terça-feira, 4 de maio de 2021

Mandetta diz na CPI que Presidência sugeriu decreto para colocar indicação para Covid nas bulas de cloroquina

Ex-ministro diz que Bolsonaro tinha assessoramento 'paralelo' e afirma que viu várias reuniões em que Carlos Bolsonaro, filho do presidente que é vereador, tomava notas

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta presta depoimento, nesta terça-feira, na CPI da Covid no Senado Federal. O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), foi o primeiro a fazer perguntas. O ex-ministro disse que viu uma minuta de documento da Presidência da República para que a cloroquina tivesse na bula a indicação para Covid-19 e que o presidente Jair Bolsonaro parecia ouvir "outras fontes" que não o Ministério da Saúde.

Pazuello: Ex-ministro comunica a senadores que não pode depor presencialmente na CPI

Segundo Mandetta, o próprio diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) discordou dessa medida, e o ministro "Jorge Ramos" minimizou a questão, dizendo que era apenas uma sugestão. Na época, o Planalto não tinha um ministro com esse nome, mas um chamado Jorge Oliveira, na Secretaria-Geral, e outro Luiz Eduardo Ramos, na Secretaria de Governo.

— O ministro da Saúde é um ministro que é convocado pelo presidente para conversar, prestar suas explicações. Estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado que era para subir, porque tinha uma reunião de vários ministros e médicos que iam propor esse negócio cloroquina, que eu nunca havia conhecido. Ele [Bolsonaro] tinha uma assessoramento paralelo. Nesse dia, havia na mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação de cloroquina para coronavírus. Foi inclusive o próprio presidente da Anvisa, Barras Torres, que estava lá, que disse não. O ministro Jorge Ramos disse: isso não é da lavra daqui. Mas é uma sugestão de alguém. Alguém pensou, se deu ao trabalho de colocar aquilo em formato de decreto — disse Mandetta.

Pazuello demostrou nervosismo durante treino do Planalto para ir à CPI da Covid

Mais tarde, Mandetta falou novamente sobre a história da bula ao ser questionado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA).

— A questão da bula, eu saindo da reunião de ministros, dez ,12 dias antes de ser demitido. chegando lá, havia um papel, na frente de todos na reunião, que era uma minuta, uma sugestão de minuta. Eu perguntei ao ministro Jorge Ramos (sic): isso é um decreto para o presidente? O ministro: não, não. Mas existia, teve essa ideia. Não saberia dizer quem teve — disse Mandetta, ressaltando novamente que o diretor-geral da Anvisa, Antonio Torres Barra, foi contra.

Mandetta também criticou o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), fllho do presidente, presente em algumas reuniões.

— Vi várias reuniões de ministros em que o filho do presidente, que é vereador, sentava atrás tomando notas da reunião — disse Mandetta.

Mandetta foi enfático quando perguntado se, enquanto estava no cargo, alguma empresa ou entidade apresentou perspectivas de vacinas. Mandetta disse que não, mas que se houvesse vacinas à época iria atrás delas como um prato de comida.

— Naquele momento tínhamos uma lista de iniciativas. Nós torcíamos, nós sabíamos que, quando há vírus, a humanidade enfrenta com vacina, desde a varíola. Mas estavam ou na concepção de fórmula, ou testando em laboratório com ratos — disse o ex-ministro. Ele afirmou ainda que, se houvesse vacinas, teria ido atrás:

— Teria ido atrás delas como atrás de um prato de comida. 


Ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sustentou discurso de que seguiu sempre orientações ténicas à frente da pasta Foto: Jefferson Rudy / Agência O Globo

Renan também questionou se a ordem do presidente Jair Bolsonaro para o laboratório do Exército aumentar a produção de cloroquina tinha partido do Ministério da Saúde, e Mandetta disse que não.

— A única coisa que o Ministério da saúde fez, após consulta ao Conselho Federal de Medicina e a conselheiros do ministério, era para o uso compassivo, quando não há outro recurso terapêutico. É um medicamento que tem uma série de reações adversas, uma série de cuidados que tem que ser vistos — disse Mandetta.

Segundo ele, havia quantidade suficiente do remédio no Brasil:

— A cloroquina nos é produzida regularmente para o uso que convém, para malária, lúpus, pela Fiocruz, e tínhamos a quantidade necessária para isso.

"Orientações paralelas"

Mandetta disse que Bolsonaro não deu nenhuma orientação ao ouvir a previsão do Ministério da Saúde, no início da pandemia, de que o país poderia chegar a 180 mil mortes. Atualmente, o Brasil ultrapassa 400 mil óbitos decorrentes da doença.

— Não. Ficou aquilo como 'existem outras pessoas que também falam outras coisas', enfim. Não foi aquilo que foi capaz de unir — respondeu Mandetta ao ser indagado se Bolsonaro fez alguma recomendação ao ouvir a previsão inicial da Saúde.

O ex-ministro disse ainda que Bolsonaro parecia ter outra fonte de informação paralela, fora do Ministério da Saúde. E citou que o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (RJ), costumava acompanhar reuniões ministeriais e tomar notas.

— Me lembro do presidente sempre questionar a questão da cloroquina como válvula de tratamento precoce, embora sem evidência precoce, lembro de ele falar do isolamento vertical. Ele tinha outra, não saberia dizer, outra fonte que dava para ele. Do Ministério da Saúde nunca houve orientação de coisas que não eram da cartilha.  

Questionado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), sobre se o Ministério da Saúde foi pressionando pelo presidente Jair Bolsonaro a contrariar recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), Mandetta disse que não.

— Ele foi publicamente confrontado e isso dava uma informação dúbia à sociedade. O objetivo do Ministério da Saúde era dar uma informação, o presidente dava outra informação.

Sobre a relação com Bolsonaro, Mandetta disse que o presidente inicialmente compreendia as informações, mas poucos dias depois mudava de ideia. Segundo o ex-ministro, era uma "relação dúbia".

Dificuldade com filhos do presidente

Mandetta relatou dificuldades com os filhos de Bolsonaro para conseguir um bom diálogo com a China.

— Eu tinha um Ministério de Relações Exteriores que eu precisava muito, porque eu era dependente de insumos que estavam na China, que tinha que trazer para o Brasil. Então era mais do que necessário ter um bom diálogo com a China. Então eu tinha dificuldade com o ministro de Relações Exteriores [Ernesto Araújo, que deixou o cargo em 2021]. O outro filho do presidente que é deputado, Eduardo, tinha rotas de colisão com a China, através de Twitter, mal-estar. Eu fui até um certo dia ao Planalto, eles estavam todos lá, os três filhos [o vereador Carlos, o deputado Eduardo o senador Flávio] do presidente, e mais assessores, que são assessores de comunicação.  Disse a eles: eu preciso conversar com o embaixador da China, preciso que eles nos ajude, pedi uma reunião com ele, posso trazer aqui? "Não, aqui não." Acabei fazendo por telefone — explicou Mandetta.

O senador Randolfe Rodrigues perguntou então se havia uma oposição a qualquer diálogo com a China. Mandetta respondeu:

— Existia uma dificuldade de superar essas questões.

O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) perguntou qual o impacto da corrupção, citando os escândalos do mensalão e do petrolão, na forma como o Brasil enfrentou a pandemia.

— Vem desde o dia que Cabral pisou aqui — disse Mandetta, acrescentando: — Isso é base de inúmeros problemas, não só na saúde.

Confira outros destaques da CPI até agora:

Logo no início, Renan questionou se Mandetta vê como adequada a orientação do Ministério da Saúde para que as pessoas só procurassem o sistema de saúde com sintomas graves. Mandetta afirmou que o intuito era apenas evitar aglomerações por suspeitas de viroses em hospitais, antes de haver transmissão comunitária no país, o que só foi registrado no final de março de 2020.

- Isso não é verdade. Não havia um caso no país. O que havia eram pessoas com sensação de insegurança, de pânico. Viam China, Itália com seu lockdown, e as pessoas procuravam hospitais com intuito de fazer testes: 99,9999% dos casos eram de outros vírus, e 0,0001% eram indefinidos. Só fizemos transmissão comunitária depois de 24 de março. Em um momento de viroses, a orientação para viroses é que observe a virose, que não vá ao hospital porque aglomera, porque se tiver um paciente ele vai contaminar na sala de espera. Eu tenho visto essa máxima ser repetida. É mais uma guerra de narrativa. Todas as orientações são para dar entrada pelo sistema de saúde. 

Renan questionou como funcionava o sistema de governança da pasta na gestão de Mandetta e quais foram as orientações aos municípios durante o início da crise sanitária. Mandetta respondeu que o ministério é dividido em secretarias especializadas e que tudo ocorreria de maneira harmônica entre eles. Sobre orientações, o ex-ministro citou uma série de portarias sobre medicamentos e testagens.

— A função do Ministério da Saúde é dialogar e antecipar, colaborar, fazer as portarias de acordo com o sistema de saúde, as deliberações desses municípios que são muito frágeis — disse o ex-ministro.

CPI da Covid: Oposição aposta em Mandetta para expor Bolsonaro; governistas querem desgastar ex-ministro.

Testagem em massa

Renan questionou por que não houve testagem em massa da população, Mandetta respondeu:

— No mês de março iniciamos todo o processo de aquisição da testagem, 24 milhões de testes. Não adianta só ter o teste, é preciso processar os testes. Mas foi assinado o recebimento dos testes no ministro subsequente, ministro Teich. E depois eu soube que essa estratégia não foi utilizada. Foi muito clara a nossa estratégia: testar, testar.

O relator então perguntou se havia impedimento técnico para a testagem na época. O ex-ministro se justificou:

— Não havia o teste. Era uma carência mundial.

Ainda sobre os testes, Mandetta afirmou:

— Nós tínhamos um caminho traçado para a testagem, sabíamos para onde iríamos, sabíamos que íamos testar, bloquear contágio e iríamos tratar via atenção primária e ampliar nossa rede hospitalar. Não tomamos nenhuma medida que não tenha sido pela ciência. E a ciência é essa, é isso que recomendaram. Depois, vimos pararem muitas coisas e não colocarem outras no lugar, a testagem é uma delas - disse Mandetta.

