terça-feira, 27 de abril de 2021

"Missão é interromper cronômetro da morte", diz Renan Calheiros

Em seu primeiro discurso como relator da CPI da Pandemia, senador prometeu investigação "despolitizada" e pautada na ciência, com a punição dos responsáveis pelas milhares de mortes devido à covid-19 no Brasil.    

Renan Calheiros prometeu investigação técnica e profunda

Em seu primeiro discurso como relator daCPI da Pandemia, o senador Renan Calheiros disse nesta terça-feira (27/04) que a comissão não fará perseguições, mas que os culpados pelas milhares de mortes por covid-19 no Brasil precisam ser punidos.

Segundo Renan, a missão da CPI é "zerar o cronômetro da morte". 

"O país tem o direito de saber quem contribuiu para as milhares de mortes, e eles devem ser punidos imediata e emblematicamente", afirmou.

Renan garantiu que, como relator, vai se pautar pela "isenção e imparcialidade que a função impõe" e que a "investigação será técnica, profunda, focada no objeto que justificou a Comissão Parlamentar de Inquérito e despolitizada".  

"Tenho a perfeita noção do prejuízo que o abuso de autoridade pode causar. Podem esperar um trabalho isento, objetivo, técnico, desapaixonado, destemido e colegiado", afirmou em outro trecho do discurso. 

O relator disse que é "impossível esquecer todos os dias fúnebres em mais de um ano de pandemia" e lembrou, em especial, o dia 6 de abril de 2021, "com uma morte a cada 20 segundos". No total, o Brasil já ultrapassa as 391 mil mortes por covid-19.

"Os inimigos dessa relatoria são pandemia e aqueles que, por ação, omissão, incompetência ou malversação, se aliaram ao vírus e colaboraram com o morticínio", disse.

Em outro trecho do discurso, o relator afirmou que tudo será analisado "sem medo de absolver quem merecê-lo e sem hesitação para imputar quem é responsável".

Trabalho pautado na ciência

Renan também afirmou, em vários momentos do discurso, que os trabalhos da comissão serão pautados pela ciência e pelo combate ao "negacionismo". Para isso, vários especialistas serão consultados.

"A comissão será um santuário da ciência, do conhecimento e uma antítese diária e estridente ao obscurantismo negacionista e sepulcral", garantiu.

"Estaremos defendendo a vida, o conhecimento, a ciência, a civilização, as instituições, o SUS e a própria democracia. Vamos dar um basta aos suplícios, à inépcia e aos infames. Não deixaremos de lembrar diariamente o tamanho da nossa tragédia. Os brasileiros estão morrendo em uma velocidade assustadora. Não temos tempo a perder com manobras regimentais, obstruções, diversionismo, politiquices e chicanas. Nossa missão é interromper esse cronômetro da morte".

Alvo da Lava Jato, Renan aproveitou para, indiretamente, criticar a forma como a operação foi conduzida e afirmar que fará diferente na CPI. 

"Não somos discípulos de Deltan Dallagnol nem de Sérgio Moro. Não arquitetaremos teses sem provas ou power points contra quem quer que seja. Não desenharemos o alvo para depois disparar a flecha", declarou. 

Renan tem sido alvo de ataques nas redes sociais por parte de apoiadores de Bolsonaro. Quanto a isso, o relator disse que "intimidações” e "arreganhos” não vão detê-lo. 

Ações do Ministério da Saúde

Renan também garantiu que as ações do Ministério da Saúde "serão investigadas a fundo". Sem citar nomes, Renan criticou, indiretamente, o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.

"A memória remete para as 454 mortes em combate na segunda grande guerra, com um universo de 25 mil pracinhas. Esse pequeno número de baixas reflete a liderança de um estrategista de guerra. Imaginem um epidemiologista conduzindo nossas tropas em Monte Castelo. Na pandemia o ministério foi entregue a um não especialista, um general", declarou.

"O que teria acontecido se tivéssemos enviado um infectologista para comandar nossas tropas? Provavelmente um morticínio. Porque guerras se enfrentam com especialistas, sejam elas bélicas ou sanitárias. A diretriz é clara: militar nos quartéis e médicos na Saúde. Quando se inverte, a morte é certa. E foi isso que aconteceu. Temos que explicar, como, por que isso ocorreu", completou Renan.

Comissão preocupa aliados de Bolsonaro

A comissão preocupa Bolsonaro e seus aliados, pois a maioria dos 11 membros do colegiado é considerada independente ou de oposição ao governo. Entre os principais temas a serem investigados estão a demora na compra de vacinas, a falta de oxigênio hospitalar e de medicamentos, além da produção e incentivo ao uso de drogas não recomendadas para tratar a doença, como a cloroquina.

A deputada Carla Zambelli, fiel apoiadora de Bolsonaro, encabeçou uma ação popular nesta segunda-feira para barrar a indicação de Renan como relator. Entre outros pontos, ela argumentou que o senador responde a processos na Justiça, fato que "comprometeria sua imparcialidade".

O juiz Charles Renaud Frazão de Moraes, da 2ª Vara Federal Cível de Brasília, atendeu ao pedido. No entanto, nesta terça-feira, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) derrubou a liminar e Renan foi confirmado no cargo.

Deutsche Welle Brasil, em 27 de abril de 2007.

Paraguai se 'descolou' do Brasil e conteve dano econômico da pandemia, diz ministro da Fazenda do país

No primeiro ano da pandemia, 2020, a economia do Brasil sofreu contração de 4,1%, de acordo com levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas apesar de seu histórico vínculo com o mercado brasileiro, o Paraguai registrou retração muito menor, 0,6%, segundo dados oficiais.

Foi a economia que teve a menor queda entre os países latino-americanos, apontou a Cepal. Para comparação, a economia argentina encolheu 10,5%, a do Uruguai, 5,9% e a do Peru, mais de 11%.

Economia paraguaia conseguiu 'desacople' das economias dos vizinhos, afirmou à BBC News Brasil o ministro da Fazenda do país, Oscar Llamosas Díaz. (Crédito da foto: Ag. IP / Min. de Tecnologias de la Informa)

A pandemia de coronavírus provocou a maior queda das economias da América Latina em 120 anos, segundo dados recentes da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal).

Em média, diz o organismo, a retração foi de 7,7% e a recuperação de cerca de 3,7%, prevista para este ano, não será suficiente para devolver os níveis econômicos pré-pandêmicos na região.

Em outros tempos, dizem analistas paraguaios, o comportamento da economia brasileira - e também da Argentina - teria influenciado.

Durante a pandemia, no entanto, o Paraguai "se descolou" da economia do Brasil e da região, diz o ministro paraguaio da Fazenda, Oscar Llamosas Díaz, em entrevista à BBC News Brasil.

"Se olharmos (inclusive) os dados anteriores à pandemia, podemos dizer que a economia paraguaia conseguiu, de certa forma, o 'descolamento' das economias dos nossos vizinhos. No caso do Brasil e da Argentina, nos últimos anos, os desempenhos econômicos foram negativos ou quase negativos e o Paraguai continuou tendo desempenho econômico positivo", disse o ministro.

A expectativa é que a economia paraguaia registre crescimento de 4% em 2021, afirmou. Ele ressalvou, porém, que existem setores do país que continuam dependendo dos vizinhos.

"São os casos dos comércios nas fronteiras com a Argentina, que estão fechadas (por determinação argentina), e com o Brasil que apesar da reabertura das fronteiras, registra queda no movimento", disse.

Homem caminha solitário em meio a medidas restritivas contra o coronavírus em Assunção, capital do Paraguai (Crédito da foto: Nathalia Aguilar / EPA)

Em termos "macro", porém, o Paraguai "conseguiu, em grande medida, esse descolamento dos vizinhos". No ano passado, logo no início da pandemia, o Paraguai fechou a fronteira com o Brasil e com a Argentina. Mas a medida não deverá ser retomada, disse o ministro.

"Aprendemos muita coisa no último ano e uma delas é que hoje o vírus, cedo ou tarde, entra nos nossos países. O que queríamos, no ano passado, era ganhar tempo para fortalecer o sistema de saúde", disse o economista Llamosas Díaz.

De acordo com os organismos internacionais, como em outros países, as medidas de estímulo, incluindo planos sociais para os mais vulneráveis e fiscais no âmbito de serviços e empresarial, entre outros, contribuíram para amenizar o impacto negativo da pandemia.

"A situação teria sido outra sem o plano de emergência que implementamos", disse Llamosas Díaz.

Ele reconhece, porém, que o cenário é de "incertezas" e que os resultados de 2021 dependerão da pandemia, já que os hospitais públicos registram ocupação completa praticamente de leitos e as doses de vacinas chegam lentamente.

"O governo enviou ao Congresso uma lei de emergência para reforçar o sistema sanitário, um setor que foi abandonado durante anos, e triplicamos o total de leitos. Mas ainda assim hoje o sistema sanitário está trabalhando praticamente em seu nível máximo", disse.


