sexta-feira, 4 de junho de 2021

Copa América no Brasil torna-se trunfo político e cortina de fumaça para Bolsonaro

Historiador do esporte vê o campeonato no país como uma distração para a pandemia e as recentes crises do Governo, que frequentemente usa o futebol como instrumento político. “O único compromisso do Bolsonaro com o futebol é se servir dele para melhorar a própria imagem”

A Copa América ainda não começou, mas o Governo Bolsonaro já trata a vinda de última hora do torneio ao Brasil como uma vitória. “Venceu a coerência!”, comemorou em uma rede social o ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, após o anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que o campeonato de seleções sul-americanas ―rejeitado pela Argentina e a Colômbia duas semanas antes do seu início―, acontecerá no país. 

A celebração não é à toa. Na visão do professor Flávio de Campos, pesquisador da história sociocultural do futebol na Universidade de São Paulo (USP), o aceite do Brasil ao pedido emergencial da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) serve como “cortina de fumaça” para o Governo em um momento de protestos sociais, atraso da campanha de vacinação contra a covid-19, exposição de aliados na CPI da Pandemia e queda de popularidade frente ao fortalecimento de possíveis adversários nas eleições de 2022.

“A cortina de fumaça é trabalhar para fazer um evento absolutamente inoportuno num momento em que o Governo está acuado. Bolsonaro está em campanha eleitoral, e vai jogar com tudo que tiver para manter sua popularidade. É natural que faça o uso político do esporte mais popular do país”, afirma o pesquisador.

Por “acuado”, o historiador se refere às crises mais recentes enfrentadas por Bolsonaro e seus principais aliados em Brasília nas últimas semanas. Em especial, a CPI da Pandemia, que investiga os possíveis crimes cometidos pela gestão federal no combate à covid-19. Apesar de cientistas apontarem para os riscos da realização do campeonato num momento em que o Brasil observa ao aumento das hospitalizações, a Copa América ajudaria a desviar as atenções da pandemia para o evento. “O único compromisso do Bolsonaro com o futebol é se servir dele para melhorar a própria imagem”, opina Campos.

Com a realização do torneio, ainda na visão do historiador, Bolsonaro também espera ver ofuscada as repercussões das manifestações que pediam o impeachment do presidente; as investigações da Polícia Federal que miram o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por suspeita de contrabando ilegal de madeira; e as pesquisas mais recentes sobre o cenário eleitoral em 2022, que colocam o ex-presidente Lula (PT) a frente de Bolsonaro num eventual segundo turno.

Não é a primeira vez que Bolsonaro se utiliza do futebol para proteger a sua popularidade. Além de serem comuns as aparições trajando camisas de vários times, o mandatário convidou o ex-juiz Sergio Moro para comparecer a um jogo do Flamengo em Brasília, em junho de 2019, com o intuito de colher alguns aplausos em meio à crise da Vaza Jato, que tinha o então ministro da Justiça como um dos principais protagonistas. Um mês depois, desta vez sob vaias, Bolsonaro foi ao gramado do Maracanã para posar com a taça da Copa América e a seleção brasileira, campeã da última edição do torneio —assim como tinha feito um ano antes com o Palmeiras, quanto o time paulista foi campeão brasileiro em 2018, ainda antes de se eleger assumir a Presidência.

Futebol como arma política

O historiador do esporte lembra ainda de outras figuras políticas, como o fascista Benito Mussolini, que faziam uso constante do futebol na tentativa de driblarem crises em seus governos. Mussolini promoveu sua ditadura usando a Copa do Mundo da Itália, em 1934. No Brasil, o ditador militar Emílio Garrastazu Médici surfou na onda de popularidade da seleção brasileira na Copa do Mundo vencida em 1970. “Ele aciona esse patriotismo com a seleção, o que Nelson Rodrigues chamou de pátria de chuteiras. Só que agora é a morte de chuteiras. É uma atitude de quem é demagogo, está acuado e não tem nenhum escrúpulo”, critica o pesquisador.

Como defesa da realização do evento no país mais atingido pela covid-19 no continente, Bolsonaro e sua equipe justificaram a escolha como “coerente” uma vez que ocorrem, simultaneamente, outros torneios de futebol. “Estamos em plena pandemia, só que o Campeonato Brasileiro, que envolve 20 times na série A, 20 na série B, está ocorrendo. Não sei porque as pessoas se pronunciaram contra o evento, se há os jogos do Brasileiro, ocorreram jogos do estadual, Libertadores e Sul-Americana”, argumentou o ministro Luiz Eduardo Ramos. O presidente, por sua vez, atribuiu as críticas recebidas a funcionários da Rede Globo que, segundo ele, o fazem porque a emissora não tem os direitos de transmissão do torneio neste ano ―que será transmitido pelo SBT no Brasil. Galvão Bueno, narrador da Globo e figura mais popular da imprensa esportiva brasileira, pediu em seu programa na segunda-feira (31) que “alguém tenha uma crise de bom senso e que essa loucura não aconteça.”

A realização do torneio no Brasil não foi contestada somente por jornalistas dessa emissora, mas também por médicos e epidemiologistas que questionaram a postura do Governo ao topar sediar um torneio de futebol de proporções continentais, no momento em que o país já vê uma nova escalada de contágios da covid-19, que já vitimou mais de 460.000 brasileiros e caminha para a terceira onda. “No entanto, considero a manifestação de boa parte da imprensa um grande ponto positivo. Com ela, alcançamos a formação de uma massa crítica que está acostumada a acompanhar o futebol desvinculando-o da política”, pontua Campos.

No final da noite desta quarta-feira, a Conmebol confirmou que os jogos serão realizados em quatro cidades-sedes ―Brasília, Cuiabá, Goiânia e Rio de Janeiro― e divulgou o calendário de jogos do torneio, que terá duração de um mês. Embora os prefeitos e governadores das sedes defendam a adoção de rígidos protocolos de segurança para a realização da Copa América, somente o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB) declarou ser contrário à execução do campeonato na cidade. “Vivemos uma pandemia e o momento não é adequado em respeito aos milhares de óbitos e casos confirmados”, criticou o emedebista após o anúncio.

Para o historiador, as comparações feitas entre a realização dos campeonatos de clubes e a Copa América são “falsas simetrias que constroem a argumentação com o propósito de livrar o presidente de suas responsabilidades.” Vale lembrar que o torneio sul-americano implica em um país recebendo simultaneamente delegações de dez outros países, ao contrário do que acontece nos outros campeonatos citados. Além disso, dados da própria Conmebol mostram que a Copa é um torneio menos relevante financeiramente que a Libertadores e, portanto, teria menos impacto se fosse cancelada, o que fere a comparação feita pelo Governo —em 2019, foram 118 milhões de dólares arrecadados pela entidade com o torneio de seleções no Brasil, enquanto a competição entre clubes sul-americanos levantou 300 milhões de dólares.

A Copa América 2021 estreia no dia 13 de junho. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a quem a Conmebol agradeceu por intermediar as negociações e a quem o Governo atribuiu a missão de negociar com Estados para determinar sedes e tabela, ainda não se manifestou sobre o assunto. Por outro lado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski requisitou esclarecimentos da Presidência da República sobre a realização da competição no Brasil depois de receber pedidos de deputados e partidos para barrar o torneio.

DIOGO MAGRI, de São Paulo para o EL PAÍS, em 03 JUN 2021.

A emblemática atitude de Pazuello, que substituiu um cavalo de carga por um soldado negro

Não é de se estranhar a insensibilidade do bolsonarismo-raiz perante o genocídio que está sendo perpetrado, primeiro negando a pandemia, e depois desprezando a vacina. Artigo de Juan Arias, do EL PAÍS.

O ex-ministro Pazuello participa de ato político ao lado de Bolsonaro no último dia 23, no Rio.BRUNA PRADO / AP

O hoje famoso general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que está no olho do furacão na CPI da Pandemia no Senado por causa da sua desastrosa gestão da crise da covid-19 e suas descaradas mentiras à comissão, protagonizou há 16 anos, quando era tenente-coronel, uma história que à luz de hoje soa emblemática.

Conforme apurou o jornal O Estado de S. Paulo, o hoje general se divertiu com uma cena repugnante e racista. Puniu um jovem recruta de 19 anos, negro e evangélico, obrigando-o a substituir um cavalo de carga que arrastava uma carroça com uma banheira. Tudo isso perante as gargalhadas do quartel inteiro. Hoje, aquele jovem soldado prefere não falar daquela humilhação, que era uma antecipação do bolsonarismo violento e vulgar de hoje.

Talvez não tenha sido por acaso que aquele tenente-coronel que se divertia com o soldado negro substituindo o cavalo tenha acabado no Governo do capitão Bolsonaro, que já zombou dos quilombolas, os descendentes negros da escravidão que segundo ele “não trabalham e não servem nem para procriar”. Também o capitão reformado é hoje amante dos cavalos e das motos, os tronos de onde vomita sua violência e seu negacionismo.

Bolsonaro acaba de contagiar seus seguidores mais fanáticos com suas brincadeiras sobre as manifestações de sábado passado. Basta ver como, nas redes bolsonaristas, a marcha foi ridicularizada como sendo coisa “meia dúzia de gatos pingados”.

Um dia Bolsonaro sairá do poder e o Brasil poderá voltar a recuperar sua esperança de normalidade. O que não acabará tão cedo é o vírus que está inculcando na sociedade ao negar a realidade dos fatos. Dizer, por exemplo, que as manifestações gigantescas convocadas pelos movimentos sociais foram um fracasso só pode ser uma doença mental inoculada pelo capitão negacionista.

