quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Se Bolsonaro descumprir decisão do STF, pode ser afastado da Presidência

Em sua extensa lista de ataques e ameaças ao sistema democrático brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou a apoiadores durante os atos de 7 de setembro que não iria cumprir eventuais decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Alexandre de Moraes, ministro do STF, é responsável por apurar suspeitas contra o presidente Bolsonaro (Adriano Machado / Reuters)

"Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais."

Moraes é responsável por inquéritos na Corte que investigam apoiadores, familiares e o próprio presidente por suspeitas como a participação em atos antidemocráticos, a disseminação de informações falsas e o vazamento de informações sigilosas.

Bolsonaro poderia acabar alvo, por exemplo, de buscas e apreensões. Além disso, pessoas próximas ao presidente afirmam, segundo diversas reportagens da imprensa brasileira, que ele teme que seu filho Carlos, vereador no Rio de Janeiro, acabe sendo preso.

Em agosto, Bolsonaro ironizou os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso sobre investigações abertas contra ele no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), neste por ataque infundados contra a urna eletrônica.

"Olha o que é a ditadura da toga. O que dois ministros estão fazendo no Supremo, Barroso e Alexandre de Moraes. Vão me investigar. Será que vão dar uma sentença? Fazer uma busca e apreensão no Alvorada como fazem com o povo comum aí? Será que vão fazer isso? Vão mandar quem: a PF ou as Forças Armadas?"

O que pode acontecer afinal a um presidente da República que decide descumprir uma decisão judicial no Brasil?

Segundo três especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, ele poderia ser acusado de dois crimes: um comum e outro de responsabilidade. Em tese, ambos poderiam levar ao afastamento de Bolsonaro da Presidência da República.

Há, por fim, uma terceira consequência indireta a um eventual descumprimento de ordem judicial: a aceleração conveniente do julgamento que poderia levar à cassação da chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão pelo TSE por abuso econômico na eleição de 2018.

"O descumprimento de uma decisão judicial pode ser a peça que falta para desmoronar o castelo de cartas que sustenta o presidente no cargo", afirma o advogado criminalista Davi Tangerino, professor de direito da FGV-SP e da Uerj.

1. Desobediência: crime comum

A Constituição Federal traz as bases que poderiam orientar ações contra Bolsonaro caso ele se recuse a cumprir uma decisão judicial.

Bolsonaro fez desfile em carro aberto em Brasília, pouco antes de discursar com ameaças ao Supremo Tribunal Federal e à realização de eleições. (Reuters)

O artigo 86 explica que um presidente da República pode ser acusado tanto de crime comum quanto de crime de responsabilidade, mas ambos, se ocorrerem, tramitariam de formas distintas num regime de responsabilização especial do chefe do Poder Executivo.

"Um presidente da República não tem imunidade total, mas para quem uma responsabilização aconteça é preciso a atuação da Câmara dos Deputados em ambos os casos", explica a constitucionalista Eloísa Machado, professora e pesquisadora da FGV-SP.

No caso de um crime comum, Bolsonaro poderia acabar acusado de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal. Segundo o texto, trata-se de "desobedecer a ordem legal de um funcionário público". A pena prevista é de 15 dias a seis meses de prisão, e multa.

Mas como transcorreria esse processo? Primeiro, o procurador-geral da República precisaria oferecer denúncia ao STF imputando o presidente do crime comum. Mas o atual PGR, Augusto Aras, tem adotado ações e posturas consideradas como uma espécie de proteção a Bolsonaro.

Mas caso ele apresente a denúncia, o caso em seguida seria remetido à Câmara dos Deputados. Ali, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), não teria poder de barrar a ação como ocorre com os pedidos de impeachment, mas o andamento da investigação também precisaria ser chancelado por pelo menos três quintos dos deputados, ou 342 votos do total de 513.

Esse desenho institucional da tramitação do processo tem como um de seus objetivos proteger o presidente de uma eventual perseguição indevida do Ministério Público e do Judiciário.

Se a Câmara aprovar o andamento do caso, o processo é encaminhado ao plenário do Supremo, que decide então se torna o presidente da República réu. Caso os 11 ministros decidam nesse sentido, ele é afastado do cargo por 180 dias.

Se ele for absolvido em eventual processo, retoma o comando do país.

Para Tangerino, da FGV-SP, o fato de o crime de desobediência ser de menor potencial ofensivo serviria de "gasolina" para argumento bolsonarista de perseguição judicial, caso um processo do tipo prospere a ponto de levar a seu afastamento. Segundo ele, o mais adequado para o regime democrático do país seria afastar Bolsonaro por crime de responsabilidade, caso ele descumpra uma ordem judicial.

2. Recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário: crime de responsabilidade

O segundo tipo de imputação a Bolsonaro caso ele descumpra uma ordem judicial seria um crime de responsabilidade, detalhado na chamada Lei do Impeachment (n. 1.079/50).

O artigo 12 desta lei lista quatro tipos de crimes contra o cumprimento de decisões judiciais, entre eles "impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário" e "recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo".

Nesse caso, qualquer pessoa poderia apresentar um pedido de impeachment contra Bolsonaro à Câmara dos Deputados, mas o andamento dependeria da vontade política do presidente da Câmara, Arthur Lira. Há mais de 100 pedidos esperando análise dele, mas até agora ele não vê fundamento jurídico para dar prosseguimento a nenhum deles.

Resta saber se o mesmo se daria com a concretização do descumprimento de uma ordem judicial do STF.

Caso Lira dê seguimento ao pedido de abertura de processo de impeachment, a tramitação seria semelhante à de Dilma Rousseff. O afastamento do cargo precisaria do apoio de 342 dos 513 deputados, e a saída definitiva dependeria de apoio equivalente no julgamento no Senado Federal.

Público na Avenida Paulista foi estimado em 125 mil pessoas pela Secretaria de Segurança Pública (AFP)

Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, o caso levaria a uma grave instabilidade institucional no país, mas provavelmente não avançaria na Câmara porque Bolsonaro está próximo do final de mandato. "A tendência é que eles (magistrados de tribunais superiores e parlamentares) tolerarem essas atitudes do presidente até a eleição. A menos que ele cometa um ato muito grave, daí não é possível prever o que pode acontecer."

A ameaça de Bolsonaro suscita diversas dúvidas porque não há precedente de chefe de Poder se recusar a cumprir decisões judicial na história recente do país. Em 2016, o então presidente do Senado Federal e hoje adversário de Bolsonaro, Renan Calheiros (MDB-AL), chegou próximo disso.

Ele se recusou a ser notificado de uma decisão liminar do então ministro do STF Marco Aurélio Mello que levaria a seu afastamento do cargo. O caso levou a um impasse institucional, mas antes que o descumprimento da decisão judicial se concretizasse de fato o plenário da Corte derrubou a decisão do ministro e garantiu a permanência de Renan no cargo.

Matheus Magenta, de Londres para a BBC News Brasil, em 08.09.2021 

Em reação a Bolsonaro, Fux fala em crime de responsabilidade, mas Lira não cita impeachment

Um dia após os protestos em apoio a Jair Bolsonaro (sem partido), em que o presidente voltou a atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e a colocar em dúvida a segurança da votação eletrônica, os presidentes da Câmara dos Deputados e do STF fizeram críticas às atitudes de Bolsonaro.

Fux fez duras críticas a Bolsonaro (STF)

O discurso mais duro veio do ministro Luiz Fux. Atualmente à frente do STF, ele alertou Jair Bolsonaro que sua ameaça de descumprir decisões da mais alta corte do Judiciário configuraria crime de responsabilidade e que, caso ele venha a agir assim, poderá se tornar alvo de um processo de impeachment no Congresso Nacional.

Se Bolsonaro descumprir decisão do STF, pode ser afastado da Presidência

Por sua vez, o deputado Arthur Lira (PP-AL), aliado do Palácio do Planalto e presidente da Câmara, falou pela primeira vez contra gestos do presidente de forma direta e pública e pediu um fim à escalada de tensão entre os poderes e das bravatas em redes sociais.

Por sua vez, o vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), ao comentar a crise entre Executivo e Judiciário, fez coro com Bolsonaro nas críticas ao STF e minimizou o risco de que o presidente possa vir a sofrer um impeachment, porque o Planalto teria apoio no Congresso para barrar o processo.

Já o chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR), Augusto Aras, não fez menções diretas ao presidente nem às suas ameaças contra o Judiciário e, embora tenha elogiado os protestos que pediram o fechamento do STF e do Congresso Nacional, defendeu o respeito à Constituição.

Fux: 'Ninguém vai fechar essa Corte'

Na terça-feira (7/9), em discursos durante os atos de 7 de setembro, Bolsonaro voltou a atacar o ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de "canalha".

O ministro é relator de investigações no STF contra o presidente e seus apoiadores por supostos ataques criminosos às instituições democráticas, cobrou que o presidente do STF o "enquadre", caso contrário tomaria medidas "indesejadas", e afirmou que poderá não cumprir decisões de Moraes.

Em reação a isso, o presidente do STF elevou o tom, defendeu a Corte e enfatizou que ignorar decisões judiciais configuraria crime de responsabilidade, o que poderia culminar na a abertura de um processo de cassação contra Bolsonaro.

"O Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções", disse Fux, ao abrir a sessão na quarta-feira no STF.

"O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional", reforçou.

"O Supremo Tribunal Federal jamais se negou — e jamais se negará — ao aprimoramento institucional em prol do nosso amado país. No entanto, a crítica institucional não se confunde — e nem se adequa — com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidas pelo Chefe da Nação", declarou Fux.

"Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis, em respeito ao juramento constitucional que fizemos ao assumirmos uma cadeira na Corte", continuou.