Respiradores

Mandetta disse que a estratégia para compra centralizada de respiradores pelo governo federal foi bem-sucedida em sua gestão. De acordo com ele, estados e municípios enfrentavam problemas na aquisição dos produtos.

- Nós entramos, arbitramos, fizemos a encomenda e conseguimos garantir o abastecimento de toda a rede nacional. E são esses respiradores que estão até hoje segurando a epidemia. Todos os 15 mil foram entregues - afirmou.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), questionou, então, por que os estados partiram para comprar respiradores. Mandetta respondeu que "há um hiato".

- Eles começaram a predar e a escalonar preços. Ficou insustentável. Nesse momento entrou o Ministério da Saúde. O Brasil foi o país que comprou respiradores pelo preço mais baixo do mundo. E entregou na ponta. Isso não impede os governadores.

Isolamento Social

Mandetta confirmou que houve discordância de sua posição sobre isolamento social com a do presidente Jair Bolsonaro. Ele respondeu a um questionamento feito por Renan Calheiros.

- Sim, senhor. Eu sou médico... Jurei na minha formatura, jurei quando tomei posse como deputado defender a Constituição, o princípio da vida, ali não era uma situação de diferenças políticas. Ali era um momento republicano. Eu conversava com o governador do Ceará, a governadora do Rio Grande do Norte, assim como de São Paulo, todos eles para que tivéssemos momento de união. Nunca discuti com o presidente, nunca tive discussão áspera, mas sempre coloquei a minha posição de forma muito clara - disse.

Ao falar sobre contato com governadores, ele aproveitou para pedir desculpas aos senadores que deixou de atender durante a crise sanitária. Ontem, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Omar Aziz reclamou de não ser atendido por Mandetta.

Início do depoimento

O ex-ministro começou seu depoimento elogiando ações de sua gestão no Ministério da Saúde antes da pandemia. Segundo ele, em dezembro de 2019, por exemplo, a pasta conseguiu habilitar totalmente os leitos de UTI pendentes, zerando as pendências.

De acordo com o ex-ministro, no começo da pandemia, o Ministério da Saúde passou a tomar algumas ações que pudessem ajudar no combate à Covid-19. Isso incluiu, por exemplo,  a verificação da legislação sobre quarentena e isolamento, o retorno de brasileiros que estavam em Wuhan, na China, onde a pandemia começou, e uma reunião com o embaixador chinês.

Mandetta também afirmou à CPI da Covid que procurou estreitar relações com a China no início da pandemia, enquanto ainda ocupava cargo no governo federal. Ele disse que encaminhou uma carta de solidariedade ao ministro da Saúde chinês.

Mandetta disse que o início da pandemia disparou uma "corrida" mundial por testes e insumos e que países ricos bloquearam exportações. Ele também disse que houve a criação de um grupo de trabalho da Controladoria-Geral da União (CGU) para garantir a lisura de compras feitas pelo Ministério da Saúde. O ministro justificou que testes rápidos eram de "difícil compra" e que buscou apoio de empresas da iniciativa privada.

A minoria de quatro senadores governistas, por outro lado, se preparou para deslegitimar o ex-ministro. Eles querem explorar a acusação de que, por decisões de Mandetta, o ministério foi ineficiente durante sua gestão.

— É partir pra cima — disse Ciro Nogueira (PP-PI), aliado de Bolsonaro, antes de começar a sessão.

Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, diz que o governo está pronto para prestar esclarecimentos na CPI.

Após a oitiva de Mandetta, está previsto o depoimento do ex-ministro da Saúde Nelson Teich. Ele ficou apenas um mês no cargo. Eles serão ouvidos na condição de testemunha.  O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), pode colocar ainda hoje para votar os requerimentos de convocação do ministro da Justiça, Anderson Torres, e do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.

Cada um dos 18 senadores poderá usar cinco minutos para formular os questionamentos, o mesmo tempo concedido ao ex-ministros. Após as respostas, os parlamentares terão três minutos para as réplicas e os depoentes outros três minutos para as tréplicas.

Questões de ordem

Logo no início da sessão, antes de Mandetta começar a falar, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que é governista, reclamou que a CPI estaria focando mais nas ações e omissões do governo federal, deixando de lado as irregularidades de gestores estaduais e municipais no uso de recursos federais. Ele apresentou uma questão de ordem pedindo que sejam alternados depoimentos relacionados a um e outro tema.

— A despeito do desejo dos 45 senadores que assinaram o requerimento [para investigar governadores e prefeitos], não há no plano de trabalho no momento nada que assegure a investigação de irregularidades na aplicação de recursos federais por entes estaduais e municipais. Com efeito, destaco que até o final do ano de 2020, a Polícia Federal já havia realizado 61 operações policiais para apurar indícios de irregularidades. Essas investigações vão desde a compra de máscaras e aventais até hospitais de campanha, em contratos que movimentaram algo próximo a R$ 2 bilhões. Como resultado, governadores e secretários foram afastados — disse Girão.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), reclamou que Girão estava levando muito tempo para apresentar a questão de ordem. Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de oposição, também rebateu.

— Parece que ficam embromando, empurrando com a barriga. Temos depoente esperando. Temos plano de trabalho. Girão, vamos trabalhar, homem!

Marcos Rogério (DEM-RO), governista, disse que o plano de trabalho dá mais enfoque às ações e omissões do governo federal.

— A CPI tem que investigar a todos, doa a quem doer — disse Rogério.

A CPI da Covid pretende que o Tribunal de Contas da União (TCU) ceda duas servidoras para auxiliar o colegiado. Este tipo de requisição aos órgãos de controle é praxe nos processos investigativos da Casa. Em requerimento apresentado pelo presidente Aziz , ele cita as auditoras federais de controle externo Deane D'abadia Morais e Sorhaya Sampaio de Araújo. O fato de Aziz ter delimitado quem quer chamar foi questionado pelo governista Ciro Nogueira (PP-PI).

Editorial do Estadão: Demonstração de fraqueza

O envolvimento dos Bolsonaros em manifestações golpistas em plena pandemia mostra que o clã presidencial está acuado

 Mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro associou-se a manifestações de caráter claramente golpista. O mote dos protestos, realizados no sábado em diversas capitais, foi resumido na palavra de ordem “Eu autorizo” – referência a uma recente declaração de Bolsonaro segundo a qual ele estava apenas esperando um “sinal” do “povo” para “tomar providências”, pois “o Brasil está no limite”. Os manifestantes, portanto, deram sua “autorização” para Bolsonaro agir.

É ocioso especular sobre a representatividade das manifestações a partir de seu tamanho – que, ademais, não foi mensurado. Mas pode-se afirmar que, ao contrário de demonstrar força, os protestos revelaram a fraqueza crescente do governo.

As manifestações antecederam a semana em que estão previstos os depoimentos de todos os ex-ministros da Saúde do governo Bolsonaro e do atual, Marcelo Queiroga, na CPI da Pandemia. Ou seja, foram programadas com o claro objetivo de intimidar os senadores que vão começar a levantar questões potencialmente embaraçosas para o governo.

Sem articulação política decente no Senado, o governo vem sofrendo sucessivas derrotas. Foi incapaz de impedir que a CPI ganhasse assinaturas suficientes para sua instalação, não conseguiu influenciar a indicação dos integrantes da comissão e ainda fez o papelão de tentar impedir na Justiça, sem sucesso, a indicação do desafeto Renan Calheiros para a relatoria.

A Bolsonaro restou, portanto, contar com a truculência de suas falanges para transformar a política em briga de rua. É o recurso de quem perdeu quase toda a sua já escassa capacidade de interlocução nas instituições democráticas, reduzindo de forma drástica seu poder de influenciar o debate nacional. Cada vez menos brasileiros levam o presidente a sério.

É por isso que Bolsonaro tornou a ameaçar com “providências” caso o “povo” lhe desse uma “sinalização”. Como costuma acontecer, o presidente não disse com todas as letras quais seriam essas “providências”, mas, nas outras oportunidades em que fez as mesmas ameaças, mencionou sua condição de “chefe supremo das Forças Armadas” e chegou a falar do Exército como se fosse sua guarda pretoriana.

Ou seja, Bolsonaro deixa no ar a possibilidade de articular um golpe – tal como defenderam explicitamente seus simpatizantes nas manifestações de sábado – com o argumento de que as instituições democráticas não o deixam governar, situação que, segundo a versão bolsonarista, levou o País à beira do caos.

No momento, o único caos está no Palácio do Planalto. O resto do País enfrenta com bravura e serenidade a enorme crise que o bolsonarismo agravou. A despeito da fome, do desemprego, da escassez de vacinas e da falta de perspectivas, não se vê entre os brasileiros o nível de inquietação que Bolsonaro aponta. Na verdade, o presidente parece ávido por um pretexto para exercitar sua vocação autoritária.

É aí que entram os manifestantes que foram às ruas para “autorizar” Bolsonaro a tomar “providências”. Esses seriam o “povo” de que fala o presidente, razão pela qual Bolsonaro os prestigiou sobrevoando um dos protestos a bordo de um helicóptero da Força Aérea. Não lhe pareceu imprudente vincular-se a um ato que chamou o Supremo Tribunal Federal de “organização criminosa”, entre outras barbaridades.

Um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, foi mais longe e, com a máscara no queixo, discursou num carro de som. Outro filho, o senador Flávio Bolsonaro, que criticou a instalação da CPI da Pandemia sob o argumento de que promoveria aglomeração e colocaria a vida dos senadores em risco, elogiou em suas redes as “ruas lotadas em todo o Brasil” – ocupadas por gente aglomerada e sem máscara.

O envolvimento dos Bolsonaros em irresponsáveis manifestações golpistas em plena pandemia mostra que o clã presidencial, acuado, está decidido a dobrar a aposta tanto no desafio à democracia como no menosprezo pela vida de seus compatriotas. Cabe à CPI, bem como às instituições de Estado, impedir, serenamente, que esse repto prospere.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 04 de maio de 2021 | 03h00

Juan Arias: O slogan político do Brasil para as eleições presidenciais: “Qualquer um é melhor que Bolsonaro”

O presidente não precisa inventar inimigos ou culpados da tragédia alimentar e do desemprego que assolam o país. A sociedade está ciente da parte da culpa de seu mandatário nesse massacre

Manifestante carrega bandeira com imagem do presidente Jair Bolsonaro durante caravana em seu apoio em Brasília, no Primeiro de Maio. (Crédito da foto: Eraldo Peres / AP) 

Apesar de faltar um ano e meio para as eleições presidenciais, toda a política brasileira está com os olhos postos nessa data para saber se Jair Bolsonaro será reeleito ou não, e assim se o país conseguirá recuperar a normalidade democrática hoje ameaçada a todo o momento.