Parentes de pessoas infectadas com coronavírus acampam nas proximidades de hospital em San Lorenzo, Paraguai; ministro reconhece lotação no atendimento. (Crédito da foto: Mayeli Villalba).

Auxílio do Estado

Com quase 70% da sua população na economia informal, o governo optou, no primeiro momento da pandemia, por distribuir ajuda a todas as pessoas maiores de 18 anos que são trabalhadores informais ou idosos sem recursos.

Para evitar filas, contou o ministro, foi implementado o programa com nome em guarani Pytyvõ (ajuda/ajudar), que consiste na entrega de recursos através de celulares ou, no caso dos que não têm celular ou computador, usando a identidade para compras alimentos e de medicamentos, por exemplo.

"Num primeiro momento, chegamos a sete de cada dez trabalhadores. Hoje, esta ajuda está mais focalizada. Mas mantemos os apoios, por exemplo, aos comércios na fronteira, que sentem forte o impacto das restrições. Mas se a situação da pandemia piorar, teremos que voltar a ajudar os diferentes setores", disse.

Ele lembrou que o Paraguai tem uma Lei de Responsabilidade Fiscal que teve metas iniciais não cumpridas em 2020 e neste ano em função das necessidades de recursos na pandemia.

Em 2010, recordou, o Paraguai tinha cerca de 39% de pobres e, quase dez anos depois, em 2019, este índice foi de cerca de 23%.

"Com a pandemia, a pobreza subiu para 26%, mas, sem as ajudas provisórias ou permanentes que o governo distribui, ela teria sido em torno de 29%", afirmou.

O índice alto vinha em queda, acompanhando oito meses seguidos de expansão da economia, quando a pandemia surgiu.

País com cerca de 7,3 milhões de habitantes, que compartilha a hidrelétrica de Itaipu com o Brasil e a hidrelétrica de Yacyretá com a Argentina, o Paraguai tem três motores fundamentais para sua economia - a agropecuária, o agronegócio e as obras públicas. Setores que por suas dinâmicas internacionais (agronegócio) e internas (obras públicas) não dependem dos desempenhos das economias do Brasil ou das de outros vizinhos.

"Estes foram pilares fundamentais para nossa economia no ano passado, ano de pandemia", disse o ministro.

O Paraguai está entre os maiores produtores e exportadores de soja do mundo e entre seus clientes da carne que produz estão Chile, Taiwan e Israel, por exemplo. Foi no ciclo das commodities, entre cerca de 2000 e 2014, que o Paraguai fortaleceu sua "independência econômica", dizem analistas, do Brasil.

"Mesmo a partir de 2013, 2014, quando as economias da região começaram a desacelerar, o Paraguai manteve crescimento econômico, de entre 3% e 4%", disse o analista político e econômico Fernando Masi, do Centro de Análise e Difusão Econômica do Paraguai (Cadep).

Ele disse que, nos últimos anos, o Paraguai passou a adotar medidas que contribuíram para sua estabilidade e previsibilidade, como a reforma tributária. Quando foi realizada, em 2004, disse, o país tinha 100 mil contribuintes e hoje conta com um milhão e cem mil.

Mas, ele ressalva que, apesar da queda nos indicadores de pobreza e do longo período de crescimento sustentável, antes da pandemia, o Paraguai tem desafios como "diversificar sua matriz econômica" e saber se crescer 4% é "suficiente" para acabar com a pobreza.

"Temos que ver o modelo econômico de cada país. O crescimento de 4%, por exemplo, é suficiente para acabar com a pobreza e a vulnerabilidade do Paraguai? Suficiente para que existam mais oportunidades de emprego e para que o mercado interno cresça? Essa inclusão pode ocorrer dentro da própria agricultura. Hoje, as exportações estão concentradas na soja e na carne. Apesar de estarem surgindo diversificações nesse terreno, como é o caso, por exemplo, do arroz ou do têxtil, no campo industrial", disse Masi.

Marcia Carmo, de Buenos Aires para a BBC News Brasil, em 26 abril 2021

CPI da Covid começa com Renan na relatoria e adesão de governista

 A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid — que investigará ações ou omissões de autoridades na pandemia — teve início nesta terça-feira (27/04) com uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro. A maioria dos integrantes escolheu dois senadores independentes para comandar os trabalhos e produzir seu relatório final.

Renan Calheiros cumprimenta petista Humberto Costa - senador do MDB será relator da CPI (Crédito da foto: Edilson Rodrigues / Ag. Senado)

Omar Aziz (PSD-AM), senador do Amazonas, Estado cujo sistema de saúde colapsou no início do ano devido à gravidade da pandemia, foi eleito presidente. Para a vice-presidência, foi eleito Randolfe Rodrigues (Rede-AP)

Em acordo com outros integrantes, Aziz indicou o senador Renan Calheiros (MDB-AL) para ser o relator. Ambos integram partidos com as maiores bancadas no Senado.

A eleição de Aziz já era esperada, pois senadores opositores e independentes somam sete dos onze titulares da CPI. A surpresa ficou com o apoio do senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos quatro senadores aliados de Bolsonaro que integram a comissão. Com isso, Aziz recebeu oito votos e o candidato bolsonarista, senador Eduardo Girão (Podemos-CE) levou três.

O presidente eleito prometeu um "trabalho técnico" que buscará "a verdade".

"Essa CPI não pode servir para se vingar de absolutamente ninguém. Essa CPI tem que fazer justiça para milhares de órfãos que essa pandemia está deixando", disse Aziz.

"Ninguém de nós aqui conseguirá fazer milagre, mas podemos dar um norte ao tratamento e ter um protocolo nacional. Descobrir coisas que deixaram de ser feitas e por quem deixou de fazer, seja ele ministro, assessor, governador ou prefeito desse país", acrescentou.

Parlamentares bolsonaristas tentaram barrar a escolha de Calheiros, sob argumento de que ele seria suspeito para ocupar o cargo, já que um dos objetivos da CPI é investigar o repasse de recursos federais aos Estados, e o senador é pai do governador de Alagoas, Renan Filho.

Uma liminar chegou a ser concedida pela primeira instância da Justiça Federal de Brasília proibindo a escolha de Calheiros, a pedido da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), mas a decisão foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

À BBC News Brasil, o senador respondeu a essas críticas na semana passada afirmando que um sub-relator deve ser indicado como responsável caso haja apuração sobre repasses federais a Alagoas.

O próximo passo da CPI será a aprovação de um plano de trabalho, com diretrizes para a condução da investigação. Os senadores devem apresentar até às 12h de quarta-feira (28/04) suas sugestões a Calheiros, que consolidará o plano.

Na quinta-feira de manhã (29/04), esse planejamento será votado, assim como os primeiros requerimentos para convocação de testemunhas e pedidos de informações (por exemplo, o compartilhamento de investigações em andamento em outros órgãos, como o Ministério Público).

A expectativa é que os primeiros convocados a depor sejam os quatro ministros da Saúde de Bolsonaro: Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich, Pazuello, e o atual, Marcelo Queiroga.

Também deve ser chamado logo no início o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres.

Quando era ministro, Pazuello disse que seguia as ordens de Bolsonaro (Crédito da foto: Ueslei Marcelino / Reuters)

A comissão tem previsão inicial de durar 90 dias, prazo que pode ser prorrogado. Além do potencial de gerar desgastes para o governo ao longo do seu funcionamento, a CPI será concluída com a produção de um relatório.

Esse documento pode sugerir a aprovação de novas leis pelo Congresso, a remessa ao Ministério Público de suas conclusões para possível responsabilização civil e criminal dos investigados, assim como servir de fundamento para novo pedido de impeachment contra o presidente.

A abertura de um processo para afastar Bolsonaro, porém, depende de decisão individual do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem se mantido aliado do Planalto.

Filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) disse que "a CPI será um grande palco importante para o governo deixar tudo às claras". Ele criticou, porém, o momento escolhido para a comissão.

"Quantas vacinas essa CPI vai aplicar no braço da população? Nenhuma. O momento é inoportuno", afirmou, nos debates que antecederam a eleição do comando da CPI.

"Lamento que alguns senadores queiram usar os caixões de quase 400 mil mortes para fazer política barata e rasteira contra o governo federal", disse ainda.

CPI começa com 'arsenal' perigoso contra Bolsonaro

Com o Brasil próxima de registrar 400 mil mortes pela covid-19, a CPI investigará a atuação do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento da crise do coronavírus.

Outro foco da comissão será apurar possíveis ilegalidades no uso de recursos repassados pela União para Estados e municípios atuarem contra a pandemia. A expectativa, porém, é que os trabalhos priorizem inicialmente a atuação do governo federal, e já há algumas "munições" disponíveis para serem usadas pelos senadores contra a gestão Bolsonaro.

A CPI poderá solicitar, por exemplo, ao Tribunal de Contas de União (TCU) e ao Ministério Público Federal (MPF) o compartilhamento de investigações que já apuram possível negligência do governo no abastecimento de medicamentos e insumos para a rede pública, assim como a demora em reagir à falta de oxigênio ocorrida em janeiro no Amazonas.