"Ninguém, ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor, perseverança e coragem."

Protestos a favor de Bolsonaro ecoaram ataques contra o STF (Getty)

Fux ainda alertou contra o que chamou de "falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas instituições". "Todos sabemos que quem promove o discurso do "nós contra eles" não propaga democracia, mas a política do caos", afirmou

"Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação. Mais do que nunca, o nosso tempo requer respeito aos poderes constituídos."

Os atos bolsonaristas de 7 de setembro tiveram como foco principal os ataques ao STF, com frequentes pedidos de fechamento da Corte. O presidente e seus apoiadores consideram que Moraes tem cometido abusos ao determinar a prisão de seus aliados, inclusive porque algumas dessas decisões foram tomadas sem participação da PGR.

Por que Alexandre de Moraes virou a 'bola da vez' dos ataques de Bolsonaro

Já os que apoiam a atuação do ministro dizem que os investigados nesses inquéritos cometem crimes ao ameaçar ministros do STF e defender o fechamento da Corte e do Congresso Nacional.

Apesar do predomínio de mensagens autoritárias contra o Supremo, Fux não criticou diretamente os manifestantes, elogiando em sua fala o fato de os atos terem ocorrido sem registro de "incidentes graves" e reconhecendo que, nos atos, os participantes fizeram "duras críticas à Corte e a seus membros".

"Com efeito, os participantes exerceram as suas liberdades de reunião e de expressão — direitos fundamentais ostensivamente protegidos por este Supremo Tribunal Federal", ressaltou.

Por outro lado, ele cobrou de Bolsonaro solução para os "problemas reais" do país, como a pandemia de coronavírus e a crise econômica.

"Em nome das ministras e dos ministros desta Casa, conclamo os líderes do nosso país a que se dediquem aos problemas reais que assolam o nosso povo: a pandemia, que ainda não acabou e já levou 580 mil vidas brasileiras", destacou.

"Devemos nos preocupar com o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que se avizinha e que ameaça a nossa retomada econômica."

Lira: 'A Constituição jamais será rasgada'

Arthur Lira, um dos líderes do Centrão, bloco informal de partidos que hoje dá sustentação política ao presidente, fez críticas diretas a gestos de Bolsonaro.

"Diante dos acontecimentos de ontem, quando abrimos as comemorações de 200 anos como nação livre e independente, não vejo como possamos ter ainda mais espaço para radicalismo e excessos", disse Lira na abertura de seu pronunciamento na tarde de quarta-feira (8/9), explicando em seguida que havia esperado para fazer isso para não ser "contaminado pelo calor de um ambiente já por demais aquecido".

"É hora de dar um basta a esta escalada, em um infinito looping negativo", afirmou. "A Constituição jamais será rasgada."

"Bravatas em redes sociais, vídeos e um eterno palanque deixaram de ser um elemento virtual e passaram a impactar o dia a dia do Brasil de verdade. O Brasil que vê a gasolina chegar a R$ 7 reais, o dólar valorizado em excesso e a redução de expectativas. Uma crise que, infelizmente, é superdimensionada pelas redes sociais, que apesar de amplificar a democracia estimula incitações e excessos."

Em outra crítica a gestos de Bolsonaro nos atos de 7 de setembro, Lira disse que os poderes "têm limitações". É "o tal quadrado, que deve circunscrever seu raio de atuação", declarou. Isso define respeito e harmonia."

Em seguida ele disse que "não pode admitir questionamentos sobre decisões tomadas e superadas" e esclareceu claramente que falava sobre a proposta de Bolsonaro de que fosse implantado um voto impresso, que foi rejeitada duas vezes pela Câmara em agosto, primeiro na comissão especial e depois no plenário.

O presidente da Câmara tem o poder de abrir um processo de impeachment contra o presidente (Getty)

"Uma vez definida, vira-se a página", enfatizou o deputado. "Assim como também vou seguir defendendo o direito dos parlamentares à livre expressão - e a nossa prerrogativa de puni-los internamente se a Casa com sua soberania e independência entender que cruzaram a linha."

O presidente da Câmara também se distanciou do presidente, que disse em um protesto pelo voto impresso no início de agosto que "sem eleição limpa, não terá eleição", ao afirmar que a votação em 2022 é "o único compromisso inadiável e inquestionável em nosso calendário" e reforçou: "Com as urnas eletrônicas".

"São nas cabines eleitorais, com sigilo e segurança, que o povo expressa sua soberania", disse.

Ao mesmo tempo, Lira se colocou à disposição para mediar o diálogo entre o Executivo e o Judiciário para dar fim à escalada de tensão entre os poderes a fim de elaborar medidas que combatam a crise socioeconômica a qual o país atravessa.

"Esta Casa tem prerrogativas que seguem vivas e quer seguir votando e aprovando o que é de interesse público. E estende a mão aos demais Poderes para que se voltem para o trabalho, encerrando desentendimentos", disse Lira.

"A Câmara dos Deputados está aberta a conversas e negociações para serenarmos. Para que todos possamos nos voltar ao Brasil Real que sofre com o preço do gás, por exemplo", declarou, dizendo que a Casa que preside é hoje um "motor de pacificação" do país e ressaltando que, com a crise institucional que está instaurado, "todos perdem".

"Conversarei com todos e com todos os poderes", afirmou. "Nossa Casa tem compromisso com o Brasil real - que vem sofrendo com a pandemia, com o desemprego e a falta de oportunidades."

O presidente da Câmara evitou no entanto criticar diretamente os protestos em si ou seus participantes, muitos dos quais reivindicaram pautas antidemocráticas, entre elas o fechamento do STF e do Congresso Nacional, do qual Lira faz parte,

"Em tempo, quero aqui enaltecer a todos os brasileiros que foram às ruas de modo pacífico. Uma democracia vibrante se faz assim: com participação popular e liberdade e respeito à opinião do outro."

Mourão: 'Não há clima para impeachment'

O vice-presidente disse não enxergar que Bolsonaro corra risco de ser alvo de um processo de impeachment. Em declarações feitas antes de embarcar para a Amazônia, ele declarou: "Eu não vejo que haja clima para o impeachment do presidente, tanto na população como um todo como dentro do próprio Congresso".

Mourão disse que o Planalto tem uma "maioria confortável, de mais de 200 deputados" na Câmara, o que não seria suficiente para aprovar projetos do governo, mas que seria o bastante para barrar um processo contra o presidente.

O vice havia dito inicialmente que não estaria nos atos de 7 de setembro, mas acabou comparecendo e esteve ao lado de Bolsonaro enquanto ele fazia ameaças ao Supremo. Mourão não quis, no entanto, comentar as declarações do presidente alegando que isso seria antiético.

Mas reconheceu a crise instaurada e fez, assim como Bolsonaro, críticas ao ministro Alexandre de Moraes. "Na minha visão existe um tensionamento principalmente entre o Judiciário e o Executivo", declarou.

"Eu tenho a ideia muito clara que o inquérito que é conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes não está correto, juiz não pode conduzir inquérito. Eu acho que tudo se resolveria se o inquérito passasse para a mão da PGR e acabou. Isso aí distensionaria todos os problemas."'

Mourão fez críticas ao STF, assim como Bolsonaro (Getty)

O procurador-geral da República fez breve pronunciamento sobre o 7 de Setembro logo depois da fala de Luiz Fux e adotou um tom elogioso em relação aos protestos.

"Acompanhamos ontem uma festa cívica, com manifestações pacíficas, que ocorreram hegemonicamente de forma ordeira pelas vias públicas do Brasil. As manifestações do 7 de setembro foram uma expressão de uma sociedade plural e aberta, característica de um regime democrático", disse Aras, ao iniciar sua fala.

Augusto Aras detém a autoridade de propor um eventual processo criminal contra Bolsonaro, mas assim como Arthur Lira, é considerado nos bastidores de Brasília um aliado do presidente.

O procurador-geral deu declarações vagas sobre a atuação do Ministério Público neste momento de instabilidade institucional.

"Como previsto na Constituição Federal de 1988 e no ordenamento jurídico erigido a partir dela, quando discordâncias vão para além de manifestações críticas, merecendo alguma providência, hão de ser encaminhadas pelas vias adequadas, de modo a não criarem constrangimentos e dificuldades, quiçá injustiças, ao invés de soluções", ressaltou.

"Eis o primado do devido processo em face do voluntarismo: construir decisões legítimas, respeitáveis, sólidas, ainda que não sejam unânimes. O Ministério Público brasileiro, como instituição constitucional permanente, segue trabalhando pela sustentação da ordem jurídica e democrática, pois não há estabilidade e legitimidade fora dela", acrescentou.

No entanto, Aras saiu em defesa das instituições, ao afirmar que elas são assim como o povo "a voz da liberdade" e exaltou a separação e a harmonia entre os poderes.

Aras também citou um discurso histórico de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, ao promulgar a Constituição de 1988, marco da redemocratização do Brasil.

"A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca", disse o procurador-geral, reproduzindo a palavras de Guimarães.

Rafael Barifouse e Mariana Schreiber, de São Paulo e Brasília para a BBC News Brasil, em 08.09.21

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Mourão ganha respaldo do centro em caso de impeachment; Lira mira cassação da chapa no TSE

O efeito colateral do golpismo de Jair Bolsonaro chegou rápido: Hamilton Mourão e Arthur Lira, ambos na linha de sucessão da Presidência, estão de antenas ligadas. 

Quem esteve com o vice diz que a paciência dele se esgotou e que ele estaria disposto a ir para o tudo ou nada contra Bolsonaro, mas sofre forte pressão do presidente. 