Enquanto isso, Bolsonaro segue acalentando o sonho de que, antes da reeleição, as pessoas saiam às ruas para que ele possa recorrer às Forças Armadas, que ele continua chamando de “meu Exército”. E o mais sério é que o que o presidente deseja é que haja tumultos de rua provocados pelos milhões de brasileiros que a cada dia entram no inferno da fome e do desemprego. Seu sonho é que ocorram essas rebeliões para ele usar a força e se vingar dos governadores e prefeitos que, com a fúria da pandemia, se viram obrigados a seguir os lemas da ciência e da medicina, mesmo ao custo de impor o lockdown onde fosse necessário.

O presidente brasileiro precisa de inimigos reais ou inventados contra os quais guerrear. Daí sua insistência em ameaçar usar o Exército se houver tumultos em protestos nas ruas. Quando fala que o remédio amargo contra a pandemia pode levar as pessoas a “saquear mercados e provocar violência”, o que o obrigaria a recorrer aos militares, dá a impressão de estar fazendo uma insinuação para que isso ocorra.

É curioso que acuse governadores e prefeitos de terem causado fome e desemprego no país para combater a pandemia. Sua tese é que essa seria uma forma de culpá-lo por ter quebrado a economia e, assim, enfraquecê-lo diante da reeleição com a qual sonha dia e noite. Mais ainda, parece que todas as suas decisões são destinadas a combater o medo de perder o poder, ao qual chegou apesar de sua insignificância como político e como estadista, e que levou o Brasil a aparecer perante o mundo como um pária que, apesar de ser capaz com sua riqueza de alimentar meio mundo, permite que metade da população passe fome ou sofra de deficiência alimentar.

Se Bolsonaro fosse um chefe de Estado simplesmente normal, o que ele já deveria ter feito —como o presidente dos EUA, Joe Biden está fazendo— é taxar as grandes fortunas e aumentar os impostos dos mais ricos para que ninguém, apesar da crise sanitária, precise passar por dificuldades e se veja obrigado a remexer latas de lixo em busca de restos de comida.

Bolsonaro não precisa inventar inimigos ou culpados da tragédia alimentar e do desemprego que assolam o país. O que ele precisaria, e não tem, é de capacidade política e administrativa para governar um país que, sendo uma das maiores potências do mundo, deixa que milhões passem fome e acumula mortes todos os dias, com a teimosia do presidente ao desprezar a ciência e negar a pandemia.

As mais de 400.000 mortes causadas pela pandemia, que, segundo os especialistas podem chegar a um milhão, representam uma triste e sombria procissão de caixões para os quais não há cemitérios suficientes. A sociedade está ciente da parte da culpa do presidente nesse massacre. Na Câmara continuam a chover petições para destituí-lo do poder enquanto o Senado acaba de abrir uma CPI para investigar sua conduta na gestão da pandemia.

É possível que ante todo esse fracasso do Governo o capitão possa chegar a disputar a reeleição e os militares continuem com ele à custa de manchar a instituição? Triste paradoxo que o Brasil é forçado a suportar. Até quando? Que o mundo do mercado e das finanças não continue a flertar com as loucuras bélicas de Bolsonaro, porque eles poderiam ser os primeiros a pagar o preço por seu desgoverno. Por enquanto, a participação do capital externo na abertura de empresas estrangeiras caiu de 70% para 30% nos últimos anos.

A cada dia que passa, o Brasil deixa impunemente o presidente seguir sua política de sonhos guerreiros e de arrastar o país ao desespero da fome e do desemprego, que já castigam metade da população. É um borrão humilhante que afeta injustamente uma nação que pede pão e trabalho e, em vez disso, lhe oferecem armas e ameaças de guerra civil. Esse não é o verdadeiro Brasil que o mundo já admirou. É a triste caricatura do que foi sua glória e até seu poder.

O Brasil está em uma encruzilhada perigosa, pois o que poderia resgatá-lo da tempestade que o golpeia é exatamente o que Bolsonaro odeia. O país necessita urgentemente de uma reconciliação nacional e internacional. São duas medidas que a cada dia a mais deste Governo, que já é um Governo militar, parecem mais distantes. O Brasil está, de fato, cada vez mais distante de que aqueles que o governam façam com que recupere sua unidade perdida e seu prestígio mundial gravemente comprometidos pelos erros em série da atual política externa, que agora o projeta como um país inimigo das relações com nações que são fundamentais para o comércio e a economia.

Internamente, toda a política do Bolsonaro é a de criar cizânia e inimigos inexistentes e a de colocar os brasileiros uns contra os outros. Hoje, para poder sair do atoleiro bolsonarista, o Brasil precisa de um novo dicionário com palavras perdidas como diálogo, confiança, fraternidade, alegria, desejos de superação, amizade, justiça para os mais necessitados. Precisa resgatar a vontade de viver e superar-se (sim, também os filhos dos porteiros e das empregadas domésticas, geralmente todos negros, ministro Paulo Guedes).

Necessitaria de mais poesia e menos prosa envenenada. Necessita de mais cultura e melhor educação, mais defesa dos diferentes e maior preocupação com os excluídos. Precisa recuperar o orgulho de ser um país continental consciente de seu potencial econômico e humano.

Tudo isso fica a cada dia mais distante com um presidente e um Governo que, ao contrário, têm um vocabulário repleto de palavras negativas. Seu dicionário está cheio de termos como confrontação, guerra, inimigos, ameaças de golpes e ataques à democracia. O vocabulário bolsonarista não é apenas vulgar e até obsceno, está sempre impregnado de negatividade e violência. Tudo isso porque a conduta psíquica do chefe é a de desunir, ameaçar, confrontar e semear a cizânia nas redes sociais, oferecendo a cada dia doses gigantescas de veneno e baixeza.

E que não se iludam aqueles que ainda esperam uma conversão que coloque o trem descarrilado nos trilhos da normalidade e do diálogo pacífico. Isso já ficou claro que é impossível. A chave para a impossibilidade do “mito” de abraçar um vocabulário humano normal foi explicada por um general, falando no anonimato. Segundo ele, Bolsonaro, quando paraquedista do Exército, sempre gostou mais dos “temporais” do que do tempo de calmaria. Amava o perigo e nunca a normalidade. Sempre foi um adorador da morte mais do que da vida, da violência do que da paz. E assim continuou, até chegar ao topo do poder.

Onde o presidente pisa, deixa os vestígios de seu amor ao perigo, de seus sonhos genocidas, mais do que a recuperação da vida e da harmonia. Lembra o aluno que em classe adora semear a discórdia, desafiar a disciplina e, se achar necessário, usar até a violência física. Ele é desafiador e semeador da cizânia.

Que os políticos que apostam na democracia e querem devolver ao país valores que sempre foram tipicamente brasileiros, e que estão sendo pisoteados pelo capitão, não se esqueçam de que, não por acaso, ele e toda a sua família sempre se nutriram das milícias violentas.

Que não sejam levados em consideração os políticos que apostam na receita ilusória de que o melhor seria deixar o presidente “sangrar” para que chegue “debilitado” às eleições, para assim o país recuperar a harmonia e ser resgatado do inferno a que o empurram. Isso é apenas uma quimera. Se não o retirarem do poder, por mais desgastado que chegue, ele acabará ganhando as eleições porque terá toda máquina poderosa do Estado e o apoio do Exército, das forças policiais e dos milicianos que nunca o abandonam, assim como de suas hostes guerreiras, que ainda representam 30% do eleitorado e que são cegas e surdas a qualquer tentativa de converter o capitão em um político dialogante e capaz de renunciar a seus instintos de violência psicopata.

Bolsonaro prefere, como diz o general, as tempestades e a guerra aos valores da democracia e da civilização. Bolsonaro está fazendo o milagre de desejar o retorno à cena política de personagens que pareciam desgastadas para sempre, como o indescritível e acausto Renan Calheiros. E até Lula. O slogan que foi criado hoje no Brasil é: “Qualquer um é melhor que o Bolsonaro”. Nada mais humilhante para um político que tivesse um mínimo de dignidade.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 03.05.2021

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Brasil registra 983 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 24.619 novos casos da doença, o que eleva total de infectados desde o início da epidemia para 14.779.529. O número acumulado de mortes é de 408.622, com média móvel de 7 dias se mantendo acima de 2 mil.

Homem acende vela em frente a uma cruz, e em meio a várias outras colocadas em frente ao Congresso Nacional em homenagem às vítimas da covid-19. A média móvel de mortes (soma dos últimos sete dias e divisão do resultado por sete) no Brasil ficou em 2.384

Média móvel de mortes (soma dos últimos sete dias e divisão do resultado por sete) no Brasil ficou em 2.384

O Brasil registrou oficialmente 983 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta segunda-feira (03/05).

Também foram confirmados 24.619 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.779.529, e os óbitos somam agora 408.622.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conas não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.278.718 pacientes haviam se recuperado da doença até este domingo.

Com os dados de óbitos registrados nesta segunda-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 194,4 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.384, o que significa que o país está há 47 dias registrando um índice acima de 2.000.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 577 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,4 milhões) e Índia (19,9 milhões).

Ao todo, mais de 153 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,2 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 03.05.2021

O exército de 5,9 milhões de 'desempregados' de fora do índice oficial

De um ano para cá, mais de um milhão de brasileiros desistiram de procurar emprego. Alguns porque buscavam há meses, sem sucesso. Outros, porque simplesmente não veem novas vagas sendo abertas na cidade onde moram.



Taxa de participação na força de trabalho caiu de 61% para 56%

As razões são várias.

Apesar de estarem disponíveis para trabalhar, essas pessoas não entram no cálculo da taxa de desemprego. Para ser considerado desempregado, pelos parâmetros internacionais de estatística, é preciso estar ativamente buscando uma vaga.

