quarta-feira, 12 de maio de 2021

Covid-19: após 3 semanas de queda, casos de coronavírus voltam a avançar no Brasil puxados por 9 Estados

O número de novos casos de covid-19 atingiu um pico de 77 mil notificações diárias em 27 de março, um recorde na pandemia, e depois passou a cair ao longo de abril. Mas as infecções voltaram a subir em maio, e em 10/05 atingiram o maior patamar em três semanas.

Para cientistas, a suspensão das restrições mais rígidas pode ter colaborado para reversão de queda no total diário de infectados (Crédito da foto: Getty Images)

É importante deixar claro que há uma enorme subnotificação desses dados, mas ela tem se mantido mais ou menos constante. Ou seja, a realidade é pior do que os números oficiais apontam, porque muita gente infectada não fez teste de covid-19, mas, segundo estimativas, essa diferença entre dados e realidade foi praticamente a mesma em março, abril ou maio.

Para especialistas, os fatores ligados tanto à queda de casos quanto ao novo aumento são conhecidos desde o início da pandemia em quase todos os países do mundo.

Mais recentemente, houve um recuo na média semanal do número de mortes a cada dia, mas espera-se que esse número também volte a subir já que há um descompasso entre os dados de infecção, de internação e de óbitos, porque alguém que venha a morrer por covid-19 costuma perder a vida semanas depois do primeiro dia de sintomas.

Dessa forma, o aumento de contágio percebido hoje levará dias até se refletir no número de mortes.

O pico de óbitos, por exemplo, ocorreu em 12/04, duas semanas depois do auge das infecções, em 27/03. Na terça-feira, 11/05, o Brasil registrou uma média de 1.980 óbitos nos últimos sete dias. A primeira vez, em quase dois meses, que a média móvel de mortes por covid-19 fica abaixo de 2.000.

Recuo

Por um lado, distanciamento social mais rígido e vacinação ampla levam a um recuo de infecções, hospitalizações e mortes. De outro, a flexibilização de regras de distanciamento, a circulação maior das pessoas e variantes mais transmissíveis levam ao avanço da doença.

No caso do Brasil, cientistas apontam que restrições mais rígidas surtiram efeito em março, mas a suspensão delas antes que a transmissão do vírus estivesse de fato controlada levou a essa reversão de tendência em diversas partes do país. Ou seja, os casos podem parar de cair e voltar a subir rapidamente.

Média de casos de covid no Brasil volta a crescer

Segundo dados coletados pelo Google por meio da localização de telefones celulares, desde o fim de março há cada vez mais pessoas no Brasil indo ao comércio e estações de ônibus e metrô, por exemplo.

O número de novas infecções segue na mesma direção.

Os dados oficiais, divulgados pelas secretarias estaduais de Saúde, indicam aumento de casos em nove Estados: Alagoas, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

Outros 13 se mantêm relativamente estáveis: Acre, Amapá, Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.

Por fim, há queda no Distrito Federal e em quatro Estados: Amazonas, Espírito Santo, Goiás e Mato Grosso.

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o mapa de tendência de casos aponta hoje para a manutenção do patamar atual em todas as unidades da federação, exceto no Rio de Janeiro, onde há tendência de alta.

Em 07/05, a Fiocruz afirmou em boletim epidemiológico que a "ligeira redução em casos e óbitos por covid-19" nas últimas duas semanas de abril "não significa que tenhamos saído de uma situação crítica".

Para a instituição, "somente a redução sustentada por algumas semanas poderá permitir a melhoria dos vários indicadores de monitoramento da pandemia". Os indicadores a que a Fiocruz se refere incluem a taxa de ocupação dos leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) e o número de mortes por covid.

Atualmente, são registradas, em média, 1.980 mortes no país a cada 24 horas. O número vem em queda desde 12/04 e está no menor patamar desde meados de março. Mas, segundo especialistas, pode ser questão de tempo até voltar a subir mais uma vez.

Segundo a Fiocruz, "as taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos mantiveram a tendência lenta de queda em quase todo o país entre 26 de abril e 3 de maio".

Mas há apenas sete Estados fora da chamada "zona crítica": Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Maranhão, Pará, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Seria possível evitar novos avanços? Especialistas dizem que sim, por meio diversas medidas conhecidas.

"A aceleração da vacinação, a manutenção do distanciamento físico com pessoas fora da convivência domiciliar, o cuidado com a higiene frequente das mãos e o uso de máscaras adequadas de forma apropriada", resume a Fiocruz.

BBC News Brasil, em 12.05.2021

terça-feira, 11 de maio de 2021

Brasil registra 2.311 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 72.715 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da pandemia para 15.282.705. Número acumulado de mortes é de 425.540.

Média móvel de mortes ficou em 1.993, a primeira marca abaixo de 2 mil em 55 dias

O Brasil registrou oficialmente 2.311 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta terça (11/05).

Também foram confirmados 72.715 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.282.705, e os óbitos somam agora 425.540.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.759.125 pacientes haviam se recuperado da doença até esta terça.

Com os dados de óbitos registrados nesta terça, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 202,5 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.993, a primeira marca abaixo de 2 mil em 55 dias. A média móvel de casos, porém, está em alta desde o dia 5 de maio e foi de 60.831.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 582 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,7 milhões) e Índia (23 milhões).

Ao todo, mais de 159,1 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,3 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 11.05.2021

Senador aliado de Bolsonaro propõe CPI para apurar orçamento secreto de R$ 3 bilhões do Planalto

Roberto Rocha tem apadrinhados na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal que serviu de principal caminho para a execução das verbas secretas

O senador Roberto Rocha (PSDB-MA) fez um requerimento para criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o esquema revelado pelo Estadão que o governo de Jair Bolsonaro fez para conquistar apoio por meio de um orçamento secreto de R$ 3 bilhões. Rocha é aliado de Bolsonaro e tem apadrinhados na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba  (Codevasf), estatal que serviu de principal caminho para a execução das verbas secretas.

“Entendemos imperiosa a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para que o Senado Federal proceda à vigorosa investigação desses fatos, visando bem esclarecer a sociedade brasileira e, caso sejam constatadas irregularidades, recomendar aos órgãos competentes o indiciamento dos suspeitos”, escreveu o senador na solicitação. Para ser instalada, uma CPI precisa das assinaturas de no mínimo ⅓ do Senado, ou seja, 27 senadores.

O caso do orçamento paralelo foi revelado pelo Estadão e também  será alvo de investigação no Ministério Público e no Tribunal de Contas da União (TCU). Além do Senado,  deputados já falam na criação da “CPI do Tratoraço”.

Trecho do requerimento do senador governista

O Estadão revelou que o presidente Jair Bolsonaro entregou para um grupo de deputados e senadores o direito de impor onde seriam aplicados bilhões de reais, provenientes de uma nova modalidade de emendas, chamada RP9, que têm a liberação determinada pelo relator do orçamento no Congresso, não por ministros.

Documentos aos quais o jornal teve acesso comprovam que congressistas usurparam funções do Executivo. Pelo acordo, deputados e senadores demandaram a compra de tratores e outras máquinas agrícolas, indicando até mesmo preços que chegaram a até 259% acima dos valores de referência fixados pelo próprio governo.

Bolsonaro vetou a tentativa do Congresso de definir a aplicação dos recursos das emendas RP-9. O presidente considerou que isso contrariava o “interesse público” e estimulava o “personalismo”. Um conjunto de 101 ofícios aos quais o Estadão teve acesso mostra, porém, que Bolsonaro ignorou o seu próprio ato e entregou nas mãos de sua base de apoio o destino de R$ 3 bilhões do Ministério do Desenvolvimento Regional. Aquele veto, porém, nunca foi derrubado.

Além disso, o presidente também aumentou a área de atuação da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), uma estatal controlada pelo Centrão, que vai aplicar os recursos do orçamento secreto conforme as indicações dos parlamentares. Na prática, Bolsonaro deu o dinheiro e a caneta para seus apoiadores.

Lauriberto Pompeu de BRASÍLIA para O Estado de S. Paulo, em 11 de maio de 2021 | 11h39

Os principais pontos do depoimento do presidente da Anvisa

À CPI da Pandemia, Antônio Barra Torres criticou postura de Bolsonaro sobre vacinas e combate à covid-19, confirmou reunião para alterar bula da cloroquina e explicou negativa à Sputnik V.

Barra Torres disse se arrepender de ter ido a ato com Bolsonaro em março de 2020

O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, prestou depoimento nesta terça-feira (11/05) à CPI da Pandemia no Senado, que investiga as ações e omissões do governo federal no combate à covid-19.

Em suas falas, Barra Torres criticou posturas do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia, que incluem a defesa do uso da cloroquina como "tratamento precoce" contra a covid, questionamentos sobre a eficácia de vacinas e ataques aos imunizantes produzidos na China.

O presidente da Anvisa, que foi indicado por Bolsonaro ao cargo, defendeu no Senado as recomendações científicas para lidar com a pandemia: distanciamento social, uso de máscaras, testagem em massa e vacinação da população.

Esta é a segunda semana de depoimentos na CPI. Os senadores também já ouviram os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich e o atual ministro Marcelo Queiroga.

