisa os ataques infundados que vem fazendo à minha pessoa, demonstrar a constante política de opressão.

Bruna afirmou que, no começo, houve a orientação para as equipes não trabalharem "paramentadas" , porque isso poderia assustar os pacientes. Assim, nem todos os médicos usaram máscaras no início da pandemia, mas essa medida foi reconsiderada depois de algumas semanas.

Invasão de escritório

Documento da Policia Civil traz imagens de individuos estranhos circulando no prédio na hora que o sistema de monitoramento parou Foto: Reprodução

Bruna Morato relatou a invasão do seu escritório, de onde levaram um tablet e um computador invasão do seu escritório, de onde levaram um tablet e um computador, mas disse não poder afirmar haver relação com a Prevent Senior.

— Entraram com equipamento eletrônico muito moderno para o que foram fazer depois, duplicaram o IP de todas as câmeras, deixaram o sistema de vigilância vulnerável por quatro dias. Não suficiente, eles cortaram o cano de um banheiro de um escritório vizinho, inundando do terceiro ao oitavo andar, fazendo com que fosse necessário a entrada de pessoas no prédio para os reparos — disse ela, acrescentando: — Não posso afirmar qualquer relação com a empresa, mas aconteceu e desde então me sinto ameaçada.

Empresário convocado

A CPI aprovou a convocação do empresário Otávio Oscar Fakhoury. Segundo o requerimento de convocação, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AO), Fakhoury "foi identificado como o maior financiador dos canais de disseminação de notícias falsas, como o Instituto Força Brasil, Terça Livre e Brasil Paralelo". Ainda de acordo com Randolfe, "esses canais estimularam o uso de tratamento precoce sem eficácia comprovada, aglomeração e diversas outras fake news sobre a pandemia".

A comissão aprovou também um requerimento para pedir o compartilhamento de informações da Operação Pés de Barro, que apura irregularidades em compras do Ministério da Saúde durante a gestão do ex-ministro Ricardo Barros (2016-2018). Atualmente, Barros é líder do governo na Câmara.

André de Souza, de Brasília, para O Globo, em 28/09/2021

Governo deixa vencer testes de covid, remédios e vacinas; estoque de R$ 80 milhões será inutilizado

Ministério da Saúde foi alertado ao menos duas vezes sobre proximidade da data de validade de 32 tipos de insumos; documentos da pasta relatam o desperdício.       

Planilha do Ministério da Saúde aponta que, para sete insumos, houve mais de uma notificação sobre o vencimento do prazo Foto: Dida Sampaio/Estadão

A Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), ligada ao Ministério da Saúde, deixou vencer milhares de kits para diagnóstico da covid-19 e dezenas de medicamentos e vacinas para outras doenças. O órgão foi notificado sobre a proximidade da data de validade de 32 tipos de insumos. Mesmo assim, não agiu a tempo de distribuí-los. O resultado é que, agora, milhares de imunizantes, soros, diluentes e testes que custaram R$ 80,4 milhões não foram aproveitados a tempo e terão de ser inutilizados.

O desperdício inclui, por exemplo, mais de 18 mil kits de testes de covid, considerados fundamentais pelos especialistas para monitorar e controlar a transmissão do vírus. Também estão na lista 44 mil vacinas meningocócicas (contra meningite) e 16 mil vacinas contra a gripe.

As informações constam de documentos internos da pasta obtidos pelo Estadão. O material estava armazenado no Centro de Distribuição que o Ministério possui em Guarulhos (SP). Planilha do Ministério da Saúde aponta que, para sete desses insumos, houve mais de uma notificação sobre o vencimento do prazo. A SVS foi alertada, em abril e em junho deste ano, sobre produtos que venceriam entre 8 de julho e 31 de agosto. Eles custaram R$ 2,6 milhões aos cofres públicos.

Todos esses insumos fazem parte de uma lista de 271 itens que perderam a validade entre 2017 e 2021. Os insumos da planilha somam 1,8 milhão de unidades e custaram R$ 190,8 milhões aos cofres públicos. Quase a totalidade deles, ou 96%, foram perdidos a partir de 2019, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. O prejuízo foi de cerca de R$ 190,1 milhões a partir de 2019, ante o prejuízo de R$ 680 mil ocorrido entre 2017 e 2018.

Um ofício da coordenadora-geral substituta de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde, Katiane Rodrigues Torres, de 22 de setembro, registrou que houve "comunicação prévia, da proximidade de vencimento desses medicamentos". Ela apontou, no entanto, a "ausência de resposta das áreas responsáveis, em tempo hábil, para a distribuição destes Insumos Estratégicos para Saúde - IES".

A coordenadora pediu que fosse apresentada justificativa sobre os vencimentos e citou ainda os custos de armazenagem, que aumentaram "consideravelmente" a execução do contrato. O requerimento foi encaminhado por ela ao diretor de Logística do Ministério da Saúde, general Ridauto Lúcio Fernandes. Ele, por sua vez, enviou a documentação à SVS com pedido para que cada item da planilha tivesse “uma justificativa própria, não podendo a manifestação ser feita de forma genérica"

Fernandes citou, no documento, uma reunião da pasta com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, secretários e a consultoria jurídica da Saúde, em 13 de setembro, na qual "foi exposta a situação dos medicamentos que encontram-se armazenados em Guarulhos e que estão com o prazo de validade vencido".