Isso não significa necessariamente, contudo, que a situação financeira dos chamados desalentados seja mais confortável do que a dos que estão oficialmente desempregados, os 14,4 milhões contabilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com os dados divulgados na sexta (30/04), os desalentados somaram 5,9 milhões em fevereiro, recorde na série histórica da Pnad Contínua, que começa em 2012. O levantamento é feito em trimestres móveis - o dado de fevereiro, portanto, é uma média composta com dezembro e janeiro.

O número é 26,8% maior do que o registrado um ano atrás, no trimestre móvel encerrado em fevereiro de 2020, o que significa um aumento de 1,259 milhão de pessoas.

Este foi o oitavo mês consecutivo em que o desalento cresceu a uma velocidade superior a 20% no país.

"Esse aumento tem um motivo bem claro, que é a questão da pandemia. Tem muita gente com medo [de ficar doente], muita gente que sabe que as atividades estão fechando, que por isso acaba não saindo para procurar emprego", diz o economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Taxa de desemprego não é única medida da precariedade do mercado de trabalho (Crédito da foto: Ag. Sindical)

Essa dinâmica tem um impacto indireto importante sobre a própria taxa de desemprego, já que as pessoas que estão fora da força de trabalho não entram na conta. A estimativa de Ottoni para o dado divulgado nesta sexta, por exemplo, era desemprego de 14,8%, 0,4 ponto percentual acima do que foi efetivamente registrado, 14,4%.

"O dado do desalento surpreendeu. Eu esperava que mais gente tivesse voltado ao mercado de trabalho em fevereiro - a pandemia ainda não tinha piorado como em março, quando vieram as medidas mais restritivas", pontua o economista.

O desalento reduz a taxa de participação no mercado de trabalho, que é a relação entre a quantidade de pessoas que estão de fato empregadas ou à procura pelo total de pessoas em idade para trabalhar - uma boa medida para enxergar o chamado "desemprego oculto".

Em fevereiro, a taxa de participação foi de 56,8%, 4,9 pontos percentuais a menos do que o registrado no mesmo período do ano passado, 61%.

Caso o percentual tivesse se mantido constante, conforme calcula o economista Alberto Ramos, Diretor de Pesquisa Econômica para a América Latina do Goldman Sachs, a taxa de desemprego teria atingido expressivos 21,2% em fevereiro.

Essa discrepância sinaliza que o desemprego tem um espaço mais restrito para melhora à medida que a economia tiver espaço para crescer.

"A taxa pode não reduzir de forma significativa quando a epidemia for controlada, à medida que os desalentados voltem a procurar emprego e retornem à força de trabalho em ritmo mais acelerado do que a criação de novas vagas", escreveu o economista em relatório enviado a clientes.

Além do desalento, a Pnad Contínua também acompanha o que chama de subocupação: aqueles que trabalharam no mês de referência, mas menos horas do que gostariam ou precisariam - é o trabalhador que faz um bico quando aparece, por exemplo.

Em fevereiro, 6,9 milhões de pessoas estavam nessa situação.

Taxa de subutilização da mão de obra calculada pelo IBGE inclui desempregados, desalentados e subocupados. (Crédito da foto: Acervo IBGE)

A pesquisa agrega esses e outros grupos na taxa de subutilização da força de trabalho, uma medida mais ampla e, por isso, um bom retrato dos problemas do mercado de trabalho que vão além da taxa de desemprego.

No trimestre móvel encerrado em fevereiro, o volume de pessoas subutilizadas no Brasil chegou a 32,6 milhões. Nesse total estão incluídos os 14,4 milhões oficialmente desempregados, os 5,9 milhões de desalentados, os 6,9 milhões subocupados e outros 5,4 milhões que compõem a força de trabalho potencial junto com os desalentados.

Ottoni batizou esse último grupo de "indisponíveis". São aqueles que gostariam de trabalhar e chegaram a procurar, mas não podiam no período de referência da pesquisa. Aí entram, por exemplo, mulheres que tiveram filhos e têm de ficar em casa porque não há disponibilidade de creches na região em que moram.

Para o economista, a ampla vacinação é condição fundamental para a recuperação da economia brasileira e, por consequência, do mercado de trabalho.

É o ritmo de imunização que vai ditar a velocidade de recuperação.

A expectativa, diz ele, é que o desemprego aumente um pouco nos próximos meses, com o retorno dos desalentados à força de trabalho. A partir do segundo semestre, à medida que a economia conseguir gerar mais vagas para absorver os trabalhadores disponíveis, o indicador deve começar a melhorar.

Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil em São Paulo. Há 6 horas

Em dois anos, militares da ativa postaram 3,4 mil tuítes políticos

Marinha e Aeronáutica já puniram 47 integrantes por ‘mau uso’ das redes sociais; Exército diz ter registrado casos de exposição de segurança de instalações

Pesquisa feita em contas de 115 militares da ativa ligadas ao ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas localizou 3.427 tuítes de caráter político-partidário, entre abril de 2018 e abril de 2020. Eles estavam nas contas mantidas na rede social por 82 integrantes das Forças Armadas, entre os quais 22 oficiais-generais – 19 generais, dois almirantes e dois brigadeiros.

São casos como o do coronel Ricardo. Era 7 de outubro de 2018, dia do primeiro turno da eleição presidencial, quando a conta do militar no Twitter fez propaganda do então candidato Jair Bolsonaro: “É dia de mudar o Brasil. Vote consciente. Brasil acima de tudo! Deus acima de tudo!” Outro oficial – um tenente-coronel de Cavalaria – escreveu: #MitoPrimeiroTurno.

Oficiais participam de cerimônia em Brasília; para cientista político, postagens revelam um ‘ativismo militar.  Foto: Gabriela Biló/Estadão

A maioria dos tuítes é de apoio ao governo, mas há exceções. Um general disse sobre o caso das “rachadinhas”, no gabinete de Flávio Bolsonaro quando o hoje senador pelo Republicanos era deputado estadual no Rio: “Ventos novos exigem posturas novas”. Um dia depois da saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, um coronel escreveu: “A minha melhor continência a esse patriota!” E repetiu a frase do ex-juiz da Lava Jato: “Faça a coisa certa, sempre”.

Um general chegou a mudar o nome de seu perfil, adotando outra identidade na rede, após a demissão de Moro, e passou a tuitar contra Bolsonaro, criticando-o pela atuação no combate à pandemia de covid-19.

Para o cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira, as publicações dos militares demonstram a existência de um “ativismo militar”. As manifestações político-partidárias de integrantes da ativa são proibidas pelo Estatuto dos Militares e pelos regimentos disciplinares e portarias das três Forças Armadas. Na avaliação de Eliezer, é importante controlar esse fenômeno, pois “a aplicação das normas republicanas confronta o partido fardado, ao passo que a impunidade reforça a autonomia militar”.

Punições

O Ministério da Defesa disse que Marinha, Exército e Aeronáutica têm “manuais e cartilhas que normatizam e orientam adequadamente a conduta e o uso de mídias sociais por parte dos militares”. O uso incorreto de redes já levou à punição de militares da ativa. O Exército cita casos de violação da segurança de unidades, mas não revelou o total de punidos.

A Força Aérea informou que registrou “17 procedimentos para apuração de suposta transgressão por ‘mau uso’ de redes sociais, dos quais dez praças foram punidos disciplinarmente” – seis deles em 2019 e quatro em 2020. Nenhum oficial foi punido. Entre os que fizeram postagens políticas está o brigadeiro Carlos Baptista Júnior, com 80 publicações políticas, todas em apoio ao presidente e ao bolsonarismo antes de ser nomeado comandante da Aeronáutica.

A Marinha respondeu que, em 2019, foram determinadas 17 punições a 17 militares pelo uso de redes. Em 2020, esse número subiu para 20 punições a 20 militares. Os dados foram obtidos pelo Estadão por meio de Lei de Acesso à Informação.

Para o Exército, atualmente o problema está sob controle. A reportagem apurou que uma dezena dos perfis de militares que publicavam manifestações políticas apagou os tuítes, fechou suas contas ou abandonou a rede social. A questão foi disciplinada pela portaria de 2019 feita pelo ex-comandante da Força, general Edson Leal Pujol. Ela criou critérios para a manutenção de contas nas redes sociais pelos militares, proibindo sua vinculação delas com perfis institucionais, à exceção dos integrantes do Alto Comando.

O uso do Twitter por militares voltou a ser debatido após o novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira, congelar sua conta para priorizar a comunicação institucional no YouTube. Ele criara o perfil em abril de 2018, depois dos tuítes de Villas Bôas às vésperas do julgamento de Luiz Inácio Lula da Silva, então preso na Lava Jato. Além dele, outros 30 generais e coronéis abriram contas de abril de 2018 a abril de 2020, período abrangido pela pesquisa, publicada no livro Os Militares e a Crise Brasileira. Entre os tuiteiros, um quinto dos posts políticos critica a oposição e a imprensa e 35% traz mensagens de apoio ao governo ou reproduz opiniões de bolsonaristas, como as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).

Especialistas apontam a volta do ‘partido fardado’

A presença de militares no governo Jair Bolsonaro e o comportamento deles reanimaram o interesse na atuação política dos militares e sobre obras como as dos antropólogos Celso Castro e Piero Leirner e as de cientistas políticos como José Murilo de Carvalho e Oliveiros S. Ferreira, autor de Vida e Morte do Partido Fardado e Elos Partidos. Um dos centros do debate atual é o conceito de “partido fardado”, usado por Oliveiros e pelo cientista político francês Alain Rouquié.

Oliveiros pensava que as reformas do presidente Castelo Branco, limitando o tempo de permanência de generais na ativa, teriam levado ao fim do partido fardado, deixando-o acéfalo. Generais se candidatavam, exerciam cargo político e depois voltavam aos quartéis. Eles simbolizavam o fenômeno. Para o cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira, que prepara um livro sobre o tema, o governo Bolsonaro mostra que o partido fardado não havia morrido, só estava hibernando, sobretudo no Exército. “Estamos diante de um ativismo militar, de um partido verde-oliva.”

Segundo a pesquisadora Ana Penido, do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), para Oliveiros, o partido fardado não é algo formal para disputar eleições, mas uma organização temporária, que só se evidencia em momentos de tensão interna nas Forças Armadas ou de desencontro entre a instituição e o governo, precisando de situação favorável à politização militar.