Bolsonaro e vacinas

O depoimento de Barra Torres, que é contra-almirante da Marinha na reserva e se considera amigo do presidente, teve um tom distinto do de Queiroga. Ao contrário do atual ministro da Saúde, ele respondeu de forma clara às questões dos senadores e marcou suas diferenças em relação a Bolsonaro ao defender uma estratégia baseada na ciência para combater a pandemia.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros, questionou Barra Torres sobre afirmações do presidente contrárias à vacinação, como a de que alguns imunizantes poderiam transformar as pessoas em jacaré e fazer as mulheres terem barba, ou a de que não compraria vacinas da China.

"A conduta do presidente difere da minha nesse sentido", disse o presidente da Anvisa. "Temos, sim, que nos vacinar. (...) A população não deve se orientar por essas falas", afirmou.

O meu desejo, meu trabalho, meu empenho, é que as pessoas briguem para se vacinar. Eu quero ter o poder de convencer as pessoas para que elas busquem a vacinação a todo custo", disse Barra Torres.

Bula da cloroquina

Outra declaração relevante de Barra Torres à CPI foi a confirmação de que houve uma reunião no Palácio do Planalto em 2020 na qual se discutiu alterar a bula da cloroquina para incluir a recomendação de seu uso para pacientes com covid. O encontro já havia sido mencionado no depoimento de Mandetta.

A cloroquina é normalmente utilizada no tratamento da malária, e diversos estudos científicos constataram sua ineficácia para tratar pessoas infectadas pelo coronavírus. Seu uso pode inclusive piorar a condição de saúde dos pacientes, mas isso não impediu que Bolsonaro e seus aliados seguissem promovendo o produto.

Segundo Barra Torres, a proposta de alteração da bula da cloroquina foi defendida pela oncologista Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina para tratar covid e que estava presente na reunião. Mandetta e o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, também estavam no encontro, e uma minuta de decreto presidencial foi apresentada sobre o tema.

Barra Torres disse ter reagido de forma "deseducada e deselegante" à proposta e se negado a mudar a bula do remédio. Ele afirmou que isso só poderia ser feito a pedido do laboratório que produz o medicamento, e com a apresentação de estudos clínicos que comprovassem a eficácia para tratar a doença.

Questionado sobre a defesa do "tratamento precoce" contra a covid, que envolve o uso de drogas sem efeito como a cloroquina e a ivermectina, ele afirmou que tenta se manter "completamente fora disso".

Para o presidente da Anvisa, tratamento precoce deveria ser entendido como testagem, diagnóstico precoce e tratamento dos sintomas de quem contrai a doença, seguindo os protocolos médicos.

Negativa à Sputnik V

Um dos motivos da convocação de Barra Torres à CPI foi a decisão tomada pela Anvisa no final de abril que não autorizou o uso da vacina russa Sputnik V no Brasil.

Alguns governadores negociavam a compra direta da Sputnik V, à margem do governo federal, e reagiram de forma negativa à decisão da agência. A compra de doses também era considerada pelo Ministério da Saúde.

Barra Torres afirmou que não houve preciosismo nessa conclusão. Segundo ele, a empresa que produz a Sputnik V não enviou à Anvisa todos os relatórios técnicos necessários que atestassem a segurança e eficácia do imunizante, e faltavam documentos que comprovassem que o adenovírus usado nessa vacina não era capaz de se reproduzir no corpo da pessoa imunizada e causar doenças.

Ele disse que o pedido de aprovação da vacina russa Sputnik V está neste momento parado na agência, aguardando que a empresa União Química, que representa o fabricante do imunizante no Brasil, entregue novos documentos para reabrir a análise. Questionado, ele também afirmou que não se reuniu com diplomatas dos Estados Unidos para tratar do tema.

Barra Torres ressaltou que a negativa à Sputnik V não deve provocar desconfiança sobre a vacina. "Essa negativa de autorização excepcional de importação não deve somar a essa marca Sputnik V nenhum pensamento negativo. Essa é uma marca do processo, conclamo que, tão logo essa situação seja, e esperamos que seja resolvida, que não se credite a essa vacina nenhuma característica ruim", disse.

O fabricante da Sputnik V ameaçou processar a Anvisa , e o Fundo Russo de Investimento Direto, que negocia a venda do imunizante a outros países, divulgou nota afirmando que a decisão do órgão era incorreta e podia ter sido motivada por "motivação política". Segundo Barra Torres, o fundo também incluiu críticas pessoais a integrantes da Anvisa em um documento sobre a Sputnik V.

Outra vacina que também teve o pedido de autorização negado pela Anvisa é a Covaxin, produzida na Índia. Barra Torres afirmou ser possível que a agência receba nos próximos dias um novo pedido para a análise da Covaxin, agora com mais documentos.

Insumos da China

Barra Torres foi questionado sobre falas de Bolsonaro que colocaram em dúvida vacinas e insumos produzidos na China, de onde vem o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) dos dois imunizantes hoje usados no Brasil: a Coronavac, em parceria com o Instituto Butantan, e a da AstraZeneca, com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O presidente da Anvisa disse não ver nenhum problema em vacinas, medicamentos ou insumos importados do país asiático, e afirmou que uma fala recente de Bolsonaro, que sugeriu que a China teria usado o coronavírus para fazer uma guerra química, se baseia em uma teoria sem "nexo causal".  

Contra aglomerações

Barra Torres também foi cobrado sobre sua participação em uma aglomeração de apoiadores do presidente em frente ao Palácio do Planalto, ao lado do próprio, em março de 2020, no início da pandemia, sem máscara.

Na sua resposta, ele disse ter se arrependido. "Foi um ato inadequado. Eu hoje tenho plena consciência de que se pensasse cinco minutos, eu teria feito diferente", afirmou, mencionando que estava no Palácio do Planalto para uma reunião com o presidente e o acompanhou quando ele decidiu encontrar apoiadores.

O presidente da Anvisa disse ser contra qualquer tipo aglomeração neste momento da pandemia. "É um erro aglomerar", disse.

Deutsche Welle Brasil, em 11.05.2021

Perguntas e respostas: O que é e como funciona o orçamento secreto revelado pelo ‘Estadão’

Políticos governistas passaram a divulgar versões falsas sobre o orçamento secreto; saiba o que é fato e o que não é

 Nos últimos dias, políticos aliados ao presidente Jair Bolsonaro passaram a divulgar informações falsas sobre o esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão neste domingo, dia 9. 

Orçamento secreto bilionário de Bolsonaro banca trator superfaturado em troca de apoio no Congresso

Na versão dos políticos, o dinheiro envolvido no esquema seria de emendas parlamentares regulares, como as que são distribuídas todos os anos. Não é verdade: embora tenha origem na Lei Orçamentária, o dinheiro do orçamento secreto foi distribuído de forma desigual entre os congressistas, conforme a vontade política do governo. Não há transparência, como ocorre com as emendas parlamentares, sobre os acordos para divisão das verbas.

“Ali não tem orçamento secreto, nem orçamento paralelo. O que tem são diferentes formas de se fazer emendas no Orçamento. Emendas impositivas individuais, emendas impositivas de bancada e tem as emendas RP 9 do relator-geral, que tem toda uma especificidade. Todas as três é (sic) de competência do Poder Legislativo indicar”, disse o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante entrevista ao programa Sem Censura, da TV Brasil, na noite desta segunda-feira, dia 10. Ao contrário do que argumenta Lira, a forma de destinação dos recursos das emendas de relator-geral, fonte do esquema do orçamento secreto, é diferente daquela das emendas individuais ou de bancada. 

Congresso Nacional, em Brasília; prática adotada pelo governo dificulta controle dos gastos pelo TCU (Foto: Dida Sampaio/Estadão0

Mais cedo na segunda-feira, em entrevista ao blog da jornalista Miriam Leitão no jornal O Globo, Lira disse que as emendas de relator-geral (RP 9) também eram impositivas, o que é falso. As emendas de relator surgiram de forma impositiva na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, mas este trecho foi vetado por Bolsonaro. E o veto foi mantido pelo Congresso. Conforme mostrou o Estadão, Lira foi um dos principais beneficiados pelo esquema do orçamento secreto. O deputado indicou pelo menos R$ 116,4 milhões para obras e compra de máquinas pesadas. 

Abaixo, a reportagem do Estadão responde às principais dúvidas sobre o caso do “orçamento secreto”. 

1. O orçamento secreto é emenda parlamentar?

Não. Embora o orçamento paralelo tenha origem em um tipo de emenda (isto é, uma modificação no Orçamento) feita pelo Congresso, ele não se confunde com as emendas parlamentares tradicionais, que são um importante mecanismo de distribuição de recursos e de participação da sociedade no Orçamento.

Em 2019, o então relator do Orçamento de 2020, o deputado Domingos Neto (PSD-CE) criou um novo tipo de emenda, chamado de emenda de relator-geral. Este novo tipo passou a ser identificado com o marcador de resultado primário (RP) 9.

Além desta inovação de 2020, o Congresso faz todos os anos outros tipos de emendas ao Orçamento: as emendas individuais, a que todos os deputados e senadores têm direito; as emendas de bancadas (RP 7) e as emendas de comissões.