Lira também deixou a letargia rumo a uma eventual substituição de Bolsonaro: a partir de agora, o impeachment estará respaldado por parte da centro-direita, mas o presidente da Câmara mantém um olho no TSE.

Mourão e Lira em encontro em junho Foto: Luis Macedo/Ag. Câmara

Mão… Tanto Lira (PP-AL) quanto Mourão se encontram diante de dois caminhos muito conhecidos nos bastidores de Brasília, porém inversamente atraentes para cada um deles.

…inversa. O vice pode chegar ao Planalto pela via do impeachment, que depende de Lira. O presidente da Câmara tem brechas para assumir o País se o TSE impugnar a chapa eleitoral de Bolsonaro-Mourão.

Cenários. Mourão recebeu informes de que terá apoio da centro-direita se Bolsonaro for afastado pelo Congresso. Lira foi avisado de que o processo no TSE está em estágio avançado, como mostrou o Estadão.

Cenários 2. Em conversa tensa ocorrida recentemente, o próprio Bolsonaro teria cobrado Mourão: disse que eles deveriam voltar a remar para o mesmo lado na radicalização porque podem ser cassados juntos.

Como assim?! Depois dos atos do 7 de Setembro, no entanto, o vice teria ficado extremamente contrariado com o tom da coisa toda e a ideia lançada por Jair Bolsonaro de convocar o Conselho da República.

Xi… As “soluções Lira ou Mourão” não agradam a Lula e parte do PT, especialmente a do impeachment.

Sonho. O discurso de Bolsonaro deixou claro: adoraria adotar aqui o “modelo El Salvador” da aposentadoria compulsória de juízes.

SINAIS PARTICULARES. Jair Bolsonaro, presidente da República. Ilustração: Kleber Sales/Estadão

Truco. O desafio imposto aos grupos de centro-direita é o de fazer no próximo domingo, 12, barulho pelo menos comparável às manifestações governistas.

Separados. Os organizadores sabem que não será fácil, já que os protestos não terão partidos da esquerda que apoiam a pré-candidatura de Lula.

Juntos. A saída será atrair quem quer uma terceira via. João Amoêdo (Novo), Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania) vão participar do ato.

Vez deles. O MBL promete retirar suas próprias bandeiras do caminhão de som quando representantes de outras frentes políticas estiverem discursando.

CLICK. Romário (PL-RJ) cantou vitória sobre amigos depois de partida de futevôlei no Rio. As redes não deixaram barato: ‘Brasil pegando fogo e o senador numa boa’.

Enquanto isso. Os atos governistas coroaram uma estratégia de comunicação vista como tentativa de emular o que aconteceu nos EUA sob Trump.


Além do ‘zap’. A propaganda veio de mais frentes além das redes. Presidente e aliados usaram eventos, como a Cpac, e até pautas no Congresso para promover os atos.

Engrenagem. “Houve deslocamentos de discurso em busca de ressonância”, diz o antropólogo Ronaldo de Almeida. “Começou com voto impresso, virou liberdade de expressão e, agora, seguindo a cartilha de Trump, o ataque às instituições a um ano da eleição.”

PRONTO, FALEI!

Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo e presidente do PSD:

“Vamos criar uma comissão no PSD para que a gente se posicione. É consenso de que a temperatura continua se elevando”, sobre eventual impeachment. (Foto: Daniel Teixeira/Estadão)

Alberto Bombig e Matheus Lara, O Estado de São Paulo, em 08 de setembro de 2021 

Caricatura do ditador

Bolsonaro seguirá neste rumo até a imprevisível cena final. Que não será pacífica.

Formou-se uma multidão surpreendente para dois comícios de atração única. Eventos irregulares da campanha eleitoral permanente de um presidente decidido a manter-se no poder a qualquer custo. Bandeiras e faixas produzidas na mesma fábrica de fantasias e ilegalidades. Encontros sem espontaneidade, que passaram por uma linha de montagem cara, industrial, e de cobertura nacional.

Deu tudo certo. Com seus 58 milhões de votos de 2018 hoje reduzidos, pela rejeição, a menos de 32 milhões, ele não pode se queixar do resultado. Não há certeza, porém, que tenha sido uma renovação de confiança ou voto na reeleição.

Bolsonaro não faria essa mobilização à toa e não se deve, portanto, descartar nenhuma intenção mais ambiciosa a partir de agora.

O presidente atribuiu um protagonismo inédito ao ministro Alexandre de Moraes (STF), tentando jogar contra ele até os que, em meio às multidões, não sabiam de quem se tratava. Foi pensando em Moraes que Bolsonaro disse a frase-chave do seu discurso ao garantir que não será preso. O ministro é o condutor dos inquéritos das notícias falsas e dos atos antidemocráticos, crimes em que estão investigados seus filhos e presos amigos, cúmplices e membros do famigerado gabinete do ódio, além de empresários financiadores do esquema. O mesmo Moraes será presidente do Tribunal Superior Eleitoral quando estiver em votação a inelegibilidade. Uma das duas alternativas de desfecho legal do seu drama. A outra é o impeachment.

Diante das multidões, Bolsonaro nunca pareceu tão isolado do Brasil e do mundo. Em confronto com a maioria dos brasileiros favorável à democracia, às suas instituições e ao próprio estado de direito. Como demonstram os manifestos que estão pipocando País afora.

Os bolsoblocks, que já andavam desaparecidos, não são tantos como se esperava. Deu para perceber que, entre seus eleitores, há cidadãos normais: vacinados, racionais, que acreditam ser a Terra redonda e respeitam a ciência. Não são, como Bolsonaro, caricaturas. Existem, aceitam passagens e hospedagens para uma viagem recreativa no feriado e topam animados o papel de figurantes que representaram.

À distância, parece incapaz de ter a inteligência tática que demonstra. Acredita-se que haja alguém a guiá-lo na concepção e execução das suas insanas ações presidenciais. Será alguma liderança da direita internacional? Isto explicaria o grande número de faixas escritas em inglês para dar satisfações a alguém no exterior.

Seja o que for, Bolsonaro seguirá honrando o método que explora, no seu repertório político, três elementos: a covardia, a boa-fé do povo e a violência.

A covardia é um dos elementos típicos de seu discurso. Ele nunca assume a autoria de nada, diz sempre que age por delegação quando foi ele quem determinou tudo: o que dizer, o que pedir. É dele a voz do comando e da ordem de execução. Assim conduz tanto a milícia digital como a claque matinal diária do cercadinho da porta do Alvorada.

Outro elemento de tal método são as falsas informações que acabam ganhando credibilidade popular. A falsidade é instrumento poderoso de ação política e arma eleitoral deste grupo. Bolsonaro decidiu, inclusive, legalizá-la, por medida provisória inconstitucional, assinada anteontem, tornando-a livre de punição. É esta a liberdade de expressão por ele reclamada nos comícios. Assim, salva a própria pele e a dos propagadores de infâmias e mentiras à sua volta. Muitos brasileiros acreditam que podem virar jacaré, assim como acreditam na fraude eleitoral da urna eletrônica.

O terceiro elemento do método é a violência. Bolsonaro não tem recuo possível, seguirá neste rumo até a imprevisível cena final. Que não será pacífica. Na intenção firme de instalar-se como ditador, fez das manifestações do 7 de Setembro uma evidência do golpe que colocou em andamento.

Rosângela Bittar, a autora deste artigo, é analista de assuntos políticos n'O Estado de São Paulo. Publicado originalmente em 08.09.21.


O dia seguinte

O presidente Jair Bolsonaro exibiu ontem exatamente o que tem mostrado desde o início do mandato: sua irresponsabilidade e seu isolamento político

O presidente Jair Bolsonaro exibiu ontem exatamente o que tem mostrado desde o início do mandato: sua irresponsabilidade e seu isolamento político. Tratadas nas últimas semanas como prioridade nacional pelo Palácio do Planalto, as manifestações bolsonaristas do 7 de Setembro serão interpretadas pelo presidente como a prova de que o “povo” o apoia, mas um presidente realmente forte não precisa convocar protestos a seu favor nem intimidar os demais Poderes para demonstrar poder; apenas o exerce. Assim, Bolsonaro reiterou sua fraqueza, já atestada por várias pesquisas que indicam o derretimento de sua popularidade.

Os atos – que configuraram evidente campanha eleitoral antecipada, bancada parcialmente com recursos públicos – revelaram também que, depois de tantas ameaças proferidas, Jair Bolsonaro já não tem muito mais o que falar de novo a seus seguidores. 

Ontem, chegou a dizer que convocaria o Conselho da República, órgão previsto na Constituição para consulta sobre “intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio”, além de “questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas” (art. 90).

“Amanhã, estarei no Conselho da República, juntamente com os ministros. Para nós, juntamente com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com esta fotografia de vocês, mostrar para onde nós todos deveremos ir”, disse Jair Bolsonaro, em seu dialeto trôpego. Os três presidentes citados, Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Luiz Fux, disseram desconhecer a tal reunião. Como é de seu feitio, Bolsonaro trata assunto sério de forma leviana.

Se as manifestações tiveram considerável afluência, algo até previsível ante o fato de que o presidente passou os últimos dois meses usando sua tribuna privilegiada para convocar sua militância, o fato inexorável é que o governo exatamente continua no mesmo lugar. E os problemas nacionais continuam os mesmos. A rigor, por força de Bolsonaro, eles até se agravaram nas últimas semanas: aumentou o pessimismo, decaiu a confiança, cresceu o desalento. A saída da crise social e econômica está mais distante.

