terça-feira, 4 de maio de 2021

Mandetta diz na CPI que Presidência sugeriu decreto para colocar indicação para Covid nas bulas de cloroquina

Ex-ministro diz que Bolsonaro tinha assessoramento 'paralelo' e afirma que viu várias reuniões em que Carlos Bolsonaro, filho do presidente que é vereador, tomava notas

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta presta depoimento, nesta terça-feira, na CPI da Covid no Senado Federal. O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), foi o primeiro a fazer perguntas. O ex-ministro disse que viu uma minuta de documento da Presidência da República para que a cloroquina tivesse na bula a indicação para Covid-19 e que o presidente Jair Bolsonaro parecia ouvir "outras fontes" que não o Ministério da Saúde.

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Segundo Mandetta, o próprio diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) discordou dessa medida, e o ministro "Jorge Ramos" minimizou a questão, dizendo que era apenas uma sugestão. Na época, o Planalto não tinha um ministro com esse nome, mas um chamado Jorge Oliveira, na Secretaria-Geral, e outro Luiz Eduardo Ramos, na Secretaria de Governo.

— O ministro da Saúde é um ministro que é convocado pelo presidente para conversar, prestar suas explicações. Estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado que era para subir, porque tinha uma reunião de vários ministros e médicos que iam propor esse negócio cloroquina, que eu nunca havia conhecido. Ele [Bolsonaro] tinha uma assessoramento paralelo. Nesse dia, havia na mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação de cloroquina para coronavírus. Foi inclusive o próprio presidente da Anvisa, Barras Torres, que estava lá, que disse não. O ministro Jorge Ramos disse: isso não é da lavra daqui. Mas é uma sugestão de alguém. Alguém pensou, se deu ao trabalho de colocar aquilo em formato de decreto — disse Mandetta.

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Mais tarde, Mandetta falou novamente sobre a história da bula ao ser questionado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA).

— A questão da bula, eu saindo da reunião de ministros, dez ,12 dias antes de ser demitido. chegando lá, havia um papel, na frente de todos na reunião, que era uma minuta, uma sugestão de minuta. Eu perguntei ao ministro Jorge Ramos (sic): isso é um decreto para o presidente? O ministro: não, não. Mas existia, teve essa ideia. Não saberia dizer quem teve — disse Mandetta, ressaltando novamente que o diretor-geral da Anvisa, Antonio Torres Barra, foi contra.

Mandetta também criticou o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), fllho do presidente, presente em algumas reuniões.

— Vi várias reuniões de ministros em que o filho do presidente, que é vereador, sentava atrás tomando notas da reunião — disse Mandetta.

Mandetta foi enfático quando perguntado se, enquanto estava no cargo, alguma empresa ou entidade apresentou perspectivas de vacinas. Mandetta disse que não, mas que se houvesse vacinas à época iria atrás delas como um prato de comida.

— Naquele momento tínhamos uma lista de iniciativas. Nós torcíamos, nós sabíamos que, quando há vírus, a humanidade enfrenta com vacina, desde a varíola. Mas estavam ou na concepção de fórmula, ou testando em laboratório com ratos — disse o ex-ministro. Ele afirmou ainda que, se houvesse vacinas, teria ido atrás:

— Teria ido atrás delas como atrás de um prato de comida. 


Ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sustentou discurso de que seguiu sempre orientações ténicas à frente da pasta Foto: Jefferson Rudy / Agência O Globo

Renan também questionou se a ordem do presidente Jair Bolsonaro para o laboratório do Exército aumentar a produção de cloroquina tinha partido do Ministério da Saúde, e Mandetta disse que não.

— A única coisa que o Ministério da saúde fez, após consulta ao Conselho Federal de Medicina e a conselheiros do ministério, era para o uso compassivo, quando não há outro recurso terapêutico. É um medicamento que tem uma série de reações adversas, uma série de cuidados que tem que ser vistos — disse Mandetta.