Ao contrário das emendas de relator (RP 9), os demais tipos de emendas são distribuídos de forma igual entre todos os parlamentares. Sua aplicação pode ser acompanhada por meio de fontes públicas como a ferramenta Siga Brasil, desenvolvida pelo Senado Federal.

Já as emendas de relator (RP 9) são distribuídas conforme a conveniência política do governo, que determina quanto cada parlamentar terá direito. A indicação do destino do dinheiro é feita pelos congressistas de modo informal. Às vezes esta destinação é registrada em ofícios como os obtidos pelo Estadão, mas às vezes os acordos são verbais. 

2. Qual a origem do dinheiro?

O dinheiro do orçamento paralelo é fruto de um acordo entre governo e Congresso no começo de 2020. O valor total é de R$ 20,1 bilhões, e deste total, R$ 3 bilhões foram para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), como revelado pelo Estadão.

No dia 18 de dezembro de 2019, Bolsonaro vetou um artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, o artigo 64-A. Este artigo dava a Domingos Neto o direito de direcionar R$ 30,1 bilhões em emendas de relator-geral (RP 9), conforme pedido por diferentes bancadas do Congresso. O artigo 64-A ia além e dava ao governo prazo de 90 dias para que os ministérios liberassem o dinheiro, sob risco de processo na Justiça. Segundo o artigo 64-A, a execução das emendas deveria observar “as indicações de beneficiários e a ordem de prioridades feitas pelos respectivos autores”. 

Documento disponível no site do Congresso Nacional mostra justificativa do veto de Bolsonaro a artigo da LDO (Foto: Reprodução)

Diante do descontentamento dos deputados e senadores do Centrão com o veto, Bolsonaro chegou a um acordo com os políticos. O Planalto enviou ao Congresso no dia 3 de março de 2020 três PLNs (Projeto de Lei do Congresso Nacional), de números 2, 3 e 4 de 2020, mantendo parte da verba do RP 9. Uma parte dos R$ 30,1 bilhões voltou a ficar sob a alçada do Executivo, mas R$ 20,1 bilhões permaneceram no RP 9.

Graças ao acordo e ao envio dos PLNs, o veto aposto por Bolsonaro foi mantido pelo Congresso no dia seguinte, 4 de março. Assim, o Congresso derrubou a “impositividade” das emendas de relator, previstas no projeto inicial, em troca da manutenção de parte do dinheiro do RP 9. Foram 398 votos pela manutenção do veto, dois contrários e uma abstenção. O Senado não precisou votar. Esta é a origem do dinheiro do orçamento secret: os R$ 20,1 bilhões do RP 9 em 2020, mantidos por um acordo entre Governo e Congresso.

3. Por que falar em orçamento secreto?

Embora o dinheiro do esquema esteja no Orçamento Geral da União de 2020, a destinação das verbas é feita de forma sigilosa – a partir de acordos políticos. Ao contrário das emendas individuais, não é possível saber quem indicou o quê.

Toda a negociação para direcionar o dinheiro foi feita dentro do Palácio do Planalto, no âmbito da Secretaria de Governo (Segov), à época gerida pelo então ministro Luiz Eduardo Ramos, hoje na Casa Civil. Em alguns casos, os políticos encaminharam ofícios, que não são públicos, ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), dizendo como o dinheiro deveria ser gasto. Toda a destinação foi feita fora do alcance do público e dos órgãos de controle como o Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal de Contas da União (TCU), e a Controladoria-Geral da União (CGU).

4. Se era para a base aliada, por que alguns da oposição receberam?

Alguns deputados e senadores da oposição aparecem no chamado “planilhão” do Ministério do Desenvolvimento Regional, documento revelado pelo Estadão meses atrás e que mostra a destinação de R$ 3 bilhões na pasta comandada pelo ministro Rogério Marinho.

André Shalders, O Estado de S.Paulo, em 11 de maio de 2021 | 14h12

Opositores querem investigação de ‘bolsoduto’ que direcionou verba a Lira e a aliados do Planalto no Congresso

Em série de ofícios, deputados e senadores obtêm caminho para destinar 3 bilhões de reais fora do orçamento para suas bases eleitorais. Presidente da Câmara e do Senado estão entre os beneficiados. Subprocurador cobra apuração do TCU. Especialistas criticam prática

Arthur Lira e Jair Bolsonaro em 25 de março, no Planalto. (Crédito da foto; Ueslei Marcelino / Reuters) 

Desde que o Governo Jair Bolsonaro decidiu se dedicar a eleger os presidentes do Legislativo era conhecido em Brasília que ele havia feito um pacto para distribuir pelo menos 3 bilhões de reais em emendas para deputados e senadores, principalmente do Centrão. Nesta semana, foram encontradas as digitais de sua administração que confirmam que houve a entrega preferencial e extraoficial de recursos públicos do Orçamento a aliados estratégicos no Congresso. Em última instância, a criação de uma espécie de bolsoduto tem como possível consequência a blindagem do presidente de um impeachment, já que um dos principais beneficiados é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Lira, que tem a prerrogativa de aceitar ou não o pedido de abertura de qualquer processo de destituição política do chefe do Executivo, foi responsável por destinar a seu reduto eleitoral ao menos 70 milhões de reais pela modalidade.

O escândalo, batizado por parte da imprensa de “bolsolão” ou de “tratoraço”, foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. O pagamento aos congressistas não ocorreu de forma transparente, via emendas parlamentares registradas no Orçamento, mas de maneira extraoficial, por meio de ao menos 101 ofícios entregues por esses deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional. Parte desses valores eram usados para comprar tratores. A reportagem o Estadão apontou que foi isso o que ocorreu em 103 das 115 máquinas adquiridas no ano passado. O sobrepreço foi de até 259% do valor de referência do próprio Governo.

Partidos de esquerda, como PT, PSB, PSOL, PCdoB, PDT e REDE, que formam a oposição ao presidente, além do direitista NOVO, apresentaram três pedidos de investigação ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério Público Federal. A suspeita é que o mandatário descumpriu o princípio “da impessoalidade que orienta a administração pública ao fomentar cunho personalístico nas indicações e priorizações das programações decorrentes de emendas, ampliando as dificuldades operacionais para a garantia da execução da despesa pública”. Em um dos ofícios, assinado pelo PSOL, a legenda ainda alega que o presidente teria cometido os crimes de tráfico de influência, advocacia administrativa e prevaricação. O subprocurador-geral junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, também fez uma representação para que o tribunal investigue as denúncias feitas pelo jornal porque viu indícios de violação do princípio da isonomia.

Todos os 513 deputados e os 81 senadores têm direito a indicar até 8 milhões de reais em emendas ao Orçamento Geral da União. Desde 2015, o Governo Federal passou a ser obrigado a pagar essa quantia aos projetos sugeridos pelos congressistas. Mas os valores liberados fora do orçamento são muito superiores a esse, conforme noticiou o Estadão. O campeão em liberação de valores foi o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP): 277 milhões de reais. Ele foi o principal cabo eleitoral de seu sucessor, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Entre outras figuras proeminentes do Senado beneficiadas no esquema estão os senadores Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do Governo no Senado que conseguiu 125 milhões de reais; Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do Governo no Congresso que destinou 81 milhões de reais ao seu Estado; Ciro Nogueira (PP-PI), que obteve 50 milhões de reais e Carlos Viana (PSD-MG), com 32 milhões de reais. Além desses cinco senadores, 37 deputados (Arthur Lira entre eles) foram atendidos pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.

“Trata-se de um desvio ilegal e imoral. É improbidade administrativa e crime de responsabilidade. É ato contra os princípios da impessoalidade e da publicidade. É um estelionato eleitoral porque vai contra tudo o que o presidente Bolsonaro repudiou na sua campanha”, afirmou ao EL PAÍS o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp.

O secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, diz que as transferências de recursos são uma espécie de mensalão com recursos públicos. “O que seria destinado por critérios técnicos passa a obedecer a interesses políticos paroquiais. E sem transparência, pois apenas as pastas sabem quem indicou o que e para onde”, afirmou. Diferentemente do mensalão petista, nos anos Luiz Inácio Lula da Silva, os valores não vão diretamente para as contas pessoais ou indicadas dos parlamentares que venderam seu apoio, mas para suas bases eleitorais tocarem projetos públicos, ainda que superfaturando as compras.

Três consultores de orçamento ouvidos pela reportagem afirmaram que, apesar de imoral, o mesmo expediente era usado com frequência por Governos anteriores. Quando a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) tentou, sem sucesso, barrar o impeachment ou o ex-presidente Michel Temer (MDB) freou as denúncias contra ele na Câmara, ambos usaram a tática. Mas, antes, isso era discutido nos bastidores. Não era possível, por exemplo, sistematizar quem recebeu, de fato, os recursos para suas bases, e quem não recebeu. Agora, com os ofícios assinados e cruzando com as compras feitas, fica claro quem foram os beneficiados.

“Algo que sempre foi muito difícil comprovar era o dolo na improbidade administrativa. Agora, quando um deputado ou um senador assina um ofício solicitando o recurso para determinada ação, o recurso é transferido e se compra uma máquina superfaturada, o dolo está claro”, diz a diretora de operações da ONG Transparência Brasil, Juliana Sakai.