Na lista de itens que se perderam, estão kits para diagnóstico de covid, dengue, zika e chikungunya, vacinas contra gripe, pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e contra a bactéria haemophilus influenza tipo b), tetraviral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela) e BCG, soros e diluentes.

'Longe de ser um episódio, reflete toda a conduta da política pública do governo federal há pelo menos 2 anos'

Carlos Lula, Presidente do Conass

Os testes para covid, dengue, zika e chikungunya são os itens mais caros perdidos pelo Ministério da Saúde. Por estes, a pasta pagou R$ 133 milhões. Deste total, R$ 77 milhões apenas pelos kits para detecção do novo coronavírus.

Na avaliação do presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, "perder doses de algo que é plenamente controlável" é consequência da "falta de planejamento do Ministério". "Longe de ser um episódio, reflete toda a conduta da política pública do governo federal há pelo menos 2 anos", disse ele, titular da pasta do Mranhão.

A reportagem questionou o Ministério da Saúde sobre os milhares de testes e medicamentos vencidos. A pasta, porém, não respondeu até as 10 horas desta terça-feira, 28. 

Veja 15 insumos que perderam a validade em 2021:

Vacina Meningocócica com líquida seringa preenchida - 44.250

Vacina BCG Intradérmica 10 doses - 27.055

Kit Amplificação Sars-Cov2 - 100 reações - 18.257

Vacina contra a gripe 10 doses - 16.432

Imunoglobulina anti-tetânica 250UI/ML Sol INJ 1ML: 6.308

Vacina contra a Febre Amarela 10 doses: 6.272

Vacina dupla adulto (10 doses): 3.972

Vacina papiloma vírus humano (Tipo 6, 11, 16 E 18 Recombinante) - 1 dose: 2.401

Vacina meningocócica C Conjugada - Frasco: 2.178

Diluente para vacina Tríplice Viral (MMR) 1 DOSE: 2.055

Kit Molecular Zika Dengue Chikungunya (ZDC) - 48 reações - Acessórios: 1.496

Kit Molecular Zika Dengue Chikungunya (ZDC) - 48 reações - Amplificação: 1.496

Kit Molecular Zika Dengue Chikungunya (ZDC) - 48 reações - Controle: 1.496

Vacina contra Hepatite A (Rotina Pediátrica) 1 dose: 1.440

Imunoglobulina anti-varicela Zoster - 1 dose: 1.334

Eduardo Rodrigues e Julia Affonso para  O Estado de S.Paulo, em 28/09/21

De volta ao Brasil, Moro discute candidatura em 2022

Ex-ministro se reuniu com integrantes da cúpula do Podemos; sigla tenta convencê-lo a assumir papel de candidato da ‘terceira via’ na corrida presidencial.

       O ex-ministro Sérgio Moro, hoje sócio-dretor da consultoria americana Alvarez & Marsal  Foto: REUTERS/Adriano Machado (12/5/2020)

De volta ao Brasil, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro já iniciou as conversas políticas para decidir se vai disputar a eleição presidencial de 2022. No sábado, Moro se reuniu de manhã com integrantes da cúpula do Podemos, em encontro realizado na casa do senador Oriovisto Guimarães (PR). Por enquanto, o ex-juiz quer aguardar até novembro para bater o martelo sobre o seu futuro

Além de Oriovisto, participaram da conversa de sábado a deputada federal Renata Abreu, presidente nacional do Podemos, e os outros dois senadores do Paraná: Álvaro Dias e Flávio Arns. O comando do partido tenta convencer Moro a assumir o papel de candidato da chamada terceira via para se contrapor à polarização vista hoje nas pesquisas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro. O partido alega dispor de pesquisas que indicariam o bom potencial de uma candidatura presidencial de Moro. Mas o ex-juiz ainda analisa outras hipóteses.

Uma delas é a de concorrer ao Senado. Neste caso, há duas opções sendo avaliadas: disputar pelo Paraná, sua terra natal, ou por São Paulo, onde tem bastante popularidade. Para 2022, existe apenas uma vaga em jogo por Estado para o Senado. E, no caso do Paraná, Álvaro Dias deve tentar a reeleição. Assim, a disputa por São Paulo seria mais viável e poderia, inclusive, fazer parte de um pacote político mais amplo, que incluiria uma aliança nacional em torno de outra candidatura de terceira via.

A terceira opção para Moro é seguir atuando como consultor e renovar seu contrato com a Alvarez & Marsal, empresa onde atua como diretor-executivo do escritório de Washington na área de compliance. Assim, Moro tem sinalizado a apoiadores que só pretende definir seu futuro em novembro, já que, nesse período, seu contrato de consultor completará um ano. Ele decidirá se o renovará ou se vai migrar para a disputa eleitoral.

Na próxima semana, Moro deve intensificar sua agenda de conversas, viajando até Brasília. Na capital, deverá conversar também com lideranças de outros partidos, até para avaliar o potencial de uma aliança entre os interessados em construir uma candidatura de terceira via.

Marcelo de Moraes para O Estado de S.Paulo, em 28 de setembro de 2021

Tasso Jereissati anuncia desistência das prévias do PSDB e manifesta apoio a Eduardo Leite

Anúncio foi feito na tarde desta terça-feira (28), em Brasília. Além do governador do RS, seguem na disputa João Doria e Arthur Virgilio Neto.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) anunciou, na tarde desta terça-feira (28), a desistência das prévias do PSDB e apoio ao governador do RS Eduardo Leite, para a Presidência da República nas eleições do próximo ano.