A pesquisadora adota, porém, o termo “partido militar” para designar o fenômeno. “Pertencem ao partido aqueles militares que se julgam no direito de interpretar a Constituição e, na condição de defensores da lei e da ordem, estabelecem, por si mesmos, como e quando agirão. Integram o estabelecimento militar aqueles que agem subordinados às leis e regulamentos, pautados pela hierarquia e disciplina.”

Para o coronel da reserva Marcelo Pimentel, que analisa o fenômeno no livro Os Militares e a Crise Brasileira, o atual processo de politização dos militares começou em meados da última década. “A politização dos militares não se confunde com a mera expressão pessoal de opiniões políticas.” O partido militar se coloca em um dos polos da política e cria o risco de divisões nas Forças, com a volta ao estado de indisciplina crônica, vivido nos quartéis antes de 1964. “O que preocupa é a atual geração de tenentes em razão do exemplo dos chefes. O mau uso de redes sociais é um meio de politização do Exército."

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo, em 03 de maio de 2021 | 05h00

Parlamento de El Salvador, de maioria governista, derruba membros do Supremo Tribunal de Justiça

Assembleia, dominada por partido do presidente Bukele, empreendeu neste sábado um golpe ao tribunal numa sessão que garante ao mandatário novas indicações para o Judiciário

Presidente de El Salvador: “Se eu quisesse, teria tomado o controle de todo o Governo”

O Parlamento de El Salvador, eleito há apenas dois meses com maioria pró-governo, aprovou neste sábado a destituição dos magistrados titulares e suplentes da Câmara Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça. Além dos magistrados, foi aprovada a saída do procurador-geral. A argumentação dos legisladores coincide com as denúncias que o presidente Nayib Bukele lançou contra a Justiça por ter suspendido decretos relativos à gestão da emergência sanitária.

Partidos de direita de El Salvador aprovam lei que reduz pena para quem confessar crimes de guerra

A decisão da Assembleia do país centro-americano, que nomeará substitutos, já recebeu críticas públicas do governo Joe Biden, por meio de Juan González, seu assessor para a América Latina, e manifestações de repúdio de organismos internacionais como Human Rights Watch (HRW). No Brasil, a ação foi elogiada por Eduardo Bolsonaro, filho do presidente que já se manifestou por diversas vezes —inclusive em protestos— contra o STF. Eduardo a classificou de “constitucional” e deu um recado: “juízes julgam casos, se quiserem ditar políticas que saiam às ruas para se eleger”.

A moção foi apresentada pelo vice-presidente da Assembleia recém-instalada, Suecy Callejas. “Por iniciativa de vários deputados, solicito que se inclua uma correspondência com dispensa do procedimento para conhecimento deste Plenário Legislativo, a fim de promover a destituição dos magistrados titulares e suplentes da Sala Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça “, pediu a deputada em meio a aplausos de sua bancada.

A medida, que atinge os cinco juízes titulares e os quatro suplentes, avançou às pressas e sem o habitual procedimento parlamentar. Bukele não demorou a defender a iniciativa por meio do Twitter. “A destituição dos magistrados da Câmara Constitucional pela Assembleia é um poder incontestável, claramente expresso no artigo 186º da Constituição da República”. Esse artigo, de fato, prevê que os magistrados podem ser destituídos “por causas específicas, previamente estabelecidas em lei”.

Mas a decisão deste sábado não teve motivações legais, se não políticas. O triunfo retumbante do presidente nas últimas eleições legislativas de março, quando seu partido Novas Ideias conquistou 65% dos votos, margem inédita desde o fim da guerra há quase três décadas, multiplicou os poderes de Bukele, que por meio do Parlamento podem promover mudanças no país sem a necessidade de negociar. Ou seja, o presidente pode se livrar dos freios e contrapesos que caracterizam uma democracia pelo simples fato de não concordar com suas resoluções. Esse foi exatamente o motivo que aprofundou o confronto com a Justiça. “A Câmara Constitucional declarou inconstitucionais os regulamentos legitimamente instituídos, em relação à contenção da pandemia”, justificou em um fio do Twitter o perfil oficial da Assembleia Legislativa, como se fosse um órgão partidário. “Os magistrados têm gerado, com seus pronunciamentos e sentenças arbitrárias, uma fraude à Constituição”, afirmou.

Bukele, alçado ao governo pelo descontentamento em 2019, esteve no centro da polêmica em várias ocasiões por suas questionadas receitas contra as gangues, que lhe custaram acusações por violações dos direitos humanos. O episódio deste sábado confirmou sua vontade de se firmar no poder. “Rompe com o Estado de Direito e busca concentrar todo o poder em suas mãos”, criticou o diretor para as Américas da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco. A seu repúdio somou-se um comentário lapidar de Juan González, o homem de Biden para o Hemisfério Ocidental. “Não é assim que se faz”, disse González, que já expressou preocupação há semanas sobre o assédio do presidente salvadorenho à mídia. Mas Bukele, que fez das redes sociais sua principal plataforma de comunicação, aplaudiu a demissão, deixando claro que já detém o controle total do Poder Legislativo. “Deputados corajosos, trabalhando e cumprindo o mandato popular. Deus e as pessoas com você! “

FRANCESCO MANETTO, da Cidade do México para o EL PAÍS, em 03.05.2021

Brasil tem 1.202 mortes por covid-19 em 24 horas

Ao todo, país soma mais de 407 mil óbitos ligados ao coronavírus. Secretarias estaduais confirmam ainda 28 mil novos casos, e total de infectados chega a 14,75 milhões.

Média móvel de óbitos diários é atualmente de 2.406, segundo o Conass

O Brasil registrou oficialmente 1.202 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) neste domingo (02/05).

Também foram confirmados 28.935 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.754.910, e os óbitos somam agora 407.639.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Os números divulgados nos fins de semana também costumam ser mais baixos, já que as equipes responsáveis pelas notificações trabalham em escala reduzida.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.242.665 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de sábado.

Com os dados de óbitos registrados neste domingo, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 194,0 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.406 neste domingo, o que significa que o país está há 46 dias registrando um índice acima de 2.000.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 577 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,4 milhões) e Índia (19,5 milhões).

Ao todo, mais de 152,4 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,1 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 02.05.2021

Premiê indiano sofre derrota em meio a catástrofe da covid

Acusado de priorizar eleições em detrimento da pandemia, Narendra Modi vê seu partido, nacionalista hindu, perder nas urnas em estado-chave. Especialistas apontam comícios da legenda como um dos motores de contágios.


Modi sai enfraquecido de pleito em estado-chave, apontam analistas

O partido do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, sofreu uma esmagadora derrota eleitoral em um estado-chave neste domingo (02/05), indicando que sua legenda nacionalista hindu pode estar perdendo força política em meio à batalha do país contra uma alta dramática de contágios pelo coronavírus.

O Partido do Povo Indiano (Bharatiya Janata Party - BJP), de Modi, não conseguiu impedir a reeleição da governadora Mamata Banerjee no estado de Bengala Ocidental, onde Modi havia encabeçado uma série de comícios antes do pleito.

O partido Todo o Congresso da Índia Trinamool (TMC), liderado por Banerjee, conquistou 213 dos 292 assentos da assembleia estadual, enquanto o BJP assegurou 77.

Ferrenha crítica do premiê, Banerjee é a única mulher a comandar um governo estadual no país. Ao festejar o resultado, ela afirmou que Bengala Ocidental "salvou" a Índia com o resultado e que combater a covid-19 será sua principal prioridade.


Reeleita em Bengala Ocidental, governadora Mamata Banerjee prometeu fazer do combate à covid-19 sua prioridade

Bengala Ocidental, com 90 milhões de habitantes e cuja principal cidade é Calcutá, é um dos poucos estados que nunca foi governado pelo partido nacionalista hindu de Modi. 

Seu partido também amargou derrotas nos estados de Tamil Nadu e Kerala, no sul do país, mas assegurou um segundo mandato no estado de Assam, no nordeste do país, e uma aliança com partidos regionais levou à vitória no território de Puducherry.

As eleições regionais já eram vistas como desafios para o BJP mesmo antes da atual onda devastadora de covid-19. Analistas afirmam que o partido de Modi sai enfraquecido dos pleitos, mas que por enquanto seu mandato, que vai até 2024, não está ameaçado.

"O BJP começou a perder força quando a pandemia se espalhou", disse o analista político Nilanjan Mukhopadhyay. "O resultado no estado de Bengala Ocidental enfraquecerá definitivamente a posição de Modi", acrescentou, mas ele advertiu que os resultados precisam ser estudados mais a fundo para determinar o quanto são um referendo sobre a gestão da covid-19 por parte do BJP.

Eleições à frente da pandemia

A Índia registrou nesta segunda-feira mais de 368 mil novas infecções pelo coronavírus e 3.417 mortes em decorrência da covid-19 em 24 horas, após registrar recordes de óbitos e de casos diários no fim de semana. 

O governo de Modi tem sido severamente criticado pela gestão da epidemia no país, que deixou o já frágil e subfinanciado sistema de saúde indiano à beira do colapso. Hospitais enfrentam falta de leitos, medicamentos e oxigênio, e pacientes morrem à espera de atendimento. Modi vem sido acusado de priorizar eleições em detrimento do combate à pandemia.

Além de novas variantes, grandes eventos, incluindo um enorme festival hindu às margens do Ganges, e comícios eleitorais organizados pelo Partido do Povo Indiano em março e abril podem ter exacerbado a propagação do coronavírus, afirmam especialistas.

Na semana passada, o supremo tribunal do estado de Tamil Nadu criticou a Comissão Eleitoral por permitir eventos de campanha lotados em meio ao grave surto de coronavírus. Os casos na Índia começaram a aumentar para além de 100 mil por dia no final de março e passaram a ficar acima de 300 mil em 21 de abril.

"A sua instituição é singularmente responsável pela segunda onda da covid-19. Seus oficiais devem ser acusados de assassinato", disse o tribunal à comissão.