Quando indagado sobre esse orçamento secreto do Governo Bolsonaro, o presidente da Câmara negou qualquer irregularidade. Em entrevista ao jornal O Globo, ele alegou que se tratava de emendas impositivas, a que todos têm direito, inclusive os opositores. Mas a afirmação não procede, já que os valores superam os 8 milhões de reais a que cada um pode indicar e só foram liberados após a apresentação de ofícios destinados à Secretaria de Governo ou ao Ministério do Desenvolvimento Regional. Uma diferença entre as emendas oficiais e as extraoficiais está na definição técnica dela nos ministérios. A oficial leva o codinome RP6. A paralela, RP9. É nesta ação que estão inseridas as sugestões que foram reveladas pelo Estadão.

AFONSO BENITES, de Brasília para o EL PAÍS, em  10 MAI 2021 - 23:22 BRT

Governo Bolsonaro usa "emendas secretas" para obter apoio de parlamentares, diz jornal

Mecanismo reserva verba para deputados e senadores próximos do Planalto indicarem realização de obras e compra de máquinas e veículos, segundo "O Estado de S. Paulo".

Instrumento teria ajudado Bolsonaro a influir na eleição da presidência da Câmara e do Senado

O governo Jair Bolsonaro criou uma nova engenharia orçamentária para destinar recursos a obras e compra de máquinas e veículos por indicação de deputados e senadores que apoiam o Palácio do Planalto sem que haja transparência sobre o autor dos pedidos, segundo reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo (09/05).

O mecanismo beneficiou parlamentares alinhados ao governo e teria envolvido a destinação de R$ 3 bilhões em recursos por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, e órgãos vinculados à pasta, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs).

Como o autor das indicações e o destino final das verbas não ficam registrados no Orçamento ou no Diário Oficial, o caso está sendo chamado de "emendas secretas" ou de "orçamento paralelo".

A prática se estabeleceu no final do ano passado, quando Bolsonaro, já próximo do Centrão, buscava influir na eleição da presidência da Câmara e do Senado e assegurar proteção a seus filhos e contra um eventual processo de impeachment.

Segundo o Estadão, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que presidia o Senado, foi o parlamentar que indicou o maior volume de verbas por esse canal: R$ 277 milhões. O deputado Ciro Nogueira (Progressistas-PI), líder do Centrão, indicou a destinação de R$ 135 milhões, enquanto Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, R$ 125 milhões. Arthur Lira (Progressistas-AL), atual presidente da Câmara, determinou onde seriam gastos outros R$ 114 milhões.

O mesmo esquema foi utilizado por diversos outros deputados e senadores próximos do Palácio do Planalto. Em alguns casos, o jornal aponta indícios de superfaturamento.

Como funciona

Todo deputado e senador tem direito de determinar onde serão gastos R$ 16 milhões por ano, por meio das emendas individuais ao Orçamento. Metade desse valor deve ir para despesas na área de saúde, e a outra metade pode ser decidida livremente pelo parlamentar.

Até 2019, a liberação das verbas dessas emendas individuais dependia do aval do governo, que usava esse poder para negociar o apoio de parlamentares em votações importantes na Câmara e Senado. Naquele ano, o Congresso promulgou uma emenda constitucional que determinou a execução impositiva dessas emendas, independente de aval do governo.

Essa mudança fez com que, de 2020 em diante, o governo federal perdesse o instrumento de liberação de emendas individuais como moeda de troca com parlamentares. Mas o mecanismo revelado pelo jornal indica que um procedimento semelhante, mas menos transparente, foi criado no lugar.

No final de 2020, segundo o Estadão, o governo reservou R$ 3 bilhões do Ministério do Desenvolvimento Agrário para parlamentares que o apoiassem, e passou a informar os deputados e senadores o valor que cada um poderia indicar. Os políticos então enviavam ofícios aos órgãos responsáveis solicitando a destinação dos recursos.

O jornal relata ter tido acesso a 101 ofícios enviados por parlamentares ao Ministério do Desenvolvimento Regional e a órgãos vinculados que solicitavam a transferência de verbas para a realização de obras ou a compra de máquinas e veículos. Alguns desses ofícios, que em regra não ficam disponíveis ao público, deixavam clara a negociação com o governo.

No documento enviado pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA), por exemplo, ele pede a liberação de R$ 12 milhões "referente à minha cota, autorizada pela Secretaria de Governo de Presidência da República" para asfaltar vias na Bahia. O deputado Otto Alencar Filho (PSD-BA) enviou ofício ao Dnocs solicitando a transferência de R$ 3 milhões "a mim reservados". Em outro ofício, a deputada Flávia Arruda (PL-DF), que desde março é ministra da Secretaria de Governo, pede a liberação de R$ 5 milhões que "compõe o limite orçamentário a mim disponibilizado".  As verbas foram empenhadas no final do ano passado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.

Destino dos recursos

Pelo menos R$ 271,8 milhões transferidos por esse canal foram destinados à compra de tratores, retroescavadeiras, motoniveladoras e equipamentos agrícolas, por indicação de 37 deputados e cinco senadores, segundo o jornal.

Esses equipamentos são usados por prefeituras na manutenção de estradas de terra e em cooperativas de agricultura familiar. A entrega das máquinas costuma ser feita em eventos com a presença de políticos que servem para propagandear feitos e se aproximar de possíveis eleitores.

Entre as compras de máquinas e equipamentos agrícolas analisadas pelo jornal, 361 itens tiveram preço acima do valor de referência estabelecido em cartilha do próprio Ministério do Desenvolvimento Regional, com uma diferença de até 259% no preço.

O deputado Vitor Hugo (PSL-GO), por exemplo, indicou a compra de quatro motoniveladoras por R$ 2,8 milhões, ou R$ 500 mil a mais do valor da tabela do governo. O deputado Charles Fernandes (PSD-BA) indicou a compra de uma retroescavadeira para uma associação beneficente no interior da Bahia pelo valor de R$ 300 mil, R$ 50 mil a mais que o preço de referência. E o deputado Nelto (Podemos-GO) pediu a compra de quatro máquinas motoniveladora por R$ 723 mil cada, quando o preço de referência é R$ 470 mil, segundo o jornal.

Uso da Codevasf

Um dos órgãos preferidos dos parlamentares para executar essas despesas é a Codevasf, que não precisa se submeter a todas as regras sobre licitações públicas exigidas dos ministérios. Dessa forma, a contratação de serviços e a compra de equipamentos é mais rápida e submetida a menos controles.

Além disso, a direção da Codevasf e suas superintendências regionais são comandadas por pessoas indicadas por parlamentares, o que aumenta o controle do Congresso sobre o destino das verbas.

Durante o governo Bolsonaro, a área de atuação da Codevasf, criada em 1974 para desenvolver as regiões dos rios São Francisco e Parnaíba, foi ampliada e ganhou cerca de mil novos municípios, segundo o jornal – sua área de atuação passou de 27,05% para 36,59% do território nacional.

Essa ampliação incluiu no rol da Codevasf o Amapá, reduto de Alcolumbre, e o Rio Grande do Norte, do ministro Marinho, que comanda o Ministério do Desenvolvimento Regional, entre outras regiões.

Governo nega, partidos reagem

Ao jornal O Estado de S. Paulo, a Secretaria de Governo disse que não reservou cotas de verbas do Ministério do Desenvolvimento Regional para parlamentares. O Ministério do Desenvolvimento Regional, por sua vez, disse que os valores foram executados conforme definição do Congresso.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, negou nesta segunda-feira ao jornal O Globo que haja um orçamento paralelo em funcionamento no governo e que as indicações de verbas seriam parte das emendas discricionárias dos parlamentares.

O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), Lucas Furtado, pediu nesta segunda que o tribunal apure o caso. 

A bancada do Partido Novo na Câmara apresentou uma representação ao TCU pedindo a apuração do esquema, e a bancada do PSOL pediu à Procuradoria-Geral da República que avalie se há cometimento dos crimes de prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.

Deutsche Welle Brasil, em 10.05.2021

Rejeição de 70 milhões de doses da Pfizer por gestão Bolsonaro será novo foco da CPI da Covid

Fonte de grande ansiedade na população, o lento avanço da vacinação contra o coronavírus no país é o foco principal desta semana na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.

Governo Bolsonaro recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer em agosto

Estão previstos os depoimentos do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antonio Barra Torres, do ex-secretário de Comunicação do governo Jair Bolsonaro, Fábio Wajngarten, e de executivos da farmacêutica americana Pfizer.

Com a sabatina dessas testemunhas, os senadores querem apurar a responsabilidade do governo federal na demora da imunização da população, já que a gestão Bolsonaro inicialmente recusou em 2020 ofertas de vacinas da Pfizer, do Instituto Butantan e do consórcio Covax Facility.

O tema vacinas deve continuar no centro da CPI também na semana seguinte, quando será ouvido o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sobre negociações internacionais para aquisição de imunizantes.

Além disso, está marcado para dia 19 o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

Wajngarten responderá sobre recusa a Pfizer

O depoimento mais aguardado da próxima semana é o de Fábio Wajngarten, que ocorre na quarta-feira (12/05). Em entrevista recente à revista Veja, ele fez duras críticas ao ex-ministro Pazuello, que serão exploradas pelos senadores.