Não há como negar. É patente o descaso do presidente com a realidade do País. Basta ver que, diante da inflação crescente e ao emprego em baixa, a aposta de Bolsonaro, interessado somente em permanecer no poder e proteger sua prole e a si mesmo da Justiça, continua sendo acirrar tensões com os outros Poderes e sugerir a possibilidade de uma ruptura institucional. Em seu léxico, não há solução.

Eis a grande disfuncionalidade dos atos bolsonaristas de 7 de Setembro. Por mais que pretendam demonstrar apoio, as manifestações são incapazes de modificar a natureza dos reais desafios do Palácio do Planalto. Os problemas continuam os mesmos e tendem a se agravar, já que é cada vez mais explícito o desinteresse de Jair Bolsonaro em enfrentá-los.

Por mais que Bolsonaro não goste da ideia, há um País a ser governado. Havia antes do 7 de Setembro e continuará a haver depois. São muitos os assuntos a respeito dos quais se deve esperar uma atitude responsável por parte do presidente, como o enfrentamento da pandemia e a gestão da crise hídrica. Vidas, empregos e o futuro das novas gerações estão em risco.

É esse cenário de desolação que se apresenta aos olhos da população todos os dias, seja feriado ou dia útil, tenha motociata presidencial ou não. Os índices de desaprovação recorde do governo Bolsonaro são um dos sintomas desse quadro disfuncional.

O governo Bolsonaro é muito ruim. Não cumpriu o que prometeu e não trabalha para melhorar as condições de vida da população. Como se viu ontem mais uma vez, sua tática atinge inauditos padrões de irracionalidade, com propostas de tom golpista: ameaçar os outros Poderes e contestar por antecipação o resultado das próximas eleições.

A manobra pode ter alguma serventia nas redes sociais. Na vida real, os preços dos alimentos sobem, as oportunidades de emprego não aparecem, os investimentos se ressentem, os jovens ficam sem a devida formação. Esse é o dia seguinte.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 08 de setembro de 2021 

Fim do STF e “democracy, yes”. As contradições do ato pró-Bolsonaro na Paulista

Em clima de festa e desagravo ao presidente, ato do 7 de Setembro na capital toma a avenida Paulista, mas deixa de fora a vida real da maioria dos brasileiros: desemprego, crise econômica e alta de preços

“Nós estamos aqui defendendo a liberdade!”, gritava do alto do carro de som um apoiador do presidente Jair Bolsonaro na tarde desta terça-feira, na avenida Paulista, em São Paulo. Na lateral do caminhão, uma grande faixa dizia “We the people authorize, Bolsonaro” (Nós o povo autorizamos, Bolsonaro), uma referência ao apoio de parte da população para que o presidente lance mão da medidas autoritárias para governar. Esta contradição entre pedidos de liberdade de um lado e intervenção militar do outro deu o tom do protesto massivo realizado neste 7 de Setembro na capital paulista, que teve como principal alvo o Supremo Tribunal Federal (STF) —em especial o ministro Alexandre de Moraes.

A multidão predominantemente branca vestida de verde e amarelo ocupou ao menos 11 quarteirões do principal cartão postal de São Paulo para demonstrar apoio ao mandatário. Não era um espaço para debate de ideias. A mínima contestação de alguma informação gerava um forte rechaço. “Contra quais comunistas vocês estão lutando?”, perguntou a repórter do EL PAÍS a um manifestante. “Se você não sabe, tem que voltar para a escola de jornalismo”, respondeu Vitor de Souza, 52 anos, animado com o número de participantes, maior até do que a época em que frequentava as passeatas dos caras pintadas, contra o Governo Collor.

O hino nacional, repetido à exaustão, vez ou outra dava lugar a alguma música do cantor sertanejo Sérgio Reis, alvo de uma ação da Polícia Federal após defender atos antidemocráticos. Ele é um dos apoiadores radicais do presidente que tiveram sua “liberdade” cerceada, segundo simpatizantes: “Estamos com você, Serjão!”, gritavam os manifestantes ao ouvir a versão do cantor de Menino da Porteira. O clima era de festa. Patriota vestido de xerife norte-americano, monarquistas pela República. Anticomunistas em apoio à causa LGBTI+. Liberais contra a ditadura do STF. Religiosos pela criação da grande nação cristã do Brasil para todo mundo. Nacionalista defendendo que “our flag will never be red” (nossa bandeira jamais será vermelha). Não faltaram também os armamentistas em prol de sua própria paz.

Em comum, a fé incondicional no “mito” criado por Bolsonaro, por quem estavam dispostos a abrir mão dos valores que balizaram a construção do Brasil democrático nos últimos 30 anos. Vibraram até quando ele gritou: “Digo aos canalhas, eu nunca serei preso!”, expondo um temor diante das suspeitas de corrupção que estão chegando a ele pela CPI da Pandemia, e pelas investigações sobre o esquema de rachadinha de membros da sua família. “Está na primeira linha da Constituição: todo o poder emana do povo. E se o povo pedir uma intervenção militar, isso não será um problema”, explica Marco Júnior, 32 anos, que defende “intervenção militar com Bolsonaro no poder”. O motivo de sua insatisfação com a democracia: os comunistas, a sexualização das crianças e a falta de liberdade religiosa.

Nas faixas, cartazes e palavras de ordem gritados na Paulista não havia espaço para a crise econômica, desemprego ou o aumento no preço dos alimentos e do gás de cozinha, que tanto incomodam a população brasileira. “Nada disso é culpa do Bolsonaro, é culpa dos governadores”, afirmou o soldador Adriano Prestes, 36, que veio para a capital em uma caravana de cinco ônibus que partiu de Sorocaba, no interior paulista, na manhã desta terça-feira. “Se os governadores não tivessem fechado o comércio e as fábricas, as coisas não estariam assim”, diz, emulando um discurso já clássico do presidente, ao se eximir de responsabilidade. Sua esposa, Juliane Monteiro Vieira, 34, é motorista de aplicativo. Eles dizem ter pago 35 reais cada por um lugar no fretado que lhes trouxe para o ato, e fazem questão de frisar: “Aqui não tem sanduíche de mortadela não”. A afirmação é uma referência pejorativa ao suposto lanche pago pelos movimentos sociais de esquerda aos seus militantes para comparecer a protestos.

Nas ruas do entorno da avenida Paulista, dezenas de ônibus fretados estacionados davam a dimensão da logística envolvida no ato desta terça-feira. Caravanas vindas do interior do Estado e também de unidades federativas vizinhas, como Paraná e Mato Grosso do Sul, trouxeram milhares de pessoas para a capital, e ajudaram a fazer do protesto um dos maiores em apoio ao presidente desde que ele tomou posse, em 2019. Chamou a atenção na Paulista uma série de cartazes e banners repetidos e padronizados, impressos em vinil ou plástico duro, sinal de que, para além das cartolinas escritas à mão, com caneta, alguém investiu boa soma de dinheiro em material gráfico que foi distribuído aos manifestantes. Vários deles falavam em “intervenção constitucional no STF”, uma frase que remete ao discurso feito por Bolsonaro durante a manhã desta terça, em Brasília, quando o mandatário disse que poderia acionar o Conselho da República, órgão que em tese teria autonomia para declarar “intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio”, de acordo com o texto da lei.

In english

Se não fosse a multidão vestida de verde e amarelo, um desavisado poderia ter a impressão de estar em outro país. “Democracy yes, communism no” (Democracia sim, comunismo não) , “Alexandre de Moraes, you are fired!” (Alexandre de Moraes, você está demitido!) e “Printed and auditable vote now!” (voto impresso e auditável agora!) eram algumas das dezenas de frases escritas em inglês que se multiplicavam em cartazes e banners no ato desta terça. Uma ou outra trazia ainda os dizeres “Wir Brasilianer wollen Freiheit [Nós brasileiros queremos liberdade]”, escritos em alemão.

As mensagens em outras línguas mostram a preocupação que os organizadores do protesto têm com relação à imagem do país —e do presidente— lá fora, em meio à crescente apreensão global com a deterioração da democracia brasileira. “Um gringo que se informa pela mídia brasileira não tem acesso à verdade dos fatos”, afirmou Henrique Ferreira Deltoni, 38, que levava um pequeno cartaz onde se lia “STF Yes, Luiz Fux No” (STF sim, Luiz Fux [presidente do Supremo] não). Havia até um alerta: “the international midia lies” (a imprensa internacional mente).

Claudinei Aparecido Raimundo, 47, da reserva do Exército: "Eu apoio o fim do STF"

Vestido com boina e coturno pretos e farda verde oliva com a palavra “Veterano” escrita em um patch colado na altura do peito, Claudinei Aparecido Raimundo, 47, observava a multidão verde e amarela que lotava a avenida Paulista. Cabo da reserva do Exército, ele liderava um grupo de homens com roupas camufladas que posava para fotos com os manifestantes. “Todos os poderes têm seu limite. Inclusive o Supremo. Eu sou favorável ao fim do STF, sim”, afirmou. Raimundo também defendeu o direito de policiais e militares da ativa participarem de atos políticos como este, do dia 7 de Setembro. “O direito à manifestação é um direito garantido e sagrado”, disse.

Havia o temor de que policiais da ativa fossem ao ato para manifestar apoio ao presidente, o que não ocorreu: de fato, havia um enorme efetivo da PM no local, todos trabalhando. De acordo com o Governo de São Paulo, 4.000 policiais atuaram na segurança na Paulista e no vale do Anhangabaú, onde ocorreu um protesto contra o presidente.

Nem mesmo a sensação térmica superior aos 30 graus e o sol a pino foram capazes de aplacar os ânimos dos participantes, muitos dos quais vieram do interior de São Paulo e de outros Estados, como Mato Grosso e Paraná. Crianças e suas famílias, dividiam o espaço com grupos de amigos e muitos idosos. As máscaras não eram traje obrigatório, mesmo com o avanço da variante delta do coronavírus, mas elas estavam presentes.