Hospital em Calcutá: Índia sofre com falta de leitos, medicamentos e oxigênio

"Não podemos permitir que pessoas morram"

Com o governo incapaz de manter um suprimento constante de oxigênio, várias autoridades hospitalares solicitaram uma intervenção da Justiça na capital indiana, onde o lockdown foi prorrogado por mais uma semana para conter a onda de infecções.

"A água subiu acima da cabeça. Já chega", disse o tribunal superior de Nova Déli no fim de semana, acrescentando que começaria a punir funcionários do governo se suprimentos de oxigênio destinados a hospitais não forem entregues. "Não podemos permitir que pessoas morram", disseram juízes do tribunal.

Líderes de 13 partidos de oposição assinaram uma carta exortando o governo a impulsionar a vacinação gratuita e garantir um fluxo ininterrupto de oxigênio para todos os hospitais do país.

Diante da situação dramática, cerca de 40 países estão enviando ajuda à Índia em forma de equipamentos, testes rápidos para vírus e oxigênio, junto com alguns materiais necessários para o país aumentar sua produção nacional de vacinas contra covid-19.

No domingo, um avião de carga fretado pela França aterrissou em Nova Délhi com 28 toneladas de equipamentos médicos, incluindo oito geradores de oxigênio de grande capacidade.

Na sexta, um avião militar dos EUA com suprimentos médicos pousou em Nova Délhi, e um avião alemão chegou ao país no sábado. O Reino Unido anunciou que enviará mil respiradores.

Alta dramática de contágios

Há dez dias, a Índia vem registrando mais de 300 mil infecções a cada 24 horas. No total, o país já confirmou quase 20 milhões de infecções pelo coronavírus desde o início da pandemia, atrás apenas dos Estados Unidos, que contabilizaram mais de 32,4 milhões, e à frente do Brasil, que soma mais de 14,7 milhões.

Mais de 218 mil pessoas na Índia morreram de covid-19, de acordo com o Ministério da Saúde. Acredita-se que os números oficiais de casos e óbitos sejam muito mais baixos do que os reais, devido à subnotificação.

A Índia abriu sua campanha de vacinação para pessoas entre 18 e 44 anos no sábado, uma tarefa gigantesca sendo minada pela disponibilidade limitada de doses. Vários estados já advertiram que estão ficando sem vacinas.

Apesar de o país ser o maior produtor mundial de imunizantes, vacinar seus 1,3 bilhão de habitantes é um enorme desafio. Desde o início da campanha de imunização contra a covid-19, em janeiro, 10% dos indianos receberam ao menos uma dose, mas apenas cerca de 1,5% receberam as duas doses necessárias.

Deutsche Welle Brasil, em 03.05.2021

sábado, 1 de maio de 2021

A opção Mourão debatida por generais

Generais críticos a Bolsonaro articulam uma “terceira via” para as eleições de 2022 e não descartam impeachment

O vice presidente, General Hamilton Mourão e o presidente Jair Bolsonaro, participam da cerimônia da troca da Guarda Presidencial. (Crédito da foto: Antonio Cruz, Ag. Brasil).

Em 27 meses no cargo, o general Hamilton Mourão construiu uma trajetória bem diferente da dos vices nos últimos 60 anos. Ele tem atribuições de Governo e comanda efetivamente nichos importantes da política ambiental e de relações exteriores. É, por exemplo, mediador de conflitos com a China, processo iniciado com um encontro com o presidente do país, Xi Jinping, em 2019, restabelecendo a diplomacia depois de duros ataques feitos por Jair Bolsonaro ainda na campanha.

Mourão esforça-se para não parecer que conspira, mas é visto por militares e especialistas ouvidos pela Agência Pública como um oficial de prontidão diante de uma CPI que pode levar às cordas o presidente Jair Bolsonaro pelos erros na condução da pandemia.

“Como Bolsonaro virou um estorvo, os generais agora querem colocar o Mourão no Governo”, diz o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza, um dos poucos oficiais das Forças Armadas a criticar abertamente o grupo de generais governistas que, na sua visão, “dá as ordens” e sustenta o Governo de Bolsonaro.

Ex-assessor especial do general Carlos Alberto Santos Cruz na missão de pacificação no Haiti, Jorge de Souza está entre os militares que enxergam o movimento dos generais como uma aposta num eventual impeachment e ascensão de Mourão ―que, por sua vez, tem fechado os ouvidos para o canto das sereias.

“Mourão jamais vai ajudar a derrubar Bolsonaro para ocupar a vaga. O que ele pode é não estender a mão para levantá-lo se um fato grave surgir. Honra e fidelidade são coisas muito sérias para Mourão”, diz um general da reserva que conviveu com o vice-presidente, mas pediu para não ter o nome citado.

A opção Mourão é tratada com discrição entre os generais que ocupam cargos no Governo. Três deles, Braga Netto (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional, o GSI) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), formam o núcleo duro fechado com o presidente. Os demais, caso a crise política se agrave, são uma incógnita. Mas são vistos como mais acessíveis à influência dos generais da reserva que romperam com Bolsonaro e articulam a formação de uma terceira via pela centro-direita.

“O que fazer se a opção em 2022 for Lula ou Bolsonaro? É sentar na calçada e chorar”, afirma à Pública o general Sérgio Etchegoyen, ex-ministro do GSI no Governo Michel Temer (MDB).

Embora se recuse a fazer críticas ao presidente, Etchegoyen acha que os sucessivos conflitos entre Executivo e Judiciário criaram no país um quadro grave de “instabilidade e incertezas”, que exigirá o surgimento de lideranças mais adequadas à democracia.

“O Brasil não precisa de um leão de chácara. Precisa de alguém que conheça a política e saiba pacificar o país”, diz o general.

O ex-ministro sustenta que 36 anos depois do fim do regime militar, com a democracia madura, a reafirmação do compromisso das Forças Armadas contra qualquer aventura autoritária a cada surto da política tornou-se desnecessária e repetitiva. E cutuca a imprensa: “Alguém ensinou um modelo de análise à imprensa em que a possibilidade de golpe está sempre colocada”, diz, referindo-se à crise provocada por Bolsonaro na demissão de Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, e dos comandantes militares. Para ele, a substituição é parte da rotina de Governo e das crises decorrentes da política. “Ministros são como fusíveis que podem queimar na alta tensão da política. Quem não tiver vocação para fusível que não vá para o Governo”, afirma.

Generais articulam terceira via para eleição

As articulações por uma terceira via são comandadas por generais da reserva, que já ocuparam cargos em governos e, até o agravamento da pandemia do coronavírus, se encontravam com frequência em cavalgadas no 1º Regimento de Cavalaria de Guardas (RCG), sede dos Dragões da Independência, grupamento do Exército sediado no Setor Militar Norte de Brasília, encarregado de guarnecer o Palácio do Planalto.

Os ex-ministros Etchegoyen e Santos Cruz e o general Paulo Chagas, ex-candidato ao Governo do Distrito Federal, embora em diferentes linhas, fazem parte do grupo. Têm em comum o gosto pela equitação e bom trânsito com o vice, que também gosta do esporte e frequentava o 1º RCG ao lado de outros generais, o ex-comandante do Exército Edson Pujol e civis como Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa, ex-PCdoB, hoje pré-candidato à presidência em 2022 pelo Solidariedade.

Mourão defende Exército e “vai ficar na cara do gol”

Nas ocasiões em que foi sondado para substituir Bolsonaro diante da probabilidade de impeachment ou para se colocar como terceira via, Mourão rejeitou as duas hipóteses. Segundo fontes ouvidas pela Pública, ele “não se furtaria” a assumir, mas só o faria dentro de limites constitucionais, ou seja, em caso de vacância no cargo.

“O Mourão se impôs um limite ético para lidar com a política. Não disputará contra Bolsonaro e nem imporá desgaste a ele. É um homem de visão de mundo diferenciada, entende muito do que fala, compreende o país e tem trânsito confortável na política externa. Seu perfil não é do interesse do presidente e nem oposição”, avalia a fonte próxima ao vice.

Em entrevista à TV Aberta, de São Paulo, na quinta-feira, 22 de abril, Mourão disse que, por lealdade, não disputará com Bolsonaro em 2022 e apontou como seu horizonte a candidatura ao Senado ou simplesmente a aposentadoria. Em janeiro, quando veio à tona notícia sobre um assessor parlamentar da vice-presidência que falava com chefes de gabinete de vários deputados sobre a necessidade de se preparar para um eventual impeachment, Mourão o demitiu, marcando sua postura pública sobre a questão.

Crítico corrosivo de Bolsonaro e um dos mais empenhados na construção da terceira via, o general Paulo Chagas vê Mourão como um reserva preparado tanto para um eventual impeachment quanto como nome viável pela terceira via. “Benza Deus que ele aceite! Mourão tem toda capacidade para colocar ordem na casa democraticamente, mas isso agora não interessa ao presidente nem à oposição, que quer ver Bolsonaro sangrar até o fim do Governo”, diz.

O coronel Jorge de Souza pensa diferente. “Mourão não vai em bola dividida. Ficará na cara do gol”, afirma, referindo-se ao provável desgaste que Bolsonaro enfrentará com o avanço da CPI da Covid, o que, na sua opinião, poderá desengavetar um dos mais de cem pedidos de impeachment parados na Câmara.

Nesta segunda, 26 de abril, em entrevista ao jornal Valor Econômico, o vice defendeu a caserna e antagonizou mais uma vez com Bolsonaro. Afirmou que o Exército não pode ser responsabilizado pela atuação do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. E disse que chegou a aconselhar o ex-ministro a deixar o serviço da ativa quando ele assumiu o combate à pandemia. À tarde, logo depois de ter recebido a segunda dose da vacina Coronavac, se recusou a falar sobre a CPI. “Isso aí não tem nada a ver comigo. Sem comentários”, desvia-se.

A CPI deve pegar Bolsonaro em pontos frágeis: o insistente apelo à população pelo uso de medicação sem eficácia, o boicote ao distanciamento social, a falta de remédios para intubação e de oxigênio para UTIs, a recusa em comprar vacina a tempo de evitar o espantoso aumento de mortes e a demora em prover a saúde de insumos necessários ao combate à pandemia.