Segundo Wajngarten, a recusa do governo à oferta de 70 milhões de vacinas pela Pfizer em agosto do ano passado foi resultado da "incompetência e ineficiência" da gestão do general, que comandou o ministério entre maio de 2020 e março de 2021.

O ex-secretário de Comunicação disse que tomou a dianteira das negociações com a farmacêutica americana diante do desinteresse da pasta da Saúde pela oferta da empresa. Ele afirmou à revista inclusive ter documentos que provam isso, como e-mails e registros telefônicos.

Na entrevista, Wajngarten eximiu o presidente de responsabilidade, atribuindo toda a culpa à equipe de Pazuello. Para críticos de Bolsonaro, a tentativa de separar a responsabilidade do presidente da do general é difícil porque o próprio Pazuello disse em vídeo ao lado dele estar cumprindo fielmente suas ordens.

Até o momento, Pazuello não se manifestou publicamente sobre estas acusações.

O vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), quer depois marcar uma acareação entre Wajngarten e Pazuello, para confrontar a versão de cada um. A proposta ainda precisa ser aprovada pela maioria da comissão.

Antes disso, porém, será realizado o depoimento do ex-ministro da Saúde em 19 de maio. Sua ida à CPI estava prevista para dia 5 deste mês, mas foi adiada após Pazuello argumentar que havia tido contato com duas pessoas diagnosticadas com covid-19.

Contrato com a Pfizer saiu só em março deste ano

Diante da recusa inicial, apenas em março deste ano o governo federal firmou contrato para compra de 100 milhões de doses da Pfizer, previstas para entrega até o final do terceiro trimestre. Por enquanto, foram recebidas 1,628 milhão dessas vacinas.

O Ministério da Saúde negocia a compra de mais 100 milhões que seriam entregues ainda em 2021, segundo o atual chefe da pasta, ministro Marcelo Queiroga.

Após o depoimento de Wajngarten, a CPI aprofundará a investigação sobre a recusa da compra das vacinas na quinta-feira, quando está prevista a ida à comissão de executivos da Pfizer. Foram convocados como testemunhas a atual presidente da farmacêutica no Brasil, Marta Díez, e o seu antecessor no cargo, Carlos Murillo.

Já falaram à CPI o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e seus antecessores Henrique Mandetta e Nelson Teich (Crédito da foto: Ag. Senado / Edilson Rodrigues).

Anvisa responderá sobre controvérsias na aprovação de vacinas

O primeiro depoimento previsto para a próxima semana é o do presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, na terça-feira (11/05). A agência, responsável por autorizar o uso de vacinas no país, esteve algumas vezes no centro de polêmicas ao analisar os imunizantes contra covid-19, sofrendo acusações de possível ingerência política por parte de Bolsonaro.

No ano passado, a principal controvérsia era em torno do ritmo de aprovação da CoronaVac, vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan (órgão estadual paulista) em parceria com o laboratório chinês Sinovac. Isso porque o imunizante era visto como um trunfo político para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário de Bolsonaro.

Em outubro de 2020, o presidente chegou a desautorizar Pazuello, após o ministro anunciar que iria fechar contrato para compra de 46 milhões de doses da CoronaVac.

"A vacina chinesa de João Doria, qualquer vacina antes de ser disponibilizada à população, deve ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Minha decisão é a de não adquirir a referida vacina", disse Bolsonaro na ocasião.

Diante da pressão pela vacinação no país, o contrato acabou sendo firmado em 7 de janeiro — dez dias depois a Anvisa autorizou o uso da CoronaVac.

A controvérsia mais recente envolve a autorização da vacina russa Sputnik V, imunizante que alguns governos estaduais tentam comprar sem intermédio do governo federal. O Consórcio do Nordeste, por exemplo, pretende adquirir 66 milhões de doses. O Ministério da Saúde tem contrato para compra de outras 10 milhões.

Presidente da Anvisa terá que responder sobre autorização das vacinas CoronaVac e Sputnik V (Crédito da foto: Leopoldo Silva / Ag. Senado)

Em abril, porém, a Anvisa negou autorização à Sputnik V. No centro da polêmica está a presença ou não de vírus capazes de se replicar na vacina russa. Os responsáveis pelo imunizante negam que ela tenha esse problema, mas foi um dos principais motivos de a agência negar a importação, porque isso poderia trazer riscos à saúde.

Um representante da União Química, laboratório brasileiro que fechou parceria com o instituto russo Gamaleya, também será ouvido pela CPI, em data a ser confirmada.

Como está o ritmo de vacinação no país?

As vacinas que estão sendo usadas no Brasil até o momento (CoronaVac, Oxford/Astrazeneca e, em quantidade muito menor, Pfizer) são aplicadas em duas doses, o que significa que o país precisa de cerca de 420 milhões de unidades para imunizar toda sua população, se incluídas também as crianças (para quem ainda não existem vacinas aprovadas). Como não se sabe ainda a validade da proteção dessas vacinas, é possível que seja necessário repetir a vacinação dentro de certo intervalo de tempo.

Até a última sexta-feira (07/05), o governo federal havia distribuído aos Estados quase 75,6 milhões de doses, das quais 46,8 milhões já foram aplicadas. Com isso, cerca de 15% da população brasileira receberam ao menos uma dose, sendo que em torno da metade disso já tomou as duas.

As doses distribuídas fazem parte de contratos já firmados de compra de 280 milhões de vacinas, mas a carência global de insumos tem atrasado o ritmo de entregas. Outras compras seguem em negociação e o governo promete dobrar ainda este ano o total contratado.

Mariana Schreiber - @marischreiber para a BBC News Brasil em Brasília / 9 maio 2021

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Brasil registra 2.165 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 78.886 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia para 15.082.449. Número acumulado de mortes é de 419.114, com média móvel de 7 dias se mantendo acima de 2 mil.


Cruzes azuis com nomes das pessoas mortas e coroas de flores em cemitério de Manaus. Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 199,4, a 12ª maior do mundo.

Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 199,4, a 12ª maior do mundo

O Brasil registrou oficialmente 2.165 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta sexta-feira (07/05).

Também foram confirmados 78.886 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.082.449, e os óbitos somam agora 419.114.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.591.335 pacientes haviam se recuperado da doença até esta quinta-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta sexta-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 199,4 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.190, o que significa que o país está há 51 dias registrando um índice acima de 2 mil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 580 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,6 milhões) e Índia (21,4 milhões).

Ao todo, mais de 156,3 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,2 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 07.05.2021

Editorial do Estadão: O Brasil com fome

A experiência da pandemia exigirá a reconstrução do sistema de proteção alimentar. Esse trabalho começa agora. Mas, antes de reconstruir, é preciso doar.

A crise econômica e política que o Brasil amarga há anos foi agravada em 2020 pela pandemia e redobrada pela incompetência e desídia do governo federal. Em 2021, no pico da pandemia, o País enfrenta uma nova crise: a fome.

Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, no fim de 2020, 55,2% dos domicílios, abrigando 116,8 milhões de brasileiros, sofriam algum grau de insegurança alimentar. Desses, 19,1 milhões (9% da população) padeciam de insegurança grave, ou seja, passavam fome. Uma pesquisa da Universidade Livre de Berlim mostra um quadro ainda mais tétrico, com 59% dos domicílios em insegurança alimentar e 15% em situação grave.

A violência da pandemia atingiu um sistema de segurança alimentar já vulnerável. Em 2014, o País havia pela primeira vez saído do Mapa da Fome das Nações Unidas, que inclui países nos quais mais de 5% da população consome níveis insuficientes de calorias. Esse foi o resultado de programas como o Bolsa Família ou o Fome Zero, mas também de políticas como o plano de segurança alimentar, a estruturação de conselhos regionais ou o fortalecimento dos programas de alimentação escolar.

Mas entre 2013 e 2018, segundo o IBGE, a insegurança alimentar grave cresceu 8% ao ano. Entre 2018 e 2020, o aumento da fome foi de 27,6%. O investimento federal no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) caiu de R$ 1,1 bilhão em 2012 para R$ 232 milhões em 2018. A merenda, que chegou a receber R$ 4,7 bilhões em 2010, foi reduzida para R$ 3,9 bilhões em 2019. 

Esse sistema já precário foi atropelado pela pandemia. O preço médio da cesta básica em São Paulo saltou de R$ 862 em abril de 2020 para R$ 1.014 em 2021. Nem todos os municípios mantiveram a merenda, o que agravou as dificuldades. Se a média nacional de insegurança alimentar, conforme a Universidade de Berlim, é de 59%, nos domicílios com crianças de até 4 anos esse número salta para 71%; e nos domicílios com jovens entre 5 e 17 anos, para 63%. No ano passado, conforme o Portal da Transparência, foram destinados R$ 168,2 milhões ao PAA, dos quais apenas R$ 27,16 milhões foram executados. Para este ano o governo propôs um orçamento de R$ 101,7 milhões.

Além de robustecer o financiamento, é urgente reconstituir a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar, a quem cabe elaborar e coordenar a Política de Segurança Alimentar. Também é preciso fortalecer a atuação dos Equipamentos de Segurança Alimentar e fomentar a criação dos comitês subnacionais para o combate à fome. Os governos subnacionais podem mobilizar equipamentos públicos como escolas, centros comunitários ou restaurantes populares.

