quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Bolsonaro faz Brasil parecer república das bananas, diz analista dos EUA

A democracia brasileira saiu mais fraca do seu 199º aniversário da independência do Brasil, analisa a cientista política Amy Erica Smith, especialista em democracia e regimes autoritários na América Latina, particularmente no Brasil.

Policiais militares isolam área próxima ao Congresso Nacional para evitar aproximação de manifestantes pró-Bolsonaro. (AFP)

Em protestos que atraíram centenas de milhares de pessoas neste 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não cumprirá decisões judiciais, ameaçou fechar o Supremo Tribunal Federal, disse que um dos ministros, Alexandre de Moraes, "açoita a democracia", chamou o processo eleitoral sem voto impresso de "farsa" e disse que apenas Deus pode tirá-lo da Presidência.

"É possível que as coisas agora tenham chegado a um ponto tão ruim que forcem a ação de outros poderes", opina ela.

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Após Bolsonaro intensificar os ataques ao Supremo e ameaçar não cumprir decisões do ministro Alexandre de Moraes, aumentaram as cobranças pela abertura de um processo de impeachment no Congresso.

Para a estudiosa, a demonstração de força de Bolsonaro não foi um "fracasso total", dado o número de pessoas que ele atraiu e a disseminação de suas palavras, mas deixou claro que Bolsonaro não reúne condições de dar um golpe. "Se tivesse, ele já teria dado".

Smith observa que Bolsonaro e seus apoiadores tentam projetar uma imagem de lideranças da direita global, com placas em inglês contra o STF e apoio de ex-assessores de Trump em suas empreitadas, mas, para a maioria da audiência internacional, "Bolsonaro pinta o Brasil como uma república das bananas".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Amy Erica Smith à BBC News Brasil, editadas por clareza e concisão.

BBC News Brasil - Como qualifica os acontecimentos desse 7 de setembro?

Amy Erica Smith - A multidão tinha um tamanho razoável e o discurso de Bolsonaro está mais radical, talvez o mais radical que se possa ser sem provocar um confronto direto e imediato. O tipo de ataque que ele fez ao ministro Alexandre de Moraes hoje cruza a linha da democracia. As coisas que Bolsonaro disse não satisfazem os mínimos requisitos da democracia e, se for permitido que ele continue a fazer esse tipo de declaração, as coisas ficarão muito ruins no Brasil.

Ele até poderia recuar, mas não acredito que irá. A essa altura, nós já vimos o suficiente pra identificar um padrão de alguém que vai gradualmente ficando mais e mais radical. Declarações como "só saio da presidência morto" são extremamente anti-democráticas, assim como tudo o que ele disse hoje. Desse ponto em diante, as coisas só pioram.

BBC News Brasil - Alguns analistas, como o filósofo Marcos Nobre, veem nos movimentos de Bolsonaro em 7 de setembro uma espécie de ensaio do golpe, um teste de quão longe se pode ir. A senhora concorda?

Smith - Se Bolsonaro tivesse apoio para um golpe, provavelmente ele já teria dado um golpe. Muito do que ele faz é projetado para tentar atrair mais pessoas para o seu lado e viabilizar um golpe. Está claro que, se pudesse ter fechado o Supremo Tribunal Federal há um ano, ele já teria feito isso.

Bolsonaro fez desfile em carro aberto em Brasília, pouco antes de discursar com ameaças ao Supremo Tribunal Federal e à realização de eleições (Reuters)

Mas ele não tem apoio institucional para fazer isso, nem dos militares nem de outros políticos. E se tentasse, não conseguiria se segurar no poder. Então acho que o termo ensaio não cabe, porque a verdade é que se ele tivesse tido condições de dar um golpe ontem, ele teria dado. E seus apoiadores também teriam apoiado o golpe se ele tivesse tentado.

O que eu acho que Bolsonaro está fazendo é deliberadamente mostrando que seu interesse é golpista e tentando arregimentar pessoas pra sua causa. Isso é mais um alerta do que ele gostaria de fazer se conseguisse obter mais poder. E eu acho que foi uma tentativa também de satisfazer alguns de seus apoiadores mais radicais, que pediam por esse tipo de comportamento. Então ele manda uma mensagem para esses apoiadores ao mesmo tempo em que tenta intimidar o Supremo e Congresso. E, honestamente, não vejo como isso possa ter funcionado, nem para intimidar, nem para ganhar novos apoiadores.

BBC News Brasil - Bolsonaro terminou o sete de setembro mais forte ou mais fraco do que começou o dia?

Smith - Não acho que foi um fracasso completo. Ele conseguiu reunir uma massa moderadamente grande. Não foi uma massa esmagadora, mas atraiu público e conseguiu levar seus discursos à TV. Mas em termos eleitorais práticos, a popularidade dele ainda está na casa de 20% e não houve ali nenhum sinal de que ele tem poder suficiente para mobilizar eleitores a ponto de alterar o cálculo eleitoral dos partidos em favor dele.

Já em relação à crise institucional, ao conflito com outros poderes, Bolsonaro termina o dia bem mais radical e aparentemente tendo dito coisas que podem levar a ações legais contra ele no Supremo e ao seu impeachment no Congresso. Esses são cenários possíveis. Então, ele sai do sete de setembro mais vulnerável em relação aos demais poderes. E podemos esperar resposta ao menos da Suprema Corte, com certeza.

BBC News Brasil - O Brasil vive uma crise institucional grave. Hoje o presidente disse que só Deus o tira do cargo, que não cumprirá decisões judiciais de um dos ministros do Supremo e que não participará do que chamou de "farsa" das eleições sem votos impresso. Com isso, afrontou o Congresso e a Suprema Corte. Como fica a democracia depois disso?

Smith - O que está claro é que a democracia brasileira saiu do sete de setembro mais fraca, em uma crise maior. Mas é possível que agora as coisas tenham chegado a um ponto tão ruim que forcem a ação de outros poderes. A democracia brasileira está em grande risco, especialmente com as ameaças ao Supremo.

Mariana Sanches - @mariana_sanches, de Washington para a BBC News Brasil, em 0809.2021

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