É uma doença que o mundo já sofreu com o nascimento do nazismo, que conduziu milhões a banalizarem o mal, confundindo a verdade com a mentira. São vírus malignos que não têm pai e que, quando parecem se dissipar, rebrotam de repente em todo o mundo, como está acontecendo com o ressurgimento dos movimentos negacionistas capazes de distorcer, nos limites do ridículo, a realidade das coisas. A mentira nesses movimentos neonazistas se eleva à categoria de dogma, e a verdade acaba sendo desprezada.

Bolsonaro é um vírus que pode acabar infestando o país e transformando-o em cúmplice da sua insensibilidade e amor pela violência e pelo desprezo pela vida.

A mídia internacional, que têm os olhos voltados para a tragédia que aflige o Brasil, foi muito mais enfática que os grandes veículos nacionais em destacar a magnitude e a força simbólica das grandes manifestações contra Bolsonaro.

Será que o bolsonarismo negacionista está contagiando também veículos de comunicação que no passado eram elogiados como exemplo de jornalismo sério e responsável?

Seria triste e grave que o vírus anticultural e cego do bolsonarismo acabe contagiando o coração da democracia, que é a informação séria e responsável que sabe estar acima dos interesses de grupo.

No passado, os meios de comunicação sempre foram os melhores adversários das investidas golpistas e em defesa das liberdades, e por isso também os mais perseguidos nas ditaduras. O clima que o Brasil vive hoje não é o do pluralismo político e de ideias, cada dia mais castigado e desprezado por um Governo militarizado de ultradireita, com claros trejeitos nazifascistas, que a cada dia envenenam mais não só a democracia como também a convivência nacional.

Se as forças políticas democráticas, seja na CPI da covid-19 como no Congresso e no STF, esperavam um sinal que chegasse das ruas ocupadas pelo povo contra a opressão que a sociedade vive e o luto nacional que se torna cada dia mas prolongado e doloroso, já não têm desculpa para apear do poder, sem esperar mais, um presidente cego perante a realidade e cúmplice com a barbárie.

Melhor não esperar um manhã que poderia ser tarde demais para libertar o país não só do vírus da pandemia, mas do vírus que está corroendo as bases de uma democracia que o Brasil tinha conseguido com tanto esforço, como na famosa campanha das Diretas Já, um triunfo de uma democracia que hoje volta a estar ameaçada.

Enquanto um jovem negro continuar valendo menos que um cavalo de carga, não é de se estranhar a insensibilidade do bolsonarismo-raiz perante o genocídio que está sendo perpetrado, primeiro negando a pandemia, e depois desprezando a vacina. E não, não estamos diante de um novo fascismo. Trata-se, mais do que isso, de ressuscitar o nazismo que culminou com o maior holocausto de inocentes da história.

As manifestações de sábado não foram uma festa, e sim um luto nacional. Foram uma procissão de protesto e raiva, mas também de esperança. Foi a marcha silenciosa de um Brasil cansado de ver pisoteado seu direito à vida por um Governo que cultiva e banaliza a morte como uma mera fatalidade.

Se é emblemática a história do general Pazuello transformando o recruta negro em cavalo de carga, não menos relevante foi a cena do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, que no sábado das manifestações, encontrando-se não se sabe por que em Porto Velho, ao cruzar com a manifestação, de pé no carro, fez seu gesto favorito, o de disparar uma arma com a mão. Sempre a mesma coisa: armas, violência, provocação e gosto pela morte.

Por sorte este não é o Brasil verdadeiro, que luta e trabalha para sobreviver e poder celebrar a vida. Este não é o Brasil que no sábado passado saiu à rua para resgatar o país do inferno em que o vírus bolsonarista tenta lançá-lo. O grito de libertação da opressão bolsonarista ecoou no sábado em todo o Brasil e muito além das suas fronteiras como um dia de glória e de amor pela vida.

Que a marcha foi uma derrota do Governo é algo que ficou claro pelo comentário sarcástico do presidente, ao comentar que a manifestação tinha fracassado por “falta de maconha”. Não, a manifestação foi um triunfo da esperança e a favor da vida, palavras apagadas do dicionário de morte do bolsonarismo, que está rachando e começa a sentir a terra tremer sob seus pés.

Que voltem as manifestações, enquanto continuar a barbárie no poder. Que voltem respeitando os protocolos da pandemia para que as ruas e praças do Brasil sintam pulsar o calor do coração esperançoso do verdadeiro Brasil, já cansado de tanta violência e vulgaridade.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse grande desconhecido’, ‘José Saramago: o amor possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado originalmente n'o EL PAÍS,  em 01 JUN 2021.

Brasil registra mais de 1,6 mil mortes em 24 horas e passa de 469 mil óbitos pela covid-19

No dia 21/5, a Fundação Oswaldo Cruz alertou para o aumento de casos e o risco de uma terceira onda da pandemia no país.


Homens enterram vítima de covid-19 em ManausCRÉDITO,REUTERS

O Brasil registrou nesta quarta-feira (3/6) 1.682 mortes por covid-19 nas últimas 24h, e o total de óbitos no país chegou a 469.388, segundo boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). A soma oficial de casos da doença já chega a 16.803.472, sendo 83.391 deles nas últimas 24h. A média móvel diária de mortes nos últimos sete dias ficou em 1.816.

O mês de abril registrou mais de 82 mil óbitos pela covid-19 no Brasil e se tornou o mais letal desde as primeiras mortes pela doença no país, em março de 2020. Até então, março deste ano havia sido o pior período, com 66 mil óbitos.

O Brasil foi o segundo país no planeta a contabilizar mais de 400 mil óbitos causados pelo novo coronavírus. Os Estados Unidos foram os primeiros e, hoje, lideram em números da tragédia no mundo, com mais de 596 mil mortes e 33,3 milhões de casos da doença, segundo a Universidade Johns Hopkins.

BBC News Brasil, em 2 março 2020 / Atualizado 3 junho 2021

Decisão sobre Pazuello estimula indisciplina e ameaça democracia, dizem ex-ministros da Defesa

O Exército divulgou nesta quinta que foi arquivado o procedimento administrativo referente à conduta do general Eduardo Pazuello ao participar de uma manifestação ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em 23 de maio no Rio de Janeiro.

"Não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do General Pazuello" diz trecho da nota do Centro de Comunicação Social do Exército.

Participação do general Pazuello de manifestação ao lado do presidente não configurou transgressão disciplinar, na avaliação do Exército (Reuters)

O ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo disse em entrevista à BBC News Brasil nesta quinta-feira (3/6) que a decisão do Exército de não punir o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello após participar de protesto ao lado do presidente Jair Bolsonaro dá carta branca para que membros das Forças Armadas cometam irregularidades sem temer punições.

"Essas decisões envolvendo disciplina têm duas dimensões. Uma é a que alcança o indisciplinado impune. A outra é o que tem o efeito pedagógico, educativo, e alcança todas as Forças Armadas", afirmou.

Na ocasião, o general e ex-ministro da Saúde do atual governo subiu ao carro de som ao lado do presidente, o elogiou e agradeceu o apoio do público.

Ele foi então acusado, inclusive pelo vice-presidente Hamilton Mourão, de desrespeitar as regras das Forças Armadas. No caso do Exército, seu Regulamento Disciplinar proíbe o militar da ativa de se manifestar publicamente a respeito de assuntos de natureza político-partidária sem que esteja autorizado previamente.

'O Exército mostra que não constitui uma disciplina nem mesmo uma hierarquia', avalia Rebelo (João Fellet/BBC Brasil)

Para o ex-ministro Aldo Rebelo, a ausência de punição pode abrir uma brecha para que irregularidades sejam cometidas por membros de outras patentes das Forças Armadas.

"Ao não punir o general Pazuello por subir num palanque e fazer proselitismo ao lado do presidente, o Exército mostra que não constitui uma disciplina nem mesmo uma hierarquia. Enquanto os demais representantes (do Exército) receberam essa notícia como uma espécie de habeas corpus preventivo para cometer a mesma indisciplina. As consequências disso, como dizia o sábio Conselheiro Acácio, de Eça de Queiroz, vêm depois", disse o ex-ministro.

Ameaça à democracia

Regulamento Disciplinar do Exército proíbe militar da ativa de se manifestar publicamente sobre assuntos de natureza político-partidária sem que esteja autorizado previamente. (EPA)

O também ex-ministro da Defesa Celso Amorim disse à BBC News Brasil que a decisão do Exército de absolver Pazuello põe em xeque a democracia brasileira.

"Eu acho que a democracia fica muito ameaçada, pois quando essa força de última instância deixa de ser uma força de Estado e passa a ser de governo, de governante, isso é muito grave para o país. Eu até hoje só ouvia arruaça, barulho. Vai ter isso, vai ter aquilo e acabava. Mas como fato singular de ameaça à instituição, esse é o mais grave que eu vi. Hoje, ele (Bolsonaro) provou que é o Exército", afirmou Amorim.

Para ele, a decisão demonstra que o Exército foi personificado pelo presidente e que seus aliados não serão punidos.

"O grave nisso tudo é que as Forças Armadas, o Exército em particular, são uma instituição de Estado. A partir de hoje, elas passaram a ser uma instituição de governo e pessoas. Ela deixa de ser uma instituição que segue grandes linhas e normas do Estado Brasileiro, a Constituição e as leis, para passar a vontade do imperador", disse Amorim à reportagem.

'Hoje, ele (Bolsonaro) provou que é o Exército', afirmou Amorim ( Antonio Cruz, Ag. Brasil)

No ponto de vista do ex-ministro Celso Amorim, esse foi o ato mais grave desde o início do governo Bolsonaro.

"Pode ser que, numa perspectiva de tempo, eu mude de opinião. Mas, do ponto de vista institucional, e olha que aconteceu muita coisa grave, mas o fato mais grave que eu vi nesse governo foi esse", afirmou Amorim.