Segundo ele, havia quantidade suficiente do remédio no Brasil:

— A cloroquina nos é produzida regularmente para o uso que convém, para malária, lúpus, pela Fiocruz, e tínhamos a quantidade necessária para isso.

"Orientações paralelas"

Mandetta disse que Bolsonaro não deu nenhuma orientação ao ouvir a previsão do Ministério da Saúde, no início da pandemia, de que o país poderia chegar a 180 mil mortes. Atualmente, o Brasil ultrapassa 400 mil óbitos decorrentes da doença.

— Não. Ficou aquilo como 'existem outras pessoas que também falam outras coisas', enfim. Não foi aquilo que foi capaz de unir — respondeu Mandetta ao ser indagado se Bolsonaro fez alguma recomendação ao ouvir a previsão inicial da Saúde.

O ex-ministro disse ainda que Bolsonaro parecia ter outra fonte de informação paralela, fora do Ministério da Saúde. E citou que o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (RJ), costumava acompanhar reuniões ministeriais e tomar notas.

— Me lembro do presidente sempre questionar a questão da cloroquina como válvula de tratamento precoce, embora sem evidência precoce, lembro de ele falar do isolamento vertical. Ele tinha outra, não saberia dizer, outra fonte que dava para ele. Do Ministério da Saúde nunca houve orientação de coisas que não eram da cartilha.  

Questionado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), sobre se o Ministério da Saúde foi pressionando pelo presidente Jair Bolsonaro a contrariar recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), Mandetta disse que não.

— Ele foi publicamente confrontado e isso dava uma informação dúbia à sociedade. O objetivo do Ministério da Saúde era dar uma informação, o presidente dava outra informação.

Sobre a relação com Bolsonaro, Mandetta disse que o presidente inicialmente compreendia as informações, mas poucos dias depois mudava de ideia. Segundo o ex-ministro, era uma "relação dúbia".

Dificuldade com filhos do presidente

Mandetta relatou dificuldades com os filhos de Bolsonaro para conseguir um bom diálogo com a China.

— Eu tinha um Ministério de Relações Exteriores que eu precisava muito, porque eu era dependente de insumos que estavam na China, que tinha que trazer para o Brasil. Então era mais do que necessário ter um bom diálogo com a China. Então eu tinha dificuldade com o ministro de Relações Exteriores [Ernesto Araújo, que deixou o cargo em 2021]. O outro filho do presidente que é deputado, Eduardo, tinha rotas de colisão com a China, através de Twitter, mal-estar. Eu fui até um certo dia ao Planalto, eles estavam todos lá, os três filhos [o vereador Carlos, o deputado Eduardo o senador Flávio] do presidente, e mais assessores, que são assessores de comunicação.  Disse a eles: eu preciso conversar com o embaixador da China, preciso que eles nos ajude, pedi uma reunião com ele, posso trazer aqui? "Não, aqui não." Acabei fazendo por telefone — explicou Mandetta.

O senador Randolfe Rodrigues perguntou então se havia uma oposição a qualquer diálogo com a China. Mandetta respondeu:

— Existia uma dificuldade de superar essas questões.

O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) perguntou qual o impacto da corrupção, citando os escândalos do mensalão e do petrolão, na forma como o Brasil enfrentou a pandemia.

— Vem desde o dia que Cabral pisou aqui — disse Mandetta, acrescentando: — Isso é base de inúmeros problemas, não só na saúde.

Confira outros destaques da CPI até agora:

Logo no início, Renan questionou se Mandetta vê como adequada a orientação do Ministério da Saúde para que as pessoas só procurassem o sistema de saúde com sintomas graves. Mandetta afirmou que o intuito era apenas evitar aglomerações por suspeitas de viroses em hospitais, antes de haver transmissão comunitária no país, o que só foi registrado no final de março de 2020.