Se a média nacional de insegurança alimentar para as cidades é de 55,7%, no campo é de 75%. Por isso, é crucial elaborar estratégias de acesso ao financiamento para a agricultura familiar.

Vale lembrar que, segundo o Banco Central, com o auxílio federal e a arrecadação superior ao esperado, Estados e municípios fecharam 2020 com um superávit primário de R$ 43 bilhões. Muitos têm realizado programas para complementar o auxílio emergencial federal, mas, diante da fome, é preciso fazer mais.

No meio da calamidade, contudo, não basta cobrar políticas públicas. Toda pessoa, física ou jurídica, precisa se engajar para colocar cestas básicas nos lares de famílias com fome. Em indicadores globais, o nível da filantropia brasileira é historicamente medíocre. Nos primeiros meses da pandemia, houve um salto expressivo em doações. Mas, desde o segundo semestre, os números caíram dramaticamente. “As pessoas não estão enxergando a fome”, disse Gilson Rodriguez, presidente nacional do G10 Favelas. “Vivemos em um Brasil de fome, em que uma parte faz ‘home office’ e a outra passa fome dentro de casa.”

Tal como o sistema de saúde e de proteção social em geral, a experiência da pandemia exigirá uma reconstrução do sistema de proteção alimentar. Esse trabalho começa agora. Mas, antes de reconstruir o que quer que seja, é preciso impedir que os construtores morram de fome. É hora de doar.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 07 de maio de 2021 | 03h00

Acabou a paciência

Não há mais sentido em discutir com bolsonaristas. A seita partiu para um universo paralelo onde 2 + 2 não é 4, mas qualquer número que seja oportuno para a narrativa deles, escreve Philip Lichterbeck.    

Protesto a favor do presidente Jair Bolsonaro, em 1º de maio em São Paulo

No início, quando o bolsonarismo ainda era jovem, eu achava difícil ter paciência. Para mim, parecia absurdo, uma insanidade, que houvesse realmente brasileiros que quisessem tornar seu presidente um homem com tal biografia – sem méritos políticos, mas com muito barulho, que expressava publicamente fantasias violentas e tinha uma estranha propensão a falar constantemente de homossexuais.

Depois de quase 58 milhões de brasileiros terem discordado de mim, mudei minha postura. Eu queria entender o que havia acontecido. E comecei a ouvir bolsonaristas, acompanhando seus grupos e conversando com eles, sem sair imediatamente de mim quando eles apresentavam suas opiniões radicais e teorias grosseiras.

Essa fase, agora, acabou de vez. Quem pensa democrática e humanisticamente e leva a ciência mais a sério do que a religião; quem considera a solidariedade mais importante do que o egoísmo; quem acredita que a Floresta Amazônica vale mais a longo prazo do que as pastagens de gado e os campos de soja; quem não quer que o Brasil se torne um país cheio de gente armada; quem quer um Brasil que seja levado a sério internacionalmente; quem é contra a corrupção e as milícias; quem acredita que o Brasil deve tirar as consequências do desastre do coronavírus, que este governo causou e custou ao país quase meio milhão de vidas; quem, simplesmente, quer a civilização e o progresso em vez da barbárie e da regressão, não pode mais ter a mínima compreensão por esse movimento.

O bolsonarismo tornou-se uma seita perigosa. Ele disse adeus à realidade e vive em um universo onde o presidente é um semideus. Ele pode fazer o que quiser, ele está sempre certo. E qualquer um que o critique vira inimigo.

O deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, deixou claro o caminho que está sendo seguido: em direção à América Central. Ele elogiou Nayib Bukele, o homem forte de El Salvador, que já enviou soldados à Assembleia Legislativa para ameaçar os parlamentares. Bukele conseguiu a destituição de juízes da Suprema Corte e do procurador-geral da República por obstruir sua agenda.

Eduardo Bolsonaro retuitou um post de Bukele que dizia: "Estamos limpiando nuestra casa". Não importa que Bukele tenha mandado depor os juízes para impor um duro lockdown contra a pandemia (Eduardo, é claro, esconde esse fato). Mais uma vez, o pensamento autoritário e antidemocrático do bolsonarismo foi revelado como o núcleo deste movimento.

O bolsonarista já não é capaz de ver o mundo objetivamente. 2 + 2 não é 4 para ele, mas qualquer número que encaixe na narrativa bolsonarista. Se o ídolo afirma que o governo levou a pandemia a sério desde cedo e se esforçou para obter vacinas, acredita-se. Quando se apresenta citações e fatos que provam o contrário, se é ignorado. O semideus está sempre certo, não importa quão errado ele esteja. Não há mais nenhuma base para negociação com essas pessoas porque não há mais nada para negociar.

São pessoas que ainda afirmam que essa pandemia que parou o mundo inteiro foi inventada para prejudicar o semideus deles; que as mais de 400 mil mortes foram inventadas pela mídia. Portanto, se acham no direito de destruir as cruzes que foram erguidas para lembrar os mortos. Andam de metrô e em shoppings sem máscara, e se você chamar a atenção deles, se tornam violentos ou fazem piadas.

O potencial de violência inerente a este culto não deve ser subestimado. É possível supor que os caras que sacam armas para ameaçar outros no trânsito, por exemplo, votaram em Bolsonaro. Os guarda-costas de Bolsonaro tentam intimidar jornalistas com suas armas. Também não acho que seja meramente uma coincidência que o suspeito de matar o menino Henry Borel, o vereador Dr. Jairinho, seja bolsonarista. Ele foi eleito na onda bolsonarista, apesar de ser acusado de diversos crimes violentos que vão desde agressões contra mulheres e crianças até envolvimento com milícia e tortura de jornalistas. Quem votou nele aprovou essa violência.

No início, eu pensava que o bolsonarismo era uma reação radical, mas de alguma forma compreensível, aos enormes escândalos de corrupção que vieram à tona nos últimos anos e causaram indignação. Hoje é claro que o bolsonarismo nunca foi uma questão de combate à corrupção.

O bolsonarismo surgiu das entranhas da história brasileira, na qual os mais fortes sempre enriqueceram pela força e defendem esse status até hoje – também pela força, se necessário. E não é mais uma ameaça abstrata. Aqueles que acompanham os grupos bolsonaristas sabem que eles não aceitarão resultado que não seja a vitória bolsonarista nas eleições de 2022. É certeza para eles que a vitória de outro candidato só pode acontecer por meio de fraude eleitoral. A suposta prova: não há voto impresso. A narrativa já está definida antes da eleição e fornece a justificativa para uma possível explosão de obstruções e violência.

Quem ainda não se afastou do "mito" após dois anos e meio, com todos os absurdos e delírios diários, a destruição das instituições estatais e da Floresta Amazônica, o irracionalismo radical, a corrupção dentro da família B., e mais de 400 mil mortes por coronavírus, não pode mais ser ajudado. É uma perda de tempo dialogar com pessoas que justificam o injustificável.

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Philipp Lichterbeck, o autor deste artigo, queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

CPI da Covid: como 'imunidade de rebanho' pode virar arma contra Bolsonaro

Uma das linhas de investigação dos senadores na CPI da Covid, que analisa a atuação do governo no combate à pandemia, é se Bolsonaro teria intencionalmente adotado a estratégia de tentar atingir 'imunidade de rebanho' sem vacinas.

Omar Aziz fala no Senado, rodeado de colegas da CPI da Covid; ele faz parte do grupo oposicionista na comissão. (Crédito da foto: Adriano Machado / Reuters)

A estratégia foi levantada como possibilidade no início da pandemia e consiste em tentar atingir imunidade de grupo — quando a maioria da população têm anticorpos contra o vírus — sem vacinas, através da contaminação do maior número possível de pessoas. Em pouco tempo, no entanto, estudos mostraram que a consequência dessa estratégia eram milhares de mortes.

Embora o ministério da Saúde nunca tenha oficialmente adotado a estratégia de imunidade de rebanho sem vacinas, o presidente Jair Bolsonaro disse diversas vezes que a contaminação da maioria da população era inevitável e que "ajudaria a não proliferar" a doença.

Mais de um ano depois da chegada da pandemia no Brasil, o país tem o segundo maior número de mortes do mundo — mais de 400 mil, atrás apenas dos EUA.

A linha de investigação sobre se o presidente intencionalmente escolheu essa estratégia e levou a um alto número de mortos se tornou central na CPI na terça, quando o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou em seu depoimento que "teve a impressão" de que foi exatamente isso que aconteceu.

"A impressão que eu tenho é que era alguma coisa nesse sentido [de buscar a imunidade de rebanho], o principal convencimento, mas eu não posso afirmar", afirmou o ex-ministro, que também afirmou que Bolsonaro tinha outro aconselhamento sobre a pandemia que não vinha do ministério da saúde.

Mandetta deu seu depoimento à CPI da Covid na terça-feira (4/5) (Crédito da foto: Ag. Senado)

Mandetta disse que Bolsonaro foi alertado das consequências de não ouvir a ciência. O ex-ministro afirmou que o presidente inclusive foi informado da projeção de alto número de mortes caso as medidas com comprovação científica (como adotar o isolamento social e só promover tratamentos com eficácia comprovada) não fossem seguidas.