Para ele, tanto Pazuello quanto Bolsonaro planejaram essa ação para provar a força do presidente e que o Exército é controlado pelo presidente da República.

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"Isso foi proposital. Ele foi mandado lá para fazer isso para mostrar quem manda. Não tem impasse. Era um embate o que prevalece: a razão do Estado ou do governo. Prevaleceu a razão do governo, que, no caso, é a razão do governante. Isso é muito grave. É uma característica das ditaduras".

Amorim diz que o fato de Pazuello ser um membro de alta patente das Forças Armadas reforça o fato de ele saber dos riscos que corria ao participar do ato com Bolsonaro e que o ato foi planejado.

"Eu não posso provar nada, mas tudo indica. Porque um general de três estrelas sabe exatamente o que ele pode ou não pode fazer, de acordo com o regulamento. Se ele foi (ao protesto), ele sabia que teria consequências. E sabia que seria protegido. E quem o protege sabia que era o momento de demonstrar (sua força)", afirmou.

A capitulação de hoje não honra os ex-Cmtes.da Marinha,Exército e da Aeronáutica,e do ex-Ministro da Defesa, que não se dobraram ao Presidente e caíram por respeito a Constituição e a Democracia,com quem as FFAAs permanecem. Mas,é hora de reagir e de unidade.Antes que seja tarde.

No Twitter, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann também se manifestou sobre a decisão. Segundo ele, foi uma "capitulação" e deve haver uma reação "antes que seja tarde".

Felipe Souza - @felipe_dess, de São Paulo para a BBC News Brasil, em 03.06.2021

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Brasil registra 2.390 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas

Número de novos casos registrados nesta quarta-feira foi de 92.115, o segundo maior desde o início da pandemia
 
O Brasil registrou 2.390 novas mortes pela covid-19 nesta quarta-feira, 2. A média semanal de vítimas, que elimina distorções entre dias úteis e fim de semana, ficou em 1.868, um pouco abaixo dos 1.870 registrados na terça-feira, mas ainda em um patamar considerado alto. Ao mesmo tempo, o País teve o segundo pior dia em novas infecções desde o início da pandemia, com 92.115 testes positivos desde a véspera.

O único dia em que o total de pessoas diagnosticadas com o vírus superou o desta quarta foi em 25 de março, quando foram registrados 97.586 novos casos da doença. No total, o Brasil tem 467.702 mortos e 16.717.687 casos da doença, a segunda nação com mais registros, atrás apenas dos Estados Unidos. Os dados diários do Brasil são do consórcio de veículos de imprensa formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL em parceria com 27 secretarias estaduais de Saúde, em balanço divulgado às 20h. Segundo os números do governo, 15.168.330 pessoas estão recuperadas.


O Estado de São Paulo registrou nesta quarta-feira um número alto de mortes por coronavírus, totalizando 717. Outros cinco Estados também superaram a barreira de 100 óbitos no dia: Minas Gerais (324), Rio de Janeiro (256), Paraná (161), Rio Grande do Sul (130) e Goiás (121).

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre os seis meios de comunicação que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 Estados e no Distrito Federal. A iniciativa inédita é uma resposta à decisão do governo Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia, mas foi mantida após os registros governamentais continuarem a ser divulgados.

Nesta quarta-feira, o Ministério da Saúde informou que foram registrados 95.601 novos casos e mais 2.507 mortes pela covid-19 nas últimas 24 horas. No total, segundo a pasta, são 16.720.081 pessoas infectadas e 467.706 óbitos. Os números são diferentes do compilado pelo consórcio de veículos de imprensa principalmente por causa do horário de coleta dos dados.
       
João Ker, O Estado de S.Paulo, em 2 de junho de 2021 | 20h01

Os principais pontos do depoimento de Luana Araújo à CPI da Pandemia

Infectologista que trabalhou por dez dias no Ministério da Saúde afirma que debate sobre cloroquina é "delirante" e que ouviu de Queiroga que sua nomeação foi bloqueada pela Casa Civil.

"Autonomia médica não é licença para experimentação", afirmou Araújo

A CPI da Pandemia no Senado ouviu nesta quarta-feira (02/06) a médica infectologista Luana Araújo, que trabalhou por dez dias no Ministério da Saúde para elaborar uma estratégia de enfrentamento da pandemia de covid-19 e saiu do governo ao ter sua nomeação barrada.

Araújo havia sido anunciada em 12 de maio pelo ministro da Saúde Marcelo Queiroga como secretária extraordinária de enfrentamento à pandemia e atuou por breve período na pasta, mas não chegou a ser nomeada. Em 22 de maio, o ministério divulgou nota informando que ela não exerceria a função.

Formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre pela Escola de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, Araújo é contra o uso da cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19 e defende o isolamento social e o uso de máscaras, posições diversas da do presidente Jair Bolsonaro, que promoveu a cloroquina em diversas ocasiões, é contra o isolamento social e questiona o uso de máscaras.

Após recuar da nomeação de Araújo, Queiroga disse que não tinha recebido pressão do Palácio do Planalto contra o nome dela e que buscaria outro especialista "técnico e baseado em evidências científicas" para o cargo. Alguns dias depois, porém, ele reconheceu que havia faltado "validação política" para a nomeação da médica.

Ao longo de seu depoimento, Araújo não fez críticas a Queiroga e disse que ele estaria empenhado em buscar soluções para a pandemia.

Passagem relâmpago pelo governo

Araújo afirmou que, antes de assumir o cargo, pediu a Queiroga autonomia para assumir a secretaria e avisou que basearia suas decisões na ciência, e que não foi informada por qual motivo o governo decidiu não nomeá-la.

"Pleiteei autonomia, não subordinação ou anarquia, mas para atingir objetivos precisaria ter autonomia necessária para agir (...) Explicitei a ele, aceitaria o convite para essa posição se me fossem garantidas a autonomia necessária e sempre, sempre fossem respeitadas a cientificidade e tecnicidade", afirmou.

Araújo disse que ouviu de Queiroga apenas que seu nome "não passaria" pela análise da Casa Civil. "Ele [Queiroga] me disse isso. Que lamentava, mas que o meu nome não ia passar pela Casa Civil. (...) Me chamou ao final e disse que lamentava, mas que a minha nomeação não sairia e que meu nome não teria sido aprovado".

Ela afirmou aos senadores que, nesses dez dias na pasta, trabalhou normalmente e não recebeu "nenhum centavo" por esse período.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro tomou diversas decisões para que o Ministério da Saúde permanecesse alinhado às suas preferências. O ex-ministro Nelson Teich, que ficou apenas 29 dias na pasta, era contra o uso de cloroquina no tratamento de covid-19 e deixou o cargo por não possuir autonomia suficiente para tomar decisões que achava necessárias. O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta caiu do cargo por motivo semelhante.

Em seu depoimento à CPI, Queiroga disse que havia recebido autonomia de Bolsonaro para montar sua equipe "conforme critérios técnicos" e que a gestão da pasta era "autônoma". O ministro prestará um novo depoimento à CPI da Pandemia em 8 de junho e deverá ser questionado sobre o tema. Os senadores querem saber se Queiroga teria mentido ao dizer que tinha autonomia para montar a sua equipe.

Debate sobre cloroquina é "delirante"

Araújo reforçou em diversos momentos a importância do método científico para embasar a tomada de decisões sobre o uso de medicamentos e a formulação de políticas públicas.

"Ciência não tem lado. Ciência é bem ou mal feita. Ciência é ferramenta de produção e conhecimento para servir a população priorizando a vida e a qualidade de vida", disse.

Ela afirmou que o atual debate sobre o uso de cloroquina e de um pretenso "tratamento precoce" sem eficácia comprovada, tema de diversos momentos da CPI da Pandemia, é algo "delirante". ‘

O uso da cloroquina ocupou boa parte do depoimento desta terça da CPI, da médica Nise Yamaguchi , e o de Mayra Pinheiro, em 25 de maio, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde e conhecida como "capitã cloroquina".

"Essa é uma discussão delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente. (...) "Todos nós somos a favor de uma terapia precoce que exista. Mas se ela não existe, não pode ser tornada saúde pública. Tratamento precoce é estupidez.  É como se a gente estivesse escolhendo de que lado da borda da terra plana a gente vai pular", afirmou Araújo, que classificou a defesa do chamado "tratamento precoce" como um "iluminismo às avessas". "Autonomia médica faz parte da nossa prática, mas não é licença para experimentação", frisou.

"Falta informação de qualidade".

Ela afirmou que a estratégia de combate à pandemia no Brasil precisa melhorar a comunicação pública sobre distanciamento social, o uso da máscara e a transmissão do vírus e implementar um programa de testagem em massa para identificar e rastrear as transmissões – tema ao qual ela se dedicou na sua passagem pelo governo.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, exibiu um vídeo com diversas declarações feitas por Bolsonaro que minimizavam a pandemia, como as que o presidente usou o termo "gripezinha" para se referir à covid-19, ou de que a doença era uma "chuva que vai atingir você", e perguntou a ela qual era a sua avaliação.

Araújo respondeu que era impossível, para quem trabalha com saúde pública, não sofrer um "impacto" diante desse tipo de fala. "Não é possível ouvir um conjunto de declarações, de quem quer que seja (...) sem sofrer um impacto quase que emocional, além do racional. A mim, como médica, infectologista, educadora em saúde, isso me suscita a ideia de que eu preciso trabalhar mais, que preciso informar melhor as pessoas, pois me parece que falta informação de qualidade", disse. "É uma situação muito complexa e triste."