Reforça as acusações ―23 delas listadas pelo próprio Governo em um documento encaminhado a todos os ministérios― um pedido de impeachment da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no qual um parecer do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto sustenta existirem indícios fortes de crime de responsabilidade cometido pelo presidente. O parecer afirma que Bolsonaro sabotou as medidas que poderiam aliviar a tragédia, o que acabou transformando o vírus numa espécie de arma biológica contra a população. A OAB entretanto ainda não protocolou o pedido, e pode fazê-lo em pleno vigor da CPI.

Bolsonaro não conseguiu barrar a CPI e ainda terá de enfrentá-la em desvantagem, já que o controle da investigação, pelo acordo fechado, será exercido pela oposição.

“A CPI vai render manchetes diárias, mostrará nomes, extratos, vai revolver a política”, alerta o general Etchegoyen, com a experiência de quem teve sob seu controle a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e enfrentou as muitas crises do Governo Temer.

Na visão de Paulo Chagas, Bolsonaro fracassou na condução do Governo e agora está com a “cabeça na guilhotina” da CPI. 

Segundo o coronel Jorge de Souza, os generais têm até um plano para a hipótese de uma reviravolta que ponha Mourão no Palácio do Planalto: um pacto para enfrentamento da pandemia e dos efeitos desta na economia, seguido da demissão de ministros tidos como exóticos ou alinhados ao extremismo alimentado pelo presidente. Ele acha, no entanto, que o perfil real do vice é diferente do que é vendido pelo marketing. “Num hipotético cenário de delegacia, em que o preso é torturado para falar, Mourão faz o papel do bom policial. As pessoas gostam dele porque é informal, brinca no ‘gauchal’ e tenta passar para a imprensa a imagem de maleável. Mas que ninguém se engane. Se forçar uma pergunta que não goste, ele explode. Mourão é autoritário”, diz.

O coronel conta que assistiu, no QG do Exército, em 2016, o hoje vice-presidente, num inflamado discurso à tropa, chamar o coronel Carlos Brilhante Ustra, um dos nomes ligados à tortura nos anos de chumbo, de herói e combatente anticomunista. “Mourão é mais preparado e mais perigoso que Bolsonaro. Ele comanda o Bolsonaro, e não o contrário”, afirma o oficial.

Para Souza, os generais terão a paciência necessária para aguardar que o agravamento da crise “consolide a ideia de Mourão é o cara”.

Em programa semanal, Mourão defende vacina e cita Gilberto Gil

Presidente do Conselho Nacional da Amazônia, Mourão tem se ocupado dos temas que considera relevantes para o país. É de sua lavra o levantamento que levou Bolsonaro a prometer neutralidade na emissão de gases de efeito estufa até 2050 e o fim do desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, no discurso de quinta-feira (22/4) à Cúpula do Clima, visto como bom sinal pelos líderes mundiais, mas irreal diante do desmonte dos órgãos de fiscalização e da falta de previsão de recursos.

Dias antes, quando o número de vítimas do coronavírus batia a trágica marca dos 4.000 mortos diários, ele reagiu com aparente perda de paciência com a gestão da saúde: “Pô, já ultrapassou o limite do bom senso”, disse, ressaltando que era necessário um plano para salvar vidas.

Se Bolsonaro tem as já famosas lives das quintas-feiras para falar contra as medidas de combate à pandemia, Mourão tem o Por dentro da Amazônia, um programa semanal gravado às segundas-feiras destinado aos 23 milhões de habitantes da Amazônia Legal. O programa é transmitido pela Rede Nacional de Rádio pelo mesmo sinal da Voz do Brasil, gerido pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e chega a regiões sem acesso à internet ou à energia elétrica. Pode ser acessado também pelo YouTube.



Mourão antagoniza com Bolsonaro e expõe as contradições do Governo. (Crédito da foto: Valter Campanato, Ag. Brasil).

Ali ele lista focos de desmatamento, pede ajuda dos moradores e se diz preocupado com a pandemia, fazendo recomendações que deveriam partir do Palácio do Planalto. “A covid-19 está na esquina, à espreita. Não deixe de se vacinar, mantenha distância e não se aglomere”, repete sempre. Num desses programas, descontraído, se despediu com uma citação que irrita os ouvidos do presidente: “Como diria o grande Gilberto Gil, alô povo da Amazônia, aquele abraço!”. Gil, como se sabe, foi ministro da Cultura de Lula.

Na mesma transmissão, em 29 de março, ele anunciou o fim do programa Brasil Verde II, destinado a combater as atividades ilegais na Amazônia e uma espécie de menina dos olhos do vice, que havia montado uma superestrutura militar para auxiliá-lo.

No dia em que apresentava um balanço que considera positivo ―a queda de 23% no desmatamento entre 1º de junho de 2020 e 31 de março deste ano, a apreensão de 500 mil metros cúbicos de madeira, 335 tratores e mais de mil máquinas de serrarias e mineração ilegal e 3,3 bilhões de reais em multas―, Mourão foi surpreendido com boatos segundo os quais Bolsonaro pretendia criar um ministério para a Amazônia como prêmio de consolação ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que havia perdido o combate contra o vírus.

O vice desconfiou, no entanto, que o movimento não era só para socorrer Pazuello. Um assessor do Conselho da Amazônia disse à Pública que Mourão reagiu com perplexidade por não ter sido sequer consultado sobre uma opção que, de cara, esvaziaria o órgão que estruturou a duras penas, enfrentando inclusive desconfianças do entorno do próprio presidente. Mas reagiu em público com bom humor, declarando que, se um novo ministério não tivesse como meta dar corpo ao que chama de “bioeconomia”, termo que usa para se referir ao desenvolvimento sustentável, o presidente estaria procurando “deserto para mais um camelo”.

O programa Brasil Verde, uma vitrine ainda embaçada que Mourão tentou vender ao mundo, chega ao fim melancólico neste final de abril, como mais um paliativo governamental de resultado pífio no combate ao desmatamento e às queimadas.

Na contramão do ministro Ricardo Salles ―que chegou a se reunir em seu gabinete com madeireiros de Santa Catarina fornecedores da empresa que foi o principal alvo da apreensão recorde de madeira ilegal na Amazônia, realizada durante a Operação Handroanthus GLO, como revelou a Pública― o general Mourão tem apoiado as ações de repressão e, ao ser obrigado a encerrar o Brasil Verde por falta de recursos, criou o Plano Amazônia 21/22, para tentar estancar a alta incidência de crimes ambientais.

O plano prevê a sinergia de pelo menos dez órgãos de controle, mas até agora é só uma intenção. Mourão diz que a ideia é organizar concursos públicos para fiscais que se disponham a formar equipes permanentes por seis anos ininterruptos na Amazônia e que atuariam auxiliados por centrais de inteligência baseadas em Porto Velho, Belém e Manaus, em operações deflagradas de acordo com o surgimento de focos de incêndio monitorados por satélite. O vice estima que, com um gasto anual de 100 milhões de dólares, é possível chegar em 2030 com desmatamento zero.

Enquanto não deslancha, o programa Por dentro da Amazônia continua, dando voz semanalmente ao vice-presidente, todas as 2ª feiras às 9h e às 20h30. O último episódio teve pouco mais de 200 visualizações no Youtube.

Analistas veem Mourão desde como “incógnita” até “contradição emulada”

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) enxerga o vice como uma incógnita. “Ainda é cedo para saber de que lado está o general Mourão. Ele tem uma característica que o difere dos demais [militares do Governo], que é ser indemissível. Pode questionar, pode se posicionar, que continuará sendo o vice-presidente da República. De certa forma, ele representa uma parcela dos militares. Mas por mais que tenha um discurso mais moderado, ainda é uma pessoa que defende que não houve golpe militar. Espero que a gente não dependa dele para a sobrevivência da democracia”, diz a deputada à Pública.

Tabata fez um levantamento em parceria com o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) mostrando que, além de nove dos 21 ministros serem militares ―todos eles levaram coronéis da reserva e da ativa como assessores―, em outros escalões os cargos de confiança ligados ao Palácio do Planalto mais que triplicaram desde o Governo Dilma (eram 102 e agora são 343), com amplo destaque para o Ministério da Saúde, no qual a presença militar saltou de um para 30 na gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello.

O antropólogo Piero Leiner, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), avalia que as diferenças públicas entre presidente e vice fazem parte de uma estratégia. “Desde a eleição, Mourão faz o papel de um ‘contraditório’: Bolsonaro diz, ele desdiz. Mas é preciso ter em mente que essa é uma contradição emulada. Este é um Governo pensado e executado por militares, e Mourão está lá também para fazer esse papel de subordinação militar, que é a ideia do ‘ele manda, nós obedecemos’. A ideia é que nas várias instâncias fique clara a aparência de que Bolsonaro seria uma coisa, os militares outra. Assim, eles podem aparecer como uma instância de moderação, o que é uma premissa falsa, uma vez que Bolsonaro é obra deles”, afirma.


Analistas veem Mourão até como “contradição emulada”. Crédito da foto: R.P. Ag. Brasil)

Um dos maiores estudiosos das Forças Armadas no Brasil, o cientista político João Roberto Martins Filho diz que a conta pelo apoio a Bolsonaro já está chegando aos militares. “As Forças Armadas, em especial o Exército, estão muito comprometidas com esse Governo e pagam o preço com grande desgaste. Tem pesquisa mostrando que já estão em terceiro lugar (18%) entre as instituições que apresentam perda de confiança da população e em último (1%) entre as que apresentaram aumento da confiança”, diz à Pública. Martins Filho se refere à pesquisa Exame/Ideias sobre o efeito da gestão da pandemia nas instituições, com 1.259 entrevistados, feita entre 5 e 7 de março e publicada no último dia 10, portanto antes das mudanças feitas por Bolsonaro no Ministério da Saúde e nos comandos da Defesa e das Forças Armadas.

O pesquisador acha que já há sintomas de insatisfação entre os militares da ativa pelo fato de Bolsonaro ter tentado interferir nos comandos em busca de uma lealdade no conflito com o STF e certa fissura no generalato que ocupa cargos no Governo. Ele, no entanto, não acredita em rompimento. “Vão procurar remendar o que foi feito e estão pensando nas eleições do ano que vem. Se perceberem que Bolsonaro pode cair, vão de Mourão, que faz aquecimento no canto do campo e é palatável”, afirma.