Protesto em Manaus contra atuação de Bolsonaro na pandemia - crise no Amazonas será investigada na CPI (Crédito da foto: Bruno Kelly / Reuters).

Além de solicitar documentos (inclusive sigilosos) a outros órgãos, a comissão também pode requerer quebras de sigilos fiscal, bancário e de dados, assim como convocar pessoas para depor. Já entrou na lista de prováveis convocados o ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, Fábio Wajngarten, que na última semana fez duras críticas ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, em entrevista à revista Veja.

Ele culpou o general pela decisão do governo de não adquirir 70 milhões de vacinas oferecidas pela Pfizer no ano passado — a responsabilidade do governo na demora para imunizar a população é um dos principais tópicos que a CPI pretende esclarecer.

Todos os requerimentos propostos na comissão terão que ser fundamentados e receber o aval da maioria dos integrantes para irem adiante. O governo, porém, conta com minoria na CPI, o que torna provável que pedidos perigosos para o presidente sejam aprovados.

Dos onze integrantes titulares da comissão, quatro são aliados do Palácio do Planalto: Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE).

Cinco senadores são considerados independentes, mas têm uma postura crítica sobre a condução do enfrentamento da pandemia pelo governo: além de Renan Calheiros (MDB-AL) e Omar Aziz (PSD-AM), estão nesse grupo Eduardo Braga (MDB-AM), Otto Alencar (PSD-BA), e Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Os últimos dois são abertamente de oposição a Bolsonaro: Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Após fazer graves acusações a Pazuello, Fabio Wajngarten deve ser convocado pela CPI (Crédito da foto: Marcelo Camargo / Ag. Brasil)

Testemunhas convocadas são obrigadas a comparecer

Pessoas convocadas por CPI na condição de testemunha são obrigadas a comparecer e dizer a verdade. Segundo o Código Penal, mentir é considerado crime, com pena prevista de dois a quatro anos de reclusão, além de multa.

Testemunhas, porém, têm direito a não responder a perguntas que possam comprometê-las diretamente. Isso segue o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Por esse mesmo motivo, pessoas convocadas como investigados podem escolher ficar calados ou nem comparecer.

O senador Randolfe Rodrigues já disse que pedirá a convocação de Wajngarten, e defendeu também que seja feita depois uma acareação entre ele e Pazuello. Isso significaria chamar os dois ao mesmo tempo para confrontar suas versões.

Há também a possibilidade de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, seja chamado.

"Alguns membros (da CPI) agora estão argumentando que o ministro Paulo Guedes era contra o auxílio emergencial. E colocando que Orçamento deste ano não tem dinheiro para covid, só para vacinas. Então, tendo um fato determinante para chamar o ministro Paulo Guedes ou o general, com certeza serão chamados", disse à BBC News Brasil o senador Omar Aziz, em entrevista na semana passada.

Mariana Schreiber - @marischreiber, da BBC News Brasil em Brasília, em 27 abril 2021, às 13:44  horas.

CPI da Covid: conheça os documentos e depoimentos que vão nortear investigação sobre o governo Bolsonaro

TCU e Ministério Público Federal já reuniram informações sobre a atuação do Ministério da Saúde na pandemia. Senado deve ignorar liminar que impede Renan Calheiros de assumir relatoria da comissão

TCU e MPF mapearam atuação do Ministério da Saúde na pandemia Foto: MARCOS CORREA/ Via REUTERS

Marcada para esta terça-feira, a primeira sessão da CPI da Covid será em formato presencial. Além de indicarem o presidente e o relator dos trabalhos — o acordo prevê que as vagas fiquem com Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL) —, os senadores vão definir o formato sob o qual a comissão funcionará nos próximos meses. A tendência é que seja definido um modelo misto, com sessões presenciais aliadas ao funcionamento virtual da CPI. Há expectativa de que seja apresentado o plano de trabalho que vai ditar o ritmo e o andamento da comissão, que vai contar com documentos já colhidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público Federal (MPF), que já se debruçaram sobre a atuação do governo federal, mais especialmente do Ministério da Saúde, no curso da pandemia. A sessão também será marcada por um fato jurídico:  o Senado deve ignorar a liminar de primeira instância que impede Renan de ser relator.

Por serem maioria, com sete dos 11 senadores titulares, os independentes e oposicionistas passaram os últimos dias focados em elaborar juntos o plano de trabalho. Entre eles, há consenso sobre a convocação dos ex-ministros da Saúde no governo Bolsonaro e do ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten.

Parte do grupo também tem intenção de chamar o ministro da Economia, Paulo Guedes, para falar sobre auxílio emergencial. A iniciativa, porém, enfrenta resistência de Renan, que é próximo ao ministro. O “grupos dos sete”, como está sendo chamada a ala formada por oposicionistas e independentes do governo, se reuniu na noite de ontem na casa de Omar Aziz para tentar alinhar os pontos principais a serem apresentados. O objetivo é atuar de forma unificada para vencer as votações contra os governistas, que estão em minoria.

Omissão do Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde fez alterações no Plano de Contingência para reduzir suas atribuições durante a epidemia. Entre elas, estava a responsabilidade pelo monitoramento do consumo de medicamentos e insumos.

Editoria de Arte Foto: Reprodução

Um relatório do Tribunal de Contas da União diz que, diante da situação, o Ministério da Saúde tinha obrigação de auxiliar os estados menos estruturados e que esse tipo de omissão configura “abuso de poder”.

Outro eixo percorrido pelos procuradores do Ministério Público Federal do Amazonas é o incentivo ao "tratamento precoce" por parte do ministro e seus subordinados, fazendo pressão para adoção de medicamentos sem eficácia comprovada. No ofício enviado à Secretaria municipal de Saúde de Manaus pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, ela pressiona pela adoção do tratamento precoce e ressalta "a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde".

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Para sustentar que o Ministério da Saúde impulsionava o tratamento com remédios sem eficácia comprovada conscientemente, o Ministério Público Federal cita a nota informativa produzida pelo órgão em maio do ano passado, logo após o ex-ministro Eduardo Pazuello assumir a pasta. O documento traz orientações sobre o manejo de pacientes desde os sintomas iniciais da doença e orienta prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada como cloroquina e hidroxicloroquina.

Editoria de Arte Foto: Reprodução

Editoria de Arte Foto: Reprodução

O MPF chama a atenção, no entanto, para o fato de a própria pasta admitir, no mesmo documento, em páginas posteriores à indicação dos medicamentos uma ressalva de que  "até o momento não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação famarcológica específica para Covid-19".

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Colapso no Amazonas

O relatório do MPF-AM também indica a omissão e a lentidão do Ministério da Saúde em lidar com o colapso no sistema de saúde do Amazonas. Atas e depoimentos colhidos pelo órgão  mostram, por exemplo, que o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tinha conhecimento da situação crítica no estado desde 2020, conforme trechos do chamado "Plano Manaus", do próprio ministério, citado pelos procuradores.

Christiano Cruz, gerente da White Martins, prestou depoimento ao Ministério Público Federal sobre o colapso no abastecimento de oxigênio em Manaus

Christiano Cruz, gerente da White Martins, prestou depoimento ao Ministério Público Federal sobre o colapso no abastecimento de oxigênio em Manaus

A pasta cita que decidiu enviar uma comitiva à cidade apenas após o Ano Novo, embora já se soubesse que o número de hospitalizações havia dobrado em comparação com a semana anterior.

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Consideração do MPF:

"Do documento citado, extrai-se mais do que a ciência concreta da cúpula do Ministério da Saúde quanto à situação de iminente colapso que vivia Manaus. Vê-se também que, a despeito da emergência posta, o então Ministro da Saúde não adotou medidas com a urgência necessária ao enfrentamento da pandemia".

Ministério da Saúde aguardava óbitos em ambulância e colapso de oxigênio para enviar doentes a outros estados. A informação foi prestada por uma servidora do órgão, durante depoimento no Ministério Público Federal

Ministério da Saúde aguardava óbitos em ambulância e colapso de oxigênio para enviar doentes a outros estados. A informação foi prestada por uma servidora do órgão, durante depoimento no Ministério Público Federal

Atraso na compra de testes e falta de política de testagem

O documento do TCU aponta ainda que o governo foi lento para comprar testes para detectar a Covid-19 e que sua política de testagem não era adequada à gravidade da doença no país.

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Técnicos descobriram que a distribuição de kits de testes pelo Ministério da Saúde aos estados não atendia a um plano estratégico definido. Foi possível concluir que a distribuição dos testes aos Estados, Municípios e DF não obedece a nenhum critério ou tampouco está vinculada a qalquer estratégia, sendo realizada de acordo com a demanda. E que a  pasta tinha testes suficientes para realizar uma ampla testagem na população,o que poderia evitar o “recrudescimento da epidemia”. 