Por vezes, ouvia-se a defesa da democracia de um dos seis carros de som que ocupavam a Paulista. Mas sempre uma defesa condicional: “Vocês estão aqui para prender jornalista?”, perguntou um bolsonarista no carro de som. O público respondeu em coro: “Não”. Ele retrucou: “Mas alguns merecem”. Os manifestantes pareciam encantados com o número de participantes. “Não esperava tanta gente”, um bolsonarista afirmou ao puxar conversa. “Você é da imprensa, seja bem-vinda”. Outros, porém, alertavam: “cuidado aí, comunista”. Os alertas foram mais frequentes que os problemas. Um rapaz que decidiu atravessar a manifestação com uma camiseta do ex-bolsonarista Mamãe Falei ouviu provocações. “É um suicida”, disse uma mulher, que estava acompanhada de sua família. “Queria ver se um bolsonarista fosse com sua camiseta numa manifestação petista”, afirmou.

LELA BELTRÃO, GIL ALESSI e REGIANE OLIVEIRA, de São Paulo para o EL PAÍS, em 07.09.21, às 19:48

O dia seguinte

Se Bolsonaro ameaça o Supremo em plena Paulista e o impeachment não sair da gaveta, ele ganhou o 7 de Setembro e a democracia acabou no Brasil

Apoiadores do presidente Bolsonaro participam de atos com pauta antidemocrática em São Paulo, no dia 7 de Setembro de 2021. (DPA VÍA EUROPA PRESS / EUROPA PRESS)

O sentido da manifestação golpista de Jair Bolsonaro neste 7 de Setembro será dado nos próximos dias. Se Bolsonaro usou a máquina de Estado para ameaçar e declarou, em plena Avenida Paulista, que não cumprirá decisão do Supremo Tribunal Federal e depois de tudo isso nada acontecer com ele, o golpe avança. Se Bolsonaro não for responsabilizado criminalmente e o impeachment não sair da gaveta de Arthur Lira (PP), ele ganha. Esse é o único jogo que Bolsonaro sabe jogar. Essa é a história de Bolsonaro, sempre testando limites e pagando pra ver. Começou planejando ataque terrorista quando ainda era militar e seguiu afrontando a lei e contando com a impunidade. Deu certo até hoje. Tão certo que chegou a presidente da República. Bolsonaro é criatura produzida pela omissão e/ou conivência das instituições: as jurídicas e o Parlamento.

Entre o golpe e o fiasco, o processo contínuo de governar pelo medo e a ameaça

O momento mais perigoso de nossa curta vida democrática

A Paulista estava cheia. É minoria? É. É bolha? É. Quem pagou? Precisamos saber. Mas daí a dizer que é um fiasco, como há gente dizendo, devagar. Se Bolsonaro fez tudo isso e ficar impune, o golpe avançou. O futuro próximo do Brasil não será dado pelo dia 7 de Setembro, como Bolsonaro havia ameaçado, mas pelos dias seguintes. Este é o momento de colocar um limite em Bolsonaro. De finalmente, tardiamente, quase 600.000 mortos por covid-19 depois, mais de 14 milhões de desempregados depois, um número crescente de crianças e adultos passando fome depois, e a inflação subindo. Ou será agora ou teremos dias muito, mas muito piores.

Os dias serão muito piores porque Bolsonaro não é capaz de realmente governar para enfrentar os problemas do país. E ele sabe disso. Ele não tem competência nem tem vocação para o trabalho. Tampouco deixa ninguém governar e trabalhar, porque mantém o país a serviço de seu ódio. Em vez de falar sobre como enfrentar a fome, a miséria, a inflação que tira a comida da mesa, a ampliação da vacinação, a crise hídrica e a destruição da Amazônia, estamos discutindo se Bolsonaro vai conseguir ou não invadir o STF. O país precisa deixar de ser refém.

O que ele sabe e faz muito bem e fez muito bem mais uma vez neste 7 de Setembro é ameaçar, dividir e corromper. E ele sabe que manipular ódios e ressentimentos é seu talento e seu trunfo. Se não for impedido pela Constituição que, mais uma vez, rasgou no palanque hoje, o Brasil vai chegar a 2022 destruído e com uma parte da população descrente do processo eleitoral. E, vamos combinar: como defender a democracia se a democracia não é capaz de impedir um presidente de usar seu poder para dizer que não cumprirá as decisões da justiça? Democracia então pra quê, se numa hora crucial como esta não há como enfrentar um presidente que anuncia um golpe na principal avenida do país?

Os dias serão muito piores porque se Bolsonaro constatar que pode desrespeitar o Supremo Tribunal Federal, e no dia seguinte subir tranquilamente a rampa para brincar de ódio nas redes sociais, então o que mais ele fará? Há instrumentos na Constituição para barrar presidentes golpistas e para barrar presidentes que ameaçam a parcela da população que se opõem a ele. Se o direito de brasileiras e brasileiros de ser protegidos pelas instituições que têm o dever de fazer a Constituição valer for desrespeitado, então democracia já não há.

No dia 12, próximo domingo, a direita e partidos e grupos que se apresentam como centro, partidos e grupos que têm muita responsabilidade pela atual situação do país e pela ascensão de Bolsonaro ao poder, chamam para uma manifestação contra Bolsonaro. Aliás, depois de tudo o que fizeram desde que surgiram no horizonte político do país, especialmente o MBL, o mínimo que podem fazer é o máximo pelo impeachment de Bolsonaro. Devem isso à população. Penso que o campo da esquerda deveria ocupar esse espaço, se integrar à manifestação, mesmo que ela tenha sido chamada pela direita, e botar suas bandeiras. Este é o momento de se juntar com um único objetivo, o de fazer o impeachment de Bolsonaro e responsabilizá-lo criminalmente pelo golpismo. Mete a sua bandeira ou o seu cartaz ― e vai. Não é mais possível acordar e descobrir que Bolsonaro continua lá. Temos um genocida no poder usando a máquina do Estado para destruir a Constituição. É preciso tirá-lo de lá usando a democracia. Bolsonaro esticou a corda mais uma vez. Se não for barrado, a democracia acabou.

ELIANE BRUM para o EL PAÍS, em 07.09.21, às 21h:52

Bolsonaro tem respiro nas ruas, mas fica ainda mais isolado sob pressão de impeachment

Presidente reúne as maiores manifestações em seu favor, só que às custas de atritos com Judiciário e Legislativo. Partidos como PSDB, MDB, Solidariedade e PSD analisam possibilidade de destituição

Apoiadores de Bolsonaro em frente ao Masp em ato do dia 7 de Setembro (LELA BELTRÃO)

O presidente Jair Bolsonaro se refestelou neste 7 de setembro e tomou um banho de povo em Brasília e em São Paulo, onde encontrou seus apoiadores mais leais, que, aproveitando o feriado da Independência, rumaram às duas capitais para demonstrar seu apoio irrestrito ao mandatário. Centenas de milhares que ecoaram suas críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e carregaram cartazes padronizados para incentivar uma intervenção para “enquadrar” o Judiciário. Mas, fora das fotos e vídeos que vão irrigar os canais de seus seguidores, a realidade é outra. O sucesso de seu discurso junto a sua plateia foi inversamente proporcional ao impacto no mundo político. Partidos começam a se mobilizar pelo impeachment. Assim disse o PSDB, e o MDB, o Podemos e o PSD. Juntos, somam mais de 100 votos na Câmara de Deputados, e ampliam o espectro que a esquerda monopolizava na atuação pelo afastamento do presidente.

Já não era sem tempo, dizem observadores diante da normalização de ataques do presidente às instituições democráticas desde que assumiu o poder. Nesta terça, Bolsonaro atacou o ministro do STF Alexandre de Moraes, renovou as desconfianças sobre voto eletrônico e até sugeriu que haveria uma reunião do Conselho da República, um colegiado que poderia lhe dar poderes para intervir na corte. “Ou o chefe desse Poder [Luiz Fux] enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, discursou em Brasília. Em São Paulo, repetiu. “Ou Alexandre de Moraes se enquadra ou ele pede para sair!”.

Mais grave foi mencionar o tal Conselho. “Amanhã estarei no Conselho da República, juntamente com ministros, com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com essa fotografia de vocês, para mostrar para onde nós todos devemos ir”. Plantou uma expectativa aos seguidores de garantir mais poderes, mas colheu ainda mais isolamento. A reunião não existia, e sua sugestão foi vista como gravíssima. “Temos avaliações de alguns importantes juristas apontando que apenas as falas, as manifestações, seriam razões suficientes para justificar o processo. Vamos acompanhar a conduta do Governo para determinar, ou não, a defesa e o apoio a um eventual processo de impeachment do presidente da República”, afirmou em nota o presidente do PSD, Gilberto Kassab. O governador tucano João Doria foi na mesma linha.

O calor das ruas entrou no cálculo político dos partidos que agora marcam distância do presidente. Embora as imagens de 11 quarteirões lotados da avenida Paulista e de uma Esplanada do Ministérios com milhares de pessoas em Brasília tenham impactado muita gente, o presidente falava em 2 milhões de pessoas em São Paulo, por exemplo. O número parece não ter chegado a 10% dessa marca. “É lamentável o presidente da República usar o Dia da Independência para afrontar os outros Poderes. Parece tentar se desviar dos problemas reais: inflação de alimentos, combustíveis, crise fiscal, hídrica, desemprego e baixo crescimento”, criticou em nota o MDB. “Essas ameaças de tom golpista tentam demonstrar força, mas, ao contrário, só revelam a fraqueza e o desequilíbrio de quem as faz. Mostram desprezo às leis e à Constituição. Tentam provocar o caos para tirar o foco dos reais problemas do país e da total incapacidade de resolvê-los”, afirmou o governador petista do Ceará, Camilo Santana, pelo Twitter.