O senador Humberto Costa (PT-PE), membro da comissão, diz que a "essa tese é muito forte para explicar a conduta do Presidente da República."

"Ele adotou a ideia de que a melhor maneira de enfrentar a pandemia era permitir o contágio mais amplo e mais rápido possível, na expectativa de que isso pudesse gerar uma imunidade natural", diz Costa (PT-PE) à BBC News Brasil.

"Essas coisas acontecem com doenças virais que não são graves, mas não serve para uma doença como essa que produz não somente quadros clínicos graves como grande quantidade de sequelas até pra pessoas que tiveram casos leves", afirma o senador, que também é ex-ministro da saúde.

Questionado sobre o assunto por Costa na CPI, o ex-ministro Nelson Teich disse que, ao menos enquanto era ministro, isso nunca foi discutido com ele e "nunca foi colocado como uma estratégia".

Teich também afirmou que a ideia de criar imunidade de rebanho sem vacinas é um erro.

"Essa tese de imunidade de rebanho, em que você adquire a imunidade através do contato, e não da vacina, isso é um erro. A imunidade você vai ter através da vacina, não através de pessoas sendo infectadas", afirmou.

Apesar de, segundo Teich, Bolsonaro não ter falado sobre o assunto com o então ministro, o presidente fez discursos onde defendeu o isolamento social apenas de idosos e elogiou países e cidades que haviam adotado a estratégia da imunidade de rebanho sem vacinas na época.

Bolsonaro sempre foi crítico de medidas de confinamento e já disse que a grande maioria da população iria se infectar pelo coronavírus. (Crédit4o da foto: Uslei Marcelino / Reuters).

Segundo Humberto Costa, o questionamento sobre se Bolsonaro adotou a estratégia de imunidade de rebanho sem vacinas deve voltar a ser feito durante o depoimento de outros convocados pela CPI.

"Se isso é verdadeiro, o presidente incorreu em um grave crime, que representa um dolo eventual, ou seja, que ele correu o risco de causar um dano irreversível às pessoas com essa tese. E isso se transforma em um grave crime de responsabilidade", diz Humberto Costa.

Nesta quinta (6/6), os senadores devem ouvir o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.

O ex-ministro Eduardo Pazuello, que ficou mais tempo no cargo durante a pandemia,seria ouvido na quarta, mas informou que não poderia comparecer por risco de covid. Seu depoimento foi remarcado para 19 de maio.

O que é a estratégia da 'imunidade de rebanho' sem vacinas?

O conceito de imunidade de rebanho, na verdade, surgiu com a vacinação.

Os vírus causam epidemias quando são transmitidos de pessoa para pessoa. Ou seja, para conseguir se propagar, o vírus precisa achar hospedeiros suscetíveis à doença. Mas quando uma grande parte da população está vacinada contra um vírus, o número total de pessoas suscetíveis cai tanto que ele não consegue mais encontrar hospedeiros e a circulação da doença é interrompida. É isso que é chamado normalmente de imunidade de rebanho.

Quando a pandemia de coronavírus começou, no início de 2020, e não havia vacinas disponíveis, foi levantada a hipótese de que seria possível atingir essa imunidade de grupo sem vacinas, a partir do momento em que um grande número de pessoas contraísse o vírus. A teoria tinha como pressuposto que quem se contaminou uma vez ficava imune a uma segunda contaminação pois já teria anticorpos contra o vírus.

Quando não havia vacinas disponíveis, no início da pandemia, foi levantada a hipótese de que seria possível atingir essa imunidade de grupo sem vacinas. (Crédito da foto: Getty Images).

Um grupo de cientistas — minoritários no meio científico — chegou a defender a estratégia. E alguns países, como Reino Unido, chegaram a adotá-la, mas ela foi rapidamente abandonada porque diversos estudos mostraram que o custo seria a perda de milhares de vidas.

O problema é que não se sabe quanto tempo após a recuperação da covid a pessoa continua imune, existem vários casos documentados de segundas infecções, não há garantia de imunidade contra novas variantes e um número enorme de infecções — e de mortes — aconteceria antes dessa imunidade de grupo ser atingida sem vacina.

Um modelo matemático apresentado pelo Imperial College de Londres, por exemplo, deu um panorama extremamente sombrio de como a doença ia se propagar pelo Reino Unido, como ia impactar o sistema público de saúde e quantas pessoas iam morrer se a estratégia de imunidade de rebanho sem vacina continuasse sendo aplicada. O modelo apontou que as mortes no Reino Unido poderiam chegar a 510 mil.

O que Bolsonaro falou sobre imunidade de grupo?

Em abril de 2020, Bolsonaro afirmou que o coronavírus iria atingir 70% da população (Crédito da foto: Ueslei Marcelino / Reuters).

Bolsonaro foi crítico do isolamento social desde o início da pandemia e disse diversas vezes que a contaminação da maior parte da população era inevitável.

Em entrevista em 15 de março à CNN Brasil, Bolsonaro afirmou que "muitos pegarão isso independente dos cuidados que tomem. Isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde".

Em 24 março de 2020, em pronunciamento em rede nacional, o presidente criticou o confinamento por seus efeitos econômicos e disse que "a orientação vai ser o [isolamento] vertical daqui pra frente".

Em 26 de março, disse que "o brasileiro não pega nada".

"Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha e não acontece nada com ele", afirmou o presidente, sem lembrar que um enorme número de doenças são endêmicas no Brasil por causa da falta de saneamento.

Logo em seguida o presidente disse que a contaminação de um grande número de pessoas ajudaria a não proliferar a doença.

"Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí"

Em abril daquele ano, Bolsonaro afirmou que o coronavírus iria atingir 70% da população.

"O vírus vai atingir 70% da população, infelizmente é uma realidade", disse em uma entrevista em frente ao Palácio do Alvorada. Questionado sobre o número de mortes por jornalistas, o presidente respondeu que "não fazia milagres".

"Lamento, quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre, ninguém nunca negou que não vai haver mortes", disse Bolsonaro.

Em maio de 2020, Bolsonaro citou a Suécia — que na época havia adotado uma política de não fazer isolamento social — como exemplo.

"Vamos falar da Suécia? Pronto! A Suécia não fechou!", disse Bolsonaro após uma reunião com empresários.

Alguns meses depois, em dezembro, o país perdeu o controle da pandemia e passou a sofrer com aumento de casos, UTIs lotadas e debandada de profissionais de saúde, entre outros problemas.

Letícia Mori, da BBC News Brasil em São Paulo. em 6 maio 2021

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Brasil supera 15 milhões de infectados pelo coronavírus

País teve 73.380 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia sobe para 15.003.563. Número acumulado de mortes é de 416.949, com média móvel de 7 dias se mantendo acima de 2 mil.

Cruzes iluminadas com velas em homenagem aos mortos pela covid-19 em frente ao Congresso Nacional. Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 198,4

Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 198,4

O Brasil registrou oficialmente 2.550 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta quinta-feira (06/05).

Também foram confirmados 73.380 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.003.563, e os óbitos somam agora 416.949.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.529.572 pacientes haviam se recuperado da doença até esta segunda-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta terça-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 198,4 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.252, o que significa que o país está há 50 dias registrando um índice acima de 2 mil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 579 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,5 milhões) e Índia (21 milhões).

Ao todo, mais de 155,4 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,2 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 06.05.2021

Operação policial mata 25 pessoas no Jacarezinho, em segunda maior chacina da história do Rio

Massacre ocorre mesmo com resolução do STF que suspende operações na pandemia. Um policial civil morreu baleado na cabeça e duas pessoas ficaram feridas por tiros que chegaram a um vagão do Metrô

Policiais civis carregam o corpo de uma pessoa morta durante operação na favela do Jacarezinho, nesta quinta-feira, 6 de maio, no Rio de Janeiro. (Crédito da foto: Ricardo Moraes / Reuters)

Uma operação da Polícia Civil realizada nesta quinta-feira na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, já se tornou a segunda maior chacina da história do Estado. Um total de 25 pessoas morreram, entre elas o policial civil André Farias, baleado na cabeça, segundo autoridades. Os demais são considerados suspeitos pela Polícia. O Instituto Fogo Cruzado contabilizou um total de 29 pessoas baleadas ao longo de sete horas de operação —entre eles, três policiais civis e duas vítimas de bala perdida. De acordo com o relato de quem acompanha a operação no local, os agentes estão invadindo a casa de moradores para realizar revistas —que só podem ocorrer com mandado judicial— e estão colocando os corpos das pessoas mortas em veículos blindados da corporação. Em uma das imagens recebidas pelo EL PAÍS, três agentes carregam irregularmente um corpo dentro de um lençol branco, atrapalhando qualquer trabalho de perícia.

A farsa sobre a polícia não poder entrar nas favelas

Em entrevista coletiva por volta de 17h, a Polícia Civil confirmou o número de mortes e afirmou que seis pessoas foram presas, sendo que três delas tinham mandado de prisão expedido. Além disso, a Operação Exceptis também apreendeu 16 pistolas, seis fuzis, uma submetralhadora, 12 granadas e uma escopeta calibre 12. A favela do Jacarezinho é considerada uma importante base do Comando Vermelho, a principal e mais poderosa facção do Rio de Janeiro, e os agentes investigavam o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas. “As investigações continuam, outras operações virão, e a gente busca não permitir que essas crianças sejam aliciadas pelo tráfico”, afirmou o delegado Rodrigo Oliveira. As autoridades negaram os abusos relatados por moradores e afirmaram que os policiais agiram em legítima defesa. “A única execução que houve foi a do policial, infelizmente. As outras mortes que aconteceram foram de traficantes que atentaram contra a vida de policiais e foram neutralizados”.