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Falta de controle sobre “kit intubação”

Os técnicos também descobriram que, apesar de o país ter vivido escassez de medicamentos do chamado “kit intubação” em meados de 2020, o Ministério da Saúde continuava sem ter um mecanismo próprio de monitoramento sobre o consumo dos medicamentos. Nas últimas semanas, diversos estados relataram a falta do medicamento usado para anestesiar pacientes que precisam ser intubados. A  pasta acompanhava o uso desses medicamentos somente nos leitos de hospitais públicos e não considerava o consumo em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) e que a distribuição dos medicamentos do kit intubação não considerava as peculiaridades das demandas dos Estados.

Na avaliação dos técnicos do TCU, a gestão da compra e distribuição dos medicamentos feita pela equipe comandada por Pazuello foi “ineficaz”.

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Baixo orçamento

O relatório do TCU aponta que não houve planejamento orçamentário para este ano. A proposta de recursos para o Ministério da Saúde era de R$ 20,05 bilhões para ações de combate à pandemia, sendo R$ 19,9 bilhões para a compra de vacinas. Técnicos avaliam que verba é "pequena" e o cenário "preocupante". 

Editoria de Arte Foto: Reprodução

Paula Ferreira, Leandro Prazeres, Julia Linder, Paula Cappelli e Jussara Soares para O Globo, em 27/04/2021 - 04:30

Senado deve ignorar liminar que impede Renan de assumir relatoria da CPI da Covid

Parlamentares consideram que decisão judicial não tem embasamento; Rodrigo Pacheco criticou interferência e disse que indicação cabe ao presidente da CPI

O Senado deve ignorar a decisão da Justiça Federal do Distrito Federal que impede Renan Calheiros (MDB-AL) de assumir a relatoria da CPI da Covid. Parlamentares consideram que a decisão não tem embasamento jurídico por citar uma regra inexistente no regimento interno sobre a indicação no colegiado (a eleição do relator). A tese é apoiada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que criticou a interferência entre poderes.

“A escolha de um relator cabe ao presidente da CPI, por seus próprios critérios. Trata-se de questão interna corporis do Parlamento, que não admite interferência de um juiz. A preservação da competência do Senado é essencial ao estado de direito. A Constituição impõe a observância da harmonia e independência entre os poderes", disse Pacheco, em nota.

Na decisão, o juiz Charles Frazão de Morais, da 2ª Vara Federal Cível da Justiça de Federal do Distrito Federal, afirma que Pacheco deve impedir que o nome de Renan Calheiros seja submetido à votação para compor a CPI na condição de relator. Não há, no entanto, eleição para a relatoria. A prerrogativa da indicação é do presidente do colegiado, que é eleito na primeira sessão.

"Determino que a União diligencie junto ao Senado da República, na pessoa do seu presidente, para que este obste a submissão do nome do Ilustríssimo Senhor Senador José Renan Vasconcelos Calheiros à votação para a composição da CPI da Covid-19 na condição de relator", diz trecho da decisão.

Segundo pessoas próximas, Pacheco sinalizou que iria ignorar a decisão por considerar que ela não tem embasamento. Na visão dele, o documento indica desconhecimento com o regimento interno da Casa. Além disso, o constrange a eventualmente tomar uma decisão que caberia exclusivamente ao presidente da CPI - o escolhido deve ser o senador Omar Aziz (PSD-AM). 

O senador Otto Alencar (PSD-BA) afirma que os trabalhos seguirão normalmente nesta terça-feira e que Renan ainda pode ser indicado como relator. Por ser o integrante mais velho da comissão, Alencar é responsável pela abertura dos trabalhos no colegiado.

— Sim, claro [pode seguir normalmente]. Foi uma decisão sem embasamento jurídico, ao ponto do despacho do juiz dizer que o Renan não pode ser eleito, mas o Renan será designado por decisão do presidente eleito — avaliou.

Ao GLOBO, Renan classificou a decisão como "uma interferência indevida de um juiz de primeira instância no poder Legislativo, limitando a liberdade de atuação do parlamento". Para ele, a iniciativa de Carla Zambelli (PSL-SP), autora da ação, faz parte de uma estratégia do governo.

— Estamos apresentando recurso. A CPI é uma investigação, ela tem poderes constitucionais. Não há precedente quanto a uma decisão tão esdrúxula quanto essa. Nunca houve uma decisão tão esdrúxula e indevida, de primeira instância, e que contém censura prévia, porque sequer fui escolhido relator (oficialmente). Isso não é Carla Zambelli, isso é uma questão do governo, vide a entrevista que o Flávio [Bolsonaro] deu [ao GLOBO]. Estão fazendo muito esforço — declarou Renan.

Julia Lindner e Paulo Cappelli para O Globo, em 26/04/2021 - 22:01 / Atualizado em 26/04/2021 - 22:24

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Senadores veem lista do governo sobre condução da pandemia como ‘confissão antecipada’

‘É um caso único de delação precoce’, ironiza senador Randolfe Rodrigues, cotado para ser vice-presidente da CPI da Covid

A ideia da Casa Civil de enumerar erros do governo de Jair Bolsonaro no combate à pandemia de coronavírus para construir a narrativa de defesa do Palácio do Planalto na CPI da Covid foi recebida com estranhamento por senadores. A oposição enxergou o gesto como confissão antecipada de culpa. A CPI será instalada nesta terça-feira, 27, e as falhas listadas pela Casa Civil serão usadas por integrantes da comissão para fustigar o governo.

“É um caso único de delação precoce”, ironizou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que deve ser escolhido vice-presidente da CPI. “Tem um roteiro ali que a CPI tem de pegar e investigar. Eles contribuíram com um roteiro a ser seguido por nós”.

Além de Randolfe na vice-presidência, o acordo feito por senadores independentes e de oposição – que são maioria na CPI – prevê Omar Aziz (PSD-AM) na presidência do colegiado e Renan Calheiros (MDB-AL) na função de relator. A eleição que confirmará a escolha dos ocupantes dos principais postos da comissão será feita nesta terça-feira.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) Foto: Dida Sampaio/Estadão

Aliado de Bolsonaro, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) quer furar o acordo fechado pela maioria e anunciou que vai concorrer ao comando da CPI. Além disso, bolsonaristas ainda fazem pressão nas redes sociais para impedir Renan de assumir o cargo de relator porque ele não apenas é crítico de Bolsonaro como apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Nas plataformas digitais, seguidores do presidente afirmam que o senador não pode integrar a CPI por ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB-AL). Ao avaliar ações e omissões do Executivo no combate à pandemia de covid-19, a CPI também vai investigar o destino do dinheiro repassado pelo governo federal a municípios e Estados, entre os quais Alagoas. 

Renan avisou pelo Twitter, na sexta-feira, 23, que se declarava “parcial” para tratar qualquer tema na CPI que envolva Alagoas. “Não relatarei ou votarei. Não há sequer indícios quanto ao Estado, mas a minha suspeição antecipada é decisão de foro íntimo”, disse ele.

Nesta segunda-feira, 26, o senador afirmou que os temas agora citados pela Casa Civil já são de amplo conhecimento e encarou o assunto como uma espécie de “treino” do Executivo contra o que pode acontecer na CPI. Renan também criticou as tentativas de interferência do governo na comissão.

“Esses assuntos já estavam postos. É bom que o governo levante as informações sobre eles porque isso certamente ajudará a elevar o nível do debate da própria comissão. É treino pessoal, melhor do que ficar obstruindo, mexendo na correlação do Tribunal de Contas, querendo eleger um presidente para não investigar para e indicar um relator para também não investigar”, afirmou.

A Casa Civil, comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos, enviou um e-mail para as secretarias executivas de 13 ministérios com uma lista contendo 23 acusações e críticas ao desempenho do governo no combate à pandemia, que podem ser usadas como objeto na CPI da Covid. A informação foi revelada pelo UOL e confirmada pelo Estadão.

A lista de Ramos destaca a acusação de que o governo teria recusado 70 milhões de doses da vacina da Pfizer. Também é levantado questionamento a respeito da pressão do presidente Jair Bolsonaro para que os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich recomendassem cloroquina contra covid, medicamento sem eficácia comprovada, podendo acarretar efeitos colaterais adversos.

O incentivo ao tratamento precoce, o desestímulo ao isolamento social e uma negligência no acordo com a Coronavac, vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac, também são listados pelo Planalto.

O senador Humberto Costa (PT-PE), integrante titular da CPI, também vê a lista da Casa Civil como uma confissão de culpa. “Eu acho que é. Eu acho que eles precisam realmente tentar explicar tudo aquilo ali, as coisas são muito objetivas, muito claras. O que o governo vai precisar é tentar justificar porque agiu daquela maneira. Não tem como negar aquelas coisas todas que eles mesmos falam. Vão precisar se mexer muito para conseguir explicar”, declarou o senador.

Bolsonaro tem dito que “acertou todas” na pandemia, apesar de declarações minimizando a doença e previsões de que a crise iria acabar logo, o que não ocorreu. “Não errei nenhuma desde março do ano passado”, disse o presidente a apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada. 