Deutsche Welle Brasil, em 02.06.2021

Um país goleado

A decisão de receber a Copa América, contrariando frontalmente o bom senso, demonstra que Jair Bolsonaro não hesitará um segundo sequer em atender a seus interesses eleitorais

O País está apreensivo com a perspectiva, cada vez mais real, de um novo recrudescimento da pandemia de covid-19, e multiplicam-se os relatos de aumento das internações e de falta de oxigênio para o atendimento de doentes. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro achou que este era um bom momento para oferecer o Brasil como sede da Copa América de futebol, a ser realizada entre 11 de junho e 10 de julho.

Que o presidente não tem apreço pela saúde dos brasileiros, a esta altura está muito claro. A CPI da Pandemia tem conseguido detalhar ao País como se deu a sistemática sabotagem do governo aos esforços para conter o coronavírus, desde as medidas sanitárias e de distanciamento social até a compra de vacinas.

Mas a decisão de receber a Copa América de seleções, contrariando tão frontalmente o bom senso, vai muito além da indiferença pelos cidadãos. Na verdade, demonstra que Bolsonaro não hesitará um segundo sequer em atender exclusivamente a seus interesses eleitorais, mesmo que isso coloque em risco a vida da população.

Antes de ser uma óbvia temeridade do ponto de vista sanitário, contudo, o sinal verde de Bolsonaro para a realização da Copa América no Brasil é uma afronta moral.

O País caminha a passos largos para atingir meio milhão de mortos, uma tragédia sem paralelo na história, que certamente marcará gerações. Grande parte dos brasileiros está particularmente agastada porque muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se o governo tivesse agido de forma racional, buscando vacinas onde houvesse, investindo em insumos hospitalares e apoiando de forma decisiva as medidas de isolamento social.

Nesse contexto, o desdém do presidente Bolsonaro pelo infortúnio dos brasileiros é profundamente imoral, e a recepção de uma competição esportiva internacional em total desconsideração pelo momento de grande angústia é nada menos que indecente.

“Lamento as mortes, mas temos que viver”, declarou Bolsonaro como resposta às reações indignadas à sua decisão de aceitar a realização da Copa América no Brasil. É o padrão bolsonarista desde o início da pandemia: o presidente estimula os brasileiros a fingir que a doença não existe, mesmo diante de uma pilha de cadáveres e do estresse do sistema de saúde.

Originalmente, a Copa América seria disputada na Colômbia, que desistiu da promoção em razão da pandemia e também de constantes manifestações de rua. A sede substituta seria a Argentina, mas o avanço da covid-19 no país fez o governo argentino vetar a realização do torneio. Assim, conforme relatado pelo próprio Bolsonaro, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) consultou o presidente sobre a possibilidade de fazer a Copa América no Brasil. “Minha primeira resposta a princípio foi sim”, contou Bolsonaro. Ou seja, em nenhum momento ocorreu ao presidente que “em princípio” seria uma péssima ideia, como concluíram argentinos e colombianos.

O presidente disse que consultou seus ministros e a resposta foi “unânime”, isto é, “todos deram sinal positivo”. Supõe-se que entre esses ministros esteja o da Saúde, Marcelo Queiroga, que sabe, ou deveria saber, quais os riscos associados à realização de um evento desses no Brasil, com tão pouco tempo para os preparativos necessários para garantir a segurança sanitária dos maltratados brasileiros e dos visitantes.

Como sempre, Bolsonaro insinuou que há motivações ocultas para as duras críticas que recebeu. “Será que é porque a transmissão (da Copa América) não é da Globo, é do SBT?”, questionou o presidente. Afinal Fábio Faria, genro do dono do SBT, o apresentador Silvio Santos, ocupa o Ministério das Comunicações. Para Bolsonaro, portanto, o problema é comercial, e não sanitário.

Em janeiro deste ano, quando a pandemia começava a dar sinais de novo avanço, com quase 1,5 mil mortos por dia, Bolsonaro defendeu a volta das torcidas aos estádios. “Temos que voltar a viver, pessoal. Sorrir, fazer piada, brincar”, explicou o presidente. É esse o espírito da impiedosa goleada de indecência que o Brasil está sofrendo desde a lamentável eleição de Bolsonaro.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 02 de junho de 2021 | 03h00

Ação no Recife expõe risco de radicalização política nas PMs

Repressão durante manifestação contra Bolsonaro em Pernambuco reacende debate sobre influência política nas corporações; caso derruba comandante da Polícia Militar

Manifestações contra governo Bolsonaro foram recebidas com violência pela Polícia Militar no Recife Foto: Charles Jognson / Myphoto Press - 29/5/2021

A ação de policiais militares de Pernambuco reprimindo manifestantes pacíficos contrários ao presidente Jair Bolsonaro reabriu a discussão sobre a influência da radicalização política nas PMs e uma tendência observada por especialistas em segurança pública e oficiais consultados pelo Estadão: a atuação dos chamados “lobos solitários” nas corporações do País. Desde janeiro de 2020, ganharam repercussão nacional ao menos 15 casos em que policiais foram acusados de agir de forma político-partidária contra opositores do governo. 

A ação de radicais da extrema-direita é uma das principais preocupações das cúpulas da segurança pública de vários Estados. Na terça-feira, 1º, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), aceitou o pedido de exoneração do comandante da Polícia Militar, Vanildo Maranhão. Ele será substituído pelo coronel José Roberto Santana, que ocupava o cargo de diretor de Planejamento Operacional da PM. 

No sábado passado, dois homens foram feridos gravemente por tiros de balas de borracha disparados por policiais Tropa de Choque. Uma das vítimas sofreu perda do globo ocular esquerdo. O governo afastou o comandante da operação e outros policiais e pediu investigação da Corregedoria-Geral da Secretaria de Defesa Social. A Polícia Civil instaurou inquérito e o Ministério Público também abriu procedimento para acompanhar a apuração. 

A ação da PM nos atos contra o presidente Bolsonaro em Recife abriu uma crise no governo Paulo Câmara, que passou a ser pressionado por adversários na esquerda e ao mesmo tempo criticado por ativistas de extrema-direita. Câmara recebeu anteontem a vereadora Liane Cirne, do PT, que foi atacada com gás de pimenta por policiais. 

O governador e representantes do Estado têm evitado a imprensa e manifestações públicas nos últimos dias. Interlocutores de Câmara atribuem a ação violenta da PM a um “bolsão” de militares bolsonaristas que agiria da na base da corporação, especialmente na Tropa de Choque. 

Ao Estadão, o delegado Breno Maia afirmou que não vai se posicionar antes de finalizar as investigações. “Estamos fazendo a ouvidoria de todo o mundo, e ainda tem manifestante registrando BO. O fato é muito recente”, afirmou.

Além de Pernambuco, há preocupação com ações envolvendo policiais em outros Estados, como o Ceará e a Bahia, ambos comandados pelo PT. Já foram registradas, no entanto, ações contra opositores ainda em Estados governados por aliados de Bolsonaro. Soldados, sargentos e tenentes agiram para impedir manifestações contra o presidente em Goiás, no Rio e em Minas.

Pesquisa

Um dos que se preocupam com as ação de PMs é o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Segundo  dados de pesquisa do Fórum, são 120 mil os policiais radicalizados no Brasil, que apoiam ideias como fechamento do Congresso ou a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal, a maioria dos quais é PM – há cerca de 700 mil policiais militares, civis e federais no País.

Para ele, as ações coletivas contra os governos, como a do motim de policiais no Ceará, em janeiro de 2020, deixaram de estar no horizonte em razão da PEC Emergencial, que congelou os salário. Mas isso não significa um distanciamento dos policiais do universo bolsonarista. “Bolsonaro emula o pensamento médio dos policiais em questões, por exemplo, sobre como lidar com bandidos.” 

Um marco nas ações contra manifestantes contrários ao governo, segundo Lima, foi a ação da PM mineira no carnaval de 2019, proibindo ato contra Bolsonaro feito pelo bloco de carnaval Tchanzinho Zona Norte. Integrantes do bloco foram ameaçados por um capitão da PM quando começaram a puxar um coro contra o presidente. 

Em janeiro de 2020, em São Vicente (SP), um estudante foi detido por PMs porque tentava protestar contra o presidente, exibindo um exemplar da Constituição Federal. O argumento era que ele representava uma ameaça. Após depor em uma delegacia, o rapaz foi liberado. 

Na segunda-feira, o secretário estadual do PT de Goiás, Arquidones Bites Leão, foi preso por PMs em Goiânia, por ter se recusado a retirar uma faixa do capô do carro com a frase “Fora Bolsonaro Genocida”. Leão, que também é professor da rede pública estadual, invocou seu direito de se manifestar, mas o policial disse que iria enquadrá-lo na Lei de Segurança Nacional. O policial, identificado como Tenente Albuquerque, não usava máscara no momento da abordagem. Ele foi afastado das funções. 

Casos como o de Goiás reacenderam a discussão sobre problemas no treinamento policial e nos mecanismos de controle internos para lidar com os “lobos solitários”. “Não temos ainda, a exemplo dos Estados Unidos, a capacidade de formar um tipo de agente público no País que desenvolve o distanciamento de suas emoções quando entra no uniforme”, disse o professor Leandro Piquet, do Instituto de Relações Internacionais da USP. Para o coronel Glauco Carvalho, que comandou a PM na capital paulista, “alguns PMs adeptos do bolsonarismo, pensando em defender o líder, praticam atos que expressam suas ideias, em vez dos postulados das corporações”. 

Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo , em 02 de junho de 2021 | COLABOROU PEDRO JORDÃO, ESPECIAL PARA O ESTADÃO.

Sob Bolsonaro, disciplina e hierarquia são rompidas

A soberba e a subversão da ordem imperam, absolutas, desde que Bolsonaro subiu ao Planalto, alerta Roberto Romano, Professor de Ética e Filosofia na UNICAMP.