"O governador do Rio Grande do Sul tem todas as qualidades que um homem público tem para nos representar neste momento. Esse cara pensa igual a mim. Temos uma afinidade também de postura ética, de compromisso com a democracia. Por essa razão, estou aqui hoje dizendo que não sou candidato nas prévias, mas isso não quer dizer que eu não estou na luta", destacou Jereissati.

Segundo o senador, a união é necessária para o momento político no Brasil. "Seria não somente uma conclusão pragmática minha, mas quase uma obrigação fazer com que nos juntássemos, déssemos as mãos e buscássemos, dentro do partido, uma união".

Tasso disse ainda que na quarta-feira (29) fará uma visita ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. De acordo com ele, FHC está "no mínimo torcendo pela nossa caminhada". O ex-presidente havia declarado apoio a João Dória.

As prévias do partido estão marcadas para acontecer no dia 21 de novembro.

Além de Leite, são candidatos nas prévias o governador de São Paulo, João Doria, e o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto.

Por g1 RS, em 28/09/2021 15h31  Atualizado há 15 minutos

Um Poeta

Bonfim Tobias      


Estrela Apagada

  O amor, por vez, acaba pouco a pouco,

  Vai perdendo as cores co’a idade,

  Sussurro de carinho fica rouco,

  E do que fomos fica a saudade!

  Pouco vale o passado e a sorte

  De ter sido amado nesta vida,

  Ninguém nota, entre tantas, se a morte

  Apagou uma estrela esquecida.

  O cérebro esquece a lembrança

  De alegria, de lágrima e bonança

  E de desejos nunca confessados,

  Mas isso são as coisas da existência,

  De mentiras, verdades, incoerência,

  Vestindo-nos a másc’ra de amados!

O Senado e a proteção das eleições

Entre os absurdos gerados na Câmara, tem até proposta de censura sobre pesquisas eleitorais

 Sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), a Câmara tem produzido propostas legislativas que são verdadeiros retrocessos em matéria eleitoral. Felizmente, o Congresso é composto por duas Casas, e o Senado tem conseguido limitar os danos. Na quarta-feira passada, os senadores impediram a volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais (deputado federal, deputado estadual e vereador). É preciso advertir, no entanto, que o Senado tem ainda muito a fazer na defesa do sistema eleitoral e dos direitos políticos. Entre os absurdos gerados na Câmara, tem até proposta de censura a pesquisas eleitorais.

São dois os principais projetos sobre legislação eleitoral: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 28/2021 e o projeto de um novo Código Eleitoral. No dia 22 de setembro, o plenário do Senado concluiu a votação da PEC 28/2021, mas sem a volta das coligações. Os senadores aprovaram a redação apresentada pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), que, entre outros itens, estabeleceu novos critérios para a distribuição de recursos públicos entre as legendas e incluiu na Constituição a regra da fidelidade partidária. Além disso, a partir de 2026, a posse do presidente da República será no dia 5 de janeiro e a dos governadores, no dia 6. Como os senadores aprovaram uma parte da PEC original, o texto não voltará à Câmara.

Com a nova redação da PEC 28/2021, o Senado impediu um significativo retrocesso. Autorizadas até 2017, as coligações partidárias nas eleições proporcionais faziam com que o voto em determinado candidato pudesse eleger outro candidato, de outro partido, simplesmente em razão do convênio entre as legendas. Nesse sistema, o eleitor não tinha controle sobre os efeitos do seu voto, o que é profundamente problemático para a representação política.

Além disso, as coligações serviam para esconder a falta de representatividade de muitos partidos nanicos. Apesar de receberem pouquíssimos votos, candidatos dessas legendas usufruíam, em razão da coligação, dos votos de outros candidatos, de outras legendas, no cálculo do preenchimento das cadeiras legislativas. Com isso, as coligações ajudavam a viabilizar partidos totalmente inviáveis, sem nenhuma representatividade, o que favorecia a disfuncional e perniciosa fragmentação partidária.

Agora, o Senado recebeu a proposta relativa ao novo Código Eleitoral, com mais de 900 artigos, aprovada na Câmara. De pronto, chama a atenção a precipitação na tramitação de um projeto de tamanha envergadura. Em tempos de pandemia, com outras prioridades e, principalmente, com as limitações decorrentes das regras sanitárias, não há condições mínimas de avaliação desse novo marco legal.

A confirmar a precipitação, o projeto de novo Código Eleitoral contém graves e inconstitucionais aberrações. Prevê-se, por exemplo, a proibição da divulgação das pesquisas de intenção de voto na véspera e no dia das eleições. A proibição de cobertura jornalística sobre algum aspecto do pleito é violação das liberdades individuais e dos direitos políticos.

Além de configurar censura prévia e de tratar o cidadão como incapaz – o Estado assumiria o papel de interventor na autonomia individual, regulando o que cada um deveria utilizar na decisão sobre o seu voto –, a medida seria forte incentivo à desinformação e à manipulação. Com os veículos de comunicação impedidos de divulgar as pesquisas de intenção de voto, feitas com metodologia reconhecida, não haveria contraponto a pesquisas falsas ou distorcidas que certamente vão circular nas redes sociais e grupos de WhatsApp, confundindo os eleitores.