O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), também integrante da CPI, demonstrou estranheza com a lista preparada pelo governo. “Nunca vi o governo agir dessa forma sobre uma denúncia”.

Braga afirmou que uma equipe está analisando os tópicos listados pelo governo para verificar a forma como poderão ser usados na CPI. “Acho muito estranho esse documento. O nosso pessoal já está debruçado sobre ele para ver os desdobramentos e o que a gente consegue apurar. Parece um guia de como o próprio governo vê onde ficou fragilizado”, observou.

Uma versão preliminar do plano de trabalho da CPI prevê investigar questões como o atraso na compra de imunizantes pelo País, a omissão do Ministério da Saúde no colapso na rede de saúde de Manaus no início do ano e a insistência de Bolsonaro em recomendar o chamado tratamento precoce. Além de não ter eficácia comprovada, a medida ainda pode causar efeitos colaterais e levar pacientes à fila dos transplantes.

Abaixo, os 23 erros apontados contra o governo, segundo a Casa Civil:

1- O Governo foi negligente com processo de aquisição e desacreditou a eficácia da Coronavac (que atualmente se encontra no PNI (Programa Nacional de Imunização);

2- O Governo minimizou a gravidade da pandemia (negacionismo);

3- O Governo não incentivou a adoção de medidas restritivas;

4- O Governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas;

5- O Governo retardou e negligenciou o enfrentamento à crise no Amazonas;

6- O Governo não promoveu campanhas de prevenção à Covid;

7- O Governo não coordenou o enfrentamento à pandemia em âmbito nacional;

8- O Governo entregou a gestão do Ministério da Saúde, durante a crise, a gestores não especializados

9- O Governo demorou a pagar o auxílio-emergencial;

10- Ineficácia do PRONAMPE (programa de crédito);

11-O Governo politizou a pandemia;

12-O Governo falhou na implementação da testagem (deixou vencer os testes);

13-Falta de insumos diversos (kit intubação);

14-Atraso no repasse de recursos para os Estados destinados à habilitação de leitos de UTI;

15-Genocídio de indígenas;

16-O Governo atrasou na instalação do Comitê de Combate à Covid;

17-O Governo não foi transparente e nem elaborou um Plano de Comunicação de enfrentamento à Covid;

18-O Governo não cumpriu as auditorias do TCU durante a pandemia;

19-Brasil se tornou o epicentro da pandemia e ‘covidário’ de novas cepas pela inação do Governo;

20-Gen Pazuello, Gen Braga Netto e diversos militares não apresentaram diretrizes estratégicas para o combate à Covid;

21-O Presidente Bolsonaro pressionou Mandetta e Teich para obrigá-los a defender o uso da Hidroxicloroquina;

22-O Governo Federal recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer;

23-O Governo Federal fabricou e disseminou fake news sobre a pandemia por intermédio do seu gabinete do ódio.

Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo, em 26 de abril de 2021 | 18h26

Justiça Federal do DF barra Renan da relatoria da CPI da Covid

Comissão será instalada nesta terça-feira. Há um acordo feito por senadores independentes e da oposição para Omar Aziz (PSD-AM) ser presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice presidente e Renan Calheiros, relator

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) discursa no plenário do Senado, em Brasília. Foto: Dida Sampaio / Estadão

Na véspera da instalação da CPI da Covid, a Justiça Federal do Distrito Federal decidiu nesta segunda-feira (26) barrar a possibilidade de o senador Renan Calheiros (MDB-AL) assumir a relatoria dos trabalhos da comissão. A decisão, que marca uma vitória do Palácio do Planalto, foi tomada no âmbito de uma ação popular movida pela deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP). Renan já avisou que vai recorrer para derrubar o veto.

Há um acordo feito por senadores independentes e da oposição para Omar Aziz (PSD-AM) ser presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice presidente e Renan Calheiros, relator. A eleição que confirmará a escolha dos ocupantes dos principais postos da comissão será feita nesta terça-feira (27).

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária do Distrito Federal

2ª Vara Federal Cível da SJDF

 PROCESSO: 1022047-33.2021.4.01.3400

CLASSE: AÇÃO POPULAR (66) 

POLO ATIVO: CARLA ZAMBELLI SALGADO 

REPRESENTANTES POLO ATIVO: SORMANE OLIVEIRA DE FREITAS - CE15406 

POLO PASSIVO:JOSE RENAN VASCONCELOS CALHEIROS

 DESPACHO 

Trata-se de pedido de tutela de urgência em Ação Popular manejada pela Deputada CARLA ZAMBELLI SALGADO em face da União e do Senador JOSÉ RENAN VASCONCELOS CALHEIROS, com o objetivo de “(...) impedir/suspender qualquer ato a ensejar a possível ascensão do requerido à função de

Relator da CPI da Covid-19, em atenção ao princípio da moralidade pública”

Sustenta na inicial que o Presidente do Senado determinou a instalação da referida CPI, com

previsão de início de seus trabalhos entre os dias 22 e 29 deste mês. E que, por acordo entre uma parcela de parlamentares indicados pelos partidos, ao Presidente do Senado será submetido à votação para a relatoria o nome do Senador da República Renan Calheiros.

Argumenta que o ato de nomeação que se projeta afrontará a moralidade administrativa, tendo

em conta que o Senador Renan Calheiros responde a apurações e processos determinados pelo Supremo Tribunal Federal, envolvendo fatos relativos a improbidade administrativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o que compromete a esperada “imparcialidade que se pretende de um relator”, e levará ao (sic) “ desvirtuamento das proposituras objetivas e uma verdadeira guerra de interpretações que nada vão ajudar à solução dos grandiosos problemas noticiados na rotina cotidiana”, terminando por criar “um ambiente hostil ao

Presidente da República (...)”.

Aduz, por fim, que tendo a CPI espectro que alcança a gestão das medidas relativas ao combate da Covid-19 igualmente nos Estados, que haveria impedimento da relatoria da CPI pelo Senador Renan Calheiros, que é pai do Governador do Estado de Alagoas, reforçando a “expectativa de um direcionamento dos trabalhos para o mais distante possível de seu objeto secundário (em ordem de análise, não de importância), que é a fiscalização dos recursos públicos direcionados aos entes federativos para o combate da pandemia”.

Assinado eletronicamente por: CHARLES RENAUD FRAZAO DE MORAIS - 26/04/2021 18:13:51 Num. 517008854 - Pág. 1 http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21042618135171600000511301047

Número do documento: 21042618135171600000511301047

A autora, no ID n. 512671597, emendou a inicial para incluir a União no polo passivo, ao tempo

em que reforçou a urgência do atendimento do seu pedido.

É a síntese do necessário.

Decido.

Não obstante a melhor doutrina aponte que é suficiente a constatação da presença da legitimidade e de eventual ilegalidade do ato a ser praticado para o curso da ação popular, tendo como escopo, no dizer de Bielsa, citado por Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança e Ações Constitucionais, 37ª Ed., pág., 194) não apenas se prestar a restabelecer a legalidade, “mas também para punir ou reprimir a imoralidade administrativa”, como valores constitucionalmente protegidos (CF, art. 5º, inciso LXXII), ainda não vislumbro elementos argumentativos mais densos para avançar na análise do pedido de tutela de urgência.

Contudo, diante da proximidade do ato que se quer obstar (noticiado pelos meios de comunicação para a próxima terça-feira) e em prestígio ao direito de ação da autora, nobre Deputada Federal, que se soma à iminência do esvaziamento da utilidade do processo ou, no mínimo, o indesejável tumulto dos trabalhos da CPI da Covid-19, na hipótese da concessão futura do pedido de tutela de urgência formulado na inicial, é prudente, si et in quantum, determinar à Ré que o nome do Senhor Senador Renan Calheiros, não seja submetido à votação para compor a CPI em tela, e isso somente até a vinda da manifestação preliminar sua e da Advocacia Geral da União no caso.

Na hipótese, o exercício do poder geral de cautela do juiz é medida que se impõe para, por prudência, salvaguardar o direito postulado pela autora e, ao mesmo tempo, evitar prejuízo para o desenvolvimento dos trabalhos da CPI e à própria atividade parlamentar do senador demandado.

Pelo exposto, com fulcro no art. 297 do CPC, determino que a União diligencie junto ao Senado da República, na pessoa do seu presidente, para que este obste a submissão do nome do Ilustríssimo Senhor Senador JOSÉ RENAN VASCONCELOS CALHEIROS à votação para a composição da CPI da Covid-19 na condição de relator, exclusivamente até a juntada das manifestações preliminares dos requeridos quanto ao pedido de tutela de urgência formulado pela autora, oportunidade em que será reapreciado o pedido no ponto, desta feita com mais subsídios fundados no contraditório das partes, tudo sem nenhum prejuízo para o prazo de contestação.