O coronel Jorge de Souza acha que esse desgaste será ainda maior quando a população perceber com mais clareza que os militares “são o Governo”, já que o prestígio da tropa junto à população era motivado justamente pelo distanciamento da política, rompido, segundo ele, pelo envolvimento do Alto-Comando do Exército nos movimentos que antecederam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Dos 17 oficiais que integravam a cúpula da força à época, 16 estão ou estiveram em funções políticas nos Governos de Michel Temer e de Bolsonaro, que simplesmente militarizou a Esplanada.

“A geração dos anos 70 é o problema. Eles estão gostando do poder”, diz Jorge de Souza, para quem “é necessário fazer regredir a marcha da politização nos quartéis” e desgrudar a imagem das Forças Armadas de Bolsonaro. “Os generais não têm jogo de cintura para exercer funções políticas que são civis.”

Esta reportagem foi publicada originalmente no site da Agência Pública. Reproduzida por EL PAÍS, em 01.05.2021.

Brasil registra mais 2.656 mortes por covid-19

País já soma 406 mil óbitos ligados ao coronavírus. Secretarias estaduais confirmam ainda 66 mil casos em 24 horas, e total de infectados vai a 14,72 milhões.


Cruzes em frente ao Congresso Nacional (Crédito da foto: Ueslei Marcelino / Reuters)

O Brasil registrou oficialmente 2.656 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) neste sábado (01/05).

Também foram confirmados 66.964 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.725.975, e os óbitos somam agora 406.437.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.194.538 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de sexta-feira.

Com os dados de óbitos registrados neste sábado, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 193,4 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) é de 2.421, o que significa que o país está há 45 dias consecutivos registrando um índice acima de 2.000.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 576 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,3 milhões) e Índia (19,1 milhões).

Ao todo, mais de 151,6 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,1 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 01.05.2021

Os erros que levaram centenas de cidades no Brasil a suspender vacinação por falta de 2ª dose

"As cidades usaram a vacina da segunda dose para a primeira, e não está tendo reposição porque o Butantan está com problemas no fornecimento de matéria-prima", diz a epidemiologista Carla Domingues, que esteve à frente do Programa Nacional de Imunização entre 2011 e 2019.


Quase um terço das cidades ficaram sem vacina para 2ª dose na última semana (Crédito da foto: Getty Images)

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que "é possível garantir" que todos os brasileiros estarão protegidos contra a covid-19 até o fim do ano.

"Temos doses suficientes para o segundo semestre", afirmou Queiroga em uma coletiva da Organização Mundial da Saúde na sexta-feira (30/4), acrescentando que o governo receberá até o fim do ano mais de 500 milhões de doses.

Para atingir esses objetivos, será preciso resolver primeiro um problema bem mais imediato: a falta de doses da CoronaVac, vacina fabricada pelo Butantan e que hoje é aplicada em três de cada quatro pessoas que são vacinadas no país.

Isso tem feito centenas de cidades do país paralisarem a vacinação por completo e deixado muita gente apreensiva e com medo por não saber o que acontece se elas não tomarem a segunda dose na data certa.

E a razão, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, é uma combinação de erros do governo federal e das prefeituras e de contratempos na produção dos imunizantes.

O tamanho do problema

A paralisação da vacinação por falta de doses não é uma novidade — já aconteceu antes, em muitos lugares, e continua a acontecer.

Mas, antes, era em geral interrompida a chamada de novos grupos, mas a aplicação da segunda dose continuava garantida. Agora começou a faltar vacina também para quem já estava no meio do caminho para ser imunizado.

Nesta semana, 30,8% das cidades do país tiveram esse problema, diz a Confederação de Municípios. Foram consultados 2.824 municípios — mais que a metade do total — , entre 26 e 29 de abril.

A pesquisa mostrou que o problema estava mais grave na região Sul, onde 47% das prefeituras disseram ter parado de vacinar a segunda dose.

Isso aconteceu em parte porque o governo federal mudou há pouco mais de um mês as recomendações para a vacinação.

Em 20 de março, o Ministério da Saúde anunciou, na nona entrega semanal de vacinas, que as prefeituras não precisavam guardar metade do que recebessem para a segunda dose da CoronaVac, como era recomendado.

A regra já valia para a vacina da AstraZeneca, que tem um prazo entre as doses maior, de três meses, em vez de 28 dias como a vacina do Butantan.

"Essa estratégia vai possibilitar a aceleração da vacinação dos grupos prioritários no Brasil e redução dos casos graves de covid-19", disse o ministério na época.

De fato, isso contribuiu para que houvesse um aumento sensível nas doses aplicadas diariamente no país a partir de então.

O problema é que a nova regra valia apenas para aquele lote, de 5 milhões de doses, e isso não ficou muito claro na hora.

O governo só explicou melhor no anúncio da remessa seguinte: "A estratégia é revisada semanalmente em reuniões tripartites (governos federal, estaduais e municipais), observando as confirmações das entregas por parte do Butantan, de forma a garantir a disponibilidade da segunda dose no intervalo máximo recomendado".

A situação ficou ainda mais confusa porque, justamente quando a pasta explicou que a regra podia variar, a regra (para usar todas as doses daquele lote imediatamente) foi mantida.

As instruções só mudaram de fato na outra leva de doses distribuídas — e vem variando desde então. Semana a semana, o Ministério da Saúde adota uma estratégia diferente, de aplicação imediata e reserva de doses, para adequar as remessas às necessidades daquele momento.

Mas teve muita prefeitura que não entendeu isso (ou decidiu fazer do seu próprio jeito, já que elas têm autonomia para isso) e passou a usar integralmente todas as CoronaVacs disponíveis em todos os lotes.


Problemas na produção levou a atrasos e redução das entregas (Crédito da foto: Getty Images)

'Estamos reforçando necessidade de reservar doses'

A maioria (49,3%) das quase 3 mil cidades ouvidas pelo CNM há duas semanas disse que não estava guardando doses.

Mesmo antes da mudança da regra pelo ministério, já tinha muita cidade fazendo isso. "Faltou planejamento e organização", diz Carla Domingues.

Não reservar doses é arriscado nesse momento. O governo federal, quando anunciou a nova estratégia, disse que estava fazendo isso porque teria dali para a frente o fornecimento de vacinas ia estabilizar. Mas os problemas continuam.

Atrasos na chegada de matéria prima e problemas na linha de produção levaram a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a adiar a entrega de doses da vacina de Oxford e a reduzir o volume previsto inicialmente para abril.

A falta de insumos também levou à paralisação da fabricação e atrasos na entrega da CoronaVac, que responde neste momento pela maioria das doses aplicadas no país.

Isso tem feito com que o tamanho dos lotes distribuídos pelo Ministério varie bastante.

No final de março o total distribuído por semana ficou em torno de 4 a 5 milhões. No início de abril, bateu um recorde: 9,1 milhões.

Caiu bastante já na semana seguinte, para 4,4 milhões. Na outra, voltou a subir (6,3 milhões). Depois, caiu de novo, para 3,5 milhões.

"As cidades tinham recebido uma orientação do governo federal de que não tinha necessidade de fazer reserva de doses. Acabou se vacinando muito, e agora começou a faltar porque a demanda foi grande e teve atrasos de produção", diz Denilson Magalhães, consultor da área técnica de saúde do CNM.

A confederação diz que está conversando com as prefeituras para que elas se atentem e respeitem as recomendações que o ministério divulga toda semana com cada lote.

"Também estamos reforçando com as cidades a necessidade de guardar doses para garantir a vacinação de toda a população", diz Magalhães.

Equívocos em série

Na segunda-feira, o ministro Queiroga reconheceu durante uma audiência pública no Senado que há "dificuldade" com a entrega da segunda dose da CoronaVac e citou atrasos no fornecimento pelo Butantan.

Dimas Covas, diretor do Butantan, retrucou afirmando em entrevista à rádio CBN que o atraso foi pequeno, afetando cerca de 3 milhões de doses.

Ele também disse que o calendário tinha sido acertado com antecedência com o ministério e que tinha avisado sobre a possibilidade de haver "qualquer interveniência".


Ministério da Saúde reconheceu 'dificuldade' com estoques de segunda dose (Crédito da foto: Getty Images).

Covas apontou então que a causa do problema está na mudança de estratégia do governo federal.

"Alguns Estados fizeram a reserva para a segunda dose, como é o caso de São Paulo, portanto aqui não tem faltado a segunda dose no prazo determinado. Agora, outros não fizeram essa reserva, inclusive por conta da orientação do próprio ministério", afirmou o diretor do Butantan.

"O maior equívoco de todos foi a orientação dada pelo governo federal", diz Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Kfouri diz que, com os problemas que vinham acontecendo, era melhor ter sido mais conservador e trabalhado com mais folga entre as remessas.

"Já dava pra prever que isso ia acontecer com aquela conta do lápis feita pelo ministério, confiando na capacidade de gerenciamento de doses por Estados e municípios, que não é tão fina assim", diz ele.

Mas o cronograma prometido não se cumpriu. E a isso se somou um erro de comunicação do ministério, que fez muito prefeito achar que podia usar todas as vacinas que chegassem do fim de março em diante.

"A comunicação e a estratégia não foram bem definidas, e o resultado está aí. As cidades deviam ter guardado vacina para a segunda dose, e muitas não fizeram isso. Mas a orientação nacional foi essa, e isso deixou muita gente na mão", diz Kfouri.

O CNM fez uma reunião com o Ministério da Saúde na última terça-feira (28/4) para resolver a questão.

Ficou combinado que o governo federal vai enviar diariamente vacinas para os municípios que enfrentam problemas, de forma emergencial, até a situação normalizar.

Por sua vez, o Butantan antecipou a entrega ao governo federal de 420 mil doses da CoronaVac.

O Ministério da Saúde também anunciou a distribuição imediata de 104,8 mil doses da CoronaVac aos Estados.

Denilson Magalhães diz, no entanto, que esse, como esse lote emergencial do ministério é destinado inteiramente para a aplicação da primeira dose, não vai ajudar a resolver a falta de segunda dose.

"Se o Ministério da Saúde não mandar já na segunda-feira mais doses para as cidades, esse problema vai se agravar ainda mais na próxima semana", avalia o consultor do CNM.

Rafael Barifouse, da BBC News Brasil em São Paulo, em 30 abril 2021