Além disso, o projeto do novo Código Eleitoral abranda a Lei da Ficha Limpa, diminui a transparência do uso do dinheiro público por partidos, exclui restrições relativas ao emprego desses recursos e diminui a punição de condutas que ferem a lei eleitoral. Diante desse perigoso quadro, cabe ao Senado ser muito cauteloso. É preciso submeter a proposta de um novo Código Eleitoral a uma rigorosa e pausada análise, que exclua os retrocessos e as inconstitucionalidades. Mudar para piorar é um atentado contra o eleitor.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28 de setembro de 2021

Com o País distraído com crises e as bobagens do presidente, a Câmara passa boiadas e jabutis

O atual desafio é evitar que a Lei de Improbidade se transforme na festa da impunidade

Com tantas crises, declarações e revelações absurdas, o foco nestes mil dias de governo Jair Bolsonaro foi no presidente e no governo. Enquanto isso, variadas boiadas continuaram passando pelo Congresso, especialmente pela Câmara. A mais nova foi uma drástica mudança num dos eixos do combate à corrupção: a Lei de Improbidade.

Assim como teve de devolver ao Planalto o pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes e o projeto mexendo com o Marco Civil da Internet, o Senado teve de agir firmemente também para evitar audácias da Câmara: distritão, volta das coligações partidárias e novo Código Eleitoral já para 2022. O atual desafio é evitar que a Lei de Improbidade se transforme na festa da impunidade.

Câmara discute regulamentar publicidade do governo em programa de banda larga

Plenário da Câmara dos Deputados.  Foto: Cleia Viana/Agência Câmara - 1/9/2021

O projeto da Câmara seria aprovado a toque de caixa pelo Senado na semana passada, não fosse uma articulação para uma audiência pública nesta terça-feira, 28/9, antes da votação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na quarta-feira de manhã, e pelo plenário, já à tarde. Assim, rapidinho.

Toda lei é sujeita a mudanças e adaptações à realidade e à dinâmica da política e do próprio País. Foi assim, com bons propósitos, que surgiu o projeto para atualizar a Lei de Improbidade, debatido em 14 audiências públicas por dois anos e meio na Câmara. Ele, entretanto, foi trocado por um substitutivo, aprovado em surpreendentes oito minutos, em junho deste ano, unindo de bolsonaristas a petistas.

Os contrários ao substitutivo conseguiram retirar um “liberou geral” para o nepotismo, mas muitos bois, ou jabutis, como se diz em Brasília, permaneceram. Não para preservar o erário e as boas práticas administrativas e éticas, mas para criar uma blindagem, ou anistia, para os responsáveis.

São três blocos de improbidade na atual lei. Enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio público e violação aos princípios da administração pública: impessoalidade, legalidade, publicidade e moralidade, previstos na Constituição. No texto em pauta, porém, só os atos especificados na lei, um por um, serão enquadrados. O que não for citado não vale, como “carteirada” ou furar fila de vacinação, entre tantos outros.

“As maneiras de violar esses princípios são infinitas e é impossível relacionar todas as possibilidades na lei. É por isso que são citados exemplos, referências”, diz o procurador Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, ativista contra o substitutivo da Câmara e um dos participantes da audiência pública de terça-feira.

A justificativa dos deputados foi conter promotores que extrapolam no uso da lei, tratando como criminosos gestores públicos que cometam erros administrativos por falta de experiência ou de assessoria. Sim, isso acontece, mas é preciso conter esses promotores, não matar a lei. A Lei de Abuso de Autoridade existe para isso.

O relator no Senado é Weverton Rocha (PDT-MA), alvo de processo por... improbidade. Ele não acatou nenhuma emenda e não mudou uma vírgula no texto da Câmara que, em resumo, estabelece que quem desvia dinheiro público ou causa dano ao patrimônio sem dolo, sem má-fé, coitadinho, está perdoado.

O prazo para investigar quebras de sigilos, provas do exterior e, eventualmente, vários envolvidos será só de seis meses. Mais: a prescrição também é rapidinha, até retroativa; o tempo de pena máxima aumenta, mas acaba o tempo mínimo, que era de oito anos. Cereja do bolo: os procuradores terão de pagar honorários se as ações forem consideradas descabidas.

Se a Câmara não conseguiu criar a “Lei Moro”, para impedir a candidatura do ex-juiz Sérgio Moro em 2022, foi bem-sucedida para transformar a Lei de Improbidade em pá de cal da Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da história. Em vez de ajustes, de meio-termo, joga-se tudo no lixo. Quem comemora?

Eliane Cantanhede, a autora deste artigo, é comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal (PE) e do Telejornal Globo News "Em Pauta". Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 28.09.21

Mil dias a menos

Este é um dos poucos motivos para celebrar o milésimo dia de Jair Bolsonaro no Planalto, o mais completo e desastroso desgoverno do Brasil independente

Completados mil dias, são mil dias a menos com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Este é um dos poucos motivos para celebrar o milésimo dia do mais completo e mais desastroso desgoverno do Brasil independente. Haver sobrevivido também pode ser uma razão para festejar, se for possível conter, por algum tempo, a indignação e a dor pelos milhares de mortes atribuíveis ao negacionismo, à irresponsabilidade e a uma incompetência fora dos padrões conhecidos. Passados quase três quartos do mandato, restam, no entanto, os perigos associados à ambição de um presidente empenhado em continuar no poder – se possível, por meio de uma reeleição.