Intime-se com urgência, por oficial de justiça plantonista, o Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal; e o Excelentíssimo Senhor Senador Renan Calheiros, este último facultando-lhe a manifestação preliminar sobre o pedido de urgência da autora, no prazo de 72 horas.

Intime-se também, com urgência, a Advocacia Geral da União (PRF1) para a manifestação preliminar no prazo de 72 horas, sem prejuízo da devolução integral do prazo para contestação.

 Cumpra-se.

 BRASÍLIA, 26 de abril de 2021.

Assinado eletronicamente por: CHARLES RENAUD FRAZAO DE MORAIS - 26/04/2021 18:13:51 Num. 517008854 - Pág. 2 http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21042618135171600000511301047

Número do documento: 21042618135171600000511301047

“Isso não tem sentido. Uma interferência de um poder limita o Senado Federal. O Senado tem poderes constitucionais para proceder com a investigação, não pode ter interferência judicial. Na história do Brasil, é a decisão mais esdrúxula”, afirmou Calheiros ao Estadão/Broadcast.

“Não é Carla Zambelli. É o Bolsonaro. O Flávio Bolsonaro anunciou essa decisão segunda-feira”, disse o senador, em referência à entrevista do filho do presidente da República ao jornal O Globo, em que Flávio criticou a indicação de Renan para compor a CPI. “Eu continuo sem saber por que esse medo”, afirmou Renan.

Renan Calheiros negou que a decisão interfira em seu posicionamento como relator da CPI, que deve ser instalada amanhã para investigar a conduta do governo federal na pandemia e o repasse de verbas a Estados e municípios. “Conduzirei a relatoria com absoluta isenção e imparcialidade. Nós queremos ver como destravar a vacinação e, paralelamente, fazer a apuração dos fatos.”

Para o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a decisão do juiz federal deve ser derrubada. “É uma liminar cloroquina: tratamento precoce sem eficácia comprovada e com efeitos colaterais gravíssimos. Acho que não resiste.”

Imparcialidade. Zambelli alegou à Justiça Federal do DF que Calheiros responde a inquéritos no STF por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa, o que comprometeria a “imparcialidade que se pretende de um relator”. A parlamentar também sustentou que Renan não poderia assumir a relatoria da comissão, já que as investigações devem também mirar a atuação dos Estados no enfrentamento da pandemia. O senador é pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB-AL).

Em um despacho de apenas duas páginas, a Justiça Federal do DF determina que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), impeça o nome de Renan em “votação para a composição da CPI da Covid-19 na condição de relator”. A escolha do relator, porém, não depende de eleição e é feita por indicação do presidente da CPI, que deve ser o senador Omar Aziz (PSD-AM). Integrantes da CPI devem se reunir na noite desta segunda-feira, 26, na residência de Omar Aziz.

“Diante da proximidade do ato que se quer obstar (noticiado pelos meios de comunicação para a próxima terça-feira) e em prestígio ao direito de ação da autora, nobre deputada federal, que se soma à iminência do esvaziamento da utilidade do processo ou, no mínimo, o indesejável tumulto dos trabalhos da CPI da Covid-19, na hipótese da concessão futura do pedido de tutela de urgência formulado na inicial, é prudente determinar à Ré que o nome do Senhor Senador Renan Calheiros, não seja submetido à votação para compor a CPI em tela, e isso somente até a vinda da manifestação preliminar sua e da Advocacia Geral da União no caso”, determinou o juiz Charles Renaud Frazão de Morais.

Na mesma decisão, Morais também deu um prazo de 72 horas para que Renan e a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestem sobre o caso. “O exercício do poder geral de cautela do juiz é medida que se impõe para, por prudência, salvaguardar o direito postulado pela autora e, ao mesmo tempo, evitar prejuízo para o desenvolvimento dos trabalhos da CPI e à própria atividade parlamentar do senador demandado”, ressaltou o juiz.

Aziz deve consultar os demais integrantes da comissão sobre a decisão judicial em uma reunião na noite desta segunda-feira, 26. A interlocutores, ele manifestou surpresa pela liminar ter sido dada por um juiz do Distrito Federal e criticou a interferência às vésperas da instalação.

Pressão. Bolsonaristas têm feito pressão nas redes sociais para impedir Renan de assumir o cargo de relator porque ele não apenas é crítico de Bolsonaro como apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nas plataformas digitais, seguidores do presidente afirmam que o senador não pode integrar a CPI por ser pai do governador de Alagoas. Ao avaliar ações e omissões do Executivo no combate à pandemia de covid-19, a CPI também vai investigar o destino do dinheiro repassado pelo governo federal a municípios e Estados, entre os quais Alagoas.

Renan avisou pelo Twitter, na sexta-feira, 23, que se declarava “parcial” para tratar qualquer tema na CPI que envolva Alagoas. “Não relatarei ou votarei. Não há sequer indícios quanto ao Estado, mas a minha suspeição antecipada é decisão de foro íntimo”, disse ele.

Rafael Moraes Moura, Daniel Weterman e Lauriberto Pompeu, de Brasília - DF, para o Estado de S. Paulo, em 26 de abril de 2021 | 19h11.

'Brasil não levou pandemia a sério e muitos morreram desnecessariamente', diz Nobel de Medicina

"Embora Bolsonaro e sua administração sejam responsáveis, acho que a prioridade agora deve ser seguir em frente, agir e enfrentar a pandemia. Será um desafio, principalmente com a atual liderança, mas talvez a vontade do povo e a imprensa ajudem."

Para virologista americano Charles Rice, que venceu o prêmio em 2020, presidente Jair Bolsonaro é culpado pela crise de covid-19 e enfrentar pandemia sob sua liderança "será um desafio" (Crédito da foto: The Rockfeller University)

Na opinião do virologista americano Charles Rice, vencedor do Nobel de Medicina em 2020, "como aconteceu nos Estados Unidos, o governo brasileiro não levou a pandemia a sério e, como consequência, muitos morreram desnecessariamente".

Falando à BBC News Brasil por e-mail, ele diz acreditar que o presidente Jair Bolsonaro é culpado pela crise de covid-19, e que enfrentar a pandemia sob sua liderança "será um desafio".


Professor de virologia na Universidade Rockefeller (Estados Unidos), Rice dividiu o prêmio do ano passado com os pesquisadores Michael Houghton e Harvey J. Alter por seus trabalhos sobre o vírus da hepatite C. A doença, para a qual não existe vacina, provoca uma inflamação do fígado que pode se tornar crônica e causar câncer, levando à morte.

Carta assinada por mais de 200 nomes, incluindo três vencedores do Nobel, critica atuação de Bolsonaro em pandemia de covid-19 (Crédito da foto: Marcos Correa / PR)

Carta aberta

Recentemente, Rice foi um dos três ganhadores do prêmio Nobel a assinar uma carta com mais de 200 nomes, entre cientistas e pesquisadores de todo o mundo, para defender a ciência no Brasil e criticar a atuação do governo Bolsonaro durante a pandemia de covid-19. O documento, publicado em 7 de abril, diz que a área está sob ataque pela sua gestão (ver íntegra ao fim desta reportagem).

Além de Rice, outros dois laureados com o Nobel, Michel Mayor (Nobel de Física em 2019) e Peter Ratcliffe (Nobel de Medicina em 2019), também estão entre os signatários.

A BBC News Brasil entrou em contato com os dois - Mayor não respondeu aos questionamentos da reportagem e Ratcliffe afirmou, por meio de sua secretária, que ficou "feliz" de ter assinado a carta, mas que não "desejava fazer comentários adicionais" sobre a situação da pandemia da covid-19 no Brasil.

No documento, os signatários dizem que Bolsonaro "deve ser responsabilizado pela condução da crise sanitária no Brasil, que não somente fez explodir o número de mortes mas acentuou as desigualdades no país".

A carta lembra que o presidente se referiu à covid-19 como "gripezinha", criticou as medidas preventivas, como isolamento físico e uso de máscaras, e "por diversas vezes provocou aglomerações", além de "propagar o uso da cloroquina" e "desencorajar a vacinação".

"Em meio ao negacionismo, proliferação de falsas informações e ataques à ciência, em plena crise sanitária, o presidente chegou a mudar quatro vezes de ministro da saúde", acrescenta o documento.

Na carta, os signatários também destacam que a ciência no Brasil "vem sofrendo diversos ataques".

"Cortes e mais cortes orçamentários que ameaçam pesquisas e colocam o trabalho de cientistas em xeque; instrumentalização da ciência à fins eleitoreiros como bem mostram as declarações do presidente desacreditando o trabalho de cientistas durante a crise sanitária. Esses ataques, no entanto, vão além do contexto da covid-19".

O Brasil é um dos países mais afetados pela pandemia de covid-19 no mundo: tem o terceiro maior número de casos confirmados de coronavírus (mais de 14 milhões) e o segundo maior número de mortes (391 mil).

Veja a íntegra da carta abaixo.

Carta Aberta: solidariedade internacional aos pesquisadore(a)s e cientistas no Brasil e ao povo brasileiro.