No discurso de São Paulo, Bolsonaro pisou em um calo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), justamente aquele responsável por acolher os pedidos de impeachment contra o presidente. “Não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece qualquer segurança por ocasião das eleições”, discursou Bolsonaro, para o delírio da plateia, retomando suas críticas à urna eletrônica, que Lira imaginava ter sepultado quando o plenário da Câmara rejeitou a adoção do voto impresso, em agosto. “Bolsonaro me garantiu que respeitaria o resultado do plenário. Eu confio na palavra do presidente da República ao presidente da Câmara”, disse Lira à época. A conferir o que dirá agora.

Policiais

Outro fator pesou nas análises políticas nesta terça. Não houve uma réplica da invasão do Capitólio, como temido por autoridades políticas de outros países em manifesto publicado nesta segunda, 6. Nem o derramamento de sangue diante do acampamento indígena e dos protestos de opositores marcados para este dia 7. A participação de policiais, que poderia abrir espaço para atos violentos, também não se confirmou. Governadores se prepararam. A Bahia, por exemplo, que vivenciou, em março deste ano, o risco de um motim de PMs, após o soldado Wesley Soares ser morto por colegas da PM em Salvador, teve uma operação especial comandada pela Secretaria de Segurança Pública. O mesmo em São Paulo, governado pelo arquirrival do presidente, João Doria.

O mais próximo que se viu de uma adesão dos policiais aos atos foi a frouxidão do efetivo no Distrito Federal na noite de segunda-feira, quando os manifestantes forçaram a entrada na Esplanada dos Ministérios. A Secretaria de Segurança do Distrito Federal se defendeu, dizendo que os bolsonaristas descumpriram um acordo prévio e “romperam barreiras de contenção colocadas para bloquear o trânsito de veículos”. De qualquer forma, os apoiadores do presidente foram mantidos a quilômetros de distância dos prédios do Congresso Nacional e do STF, que muitos deles insistiam em dizer que pretendiam invadir. E não houve registro de tumultos consideráveis, muito menos da presença de armas de fogo.

É fato, porém, que as imagens desta terça-feira, principalmente as registradas em Brasília e São Paulo, sustentarão a moral das hostes bolsonaristas por meses, provavelmente até sua tentativa de reeleição, em 2022. Na versão dos defensores do presidente, nenhum de seus antecessores no Palácio do Planalto colheu nas ruas uma manifestação tão significativa quanto a desta terça-feira. “A oposição e parte da imprensa estão bancando o Groucho Marx mais uma vez e mandando um ‘Afinal, vocês vão acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?’ para os brasileiros que viram as imagens de multidões gigantescas e sem precedentes em Brasília, em SP, no RJ e em todo o país”, escreveu em seu perfil no Twitter o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins. A questão que se impõe, contudo, é se, grande ou pequeno, esse apoio demonstrado nas ruas será o bastante para sustentar o isolamento que Bolsonaro cava progressivamente em Brasília. Por ora, o saldo dos atos da terça-feira foi muito menor do que o presidente esperava.

CARLA JIMÉNEZ e RODOLFO BORGES, de São Paulo e Brasília para o EL PAÍS, em 07.09.21

Bolsonaro só quer tumultuar. Será que vai conseguir?

Os atos pró-Bolsonaro em Brasília, Rio e São Paulo foram maiores que o normal. Mas as ameaças emitidas pelo presidente foram a mesma baixaria de sempre. O povo não se cansa desse teatro?, questiona Thomas Milz.

Bolsonaro é nada mais que um 'provocateur'. (Agente provocador). Seu repertório é bem limitado, se restringe a xingar e ameaçar, a bravatas e palavrões. 

Então foi assim o 7 de Setembro, dia em que o Brasil celebra sua independência. Desta vez, com atos grandes pró-governo e muito barulho. E então? Para começar: que bom que tudo ocorreu de forma pacífica. Tenho amigas e amigos que temiam um golpe violento, a tomada do poder à força por Bolsonaro. Respondi a eles, tirando sarro, claro, que ele já está no poder, mas mesmo assim não sabe o que fazer com todo esse poder. Para que, então, um golpe?

Jair Messias Bolsonaro é nada mais que um provocateur. Seu repertório é bem limitado, se restringe a xingar e ameaçar, a bravatas e palavrões. Foi isso que ele fez durante os trinta anos como deputado, nada mais. Nenhuma lei de alguma utilidade ele propôs, e não temos notícias de algum projeto social de sua autoria. Não conseguiu formar um partido, e muito menos permanecer por muito tempo em alguma sigla. Ele não é político, e não sabe fazer política. E nem sabe o que quer politicamente.

O que ele quer – e sabe fazer com maestria – é irritar os outros. Eis a origem do "mito": o cara que responde na lata, sem medo. Ele é bom na hora do deboche e de ofender, de responder sem papas na língua. Já tinha chamado o ministro do STF Luís Roberto Barroso de "imbecil" e "idiota". Agora foi a vez de Alexandre de Moraes ser chamado de "canalha". Que perda de tempo e falta de educação.

Para que tudo isso? Às vezes penso que Bolsonaro quer provocar consequências severas para si, para poder se fazer de vítima. Isso, sim, é outra coisa que ele domina com maestria. Aliás, faz parte do repertório do populista: denunciar forças inimigas que o inibiam de realizar suas políticas fantásticas. Então, ser barrado pelo STF de ser candidato em 2022 seria um presente para ele. Poder posar de vítima sem apanhar nas urnas.

Mas não acredito que o STF caia nessa armadilha. Não vão dar a Bolsonaro o presente de poder posar de vítima. Vão apenas emitir notas de repúdio às falas golpistas do presidente. Como sempre fazem. Depois, vão fingir uma normalidade nas relações entre os Poderes. E esperar o mandato de Bolsonaro acabar.

A pergunta mais interessante é: como o Congresso vai reagir a tudo isso? Pois apesar de todo esse barulho, a aprovação do presidente está em baixa. E deve afundar ainda mais, com a economia "andando de lado", a inflação acelerando e a seca se agravando. O Brasil real tem outros problemas além de Sérgio Reis ou do voto impresso. Será que o Centrão quer afundar abraçado a Bolsonaro?

Tudo indica que Bolsonaro continua sendo um "pato manco" nestes últimos 15 meses de seu governo. Não tem ambição de nada além de liberar armas e obstruir a fiscalização na Amazônia, para agradar o núcleo mais duro dos seus seguidores. Mas não tem e nunca teve uma verdadeira ambição de fazer política de verdade. Apenas tumultuar e irritar os outros. Muito pouco para um país com 210 milhões de pessoas e muitos problemas urgentes.

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Thomas Milz, o autor deste artigo, saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos. Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 08.09.21

Falas golpistas de Bolsonaro fazem impeachment voltar à pauta em Brasília

Políticos de partidos de centro, incluindo o PSDB, já discutem apoio a um possível pedido de afastamento, após ameaças ao STF e tom agressivo adotado pelo presidente nos atos pró-governo no feriado de 7 de setembro.

    

Bolsonaro é recordista em número de pedidos de impeachment, com 136 denúncias até o momento.

As falas do presidente Jair Bolsonaro durante os atos pró-governo no feriado de 7 de setembro, que incluiram ameaças a instituições democráticas do país, fizeram que a discussão sobre o impeachment do mandatário voltasse à ordem do dia em Brasília.

Parlamentares de diversos partidos, incluindo alguns do chamado centrão, que constitui a base de Bolsonaro no Congresso, já discutem a possibilidade de apoio ao impeachment do presidente, sendo que mais de uma centena de pedidos de afastamento já foram apresentados à Câmara dos Deputados.

As ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF), em especial, ao ministro Alexandre de Moraes, assim como as críticas ao sistema eleitoral e, de modo geral, o tom agressivo utilizado por Bolsonaro, parecem ter exacerbado os limites de alguns grupos políticos que se dividiam entre a neutralidade e o apoio ao presidente.

O PSDB anunciou para esta quarta-feira uma reunião extraordinária de sua executiva para discutir a possibilidade do afastamento de Bolsonaro. Uma nota do partido afirma que Bruno Araújo, presidente da legenda, convocou a reunião após as "gravíssimas declarações" de Bolsonaro nos atos pró-governo em Brasília e São Paulo.

O governador de São Paulo, João Doria, que também foi alvo de ataques de Bolsonaro nas manifestações, se manifestou pela primeira vez a favor do impeachment. "Eu até hoje nunca havia feito nenhuma manifestação pró-impeachment, me mantive na neutralidade, entendendo que até aqui os fatos deveriam ser avaliados e julgados pelo Congresso Nacional", afirmou.

"Mas, depois do que assisti e ouvi hoje, em Brasília, sem sequer estar ouvindo, ele, Bolsonaro, claramente afronta a Constituição, desafia a democracia e empareda a Suprema Corte brasileira", completou o governador, também do PSDB.

Presidente cada vez mais acuado

O presidente do MDB, Baleia Rossi, disse que vai consultar os principais líderes de sua bancada no Congresso sobre a possibilidade de a legenda apoiar ou não o impeachment. O partido deve discutir também as posições de alguns de seus membros nas lideranças do governo no Congresso Nacional.

Partidos como o Solidariedade, PSD e PL também sinalizaram que vão discutir internamente sobre um possível apoio ao afastamento do presidente.