- Isso não é verdade. Não havia um caso no país. O que havia eram pessoas com sensação de insegurança, de pânico. Viam China, Itália com seu lockdown, e as pessoas procuravam hospitais com intuito de fazer testes: 99,9999% dos casos eram de outros vírus, e 0,0001% eram indefinidos. Só fizemos transmissão comunitária depois de 24 de março. Em um momento de viroses, a orientação para viroses é que observe a virose, que não vá ao hospital porque aglomera, porque se tiver um paciente ele vai contaminar na sala de espera. Eu tenho visto essa máxima ser repetida. É mais uma guerra de narrativa. Todas as orientações são para dar entrada pelo sistema de saúde. 

Renan questionou como funcionava o sistema de governança da pasta na gestão de Mandetta e quais foram as orientações aos municípios durante o início da crise sanitária. Mandetta respondeu que o ministério é dividido em secretarias especializadas e que tudo ocorreria de maneira harmônica entre eles. Sobre orientações, o ex-ministro citou uma série de portarias sobre medicamentos e testagens.

— A função do Ministério da Saúde é dialogar e antecipar, colaborar, fazer as portarias de acordo com o sistema de saúde, as deliberações desses municípios que são muito frágeis — disse o ex-ministro.

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Testagem em massa

Renan questionou por que não houve testagem em massa da população, Mandetta respondeu:

— No mês de março iniciamos todo o processo de aquisição da testagem, 24 milhões de testes. Não adianta só ter o teste, é preciso processar os testes. Mas foi assinado o recebimento dos testes no ministro subsequente, ministro Teich. E depois eu soube que essa estratégia não foi utilizada. Foi muito clara a nossa estratégia: testar, testar.

O relator então perguntou se havia impedimento técnico para a testagem na época. O ex-ministro se justificou:

— Não havia o teste. Era uma carência mundial.

Ainda sobre os testes, Mandetta afirmou:

— Nós tínhamos um caminho traçado para a testagem, sabíamos para onde iríamos, sabíamos que íamos testar, bloquear contágio e iríamos tratar via atenção primária e ampliar nossa rede hospitalar. Não tomamos nenhuma medida que não tenha sido pela ciência. E a ciência é essa, é isso que recomendaram. Depois, vimos pararem muitas coisas e não colocarem outras no lugar, a testagem é uma delas - disse Mandetta.

Respiradores

Mandetta disse que a estratégia para compra centralizada de respiradores pelo governo federal foi bem-sucedida em sua gestão. De acordo com ele, estados e municípios enfrentavam problemas na aquisição dos produtos.

- Nós entramos, arbitramos, fizemos a encomenda e conseguimos garantir o abastecimento de toda a rede nacional. E são esses respiradores que estão até hoje segurando a epidemia. Todos os 15 mil foram entregues - afirmou.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), questionou, então, por que os estados partiram para comprar respiradores. Mandetta respondeu que "há um hiato".

- Eles começaram a predar e a escalonar preços. Ficou insustentável. Nesse momento entrou o Ministério da Saúde. O Brasil foi o país que comprou respiradores pelo preço mais baixo do mundo. E entregou na ponta. Isso não impede os governadores.

Isolamento Social

Mandetta confirmou que houve discordância de sua posição sobre isolamento social com a do presidente Jair Bolsonaro. Ele respondeu a um questionamento feito por Renan Calheiros.

- Sim, senhor. Eu sou médico... Jurei na minha formatura, jurei quando tomei posse como deputado defender a Constituição, o princípio da vida, ali não era uma situação de diferenças políticas. Ali era um momento republicano. Eu conversava com o governador do Ceará, a governadora do Rio Grande do Norte, assim como de São Paulo, todos eles para que tivéssemos momento de união. Nunca discuti com o presidente, nunca tive discussão áspera, mas sempre coloquei a minha posição de forma muito clara - disse.

Ao falar sobre contato com governadores, ele aproveitou para pedir desculpas aos senadores que deixou de atender durante a crise sanitária. Ontem, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Omar Aziz reclamou de não ser atendido por Mandetta.

Início do depoimento

O ex-ministro começou seu depoimento elogiando ações de sua gestão no Ministério da Saúde antes da pandemia. Segundo ele, em dezembro de 2019, por exemplo, a pasta conseguiu habilitar totalmente os leitos de UTI pendentes, zerando as pendências.