Não há por que esperar uma transfiguração de Bolsonaro, em sua luta para sobreviver politicamente e adiar, ou talvez evitar, as consequências legais de seus desmandos e omissões. Enquanto estiver na Presidência, ele tentará preservar o custoso apoio do Centrão. Além disso, continuará forçando a equipe econômica a encontrar, no Orçamento, recursos para gastos eleitoreiros. Não há por que esperar, também, um desempenho, em qualquer setor – educação, crescimento econômico, saúde, emprego e bem-estar –, melhor do que aquele registrado até agora.

O primeiro grande feito de Bolsonaro foi interromper a recuperação econômica iniciada em 2017, depois da recessão de 2015-2016. A economia cresceu apenas 1,4% em 2019, menos que no ano anterior, e já estava mais fraca no começo de 2020, antes da pandemia. O recuo de 4,1% naquele ano foi menor que o de várias economias desenvolvidas e emergentes, mas o País entrou em 2021 com desemprego de 14,7%, muito acima dos padrões dos países de renda média. Pior que isso, milhões de pessoas estavam desassistidas e dependentes de campanhas de solidariedade para comer.

Ameaças golpistas foram o complemento do cenário econômico de insegurança, desemprego e miséria crescente. Logo depois da invasão do Congresso americano por uma turba incitada pelo presidente Trump, Bolsonaro ameaçou algo semelhante, no Brasil, se a eleição do próximo ano for feita com voto eletrônico. Meses depois, um projeto de restabelecimento do voto impresso foi derrubado no Parlamento, mas o presidente continuou insistindo no assunto.

Conflitos com os Poderes Legislativo e Judiciário marcaram toda a gestão bolsonariana, e neste ano ele se concentrou em ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ataques às duas Cortes foram temas das manifestações golpistas de 7 de setembro, lideradas pelo presidente em Brasília e em São Paulo. Essas manifestações foram por ele descritas como democráticas, em seu vergonhoso discurso na abertura da assembleia anual das Nações Unidas, em Nova York.

Rejeição das instituições e ameaças de golpe, mais ou menos ostensivas segundo as circunstâncias, foram acompanhadas, em alguns dos momentos mais feios, de elogios à ditadura militar e a um notório torturador daquele período, o coronel Brilhante Ustra, chamado de herói por Bolsonaro. O mesmo qualificativo foi atribuído a um conhecido miliciano morto pela polícia na Bahia.

Elogios a um torturador e a um miliciano combinam com a política de facilitação de acesso às armas. Pessoas sérias podem apoiar essa política, mas seus principais beneficiários são obviamente os criminosos e os bolsonaristas dispostos a formar milícias de apoio a um líder antidemocrático.

Alimentada pela incompetência e pela irresponsabilidade, a inflação acumulada em 12 meses bateu em 10%, atormentando famílias já acuadas pelo desemprego e pela perda de renda. As projeções de crescimento econômico em 2022 estão abaixo de 2% e algumas instituições do mercado já anunciaram estimativas próximas de 0,5%. O desastre na saúde e o fracasso econômico foram complementados, nesses mil dias, com devastação ambiental, desmonte do Ministério da Educação e comprometimento da imagem do País, manchada por um extremista percebido em todo o mundo como caricatura patética do já patético Donald Trump. Cada um desses mil dias é para ser lamentado.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28 de setembro de 2021 

Lula tenta reescrever a história da corrupção no Brasil

Segundo ex-presidente, a culpa da grave crise econômica nacional caberia à Operação Lava Jato – não à própria corrupção. Uma cínica tentativa de criar uma nova narrativa e evitar um mea culpa, escreve Alexander Busch.

Corrupção na Petrobras manchou imagem internacional da estatal e do Brasil

Em 10 de março de 2021 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva expôs pela primeira vez sua visão particular do escândalo de corrupção da Lava Jato: devido à operação, o Brasil teria perdido cerca de R$ 172 bilhões em investimentos, e 4 milhões de cidadãos teriam ficado sem emprego, queixou-se, lamentando que uma empresa tão imponente como a estatal Petrobras tenha sofrido danos.

As sentenças de Lula por lavagem de dinheiro e corrupção acabavam de ser suspensas por motivos formais. Seus adeptos festejaram o fato como uma absolvição, muitos interpretaram essa aparição pública em março como seu primeiro discurso de campanha.

Na realidade, o ex-chefe de Estado está incorrendo numa estranha distorção da história. Pois não foram os inquéritos da Justiça no escândalo que causaram danos à economia e à Petrobras, mas sim a corrupção, a má gestão, as decisões econômicas equivocadas nos cerca de 13 anos em que o Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula esteve no poder.

Jogar para a Justiça a responsabilidade pelos prejuízos é como culpar pela doença o médico que a diagnosticou no paciente.

O drama da Petrobras

Lula citou uma análise realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), por encomenda da Central Única dos Trabalhadores (CUT), examinando as consequências econômicas da Operação Lava Jato, entre 2014 e 2017. Nela, os pesquisadores distorcem os fatos, pois o ocaso da Petrobras já havia iniciado muito antes das investigações judiciárias, a partir de março de 2014.

O ex-chefe de Estado e sua sucessora, Dilma Rousseff, tencionavam transformar a estatal na locomotiva industrial do Brasil. Mas no processo dividiram a pele da onça antes de ela ter sido caçada, já que os lucros com o petróleo não jorravam tão rápido como se esperava, devido às complexas tecnologias do pré-sal.