Pesquisadore(a)s do mundo todo

Terça-feira, 6 de abril de 2021 - O Brasil registra 4195 mortes pela Covid. Ao todo, são mais de 340 000 óbitos contabilizados desde o começo da pandemia. Se o coronavírus afeta todos os países do globo, a amplitude da catástrofe sanitária que acomete o país não pode ser dissociada da gestão desastrosa do presidente Jair Bolsonaro. O presidente deve ser responsabilizado pela condução da crise sanitária no Brasil, que não somente fez explodir o número de mortes mas acentuou as desigualdades no país.

Em inúmeros momentos, o dirigente da república brasileira se referiu à covid-19 como « gripezinha », minimizando a gravidade da doença. Bolsonaro criticou as medidas preventivas, como o isolamento físico e o uso de máscaras, e por diversas vezes provocou aglomerações. Chegou a propagar o uso da cloroquina, embora cientistas alertassem para os efeitos tóxicos do uso do fármaco para combater a covid. Pesquisadores que publicaram estudos que demonstravam que o uso do medicamento aumentava o risco de morte em pacientes com Covid chegaram a ser ameaçados no Brasil. Bolsonaro desencorajou ainda a vacinação, chegando a sugerir, por exemplo, que as pessoas poderiam se transformar em « jacaré ». Em meio ao negacionismo, proliferação de falsas informações e ataques à ciência, em plena crise sanitária, o presidente chegou a mudar quatro vezes de ministro da saúde.

A ciência brasileira está sofrendo diversos ataques : cortes e mais cortes orçamentários que ameaçam pesquisas e colocam o trabalho de cientistas em xeque ; instrumentalização da ciência à fins eleitoreiros, como bem mostram as declarações do presidente desacreditando o trabalho de cientistas durante a crise sanitária. Esses ataques, no entanto, vão além do contexto da covid-19. Basta lembrar os ataques feitos por Bolsonaro ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em um contexto alarmante diante dos níveis de desmatamento da Amazônia.

Ao desmentir a ciência, Bolsonaro não somente fere a comunidade científica, mas toda a sociedade brasileira : são diários os recordes de mortes pela covid, dados da Fiocruz indicam por exemplo a circulação de 92 cepas do coronavírus no Brasil, o que torna o país uma gigantesca fábrica de variantes ; para além temos ainda os impactos sobre o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global.

Em um contexto de crise sanitária, de agravamento das desigualdades, de mudanças climáticas, este tipo de conduta é inaceitável e o autor deve ser responsabilizado. Nós nos preocupamos com o agravamento da crise sanitária no Brasil, com os ataques à ciência e por meio desta carta aberta nós, acadêmico(a)s de todo o mundo, demonstramos nossa solidariedade com os/as colegas no Brasil, cujas liberdades estão ameaçadas e com a população brasileira que é afetada diariamente por essa política destrutiva.

Luis Barrucho - @luisbarrucho, da BBC News Brasil em Londres, em 26 abril 2021, 15:38 -03 / Atualizado Há 2 horas

Brasil registra mais 1.139 mortes por covid-19 em 24 horas

País também registrou 28.636 novos casos. Total de óbitos já ultrapassa 391 mil e infecções superam 14,3 milhões.

Em primeiro plano, uma cruz. Ao fundo, ocorre um enterro. 

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções

O Brasil registrou oficialmente 1.139 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta segunda-feira (26/04).

Também foram confirmados 28.636 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.369.423, e os óbitos somam agora 391.936.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Além disso, os números divulgados às segundas-feiras também costumam ser mais baixos, uma vez que as equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida no fim de semana.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 12.809.169 pacientes se recuperaram da doença até este domingo. 

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 186,5, a 14ª mais alta do mundo, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 32,1 milhões de casos, e da Índia, com 17,3 milhões de pessoas infectadas. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 572 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 147,4 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e mais de 3,1 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 26.04.2021

Lira afirma que não há razão para 95% dos pedidos de impeachment contra Bolsonaro

Presidente da Câmara afirma que não é o momento oportuno ou conveniente para analisar casos.

Arthur Lira comanda sessão da Câmara Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Depu / Agência O Globo

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta segunda-feira, em entrevista à rádio Jovem Pan, que não vê motivos para a apresentação de 95% dos pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Em meio à crise sanitária e social decorrente da Covid-19, Lira disse que não é o momento de levar o assunto adiante.  

O presidente da Câmara falou sobre o tema após ser perguntado sobre um "superpedido" de impeachment que deve ser apresentado pela oposição e deputados de direita que não apoiam Bolsonaro. Ao todo, Lira já tem mais de 70 pedidos à espera pela deliberação.

— Cabe ao presidente da Câmara , segundo a Constituição, ver a oportunidade e conveniência para a apreciação desses casos. Noventa por cento, noventa e cinco por cento dos que eu já vi não tem nenhuma razão de ter sido apresentado, a não ser um fato político que se queira gerar. Alguns outros, muito pouca coisa. Então, neste momento, não é conveniente se tratar de um assunto desta gravidade, deste tamanho — disse Lira.

Ele acrescentou que o prosseguimento de um pedido de impeachment é uma "mudança drástica na sociedade brasileira".

— O ex-presidente Rodrigo Maia passou cinco anos na presidência (da Câmara), dois anos de governo Bolsonaro, com mais de 66 pedidos de impeachment, e não teve sequer um minuto de pressão para a avaliação desse quadro. Mais uma vez , eu digo: quem errou, se errou, quem cometeu erros, dolo, falta de boa gestão do recurso público para a Covid, estará necessariamente responsabilizado no tempo adequado.

Lira disse ainda que é contra a investigação da CPI da Covid que funcionará no Senado e que o momento é de enfrentar a crise. Também ressaltou que, na sua opinião, o país está "dividido" entre o apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Segundo o deputado do PP, os pedidos de impeachment serão analisados "no tempo adequado e com responsabilidade".

— É normal, é democrático (a apresentação de impeachment), o Brasil está literalmente dividido. Você tem aí um ex-presidente com 30%. Você vê o atual presidente com 30%. Você enxerga os dois caminhando para o centro, então é normal que haja pressão de uma parte, e não de outra.

Bruno Góes para O Globo, em 26/04/2021 - 09:45 / Atualizado em 26/04/2021 - 10:29

Artigo de Gabeira: As voltas que a vida dá

Bolsonaro investiu contra a vida liderando a maior política de destruição ambiental do Brasil moderno. E investiu de novo contra a vida negando a pandemia do coronavírus.

A vida começa agora a cobrar de forma combinada os crimes de Bolsonaro. Numa só semana, convergiram a Cúpula de Líderes sobre o Clima e a CPI da Covid, eventos que lembram a Bolsonaro que sua própria vida ficará para sempre marcada por seu desprezo à vida das florestas e dos bichos e pelo sacrifício humano envolto na tese da imunização de rebanho.

Por mais que psicólogos mergulhem no labirinto da mente de Bolsonaro, nenhuma explicação atenua o dado objetivo de tantas árvores derrubadas, tantos animais carbonizados, tantas pessoas mortas pelo coronavírus.

A economia explica apenas parcialmente. Bolsonaro acha que é preciso tirar todos os recursos da natureza, independentemente do rastro de destruição. Da mesma forma, ele acha que a economia precisa funcionar, independentemente das pessoas que o vírus consome.

A verdade é que Bolsonaro não se importa tanto com a economia, não estuda o tema e, ao se eleger, designou um ministro para responder a todas as perguntas, a quem chamou de Posto Ipiranga. O que move o presidente não chega a ser, portanto, nem uma teoria econômica, por mais grosseira e obsoleta que possa parecer.

Tanto na destruição das florestas como na tragédia humana diante do vírus, o que move Bolsonaro é sua vontade de permanecer no poder.

A floresta interessa na medida em que garanta os votos dos seus predadores; as pessoas podem morrer para que uma suposta normalidade econômica garanta a reeleição.

É muito conhecida a literatura sobre essa obsessão com o poder, a necessidade de respeito e até admiração que os poderosos obtêm quando se revestem dessa condição que lhes parece mágica.

Mas o caso de Bolsonaro é singular. Existe uma coerência em todas as suas escolhas. A morte é a grande aliada desde a opção destrutiva no ambiente e na pandemia, passando pela difusão das armas, chegando até a detalhes como suprimir multas de quem se descuida da cadeirinha do bebê no carro.

Essa aliança com a morte pode ser também o resultado de uma grande frustração com a própria vida. Mas, de novo, deixo isso aos psicólogos ou àqueles que preferem combater Bolsonaro no plano da sanidade mental.

Por meio de grandes episódios como a Cúpula do Clima e a CPI da Covid, entretanto, é possível compreender o antagonismo de Bolsonaro com todos todos os tipos de vida no planeta.

E refletir sobre isso. Não importa a Bolsonaro se o país se tornar um deserto, muito menos se os que ele considera mais fracos forem tombando pelo caminho.