Os congressistas de oposição que lideram as minorias na Câmara e no Senado saíram em defesa do impeachment e condenaram a atitude agressiva do presidente. O deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ) disse que Bolsonaro não só ataca as instituições democráticas como estimula a violência contra autoridades públicas.

"A agressividade do discurso na Paulista é a confissão do desespero de um presidente cada vez mais acuado. Ele mais uma vez deixou claro que não aceitará o resultado das eleições de 2022 e tenta preparar um motim como Donald Trump fez nos Estados Unidos", disse o deputado.

O líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN) disse que Bolsonaro "perdeu as condições de governar, de recuperar a economia e o país. Só restam duas alternativas para Bolsonaro depois do dia de hoje: renúncia ou impeachment. Como ele não é capaz deste gesto pela nação, cabe ao Congresso conduzir o processo de impeachment".

Recordista em pedidos de impeachment

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a quem cabe instaurar um processo de impeachment, ainda não se manifestou sobre a questão. Ele se mantém atrelado ao presidente, embora as desavenças entre ambos tenham aumentado nos últimos meses.

Até o momento, 130 pedidos de impeachment de Bolsonaro aguardam análise e outros seis foram arquivados, o que faz dele o recordista em número de denúncias desse tipo. Michel Temer sofreu 31 pedidos de impeachment, Dilma Roussef, 68, Luiz Inácio Lula da Silva, 37, e Fernando Henrique Cardoso, 24, segundo levantamento feito pela Agência Pública.

A maioria dos pedidos se baseia na atuação do governo Bolsonaro frente à pandemia de covid-19, citada em pelo menos 75 denúncias.

Deutsche Welle Brasil, em 08.09.21

As ameaças de Bolsonaro em discursos no 7 de Setembro

O presidente Jair Bolsonaro fez uma série de ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à democracia nesta terça-feira (7/9) em discursos na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na avenida Paulista, em São Paulo. 

Chamou as eleições de "farsa", disse que só sai da presidência "preso ou morto" e exaltou a desobediência à Justiça.

Mas a maior parte dos manifestantes concentraram em São Paulo, que reuniu caravanas vindas de diversos locais do país. Segundo a estimativa oficial da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, passaram cerca de 125 mil manifestantes pela avenida Paulista neste domingo.

Foi em São Paulo que Bolsonaro elevou o tom de golpismo, que já estava presente em seu discurso em Brasília. Ele questionou a urna eletrônica e as eleições, citou novamente o voto impresso (que já foi rejeitado pelo Congresso) e disse que não pode "participar de uma farsa como essa patrocinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)".

"Quero dizer àqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: só Deus me tira de lá", afirmou.

"Só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso."

Bolsonaro criticou o presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, sem citá-lo nominalmente.

"Não é uma pessoa no Tribunal Superior Eleitoral que vai dizer que esse processo é seguro, usando a sua caneta desmonetizar páginas que criticam esse sistema de votação", disse ele, em referência a decisões da Justiça contrárias a bolsonaristas que espalharam notícias falsas sobre as eleições.

"A paciência do nosso povo já se esgotou! Nós acreditamos e queremos a democracia! A alma da democracia é o voto! E não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece segurança", afirmou Bolsonaro.

Militantes de direita pedem intervenção militar na av. Paulista (EPA)

Ataques ao STF

Bolsonaro concentrou suas críticas ao STF na figura do ministro Alexandre de Moraes, que determinou nesta segunda (5/9) a prisão de apoiadores do presidente que publicaram ameaças ao tribunal e a seus membros.

"Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil", disse o presidente.

"Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República", completou Bolsonaro, conclamando o presidente do STF, Luiz Fux, a interferir nas decisões de Moraes - algo que seria inconstitucional.

Em São Paulo, Bolsonaro citou Moraes nominalmente e o chamou de "canalha", dizendo que "não pode mais admitir" que ele "continue açoitando o povo brasileiro."

Antes das manifestações, Bolsonaro chegou a enviar um pedidos de impeachment de Moraes ao Senado, onde o pedido foi rejeitado.

Apesar da derrota, o presidente continuou insistindo no ataque, e disse em Brasília que Moraes "perdeu as condições mínimas de continuar dentro daquele tribunal".

E ameaçou: "Não queremos ruptura, não queremos brigar com Poder algum, mas não podemos admitir que uma pessoa coloque em risco a nossa liberdade."

Contradições

Ambos os discursos de Bolsonaro tiveram contradições como dizer que "defende a democracia" e ao mesmo tempo criticar as eleições e dizer que só sai de Brasília "preso, mortos ou com vitória".

Bolsonaro usou repetidas vezes o argumento de que a Constituição Federal estaria sendo ferida por outro Poder. Mas ele próprio fez ameaças que, se concretizadas, significariam violações graves da Constituição.

"Nós todos na Praça dos Três Poderes juramos respeitar a nossa Constituição. Quem age fora dela se enquadra ou pede para sair", disse, acrescentando que as manifestações do 7 de Setembro são um "ultimato" aos Poderes da República.

"Peço a Deus coragem para decidir. Não são fáceis as decisões. Não escolham o lado do conforto. Sempre estarei ao lado do povo brasileiro. Esse retrato que estamos tendo nesse dia é de vocês. É um ultimato para todos que estão na praça dos Três Poderes, inclusive eu, presidente da República, para onde devemos ir", declarou.

"A partir de hoje uma nova história começa a ser escrita aqui no Brasil. Peço a Deus mais que sabedoria, força e coragem para bem presidir", completou, sendo aplaudido por Braga Netto e demais ministros.

Conselho da República

Ao final do discurso em Brasília, Bolsonaro disse que se reuniria na quarta com o Conselho da República, para apresentar a "fotografia" de "onde todos devemos ir". O Conselho da República é um órgão consultivo previsto na lei para ser usado pelo presidente em momentos de crise, para deliberar sobre "intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio", além de decidir sobre "questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas".

Apesar do que disse Bolsonaro no discurso, não há reunião do Conselho da República marcada para quarta-feira por enquanto, segundo o vice-presidente Hamilton Mourão. "Julgo que o presidente se equivocou, pois ninguém sabe disso", afirmou o vice, cuja presença é necessária no conselho.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), líder da minoria na Câmara dos Deputados e membro do conselho, afirmou que a reunião não foi marcada e que "não será sob chantagem de um presidente que participa de uma ato que ameaça ministros, que ameaça intervenção militar e que ameaça o fechamento do Congresso, que o Conselho da República vai se reunir."

Fim do ato

Em Brasília, no carro de som, bem ao lado de Bolsonaro, presenciando as ameaças do presidente, estava o ministro da Defesa, general Braga Netto.

Já o ato em São Paulo teve a presença do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que foi abordado por dezenas de bolsonaristas para fotos, e do ex-secretário de comunicações Fabio Wajngarten.

O número de pessoas com máscaras era bem reduzido em ambos os atos que tiveram a presença do presidente. Em São Paulo, havia muitos idosos e crianças sem máscara. Policiais também eram parados com pedidos de fotos e o hino nacional era cantado reiteradamente.

Ao final, Bolsonaro deixou a Paulista em cima de um carro, com um policial levando um colete à prova de balas na frente, e se dirigiu ao comando militar em São Paulo, onde pegou o avião presidencial de volta à Brasília.

BBC News Brasil, em 08.09.21

Presidência 'saindo dos trilhos' e possível 'prelúdio para golpe': o que diz a imprensa internacional sobre atos de 7 de setembro

Jair Bolsonaro, "o combalido líder brasileiro", está "em uma aparente tentativa de projetar força no pior momento de sua Presidência" ao convocar a população para ir às ruas no feriado de 7 de setembro. A avaliação é do jornal britânico The Guardian, um dos órgãos de imprensa que destacam as manifestações pró-Bolsonaro ocorridas nesta terça-feira (7/9), convocadas pelo próprio presidente.

"Muitos cidadãos temem a violência enquanto os apoiadores linha-dura de Bolsonaro vão às ruas para defender um líder cujos índices de popularidade despencaram como resultado de escândalos de corrupção envolvendo seus aliados e parentes e pela forma como ele lidou com a pandemia de covid, que matou mais de 580 mil pessoas", disse o "The Guardian", em artigo com manchete na sua capa.

Sobre os desdobramentos dos protestos ao longo do dia, o jornal destacou que "milhares marcharam em apoio ao presidente populista de extrema direita, mas pesquisas sugerem que sua Presidência pode estar saindo dos trilhos ante as eleições do ano que vem".

'Nunca serei preso': Bolsonaro ataca Judiciário e questiona eleições em discurso na Paulista

O americano The New York Times, por sua vez, destacou que Bolsonaro busca dar uma "mostra de forças que seus críticos temem ser um prelúdio a um golpe" (power grab, no original em inglês). O jornal destacou a queda de popularidade do presidente brasileiro diante de problemas como "uma das respostas mais caóticas (do mundo) à pandemia" e aumento do desemprego, da inflação e da desigualdade e risco de racionamento energético.

O jornal argentino La Nación sugeriu que a motivação de Bolsonaro seria atingir Luiz Inácio Lula da Silva, seu potencial rival nas eleições de 2022.

Em reportagem, o jornal argentino escreveu: "Faltando mais de um ano para as eleições presidenciais, e com seu odiado rival Lula na frente nas preferências dos eleitores, Jair Bolsonaro decidiu queimar os navios e reverter sua sorte com as manifestações que convocou amanhã [terça-feira] na maioria das cidades do país."

"O presidente brasileiro convocou suas bases para manifestação nas ruas do dia da independência do país, com a qual espera retomar a iniciativa num momento em que está mais longe do que nunca da opinião pública e em um confronte de morte com o Judiciário, cenário que não poderia ter sido imaginado na seu primeira campanha presidencial, quando quem estava na defensiva, e de fato preso, era Lula."