Em consequência, a Petrobras se endividou ao ponto de, em 2013, se tornar a companhia cotada na bolsa de valores com o maior volume de dívidas do mundo. Ao mesmo tempo, o governo recrutou a multinacional também para o combate à inflação, e a gasolina e o diesel passaram a ser vendidos mais barato.

Quando, a partir de 2014, o preço do petróleo começou a cair, investigadores de Curitiba revelaram gradualmente um gigantesco esquema de corrupção, em que firmas de construção privadas, em especial a Odebrecht, haviam desviado bilhões, junto com a gerência da Petrobras e com a bênção do governo e seus parceiros de coalizão.

Teorias de conspiração em curso online

No decorrer das investigações, prenderam-se diversos diretores da Petrobras e da indústria de construções, e suas empresas foram excluídas das concorrências públicas. Muitos fornecedores que haviam pagado propina também ficaram proibidos de trabalhar com a Petrobras.

Nesse ínterim, o Instituto Lula elaborou as conclusões do Dieese na forma de um curso online, em que especialistas explicam como as investigações da Justiça prejudicaram a classe trabalhadora.

A abertura cabe ao ex-chefe da Petrobras Sergio Gabrielli, que reproduz as teorias de conspiração de praxe da esquerda. Segundo estas, o FBI e as Forças Armadas americanas teriam usado como seu capanga o juiz Sergio Moro, "treinado nos Estados Unidos", a fim de enfraquecer a estatal do petróleo. Gabrielli se permite até explicar que os R$ 6 bilhões de subornos, divulgados oficialmente pela primeira vez em 2014, seriam "quase nada" diante do faturamento da Petrobras.

Tudo isso é a tentativa cínica de sobrepor uma nova narrativa à Lava Jato – evitando assim o mea culpa necessário a um recomeço político para Lula e seu partido.

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 18.08.21

Tasso Jereissati desiste de prévias do PSDB para apoiar Eduardo Leite contra Doria

O senador Tasso Jereissati (CE) vai abrir mão de disputar as prévias do PSDB em favor do governador gaúcho Eduardo Leite, que tem como principal adversário João Doria (SP).


Governador Eduardo Leite receberá apoio do Senador Tasso Jereissati

O anúncio está previsto para esta terça, 28, às 15h, no Congresso, com a presença de Leite. Logo, será um bom termômetro do posicionamento das bancadas tucanas no Senado e na Câmara.

Os dois vinham discutindo a possível aliança desde agosto, como mostrou o Estadão. As prévias tucanas estão marcadas para 21 de novembro.

No mês passado, Doria afirmou em entrevista ao programa Roda Viva que Tasso já tinha abandonado a disputa interna do partido. Diante da má repercussão dentro do partido, o governador paulista recuou e pediu desculpas.

“Quem achava que seria um passeio para Doria, errou feio”, afirmou à Coluna o ex-senador Cássio Cunha Lima (PB).

Eliane Cantanhêde para O Estado de São Paulo, em 28.09.21

Valdemar Costa Neto fala em irregularidades no Banco do Nordeste e pede a demissão da diretoria

Presidente nacional do PL e um dos principais líderes do Centrão, Valdemar Costa Neto gravou um vídeo em que pede a Jair Bolsonaro a demissão de toda a diretoria do Banco do Nordeste por suspeita de irregularidade em um contrato com uma ONG. A atual presidência do banco foi indicada pelo partido de Costa Neto.

O valor chegaria a R$ 600 milhões por ano. Costa Neto já teria entrado em contato pessoalmente com o presidente. No Planalto, o clima era de apreensão à espera da divulgação do vídeo.

Costa Neto foi condenado pelo envolvimento no escândalo do mensalão, em 2012, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do qual era aliado.

Alberto Bombig e Matheus Lara para o Estado de S. Paulo, em 27 de setembro de 2021

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Covid no Brasil: por que últimos dias de setembro são decisivos para futuro da pandemia

O final de setembro é marcado pelo fim do inverno e o início da primavera no Hemisfério Sul. Mas, em 2021, esse período também pode estar relacionado a outra mudança significativa, ao menos no Brasil: especialistas indicam que os próximos dias serão decisivos para entender o futuro da pandemia de covid-19 por aqui.

Apesar de queda constante nos registros de infecções e óbitos relacionados ao coronavírus, acontecimentos recentes podem alterar perspectivas de controle da pandemia(Getty Images)

E isso tem a ver com uma série de fatores que ocorreram nas últimas semanas e que podem ter influência direta no número de casos, hospitalizações e mortes pela doença provocada pelo coronavírus.

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Falamos aqui de aglomerações registradas em protestos, eventos e viagens, o menor impacto da variante Delta no Brasil, o avanço da vacinação e até o alívio em algumas medidas restritivas que foram mantidas por cidades e Estados nos últimos meses.

Por ora, as estatísticas trazem certa esperança: desde junho, as médias móveis de casos e óbitos por covid-19 caem constantemente. Mesmo assim, os últimos dias foram marcados por ligeiros aumentos nesses índices.

"De uma maneira geral, podemos dizer que o cenário está cada vez melhor, após aquele período de caos na saúde que vivemos entre março e maio", destaca o epidemiologista Paulo Petry, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Mas será que os gráficos seguirão nessa trajetória de queda daqui para frente? E o que cidadãos e gestores públicos deveriam fazer agora para manter essa onda de boas notícias?