Começo com um pensador ético da modernidade. Diz Spinoza no seu Tratado Político: “A soberba é natural ao homem. A nomeação para o cargo de um ano basta para tornar os indivíduos orgulhosos. Sendo assim, que pensar dos nobres que desejam receber honras perpétuas?” Um pequeno emprego faz a pessoa se tornar arbitrária, acima da lei. Imaginemos o cume do poder! No país do “sabe com quem está falando” e do guarda da esquina (bom Pedro Aleixo…) a prática enunciada pelo filósofo é certeza.

O Estado moderno reúne três monopólios: o da norma jurídica, da taxação, da força pública. Na democracia vários setores dividem aqueles monopólios. Em terra não democrática os referidos monopólios se concentram em um setor em detrimento de outros. No Brasil, a força pública (Exército, Marinha, Aeronáutica) é partilhada com a polícia judiciária, com a civil e a militar (antigas corporações a serviço dos entes federados). O Poder Executivo em nossa pátria tem o controle majoritário daquelas forças.

(Ação no Recife expõe risco de radicalização política nas PMs)

O presidente da República, Jair Bolsonaro Foto: Dida Sampaio / Estadão

Sempre houve tensão entre quartéis e com a polícia judiciária, civil ou militar. O uso coordenado das forças exige disciplina e hierarquia dos setores. O domínio mais amplo pertence a Exército, Marinha, Aeronáutica. O mais restrito é o da Polícia Civil e Militar. Sob Bolsonaro, a disciplina e a hierarquia são rompidas. 

A cada hora um policial civil ou militar imagina ter a plenitude do monopólio da força. E age com arbítrio. O indivíduo usurpa a soberania. Julgando-se superior aos cidadãos, ele se põe como carcereiro, promotor e juiz. É o que ocorreu em Goiás, quando um policial apoiador do presidente decretou contra uma pessoa o crime de calúnia contra o mandatário por usar o termo “genocida” e o prendeu. 

No Recife, duas pessoas perderam a vista porque a Polícia Militar se julga superior aos dirigentes civis do Estado. A soberba e a subversão da ordem imperam, absolutas, desde que Bolsonaro subiu ao Planalto. Cabe à cidadania lutar contra o arbítrio em todos os níveis, do guarda da esquina ao presidente da República.

Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 02.06.2021

Pesquisa que rastreia redes sociais aponta que próxima onda da pandemia será mais grave no Brasil

Base de dados criada a partir de parceria entre o Facebook e a Universidade de Maryland compila informações de usuários e consegue antecipar o nível de contágio duas semanas antes da notificação oficial de novos casos

Pessoas com sintomas de covid-19 aguardam atendimento em um hospital de Ribeirão Preto. A cidade ampliou as medidas restritivas nesta semana.ANDRE PENNER / AP

As redes sociais já conseguem prever que a próxima onda da pandemia que se desenha no Brasil poderá ser ainda mais grave que as anteriores. Uma parceria entre o Facebook e a Universidade de Maryland dos Estados Unidos compila dados de usuários da rede social. Eles são sorteados para responder a uma pesquisa que inclui se eles têm sintomas semelhantes aos da covid-19 e desde quando os sentem. 

A Rede Análise Covid-19 estudou as informações referentes ao Brasil e, ao cruzá-las com os casos oficiais registrados pelo Ministério da Saúde, percebeu uma alta taxa de acerto, capaz de antecipar o cenário da crise sanitária em 15 dias antes do que mostrarão os boletins oficiais. A perspectiva para as próximas duas semanas, porém, não é boa. 

Os dados mostram a proximidade de uma nova onda potencialmente mais grave no país, que já havia estacionado em um patamar elevado, com uma média de quase 2.000 mortes diárias pelo coronavírus e hospitais ainda sob pressão. 

O desfecho do que virá dependerá das medidas restritivas ―hoje relaxadas em grande parte do país― e da possibilidade de espalhamento da variante indiana. O cenário preocupa especialistas, que alertam para a necessidade de políticas efetivas para frear o contágio.

A metodologia desenvolvida pela Universidade de Maryland, que usa o Facebook como ferramenta para atingir usuários, não é absoluta, mas serve como um termômetro para o que virá nos próximos dias. Embora não quantifique exatamente uma previsão de crescimento ―ou seja, quanto a curva poderá subir―, seus dados revertidos em gráficos demonstram neste momento uma curva de crescimento íngrime e, por isso, preocupante. 

“Percebi um aumento de relato de sintomas muito forte, que é uma previsão do que pode acontecer. Já é possível ver uma subida grande no gráfico”, explica o especialista Isaac Schrarstzhaupt, coordenador na Rede Análise Covid-19. Os sintomas considerados na metodologia são febre, tosse e falta de ar. 

A ferramenta é mais uma forma de tentar vislumbrar o futuro próximo da pandemia antes mesmo das notificações de diagnósticos, que costumam demorar cerca de duas semanas para aparecer nos dados oficiais pelas burocracias e tempo de processamento dos testes. Até agora, a curva desenhada nesta base de dados coincide com a curva de novos casos dos boletins oficiais.

No gráfico, a Rede Análise de covid-19 adianta em 15 dias os dados de sintomas reportados (linhas) e os sobrepõe aos casos registrados pelo Ministério da Saúde (barras azuis). A curva final das linhas dão a previsão do que deve vir nas próximas semanas.REDE ANALISE COVID-19 / REPRODUÇÃO

“Se os dados [de covid-19] seguirem o caminho das outras ondas, nos próximos 15 dias teremos uma subida forte. Faço ressalvas porque esta é uma pesquisa, com dados adjacentes”, diz Schrarstzhaupt. Feita a ponderação, o que se vislumbra na análise de dados por Estado é a tendência de uma nova onda de infecções em todo o país. “Está tudo muito ruim e não vejo uma região com um cenário mais grave. O aumento de pessoas reportando sintomas é constante em praticamente todo o país”, explica. A chegada do inverno historicamente já traz o aumento sazonal de doenças respiratórias, mas uma nova aceleração da pandemia guarda outras preocupações. 

Primeiro, os sistemas de saúde não desafogaram o suficiente para conseguir responder a uma nova subida exponencial e já estão pressionados em várias partes do país. As medidas restritivas já foram bastante relaxadas ―o presidente Jair Bolsonaro inclusive acionou o Supremo Tribunal Federal para tentar reduzi ainda mais em alguns Estados― e a circulação de pessoas beira a normalidade. A equação ainda inclui a chegada da nova variante indiana, que pode acelerar ainda mais o crescimento, a depender do seu comportamento com a brasileira P1. Ambas são mais transmissíveis. “O Brasil parece que desistiu de se proteger e ficar recluso”, lamenta Schrarstzhaupt.

Vários Estados com sistemas de saúde pressionados

A curva de aumento no relato de sintomas no país corrobora com a sobrecarga hospitalar já visível em alguns Estados. Há filas de pacientes com covid-19 à espera de um leito de UTI em vários locais, como em regiões do Ceará, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, entre outros. São Paulo, o Estado mais populoso do país, já supera 80% de leitos ocupados e vê a fila por leito crescer no interior. A Secretaria da Saúde de Curitiba afirmou nesta semana ter chegado ao limite da expansão, e a cidade ampliou as restrições. As UTIs lá estão com mais de 100% de ocupação. 

Neste contexto, o saldo deixado pelas ondas anteriores não ajudam. “Na subida anterior, que ocorreu entre fevereiro e março, a gente não conseguiu deixar os hospitais realmente aliviarem”, lembra o pesquisador. Vários Estados retomaram a abertura de atividades mesmo com níveis de ocupação altos e agora começam a frear o ritmo de abertura, com várias cidades até aumentando as restrições.

“A doença pode subir de forma exponencial, mas a alta hospitalar não. As pessoas têm o tempo delas para se recuperar. Como estamos com hospitais muito cheios, mesmo que tivéssemos um aumento que não fosse ultraforte, já seria problemático”, argumenta Schrarstzhaupt. O último boletim do grupo Infogripe da Fiocruz ―que analisa os casos de síndrome aguda respiratória grave no país― aponta que após uma abertura precoce, o cenário é de retomada de alta nas internações em todo o país e vislumbra um agravamento para as próximas semanas.

O aumento dos indicadores da crise sanitária ocorre em cadeia: aumenta-se o relato de sintomas, as internações, os novos casos e, por fim, os óbitos. Com hospitais já saturados, a letalidade também tende a crescer. Isso porque se acumulam filas por terapia intensiva, enfermarias são adaptadas em UTIs, e isso gera uma assistência diferente da que se espera. 

“Eu diria que a nova onda deve ser mais letal porque os hospitais já estão esgotados. Quanto mais demorarmos a agir, mais isso repercutirá nos óbitos. O tamanho da nova onda depende muito das ações que vamos tomar”, explica o pesquisador. 

Fechamentos do comércio e aumento das restrições, defende, seriam fundamentais para amortecer a nova alta que ele já vê como inevitável. “Tem que cortar a cadeia o quanto antes.”

Soma-se a essas questões a chegada da nova cepa indiana, potencialmente mais transmissível e com risco de acelerar o agravamento da crise já em curso no Brasil. As análises com dados da Universidade de Maryland, que já apontam para um aumento exponencial de casos, não a consideram na equação. “Se ela competir com a nossa P1, vai poder acelerar isso”, alerta Schrarstzhaupt. Ele não projeta números absolutos, mas pondera que a covid-19 não tem um teto previsível. “Onde se deixa a doença tomar conta, há números gigantes. Na atual situação do Brasil, um aumento leve já é perigoso”, aponta.