De acordo com o ex-ministro, no começo da pandemia, o Ministério da Saúde passou a tomar algumas ações que pudessem ajudar no combate à Covid-19. Isso incluiu, por exemplo,  a verificação da legislação sobre quarentena e isolamento, o retorno de brasileiros que estavam em Wuhan, na China, onde a pandemia começou, e uma reunião com o embaixador chinês.

Mandetta também afirmou à CPI da Covid que procurou estreitar relações com a China no início da pandemia, enquanto ainda ocupava cargo no governo federal. Ele disse que encaminhou uma carta de solidariedade ao ministro da Saúde chinês.

Mandetta disse que o início da pandemia disparou uma "corrida" mundial por testes e insumos e que países ricos bloquearam exportações. Ele também disse que houve a criação de um grupo de trabalho da Controladoria-Geral da União (CGU) para garantir a lisura de compras feitas pelo Ministério da Saúde. O ministro justificou que testes rápidos eram de "difícil compra" e que buscou apoio de empresas da iniciativa privada.

A minoria de quatro senadores governistas, por outro lado, se preparou para deslegitimar o ex-ministro. Eles querem explorar a acusação de que, por decisões de Mandetta, o ministério foi ineficiente durante sua gestão.

— É partir pra cima — disse Ciro Nogueira (PP-PI), aliado de Bolsonaro, antes de começar a sessão.

Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, diz que o governo está pronto para prestar esclarecimentos na CPI.

Após a oitiva de Mandetta, está previsto o depoimento do ex-ministro da Saúde Nelson Teich. Ele ficou apenas um mês no cargo. Eles serão ouvidos na condição de testemunha.  O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), pode colocar ainda hoje para votar os requerimentos de convocação do ministro da Justiça, Anderson Torres, e do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.

Cada um dos 18 senadores poderá usar cinco minutos para formular os questionamentos, o mesmo tempo concedido ao ex-ministros. Após as respostas, os parlamentares terão três minutos para as réplicas e os depoentes outros três minutos para as tréplicas.

Questões de ordem

Logo no início da sessão, antes de Mandetta começar a falar, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que é governista, reclamou que a CPI estaria focando mais nas ações e omissões do governo federal, deixando de lado as irregularidades de gestores estaduais e municipais no uso de recursos federais. Ele apresentou uma questão de ordem pedindo que sejam alternados depoimentos relacionados a um e outro tema.

— A despeito do desejo dos 45 senadores que assinaram o requerimento [para investigar governadores e prefeitos], não há no plano de trabalho no momento nada que assegure a investigação de irregularidades na aplicação de recursos federais por entes estaduais e municipais. Com efeito, destaco que até o final do ano de 2020, a Polícia Federal já havia realizado 61 operações policiais para apurar indícios de irregularidades. Essas investigações vão desde a compra de máscaras e aventais até hospitais de campanha, em contratos que movimentaram algo próximo a R$ 2 bilhões. Como resultado, governadores e secretários foram afastados — disse Girão.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), reclamou que Girão estava levando muito tempo para apresentar a questão de ordem. Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de oposição, também rebateu.

— Parece que ficam embromando, empurrando com a barriga. Temos depoente esperando. Temos plano de trabalho. Girão, vamos trabalhar, homem!

Marcos Rogério (DEM-RO), governista, disse que o plano de trabalho dá mais enfoque às ações e omissões do governo federal.

— A CPI tem que investigar a todos, doa a quem doer — disse Rogério.

A CPI da Covid pretende que o Tribunal de Contas da União (TCU) ceda duas servidoras para auxiliar o colegiado. Este tipo de requisição aos órgãos de controle é praxe nos processos investigativos da Casa. Em requerimento apresentado pelo presidente Aziz , ele cita as auditoras federais de controle externo Deane D'abadia Morais e Sorhaya Sampaio de Araújo. O fato de Aziz ter delimitado quem quer chamar foi questionado pelo governista Ciro Nogueira (PP-PI).

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