Onde estamos?

O primeiro semestre de 2021 foi marcado por uma segunda onda altíssima de infecções e óbitos por covid-19 no Brasil. Os sistemas de saúde de várias cidades entraram em colapso e não existiam vagas suficientes para suprir a demanda de novos pacientes.

No auge da crise, o país chegou a registrar médias móveis de 77 mil novos casos e 3 mil mortes pela doença todos os dias. Não à toa, o país foi classificado como o epicentro da pandemia naquele momento.

Na virada para o segundo semestre, essas curvas começaram a cair, embora tenham se mantido em patamares muito elevados durante os meses de julho e agosto.

Mais recentemente, ao longo do mês de setembro, as médias móveis estavam na casa dos 14 mil novos casos e 500 óbitos por covid-19 — números que chegam a ser seis vezes menores do que o registrado lá no pico da segunda onda.

O que explica essa queda tão grande? O pesquisador em saúde pública Leonardo Bastos, da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), destaca o papel das vacinas.

"O que aconteceu nesse meio tempo foi a vacinação, que teve um efeito muito claro e impressionante. Vimos uma redução consistente nos casos e nos óbitos", analisa.

A campanha de imunização contra a covid-19 começou em janeiro e fevereiro de 2021, mas os primeiros meses foram marcados pela escassez de doses, que serviram para proteger apenas a camada mais vulnerável da população, como os idosos e os profissionais da saúde.

No meio do ano, a chegada de milhões de unidades de imunizantes permitiu incluir praticamente toda a população adulta brasileira na campanha — no início de setembro, muitos prefeitos e governadores comemoraram o fato de que praticamente 100% dos cidadãos acima de 18 anos já haviam recebido ao menos a primeira dose que protege contra o coronavírus.

Adesão dos brasileiros à campanha de vacinação foi muito mais alta do que o observado em partes dos EUA e da Europa (Getty Images)

No momento, cerca de 70% de todos os brasileiros já tomaram a primeira dose e 40% completaram o esquema vacinal (com a segunda dose ou com a vacina da Janssen, que exige apenas uma aplicação).

E aqui pesou bastante o fato de o Brasil ser um dos locais do mundo onde há grande aceitação dos imunizantes. Em partes dos Estados Unidos e da Europa, a campanha de vacinação até começou bem, mas esbarra atualmente numa parcela da população que se recusa a tomar as doses.

Uma nova subida?

Apesar da queda sustentada nos números durante os últimos meses, algumas estatísticas mais recentes, colhidas nos últimas dias, mostram um ligeiro aumento nos casos e nas mortes por covid-19.

Na segunda quinzena de setembro, a média móvel de mortes voltou a ficar acima de 500 por dia no Brasil — no início do mês, essa taxa estava na casa dos 400.

Outra coisa que chamou a atenção foi a inclusão repentina de dados que estavam represados em alguns Estados. São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, incluíram 150 mil casos de covid-19 "atrasados" no sistema de vigilância.

Isso fez com que a média móvel de casos explodisse de um dia para outro: segundo o site do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), essa taxa estava em 14 mil no dia 17 de setembro e pulou para 34 mil em 18/9.

De acordo com informações divulgadas pelas próprias Secretarias Estaduais de Saúde, o e-SUS Notifica, a plataforma onde esses números são registrados, passou por atualizações e ajustes.

Com isso, as equipes responsáveis por realizar a notificação encontraram algumas dificuldades nos últimos dias. A expectativa é que as curvas voltem a se normalizar em breve, mas é preciso acompanhar se isso realmente acontecerá ou teremos efetivamente um novo aumento entre o finalzinho de setembro e o início de outubro.

7 de setembro

Manifestações do dia 7 de setembro foram marcadas por aglomerações (Getty Images)

Ainda entre as possíveis ameaças com potencial de quebrar essa sequência de boas notícias, os especialistas chamam a atenção para o que ocorreu no feriado do dia 7 de setembro.

"Nesta data, tivemos manifestações em várias cidades do país e muitas pessoas também aproveitaram para viajar", destaca o virologista José Eduardo Levi, coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Dasa.

Em locais como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, centenas de milhares de brasileiros se reuniram para demonstrar apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em setembro, também ocorreram manifestações contra o presidente.

"E nós vimos pelas imagens que as pessoas estavam aglomeradas e muitas não usavam máscara" complementa o cientista, que também faz pesquisas no Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP).

A janela entre o contato com o coronavírus e o desenvolvimento da covid-19 costuma demorar até 15 dias. Ou seja: se alguns indivíduos que estiveram aglomerados no dia 7 de setembro se infectaram e criaram novas cadeiras de transmissão a partir dali, os efeitos práticos disso só serão sentidos do dia 22/9 em diante.

"O último feriado foi a prova dos noves. Os eventos ocorreram em plena circulação da variante Delta e precisamos ver como isso repercutirá na pandemia a partir de agora", completa Levi.

A Delta triunfou ou refugou?

Variante Delta foi identificada no fim de 2020 e causou enorme estrago em várias partes do mundo (Getty Images)

Falando em variantes, um terceiro aspecto que ajuda a explicar os números recentes tem justamente a ver com a Delta, que surgiu no final de 2020 e causou (e ainda causa) um enorme estrago em várias partes do mundo, como Índia, Indonésia, Reino Unido, Israel e Estados Unidos.