Ministério admite terceira onda

Nesta semana, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, admitiu a possibilidade de o Brasil enfrentar uma nova onda da pandemia, mas creditou a ela uma nova variante. Ele não citou especificamente a cepa indiana, já identificada em ao menos oito pessoas no país. “Estávamos com medidas de bloqueio, mas quando houve mais disponibilidade de leitos, se flexibilizou. E pode haver tendência de aumento de casos, que vai se refletir em nova pressão sobre sistema de saúde. 

Mas também pode ser fruto de uma variante. Nós não temos essa resposta ainda”, afirmou durante uma audiência na Câmara Federal. Ele admite que pode ser necessário adotar medidas mais restritivas e diz que o Ministério da Saúde está vigilante para orientar prefeitos e governadores, mas não sinaliza ações efetivas. Enquanto isso, Bolsonaro segue atacando o isolamento social.

O Brasil parou de ver cair a média diária de mortes pelo coronavírus, estacionada em um patamar que beira 2.000 óbitos. O ritmo de vacinação segue lento ― caiu 17% em maio, em comparação com o mês de abril, segundo a plataforma Info Tracker, mantidas pela Unesp e pela USP. As hospitalizações voltaram a crescer e há especialistas que afirmam que a terceira onda está vindo até antes do previsto. Nesta sexta, o país contabilizou 2.371 novas mortes, chegando a 459.045 vítimas fatais na pandemia. 

“Essa terceira onda está vindo antes do esperado, pelo menos na minha percepção. Eu achei que ela começaria com um pouco mais de força no final de junho, começo de julho, ela está vindo com um mês de antecedência”, afirmou o epidemiologista Pedro Hallal, em entrevista à Globo News.

BEATRIZ JUCÁ, de São Paulo para o EL PAÍS, em 28 MAI 2021, às 19:24 hs

Desfazer a caricatura dos evangélicos

Bolsonaristas ou lulistas? É importante entender que o discurso dos líderes religiosos não é o mesmo da maior parte dos fiéis, principalmente os mais jovens

Jair Bolsonaro conversa com fiéis após um passeio de motocicleta no Rio de Janeiro, em maio de 2021.ANTONIO LACERDA / EFE

As pesquisas eleitorais dos principais institutos do país, divulgadas no mês de maio, trouxeram apreensão ao palácio do planalto. Nelas, o ex-presidente Lula apareceu isolado em primeiro lugar nas intenções de voto do primeiro turno, enquanto, no segundo, apareceu com larga vantagem à frente do presidente Jair Bolsonaro. 

O conjunto dos dados, olhados por qualquer prisma, é péssimo para o Governo. Aqui, gostaria de chamar atenção para um dos seus aspectos: a intenção de voto dos evangélicos. Tomarei como base os últimos dados divulgados que isolaram esse grupo religioso, fornecidos pela pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada dia 12 de maio. 

Segundo os dados apresentados, 35% desse segmento religioso optam pelo candidato petista já no primeiro turno, contra 34% que preferem Bolsonaro. Em um eventual segundo turno entre os dois, ambos ficam com 45% das intenções de voto. Quando olhamos para os dados de rejeição, a situação é levemente favorável ao petista: 45% do grupo diz que não votaria de jeito algum no atual mandatário, contra 42% em Lula.

Esses números, se confirmados por outras pesquisas, representam uma virada no quadro político dessa fatia importante do eleitorado que, desde 2016, tem optado por candidatos anti-petistas. Tal mudança, no entanto, não deveria surpreender, ainda mais considerando o histórico do posicionamento político dos evangélicos e a situação econômica e social do país em 2021.

Quando olhamos mais atentamente para esse grupo, vemos que apesar dos posicionamentos recentes de aliança e apoio a este Governo e de uma postura majoritariamente conservadora ao longo das últimas décadas, os evangélicos correspondem a um conjunto multifacetado, complexo e plural, que ao longo do tempo viu líderes e instituições oscilarem no posicionamento político. Muitos dos que agora estão com Bolsonaro já foram, inclusive, aliados de governos petistas.

A inclinação política da maior parte dos líderes desse segmento em direção a candidatos de direita e extrema-direita se deu só no final da última década, tendo como pano de fundo a crise econômica pós 2015. Esse posicionamento é perfeitamente explicável a partir da constatação de que os evangélicos correspondem ao grupo religioso com maior contingente de famílias em situação de baixa renda e vulnerabilidade social. 

Parte importante desse segmento abandonou o barco dos governos petistas com a piora da situação econômica. Agora, em um momento de perda do poder de compra, alto desemprego e ausência de perspectivas – situação cada vez mais evidentemente ligada às más escolhas do atual governo –, punem também Bolsonaro.

As chamadas pautas morais, ligadas principalmente às questões de gênero e sexualidade, têm sim sua importância para os evangélicos, mas é importante desfazer caricaturas e entender que o discurso dos líderes religiosos não é o mesmo da maior parte dos fiéis, principalmente os mais jovens. 

Além disso, tais discursos radicalizados, amplificados e distorcidos por fake news para alvejar a esquerda, só ganharam o eco que tiveram em um contexto de insatisfação já existente contra os governos petistas devido à situação econômica. Por fim, ainda que consideremos a persistência dessas pautas moralizantes entre candidatos evangélicos, é preciso ter em mente que elas tendem a gerar um retorno eleitoral mais contundente em candidatos ao legislativo do que ao executivo.

Em outras palavras, os fiéis votam no nome indicado pela igreja no legislativo, mas no executivo, a escolha envolve um conjunto mais complexo de variáveis, em que ganha destaque a situação econômica. É isso que minhas pesquisas de mestrado doutorado em Ciência Política na Universidade de São Paulo, realizadas entre 2011 e 2018, sinalizaram.

A situação econômica do próximo período, bem como os próximos capítulos da CPI da Pandemia, que devem evidenciar a responsabilidade do atual governo para o prolongamento da pandemia e a multiplicação das mortes, deverão sedimentar esse novo quadro. Resta saber o que farão os líderes e políticos da bancada evangélica, hoje abraçados com Bolsonaro. A julgar pelo histórico, podem também facilmente mudar de lado.

VINICIUS DO VALLE, de São Paulo para o EL PAÍS, em 30 de maio de 2021. / Vinicius do Valle é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e autor de “Entre a religião e o lulismo” (Ed. Recriar).

Investigado, Pazuello ganha cargo de "estrategista" no governo Bolsonaro

Ex-ministro da Saúde criticado por gestão marcada por explosão de mortes e por não garantir vacinas suficientes vai assumir cargo de "secretário de estudos estratégicos" dentro do Palácio do Planalto.

Pazuello atuará na Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que comandou a pasta de maio de 2020 a março de 2021 e é um dos principais alvos da CPI da Pandemia, foi nomeado nesta terça-feira (1º/07) para um cargo dentro da Presidência da República.

General da ativa do Exército, ele exercerá o cargo de secretário de estudos estratégicos da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, que fica no Palácio do Planalto e é comandada por Flávio Rocha, almirante da Marinha.

A portaria de sua nomeação foi assinada pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, general da reserva, e publicada em edição extra do Diário Oficial da União.

Pazuello terá um cargo DAS 6, a hierarquia mais alta possível para cargos de confiança, com um salário de R$ 16.994,90 que se somará ao seus vencimentos do Exército, sujeito ao teto constitucional de R$ 39,2 mil.

O cargo permite que Pazuello esteja próximo de Bolsonaro, mas não garante ao ex-ministro foro privilegiado – ele pode vir a responder a inquéritos e eventuais ações penais na primeira instância da Justiça.

Atualmente, além de alvo da CPI, que já o convocou para um segundo depoimento e pode solicitar o seu indiciamento, Pazuello é investigado pela Polícia Federal por conta de suas decisões quando estava à frente do Ministério da Saúde, em especial o caso da falta de oxigênio em hospitais de Manaus.

Em 23 de maio, Pazuello participou de um ato político no Rio de Janeiro ao lado do presidente, apesar de o regulamento disciplinar vedar participação de militares nesse tipo de evento. Pela participação no ato, o general está respondendo a um procedimento administrativo no Exército, que deve ser decidido em breve.

Pazuello comandou o ministério da Saúde entre maio de 2020 e março deste ano, e sua gestão foi alvo de críticas. Quando o general assumiu a pasta, o Brasil acumulava 233 mil casos e 15.633 mortes associadas à covid-19. Quando o substituto do general na pasta foi anunciado, o número de casos passava de 11,5 milhões, e o de mortes se aproximava de 280 mil, com o país ocupando o segundo lugar entre as nações com mais óbitos na pandemia. Pazuello também deixou o cargo sem garantir vacinas suficientes para a população.

Deutsche Welle Brasil, em 01.06.2021

Do medo da covid-19 à desolação: enfermeiros enfrentam danos psicológicos do trabalho na pandemia

"Os enfermeiros já enfrentavam, antes da pandemia, problemas de saúde mental relacionados a longas jornadas de trabalho, como estresse, esgotamento e havia até relatos de pensamentos suicidas. 

A gente sabia que a situação pioraria com a pandemia, mas não pensávamos que pioraria tanto", diz Dóris, como a enfermeira é conhecida, à BC News Brasil.

Duramente afetados pela rotina da pandemia, profissionais de enfermagem têm relatado diversas dificuldades a voluntários de projeto focado em saúde mental. (Crédito: Getty Images).

Logo no início da pandemia de covid-19, a enfermeira Dorisdaia Humerez, de 62 anos, propôs que o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) criasse uma iniciativa para cuidar da saúde mental dos profissionais que estão na linha de frente do combate ao novo coronavírus.