O jornal afirmou que a aposta de Bolsonaro "é arriscada" porque sua investida contra as instituições estaria sendo "mal digerida por alguns de seus aliados mais próximos", como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.

Ao final da cobertura dos atos, o La Nación afirmou que Bolsonaro "reuniu uma multidão e dobrou sua ofensiva contra a Suprema Corte".

O jornal argentino El Clarin afirmou que Bolsonaro esperava juntar dois milhões de manifestantes no ato em São Paulo (segundo a PM paulista, porém, houve 125 mil pessoas no protesto), mas ponderou: "É difícil imaginar tamanha multidão na emblemática Avenida Paulista, pois nas últimas manifestações o presidente reuniu apenas algumas dezenas de milhares na cidade mais populosa do país."

O jornal concluiu o dia com a informação de uma "manifestação multitudinária em que se destacaram os tons antidemocráticos".

O El Clarin também destacou mais cedo uma entrevista com o cientista político Geraldo Monteiro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que diz que este dia de mobilização pode "marcar um ponto de virada" no Brasil.

"Se for bem-sucedido, Bolsonaro oferecerá uma 'demonstração de força que pode lhe dar mais margem de manobra' e um novo impulso para as eleições presidenciais de 2022, nas quais, segundo as pesquisas, seria amplamente derrotado pelo ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva", disse o jornal argentino.

"Mas, em caso de fiasco, o presidente ficará "ainda mais acuado", sob o risco de ser abandonado por seus aliados políticos e pelo mundo empresarial."

O francês Le Monde destacou a frase de Bolsonaro de que "uma nova história começa a ser escrita no Brasil a partir de hoje (7 de setembro)", dizendo que o presidente buscava dar mostra de forças em momento de uma grave crise institucional.

Esplanada dos Ministérios

Ainda no britânico Guardian, foi noticiado o episódio na noite de segunda-feira (6/9), em Brasília, em que manifestantes pró-Bolsonaro romperam um bloqueio da PM de Brasília e invadiram a Esplanada dos Ministérios, em área próxima ao Supremo Tribunal Federal.

A reportagem do The Guardian destacou a fala de uma manifestante contra os policiais que trabalhavam na segurança da Esplanada: "Deus vai fazer você pagar por isso. Vocês, comunistas", diz a manifestante, em um vídeo citado pelo jornal.

O episódio da invasão da Esplanada dos Ministérios também foi tema de reportagem da revista alemã Der Spiegel, que levantou comparações com a invasão do Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro deste ano por apoiadores do ex-presidente americano Donald Trump.

"Apoiadores do presidente extremista de direita Jair Bolsonaro romperam uma linha policial na capital brasileira. Centenas deles superaram um cerco com caminhões e carros na véspera do Dia da Independência do Brasil, segundo a polícia de Brasília. Eles chegaram à avenida que dá acesso ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal do país e que estava fechada por motivos de segurança", diz o Der Spiegel.

"O governo da capital enviou 5 mil policiais para proteger os prédios públicos por causa das manifestações anunciadas para o Dia da Independência. As autoridades querem evitar cenas semelhantes à tomada do Capitólio dos EUA por partidários do então presidente Donald Trump em janeiro."

A revista alemã também noticiou o decreto de Bolsonaro dificultando a exclusão de conteúdo por plataformas da Internet.

"Bolsonaro está sob pressão um ano antes da eleição presidencial, devido aos números extremamente baixos das pesquisas e à economia em declínio", disse a revista.

BBC News Brasil, em 08.09.21

Bolsonaro faz Brasil parecer república das bananas, diz analista dos EUA

A democracia brasileira saiu mais fraca do seu 199º aniversário da independência do Brasil, analisa a cientista política Amy Erica Smith, especialista em democracia e regimes autoritários na América Latina, particularmente no Brasil.

Policiais militares isolam área próxima ao Congresso Nacional para evitar aproximação de manifestantes pró-Bolsonaro. (AFP)

Em protestos que atraíram centenas de milhares de pessoas neste 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não cumprirá decisões judiciais, ameaçou fechar o Supremo Tribunal Federal, disse que um dos ministros, Alexandre de Moraes, "açoita a democracia", chamou o processo eleitoral sem voto impresso de "farsa" e disse que apenas Deus pode tirá-lo da Presidência.

"É possível que as coisas agora tenham chegado a um ponto tão ruim que forcem a ação de outros poderes", opina ela.

Ameaças ao STF elevam pressão por impeachment, mas Bolsonaro mantém base para proteger mandato, dizem deputados

Após Bolsonaro intensificar os ataques ao Supremo e ameaçar não cumprir decisões do ministro Alexandre de Moraes, aumentaram as cobranças pela abertura de um processo de impeachment no Congresso.

Para a estudiosa, a demonstração de força de Bolsonaro não foi um "fracasso total", dado o número de pessoas que ele atraiu e a disseminação de suas palavras, mas deixou claro que Bolsonaro não reúne condições de dar um golpe. "Se tivesse, ele já teria dado".

Smith observa que Bolsonaro e seus apoiadores tentam projetar uma imagem de lideranças da direita global, com placas em inglês contra o STF e apoio de ex-assessores de Trump em suas empreitadas, mas, para a maioria da audiência internacional, "Bolsonaro pinta o Brasil como uma república das bananas".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Amy Erica Smith à BBC News Brasil, editadas por clareza e concisão.

BBC News Brasil - Como qualifica os acontecimentos desse 7 de setembro?

Amy Erica Smith - A multidão tinha um tamanho razoável e o discurso de Bolsonaro está mais radical, talvez o mais radical que se possa ser sem provocar um confronto direto e imediato. O tipo de ataque que ele fez ao ministro Alexandre de Moraes hoje cruza a linha da democracia. As coisas que Bolsonaro disse não satisfazem os mínimos requisitos da democracia e, se for permitido que ele continue a fazer esse tipo de declaração, as coisas ficarão muito ruins no Brasil.

Ele até poderia recuar, mas não acredito que irá. A essa altura, nós já vimos o suficiente pra identificar um padrão de alguém que vai gradualmente ficando mais e mais radical. Declarações como "só saio da presidência morto" são extremamente anti-democráticas, assim como tudo o que ele disse hoje. Desse ponto em diante, as coisas só pioram.

BBC News Brasil - Alguns analistas, como o filósofo Marcos Nobre, veem nos movimentos de Bolsonaro em 7 de setembro uma espécie de ensaio do golpe, um teste de quão longe se pode ir. A senhora concorda?

Smith - Se Bolsonaro tivesse apoio para um golpe, provavelmente ele já teria dado um golpe. Muito do que ele faz é projetado para tentar atrair mais pessoas para o seu lado e viabilizar um golpe. Está claro que, se pudesse ter fechado o Supremo Tribunal Federal há um ano, ele já teria feito isso.

Bolsonaro fez desfile em carro aberto em Brasília, pouco antes de discursar com ameaças ao Supremo Tribunal Federal e à realização de eleições (Reuters)

Mas ele não tem apoio institucional para fazer isso, nem dos militares nem de outros políticos. E se tentasse, não conseguiria se segurar no poder. Então acho que o termo ensaio não cabe, porque a verdade é que se ele tivesse tido condições de dar um golpe ontem, ele teria dado. E seus apoiadores também teriam apoiado o golpe se ele tivesse tentado.

O que eu acho que Bolsonaro está fazendo é deliberadamente mostrando que seu interesse é golpista e tentando arregimentar pessoas pra sua causa. Isso é mais um alerta do que ele gostaria de fazer se conseguisse obter mais poder. E eu acho que foi uma tentativa também de satisfazer alguns de seus apoiadores mais radicais, que pediam por esse tipo de comportamento. Então ele manda uma mensagem para esses apoiadores ao mesmo tempo em que tenta intimidar o Supremo e Congresso. E, honestamente, não vejo como isso possa ter funcionado, nem para intimidar, nem para ganhar novos apoiadores.

BBC News Brasil - Bolsonaro terminou o sete de setembro mais forte ou mais fraco do que começou o dia?

Smith - Não acho que foi um fracasso completo. Ele conseguiu reunir uma massa moderadamente grande. Não foi uma massa esmagadora, mas atraiu público e conseguiu levar seus discursos à TV. Mas em termos eleitorais práticos, a popularidade dele ainda está na casa de 20% e não houve ali nenhum sinal de que ele tem poder suficiente para mobilizar eleitores a ponto de alterar o cálculo eleitoral dos partidos em favor dele.

Já em relação à crise institucional, ao conflito com outros poderes, Bolsonaro termina o dia bem mais radical e aparentemente tendo dito coisas que podem levar a ações legais contra ele no Supremo e ao seu impeachment no Congresso. Esses são cenários possíveis. Então, ele sai do sete de setembro mais vulnerável em relação aos demais poderes. E podemos esperar resposta ao menos da Suprema Corte, com certeza.

BBC News Brasil - O Brasil vive uma crise institucional grave. Hoje o presidente disse que só Deus o tira do cargo, que não cumprirá decisões judiciais de um dos ministros do Supremo e que não participará do que chamou de "farsa" das eleições sem votos impresso. Com isso, afrontou o Congresso e a Suprema Corte. Como fica a democracia depois disso?

Smith - O que está claro é que a democracia brasileira saiu do sete de setembro mais fraca, em uma crise maior. Mas é possível que agora as coisas tenham chegado a um ponto tão ruim que forcem a ação de outros poderes. A democracia brasileira está em grande risco, especialmente com as ameaças ao Supremo.

Mariana Sanches - @mariana_sanches, de Washington para a BBC News Brasil, em 0809.2021