As novas ondas de casos e mortes relacionadas a essa nova linhagem viral no mundo deixaram os pesquisadores brasileiros de cabelo em pé: o que impediria a Delta de provocar o mesmo problema em nosso país?

Alguns grupos de pesquisa que fazem a vigilância dos coronavírus que estão em circulação mostraram que essa variante se tornou dominante em algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, a partir de agosto.

Mas, felizmente, a realidade contraria essas expectativas e não houve um aumento das internações e mortes por covid-19 no Brasil, pelo menos até agora.

"Em locais como Londres, Nova York e Israel, passaram-se cerca de dois meses entre a chegada da Delta e um grande aumento no número de casos de covid-19", calcula Levi.

"As projeções matemáticas indicavam um cenário catastrófico para o Brasil também. Mas essa variante foi detectada aqui no começo de junho, então a explosão de casos deveria ocorrer em agosto. Já estamos no final de setembro e os números não subiram", conclui.

Mas como explicar isso? Por que essa variante não foi um bicho de sete cabeças até agora no Brasil, como se esperava?

De acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, há algumas teorias que podem ajudar a entender esse fenômeno.

O primeiro deles é novamente o avanço da vacinação: apesar de as doses disponíveis perderem um pouco da efetividade contra a Delta, elas continuam a funcionar relativamente bem, especialmente contra as formas mais graves da covid-19, que exigem hospitalização e intubação.

A taxa de ocupação de leitos por covid-19 no Brasil também caiu consideravelmente neste segundo semestre, apontam os boletins da FioCruz (Getty Images)

O segundo motivo está relacionado àquela segunda onda de casos que acometeu o país entre março e maio.

"Tivemos muitas pessoas infectadas, então ainda há uma resposta imune natural relacionada à variante Gama, que foi responsável pelo pico registrado no primeiro semestre", contextualiza Levi.

Juntos, esses dois ingredientes podem ter feito com que uma parcela considerável da população brasileira ainda tenha um bom nível de anticorpos, seja pela vacinação ou pela infecção natural (que, aliás, nunca é desejável, pois isso está relacionado ao aumento de mortes). E, por sua vez, essa soma de fatores poderia ter sido capaz de barrar uma nova onda de infecções pela Delta.

Vale reforçar aqui que essas são apenas suspeitas e ainda não existem evidências científicas sólidas para confirmar a ligação entre essas duas coisas.

Para onde vamos?

Num cenário positivo, mas com algumas incertezas importantes, os especialistas entendem que é preciso observar o que acontecerá nas próximas semanas antes de ter a certeza de que o pior já passou.

A epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), pondera que a pandemia no Brasil parece estar sempre atrasada em relação ao que ocorre em algumas partes do Hemisfério Norte.

"Até o momento, as curvas epidemiológicas da covid-19 nos Estados Unidos e na Europa se repetiram algumas semanas depois em nosso país", lembra.

E a situação de momento nesses locais não é das melhores: com o avanço da Delta e as dificuldades em convencer parte da população a tomar as vacinas, o número de casos e mortes voltou a subir de forma considerável por lá. Em terras americanas, por exemplo, já são registrados mais de 2 mil óbitos por covid-19 todos os dias, de acordo com os últimos boletins.

Será que o mesmo cenário vai acontecer no Brasil? Ninguém sabe. "Dada nossa cobertura vacinal, a tendência é que a gente mantenha essa queda nos dados ou a situação se estabilize num certo patamar de casos e mortes", projeta Bastos, da FioCruz.

"Agora, não temos certeza se esse patamar será 'aceitável' ou ainda estaremos com muitas hospitalizações e mortes por infecções respiratórias todos os dias", completa.

Falamos aqui de probabilidades. E é preciso ter em mente outras coisas que podem aparecer pelo caminho, como o surgimento de uma nova variante ainda mais potente que a Gama ou a Delta e com capacidade de driblar completamente as vacinas.

"Uma coisa que aprendemos durante essa pandemia é o quanto o coronavírus é imprevisível, portanto não podemos cantar vitória ainda", concorda Levi.

O efetivo controle da pandemia depende do engajamento da população, que precisa ir aos postos de saúde para tomar a primeira, a segunda ou, se for o caso, a terceira dose dos imunizantes.

É importante que todas as pessoas voltem ao posto para tomar as doses de vacina preconizadas para proteger contra as formas mais graves de covid-19 (Getty Images).

"Também devemos tomar muito cuidado com as medidas não farmacológicas, como usar máscaras de qualidade e evitar aglomerações", diz Maciel.

"Não podemos cometer o mesmo erro dos Estados Unidos, que retirou a obrigatoriedade das máscaras e precisou voltar atrás logo depois. Retomar essas políticas é sempre muito difícil", diz a epidemiologista.

Petry entende que as reaberturas anunciadas por Estados e municípios do Brasil também precisam ser feitas aos poucos e com muito cuidado. "A flexibilização precisa ser gradual, e não aquele oba-oba que vimos na Europa", conta.

"E os gestores precisam sempre acompanhar os números e ter pulso para agir a tempo caso percebam uma piora", sugere o epidemiologista da UFRGS.

No reino das incertezas, será necessário aguardar as próximas semanas de setembro e outubro para entender se o futuro da pandemia no Brasil será marcado por frustração ou esperança.

André Biernath - @andre_biernath, de S. Paulo para a  BBC News Brasil, em 27.09.21