A ação policial desta quinta-feira demonstra que, mesmo durante a pandemia de coronavírus, a política de segurança pública do governador Cláudio Castro (PSC) no Estado do Rio segue sendo pautada pelo confronto direto com traficantes de drogas em favelas e bairros periféricos, em desrespeito a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Em junho do ano passado, o STF proibiu operações policiais desse tipo durante a crise sanitária, salvo em “hipóteses absolutamente excepcionais” e desde que devidamente justificadas ao Ministério Público do Rio —que, por sua vez, afirma ao EL PAÍS ter recebido a notificação da operação desta quinta às 9h, depois de seu início.

Um mês depois da decisão do Supremo, as operações policiais diminuíram 78%, as mortes em tiroteios caíram 70% e a quantidade de feridos, 50%. Ao mesmo tempo, 30 vidas teriam sido poupadas em julho, segundo uma pesquisa feito pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mas, mesmo com a ordem do STF, os números voltaram a crescer em novembro. Somente em 2021, o Instituto Fogo Cruzado já registrou 30 chacinas —casos em em que três ou mais pessoas foram mortas a tiros em uma mesma situação— na região metropolitana do Rio. “Ao todo, já são 139 mortos nessas circunstâncias”, afirma a plataforma, que monitora os tiroteios no Estado.

Nos dias 16 e 19 de abril deste ano, o ministro Edson Fachin realizou uma audiência pública com familiares de vítimas, organizações não-governamentais, especialistas e representantes das corporações policiais para debater estratégias de redução da letalidade policial. “É surreal que, duas semanas depois dessas audiências, a polícia continue com essa lógica do confronto, que coloca em risco nossa vida e que não respeita os nossos direitos, nossas casas e nossas vidas”, afirmou um morador do Jacarezinho em condição de anonimato.

A operação desta quinta começou por volta de 06h45, com helicópteros dando rasantes e policiais avançando pelos trilhos do trem e do metrô, que cortam a favela na superfície. “Eram muitos policiais entrando por todas as áreas do Jacarezinho. Muitos estão encapuzados. A gente recebeu a notícia que um deles foi baleado, e aí os tiros passaram a ser bem mais intensos”, afirmou o mesmo morador, que acredita que os agentes passaram a agir com revanchismo —como já aconteceu em outras ocasiões no Rio.

O tiroteio intenso também afetou a circulação do metrô e feriu dois passageiros dentro de um vagão. Uma Clínica da Família e outros dois postos de vacinação contra a covid-19 precisaram ser fechados. Os moradores tiveram que se trancar em casa para se proteger dos tiros, deixando as ruas praticamente desertas. Uma noiva estava de casamento marcado e uma mulher grávida havia agendado uma cesariana para o dia.

O chão e a cama de uma casa no Jacarezinho aparecem cobertos de sangue, após operação policial nesta quinta-feira. (Crédito da foto: Sílvia Izquierdo / AFP). 

O EL PAÍS recebeu imagens de corpos caídos no chão e de pessoas ensanguentadas. Também circulam fotografias do interior de algumas casas. Nelas, paredes e pisos aparecem com marcas de bala e grandes manchas de sangue. “Tenho uns 10 relatos de pessoas contando que a polícia entrou em suas casas revistando e jogando tudo para cima. A favela inteira está tomada”, afirma o morador. Em um áudio recebido por este jornal, outra pessoa relata a seguinte cena: “Entramos numa casa aqui com pedaço de massa encefálica. Invadiram a casa de uma senhora e torturaram o cara aqui dentro, a casa está toda suja de sangue”. Outra também relatou que em uma residência havia quatro mortos em uma laje e que os agentes não deixavam ninguém entrar. Há também denúncias de que agentes confiscaram telefones de moradores, sob o argumento de que mandavam informações para traficantes, segundo o G1. “Estão pegando telefone e agredindo morador”, relatou uma pessoa ao programa RJ1, da TV Globo.

A ação resultou na segunda maior chacina do Rio de Janeiro. A maior até o momento ocorreu nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense, em 2005. Nesse dia, grupos de extermínio formado por policiais mataram 29 pessoas. A operação também supera as chacinas de Vigário Geral, que terminou com a morte de 21 pessoas em 1993; da Vila Vintém, onde uma disputa de traficantes deixou 19 mortos; e do Complexo do Alemão, onde uma operação policial também resultou na morte de 19 pessoas em 2007.

O que dizem as autoridades

A situação está sendo acompanhada pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro e pela Defensoria Pública do Estado. O EL PAÍS entrou em contato com a Polícia Civil perguntando, entre outros pontos, os motivos da operação policial, se a corporação cumpriu os procedimentos determinados pelo Supremo e como justifica mais de duas dezenas de óbitos. Questionou, além disso, se os agentes agiram com o intuito de vingar a morte do colega, e se tinham mandado judicial para revistar a casa dos moradores. Por fim, buscou confirmar se os agentes estavam, conforme diziam os relatos, colocando os corpos de pessoas mortas nos veículos blindados. O jornal não recebeu nenhuma resposta até a publicação desta reportagem.

Porém, a Polícia Civil responsabilizou durante a coletiva de imprensa o “ativismo policial” pela morte do policial André Farias, mas negou que estivesse se referindo ao STF. “O sangue desse policial que faleceu em prol da sociedade de alguma forma está nas mãos dessas pessoas e entidades”, afirmou o delegado Oliveira. “A gente não tem como nominar A, B, C ou D. São diversas organizações que buscam nesse discurso impedir o trabalho da polícia. Quem pensa assim está mal intencionado ou mal informado”, acrescentou. E prosseguiu: “Impedir que a polícia cumpra o seu papel não é estar do lado de bem da sociedade. O ativismo perpassa uma série de entidades e grupos ideológicos que jogam contra o que a Polícia Civil pensa. E a polícia está do lado da sociedade.”

Oliveira ainda falou que “é preciso acabar com discurso de pobre coitado e de vitimização desse criminoso”. Seu colega, o delegado Felipe Curi, foi na mesma direção ao falar sobre mortos: “Não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem criminoso, homicida e traficante. O que causa muita dor na gente é a morte do nosso colega.”

Ao Ministério Público, o EL PAÍS perguntou se o organismo havia sido informado sobre operação, como determina o STF, e se pretende abrir inquérito para investigar a chacina. A instituição respondeu às 17h19, dizendo que “vem adotando todas as medidas para a verificação dos fundamentos e circunstâncias que envolvem a operação e mortes”, com o objetivo de abrir uma investigação independente. Também garante que a operação foi comunicada às 9h, depois de seu início, mas que a realização de operações policiais não requer prévia autorização ou anuência por parte do Ministério Público. “A Polícia Civil apontou a extrema violência imposta pela organização criminosa como elemento ensejador da urgência e excepcionalidade para realização da operação”, afirmou.

FELIPE BETIM, de São Paulo para o EL PAÍS, em 06.05.2021

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Brasil registra 2.811 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 73.295 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia para 14.930.183. Número acumulado de mortes é de 414.399, com média móvel de 7 dias se mantendo acima de 2 mil.

A média móvel de mortes em 7 dias no Brasil está acima de 2 mil há 49 dias. Mãe e dois filhos lamentam morte do pai, em frente ao caixão em cemitério de Brasília

A média móvel de mortes em 7 dias no Brasil está acima de 2 mil há 49 dias

O Brasil registrou oficialmente 2.811 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta quarta-feira (05/05).

Também foram confirmados 73.295 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.930.183, e os óbitos somam agora 414.399.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.442.996 pacientes haviam se recuperado da doença até esta terça-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta quarta-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 197,2 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.316, o que significa que o país está há 49 dias registrando um índice acima de 2 mil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 579 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,5 milhões) e Índia (20,6 milhões).

Ao todo, mais de 154,6 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,2 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 05.05.2021

terça-feira, 4 de maio de 2021

Brasil registra 2.966 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 77.359 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia para 14.856.888. Número acumulado de mortes é de 411.588, com média móvel de 7 dias se mantendo acima de 2 mil.

Vista aérea de cemitério em Manaus com várias covas com cruzes azuis. A média móvel de mortes no Brasil nos últimos sete dias ficou em 2.367

A média móvel de mortes no Brasil nos últimos sete dias ficou em 2.367

O Brasil registrou oficialmente 2.966 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta terça-feira (04/05).

Também foram confirmados 77.359 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.856.888, e os óbitos somam agora 411.588.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.336.476 pacientes haviam se recuperado da doença até esta segunda-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta terça-feira, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 195,9 no país, a 12ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 2.367, o que significa que o país está há 48 dias registrando um índice acima de 2 mil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 578 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,4 milhões) e Índia (20,2 milhões).

Ao todo, mais de 153,7 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,2 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 04.05.2021