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Coordenadora da Comissão Nacional de Saúde Mental do Cofen, ela recebeu apoio do conselho para criar o projeto "Enfermagem Solidária". De forma gratuita, 24 horas por dia, a iniciativa fez cerca de 8 mil atendimentos virtuais de trabalhadores de todo o país no ano passado, segundo Dóris.

Depressão, ansiedade e pensamentos suicidas foram alguns dos temas que os cerca de 150 voluntários leram em relatos dos profissionais de saúde.

Entre os casos que acompanhou, Dóris destaca um que a deixou muito comovida: uma enfermeira que se sentia culpada após a mãe morrer em decorrência do novo coronavírus. "Ela acreditava que tinha sido a responsável por infectar a mãe. Foi uma das situações mais difíceis", relata.

O "Enfermagem Solidária" ajudou até mesmo a idealizadora do projeto. Em novembro passado, o marido de Dóris morreu em decorrência da covid-19.

"Percebo que o "Enfermagem Solidária" até me ajuda a compreender melhor a perda que eu tive", diz.

Os enfermeiros na linha de frente

Desde o começo da pandemia, os profissionais de saúde que estão na linha de frente contra a covid-19 enfrentam situações extremas de esgotamento físico e mental, que se tornaram mais agudas nos picos da pandemia, como hospitais sobrecarregados, falta de equipamentos de segurança e ausência de medicamentos para intubar pacientes.

Esses trabalhadores também vivem com o medo de serem vítimas do novo coronavírus e lidam com a saudade de colegas que morreram em decorrência da covid-19.


Em março do ano passado, Dóris deu início ao "Enfermagem Solidária" para ajudar aqueles que estão na linha de frente da pandemia. (Crédito: Arquivo Pessoal)

Em todo o Brasil foram registrados, desde o começo da pandemia, 56,1 mil casos de infecções pelo novo coronavírus entre profissionais de enfermagem e 784 mortes, segundo dados atuais do Observatório de Enfermagem, do Cofen.

Doutora em saúde mental e professora aposentada da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dóris afirma que desde o princípio da pandemia não havia dúvidas da necessidade de uma iniciativa para apoiar os profissionais de enfermagem. Após autorização do Cofen, ela procurou outros enfermeiros que também são especialistas em saúde mental. Em poucos dias, o projeto recebeu diversos voluntários.

O "Enfermagem Solidária" entrou em funcionamento a partir do fim de março de 2020. Meses depois, passou a atender também alguns trabalhadores da área da radiologia.

A responsável pela iniciativa ressalta que o projeto não tem o objetivo de substituir sessões de terapia ou acompanhamento psiquiátrico.

"O que fazemos é uma escuta empática, para acolher esses trabalhadores. O objetivo é que esses profissionais desabafem. Se necessário, criamos uma rotina com aquela pessoa, pedimos para ela voltar em outro momento também para conversar", explica Dóris.

"Alguns psicólogos ligaram para tentar ajudar no projeto, mas o meu objetivo era reunir voluntários que fossem da enfermagem e com especialização em saúde mental. Era um sentimento de que outros enfermeiros poderiam dar um apoio melhor aos colegas de profissão no atual momento, porque conhecem a rotina de trabalho", acrescenta.


Em novembro, o médico Oswaldo Humerez, marido de Dóris, morreu em decorrência da covid-19

Os relatos ao longo da pandemia

O projeto funciona por meio de um chat no site do Cofen. Ali, profissionais de enfermagem desabafam com os voluntários por meio de textos. "Acredito que quando eles escrevem o que sentem, também refletem sobre aquilo", afirma Dóris.

Ela comenta que os desabafos dos profissionais de saúde mudaram ao longo dos meses de pandemia. No início, segundo Dóris, a maior parte dos relatos eram referentes ao medo intenso de contrair o novo coronavírus e infectar a família.

"Era uma situação quase geral. Os profissionais se queixavam que não havia equipamento de proteção adequado ou, quando havia, não recebiam treinamento para usá-los. Era uma situação na qual ainda estavam se ajustando, pois era começo da pandemia", relata.

Meses depois, segundo a enfermeira, o medo da contaminação pelo vírus desapareceu. "A impressão foi de que todos já haviam aceitado que estavam contaminados ou seriam contaminados em algum momento. Muitos profissionais passaram a mudar de casa para proteger a família. Alguns alugaram casa com colegas de profissão para não colocar os parentes em risco", diz Doris.

"Com o passar do tempo, essa distância da família causou uma sensação de desamparo, porque estavam distantes dos entes queridos. Alguns diziam que passavam na rua abanando a mão para o filho ou para a mãe. Foi um período sofrido e de desamparo, porque eles precisavam da família naquele momento", comenta a enfermeira.

Outra situação que se tornou frequente entre os relatos foi sobre o estigma que passou a ser associado aos profissionais que trabalham em hospitais.

"Em determinado momento, começaram a aplaudir os profissionais de saúde. Mas ao mesmo tempo, esses trabalhadores foram estigmatizados. Houve situações de enfermeiros hostilizados no transporte público ou até nos condomínios em que moravam. Parecia que a sociedade queria os profissionais de saúde cuidando, mas não queriam eles por perto. Queriam que eles morassem no hospital e ficassem por lá", diz Dóris.

Quando os casos começaram a reduzir no país, por volta do fim do ano passado, o "Enfermagem Solidária" ficou desativado por cerca de 20 dias. Porém, o projeto logo voltou a funcionar, no período em que a situação no Amazonas voltou a ficar crítica.

"Quando chegou essa segunda onda no Amazonas, começamos a atender o caos. Nesse período, percebemos que os enfermeiros começaram a se perguntar: o que estamos fazendo aqui? Para que estamos aqui? Isso não vai acabar? Havia muitos óbitos e muitos diziam que não queriam mais trabalhar em UTIs", relata.

No início deste ano, segundo Dóris, o cansaço extremo e os temores relacionados à pandemia aumentaram entre os profissionais do país, em razão da explosão de casos de covid-19.

Desencanto com a profissão na pandemia é um dos relatos mais comuns entre os profissionais de enfermagem. (Crédito: Getty Images).

"Eles viram quantidades de óbitos que nunca haviam visto. Antes, eles eram como salvadores, pois conseguiam salvar muitas vidas. Eles estudaram e se especializaram para isso. 

Mas nos primeiros meses deste ano se desencantaram com tantos óbitos. Eles pensavam: isso não vai ter fim, o que estou fazendo aqui?", relata Dóris.

Após enfrentar explosão de mortes pela covid-19 no primeiro quadrimestre do ano, o Brasil registrou queda nos números de óbitos. Nos últimos dias, porém, os números voltaram a subir em algumas regiões do país.

No mês passado, os óbitos pelo novo coronavírus entre os enfermeiros caíram em 71% em comparação ao mês anterior. Enquanto em março foram 83 mortes pela covid-19 na categoria em todo o país, em abril foram 24. Os dados são do Cofen, que aponta que fatores como a vacinação — profissionais da saúde são prioritários — e melhor conhecimento sobre os protocolos para combater o novo coronavírus foram fundamentais para reduzir as mortes desses trabalhadores.

Apesar do cenário atual mais ameno, em comparação aos primeiros meses deste ano, Dóris afirma que o desencanto com a profissão ainda é frequente entre os trabalhadores da saúde. "É o que estamos sentindo nos relatos atualmente", diz. Esse sentimento, aponta a enfermeira, ocorre por tudo o que ocorreu nos últimos meses e pelo temor de uma nova explosão de covid-19 no país.

No período recente, o "Enfermagem Solidária" faz uma média de 80 atendimentos diários.

Do início do projeto até hoje, muitos daqueles que buscam ajuda são trabalhadores que sofrem de depressão, transtorno do pânico ou ansiedade generalizada. "Alguns já haviam sido diagnosticados por psiquiatras", relata Dóris. Muitos desses transtornos foram agravados durante a pandemia. "A depressão com vontade de desistir de tudo é a situação mais frequente", afirma a enfermeira.

'Ela dizia que foi a responsável por infectar a mãe'

Um dos casos mais marcantes para Dóris no "Enfermagem Solidária" ocorreu em maio de 2020. Na época, uma enfermeira que havia perdido a mãe para a covid-19 buscou ajuda.

"Ela dizia que estava chorando muito porque havia sido a responsável por infectar a mãe. Foi um caso muito difícil, tentei explicar para ela que qualquer um poderia contaminar o outro durante a pandemia", relata Dóris.

No relato, de maio do ano passado, a enfermeira contou que a mãe era muito cuidadosa em relação à prevenção contra a covid-19. "Essa moça dizia que não tinha dúvidas de que a mãe tinha morrido por causa dela. Era uma culpa tão grande essa moça tinha até ideação suicida. Era muito doído, porque ela acreditava que precisava pagar por ter contaminado a mãe", relembra Dóris.


Em todo o país, mais de 770 profissionais de enfermagem morreram em decorrência da covid-19 desde março do ano passado. (Crédito: Getty Images)

"Ela falava que a mãe era saudável e feliz. Cada vez mais, ela se culpava pela morte da mãe. Foi uma história muito triste", diz a enfermeira.

Dóris conversou com a moça por diversas vezes ao longo dos meses. "Consegui fazer com que ela se sentisse melhor. De vez em quando, ela ainda me escreve e diz que está um pouco melhor. É muito importante termos esse retorno positivo, que recebemos em muitos casos", comenta.

A perda do marido

Enquanto liderava o projeto, Dóris sofreu uma perda que a afetou duramente. O marido dela, o médico Oswaldo Humerez, de 70 anos, morreu em decorrência da covid-19 em novembro passado.

Ele trabalhava em uma unidade de saúde do Guarujá, em São Paulo — cidade em que o casal morava. Emocionada, a viúva relata a situação na qual o companheiro acredita ter contraído o novo coronavírus. "Ele estava saindo da unidade de saúde quando viu que um médico mais novo estava intubando um paciente. Ele quis ajudar e recebeu uma carga viral enorme, porque não estava com todos os equipamentos de proteção, apenas com a máscara. Quando ele chegou em casa, me disse; se eu peguei o coronavírus, foi hoje."

O marido dela apresentou os primeiros sintomas da doença. Logo a situação se agravou e Oswaldo precisou ser internado. Ele ficou cinco dias intubado, mas não resistiu às complicações do novo coronavírus.

"Foi tudo muito rápido e inesperado. Ele não tinha comorbidades, era esportista, jogava tênis e até dava uma surfadinha. Ele era muito vivo", lamenta Dóris, que também contraiu o novo coronavírus e teve sintomas leves.

"Pelo menos depois me informaram que o paciente que ele intubou conseguiu se salvar. Ao menos uma coisa boa", acrescenta.

Dóris e Oswaldo foram casados por 40 anos. Eles tiveram uma filha. Logo após a perda do marido, a profissional de saúde relata que ficou deprimida e com medo em relação ao projeto "Enfermagem Solidária".

"Não sabia se daria conta de ajudar aqueles vários voluntários que acreditavam em mim e no meu projeto. Mas o fato de achar que eles precisavam de mim fez com que eu criasse coragem para voltar", relata.

Quando retornou ao "Enfermagem Solidária", recebeu apoio intenso dos outros voluntários. "Todo mundo me deu força e isso me ajudou", diz Dóris.

Ela confessa que os atendimentos mais difíceis atualmente são os de profissionais de saúde que perderam parentes para a covid-19. "Tenho que ficar firme quando atendo casos que são semelhantes ao meu, senão eu choro também. Apesar de difícil, eu tento ajudar aquela pessoa que também está passando por isso, porque sei como é uma situação muito pesada", diz Dóris.

"Tenho a impressão de que está sendo um período difícil para todo mundo, para mim também", acrescenta.

Enquanto a pandemia segue sem prazo para acabar, o "Enfermagem Solidária" continua em funcionamento. No primeiro quadrimestre deste ano foram, ao menos, 3,5 mil atendimentos.

"Depois que a pandemia for controlada, vamos pensar em um novo modelo de projeto para acompanhar a saúde mental dos profissionais de enfermagem", afirma Dóris.

Vinícius Lemos - @oviniciuslemos, de São Paulo para a BBC News Brasil, em 02.06.2021.

Afinal, Brasil vacina pouco ou muito? Confira 5 dados do ranking global

Como as quase 500 mil mortes são atualmente incontornáveis, as críticas ao governo de Jair Bolsonaro e os contrapontos têm se concentrado no desempenho brasileiro na vacinação.

Imagem reproduz uma pessoa que trabalha na área da saúde aplicando uma vacina em um símbolo de interrogação. (CRÉDITO,GETTY IMAGES)

Praticamente todos os dados que tratam da situação do Brasil na pandemia de coronavírus são questionados, comparados, recortados ou distorcidos desde que a doença chegou oficialmente ao país, em fevereiro de 2020.

Afinal, o Brasil vacina pouco ou muito?

Se a comparação considerar apenas o número total de doses que cada país aplicou, o Brasil aparece em quarto lugar no ranking global de dados oficiais compilados pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Um patamar esperado para o sexto país mais populoso do mundo, com 212 milhões de habitantes.

Mas quando a comparação do total de doses aplicadas leva em conta o tamanho da população de cada país, o Brasil aparece em 78º entre 190 nações e territórios.

A comparação pode ser feita também com o próprio Brasil. O Ministério da Saúde afirma que o país tem capacidade instalada de vacinar 2,4 milhões por dia. E já chegou a vacinar 18 milhões de crianças em campanha contra a poliomielite. Mas desde 17 de janeiro de 2021, o Brasil só superou dez vezes a marca de 1 milhão de vacinados em 24h.

Até o momento, 840 milhões de pessoas receberam pelo menos uma dose contra a covid-19 ao redor do mundo, equivalente a cerca de 11% da população.

Que porcentagem da população recebeu pelo menos uma dose? Brasil em 72º lugar

Até o dia 02/05, o Brasil havia aplicado pelo menos uma dose em 21% da população brasileira. Isso coloca o país em 72º lugar no ranking de 190 nações e territórios.

Na América, o Brasil figura em 15º lugar. O país mais bem posicionado do continente é o Chile, que aplicou pelo menos uma dose em 55% da população. E mesmo com o avanço expressivo da vacinação por lá, o país sul-americano também tem enfrentado desafios graves no sistema de saúde, o que indica que a contenção da pandemia precisa ser associada a medidas eficazes de distanciamento social e uso universal de máscaras capazes de evitar a infecção.

Parcela da população vacinada contra covid ao longo do tempo. Taxa de pessoas que receberam pelo menos uma dose da vacina, em %.  .

Que porcentagem da população recebeu duas doses? Brasil em 74º lugar

Com exceção da vacina da farmacêutica Janssen, todos os imunizantes precisam de duas doses para atingir a máxima eficácia contra o coronavírus. Em geral, uma pessoa pode ser considerada completamente imunizada duas semanas depois de receber a segunda dose.

Alguns países decidiram ampliar o período entre as duas doses, a fim de garantir logo a imunização parcial de uma fatia maior de sua população, como o Reino Unido.

No ranking da proporção da população que recebeu duas doses, o Brasil (10,4%) aparece em 74º no mundo e 18º na América.

Qual é a velocidade do programação de vacinação? Brasil em 89º lugar

No quesito velocidade de doses aplicadas diariamente por cada 1 milhão de habitantes, o Brasil (3.561) aparece em 89º no mundo e 13º na América. O ritmo tem caído: em meados de maio o Brasil aplicava 4.207 doses por cada 1 milhão de habitantes.

Desde fevereiro, o Brasil leva de 12 a 14 dias para aplicar 10 milhões de doses contra a covid-19.

Como dito acima, o Brasil tem uma enorme capacidade instalada por trás de um programação nacional de vacinação reconhecido mundialmente, mas a falta de vacinas impede o país de atingir os níveis de imunização de outras décadas. Na pandemia de H1N1, por exemplo, o Brasil imunizou quase 80 milhões de pessoas em três meses.

Na pandemia atual, o governo federal distribuiu de 17/01 a 02/06 quase 97 milhões de doses para Estados e municípios, mas apenas 68,2 milhões tinham sido aplicadas, segundo dados do Ministério da Saúde.

Média de vacinas contra covid-19 aplicadas diariamente no Brasil. Brasil atingiu 1 milhão de doses aplicadas num dia em 10 dos 135 dias de vacinação .  .

A diferença entre o número de doses distribuídas e aplicadas no Brasil se explica em parte à necessidade de reservar uma quantidade como segunda dose, e uma eventual escassez poderia afetar a imunidade dos vacinados. A eficácia contra a covid só é garantida semanas depois da aplicação da segunda dose.

Um estudo recente da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) apontou que que Brasil precisa vacinar 2 milhões por dia para controlar pandemia em até um ano. E atualmente o país mal tem conseguido passar de 1 milhão por dia. Isso ocorreu em 10 dos 135 dias do programa de vacinação.

Quantas doses foram compradas ao todo? Brasil em 6º lugar

A aceleração das aplicações na pandemia esbarra em um problema mundial: a falta de vacinas.

No caso brasileiro, isso se agravou porque o governo Bolsonaro recusou sucessivas ofertas da Pfizer, apostou todas as fichas na vacina AstraZeneca-Oxford, ameaçou boicotar a Coronavac por disputas políticas com o governo de São Paulo e só decidiu comprar outras vacinas quando a fila de países compradores já "dobrava a esquina".

No papel, o cronograma atual do Ministério da Saúde prevê 563 milhões de doses, e a entrega de 154 milhões delas no primeiro semestre de 2021, considerando apenas vacinas aprovadas pela Anvisa: Coronavac, AstraZeneca-Oxford e Pfizer.

Isso seria suficiente para imunizar o grupo prioritário inteiro, mas não significa que todas essas 78 milhões de pessoas estariam vacinadas antes de julho — o Brasil tem conseguido aplicar cerca de metade das doses disponíveis e há um intervalo de semanas entre a primeira e a segunda dose.

Cronograma previsto de entregas mensais de vacina contra covid-19. Em março, governo Bolsonaro mudou cinco vezes previsão de doses abaixo, em milhões.  .

Mas os constantes atrasos em importações de insumos e vacinas, além de problemas na produção em território nacional e a não aprovação de outros imunizantes por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fazem com que esse cronograma seja cada vez mais difícil de ser atingido.

Levantamento da Universidade de Duke aponta que o Brasil é o sexto maior comprador de vacinas no mundo, com 370 milhões de doses compradas (e outras 208 milhões com opção de compra negociada).

Ele fica atrás da União Europeia (1,8 bilhão), dos EUA (1,2 bilhão), do consórcio Covax (coordenado pela Organização Mundial da Saúde para beneficiar países mais pobres com 1,1 bilhão de doses), da União Africana (670 milhões) e do Reino Unido (457 milhões).

Quantas doses foram aplicadas ao todo? Brasil em 4º lugar

O dado do total de doses aplicadas no Brasil é o principal argumento utilizado para exaltar o avanço do programa de vacinação brasileiro.

Nesse quesito, o Brasil aparece em 4º lugar no ranking global, com 67 milhões de aplicações até o dia 02/06. Fica atrás de China (661 milhões), EUA (294 milhões), e Índia (210 milhões).

Matheus Magenta, de Londres para a  BBC News Brasil, em 02.06.2021.