Nunca na história moderna do país a indiferença diante da realidade política poderá ter consequências tão devastadoras para nosso futuro.

A Cúpula do Clima serve para mostrar a importância da luta da Humanidade para a sobrevivência das novas gerações e a contradição de Bolsonaro com essa gigantesca reação vital.

Ali, ele apenas mentiu, supondo que possa enganar o mundo. Seu objetivo sempre foi desmontar a fiscalização, acabar com a “indústria da multa”, liberar o garimpo e enfraquecer os povos indígenas.

A CPI da Covid servirá para revelar aquilo que muitos de nós já sabemos. Mas pode fazê-lo de uma forma séria e pedagógica para que todos compreendam a responsabilidade de Bolsonaro.

Essas duas vertentes, a ambiental e a sanitária, sempre estiveram aí enquanto, de uma certa maneira, Bolsonaro gritava “Viva la muerte”, como o oficial do Exército de Franco.

É estranho que esse grito tenha dominado um país mundialmente conhecido pela vitalidade. Imperdoável, no entanto, que ele possa ecoar em 22, o prazo final para o encerramento dessa fúnebre passagem da História do Brasil.

Fernando Gabeira é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente n'O Globo, em 26.04.2021

Editorial do Estadão: O veredito da ciência

Os levantamentos científicos são unânimes em apontar que o morticínio no Brasil só não foi pior por causa da atuação responsável da maior parte dos governadores.

Uma questão crucial a ser elucidada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para apurar as responsabilidades do governo na crise pandêmica é: por que o País que tem um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, com histórico de sucesso no combate a outras doenças e um aparato de vigilância sanitária avançado, apresentou resultados tão catastróficos? Se a resposta, com todas as suas consequências, não vier à luz, não será por falta de subsídios da comunidade científica.

Como mostra um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Michigan e da FGV, no início da pandemia o Global Health Security Index classificava o País como o mais preparado da América Latina para lidar com emergências de saúde pública. Daí a resposta bem-sucedida a epidemias como as de HIV/aids, hepatite C e H1N1.

O estudo sobre o Brasil integrou o livro The Comparative Politics and Policy of Covid-19, que reuniu mais de 60 pesquisadores para analisar governos de todo o mundo. Os resultados mostram que os países com melhor desempenho seguiram as orientações da Organização Mundial da Saúde e aliaram medidas de saúde a políticas sociais. Ou seja, ponto por ponto o contrário do que fez Jair Bolsonaro. “O presidente e seus apoiadores (governadores de quatro Estados, parte das Forças Armadas, alguns membros do governo, como o ministro das Relações Exteriores, e certos grupos de extrema direita) advogaram políticas públicas que refletiram uma pseudociência na melhor das hipóteses, e o negacionismo na pior.”

A pesquisa detalha como Bolsonaro empregou seus poderes constitucionais para minimizar a pandemia e boicotar os Estados. Um caso de prejuízo diretamente causado pela negligência do Planalto foi a demora no fechamento das fronteiras no início do surto. Outro, causado por sua ação direta, foram as medidas provisórias empregadas para obstruir os esforços de restrição da circulação por parte dos Estados, como a que indexou dezenas de serviços como “essenciais”. “Bolsonaro interferiu no Ministério da Saúde como nunca antes visto no período democrático”, lembrou uma das pesquisadoras. “Ele interveio em protocolos de tratamento e até no modo de divulgação dos dados da pandemia.”

Outro estudo, da revista médica The Lancet, identificou diversos problemas na gestão federal, entre eles as deficiências dos quadros levados ao Ministério da Saúde pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, para substituir vários técnicos por militares sem competência, tal como ele, em saúde. Também questiona a subutilização dos fundos de emergência de R$ 44,2 bilhões aprovados em fevereiro. Até outubro de 2020 – período crítico para a contenção do surto – o Ministério havia empregado apenas 23% de seus recursos.

Além desses problemas, um levantamento da revista Science destaca a baixa capacidade de testagem. Até o final de 2020, o País havia testado apenas 13,6% da população, o que o coloca entre os que menos testaram no mundo, conforme o Our World Data, da Universidade de Oxford. O estudo também aponta a forte correlação no início da pandemia entre o número de mortes e as vulnerabilidades socioeconômicas. É outro ônus para o governo federal. Em emergências de saúde em um país tão grande e diverso como o Brasil, o Ministério da Saúde tem um papel fundamental na compensação das desigualdades regionais. Quando falta a articulação federal, as consequências podem ser catastróficas, como se viu na crise de abastecimento de oxigênio em Manaus.

Certa vez, Pazuello confessou que antes de assumir a pasta não sabia o que era o SUS. Talvez aprenda nos inquéritos a que será submetido no Congresso que a calamidade em sua gestão só não foi maior pela resiliência do sistema. Bolsonaro, por sua vez, tentou mobilizar congressistas para avançar a proposta de incluir os Estados na CPI. Não conseguiu, porque isso seria inconstitucional. Se fossem incluídos, seria outro tiro no pé do governo. Os levantamentos científicos são unânimes em apontar que o morticínio no Brasil só não foi pior por causa da atuação responsável da maior parte dos governadores. 

      
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 26 de abril de 2021 | 03h00

Denis Lerrer Rosenfield: Henry e a maldade

A crueldade se esconde sob o manto de uma ‘família feliz’. O silêncio é aterrador!

O assassinato do menino Henry, de apenas 4 anos, em sua casa, provavelmente em seu quarto, perpetrado com toda a probabilidade por seu padrasto com a cumplicidade e participação de sua mãe, coloca-nos diante de uma face sombria da natureza humana. Não se trata de um crime qualquer, mas de um crime que foge dos parâmetros do que tendemos a considerar normal. Não há nada de banal aqui, uma vez que entra em cena um tipo de ação voltada para a maldade, tendo-a como guia.

Não estamos diante de uma ação má contraposta a uma ação boa, na medida em que pessoas que cometem tais atos se situam para além desta distinção moral. Sentimentos morais estão aqui completamente ausentes, não orientam tal tipo de comportamento. O que se pode dizer de uma mãe que mente e encobre o assassinato de seu filho? Ou de um padrasto (ou seja lá o que essa pessoa signifique) que tortura durante semanas essa criança até a explosão hemorrágica de seus órgãos internos? Pessoas que agem dessa maneira visam única e exclusivamente à destruição do outro.

A crueldade é outro componente desse tipo de ação. A tortura sistemática, o ritual de seu acompanhamento durante semanas, o gozo do sofrimento alheio e a progressão da violência expõem um comportamento estrangeiro a qualquer denominação de normalidade. O criminoso age impunemente, com uma mãe conivente e uma babá medrosa de poder ser ela mesma objeto de tais atos. Cria-se uma teia de cúmplices, cada um conforme a sua “razão”, cuja característica central é o acobertamento e o silêncio. Depois, procurarão elas dizer que foram coagidas, ameaçadas ou coisa que o valha. A crueldade se esconde sob o manto de uma “família feliz”. O silêncio é aterrador!

O ato mau, nesta acepção, não é simplesmente uma explosão, algo súbito, como sob o efeito de drogas ou num surto psicótico, mas algo que se inscreve num “cálculo”, medindo cada passo na execução progressiva da violência. Há uma ascensão da crueldade, cujas etapas exigem meios de execução e falas que encenem uma espécie de “normalidade”. São atos frios, não guiados por emoções, mas por uma certa forma de racionalidade que tem como finalidade a maldade. Ou seja, são atos que deveriam ser mais propriamente denominados irracionais, porém de uma irracionalidade específica, a de estar voltada friamente, com cálculo, para o mal.

Hannah Arendt, ao refletir sobre o caso Eichmann, utilizou a expressão “banalidade do mal” para caracterizar o comportamento desse oficial nazista. A expressão terminou fazendo fortuna, embora a própria autora não tivesse clareza de seu significado. Serviu, na época, para descrever a natureza de um ato cujo autor expunha uma certa normalidade, como se fosse um mero executor de ordens de um Estado anormal. Um comportamento “normal” em outros aspectos, salvo nesse precisamente. Independentemente de Eichmann não ser um mero executor e de ter plena consciência e responsabilidade de seus atos, o que está em questão é a forma de acobertamento de um tipo distinto de maldade, ou seja, o de atos exclusivamente voltados para o mal, para além da sua distinção em relação ao bem. Numa carta a Scholem, Arendt se vê obrigada a melhor explicar essa sua formulação, acrescentando, então, que a maldade nazista não seria diferente em sua natureza de outras, salvo em seu aspecto quantitativo, potencializado pela técnica. Ele nunca seria “radical”, por ser somente extremo, não tendo tampouco “profundidade” nem dimensão “demoníaca”. O conceito de mal radical, utilizado em Origens do Totalitarismo, não é mais, agora, de valia, pois ao perscrutá-lo nada se encontra, uma vez que só o bem teria “profundidade”. A sua banalidade significaria o seu aspecto chocante por expressar o comportamento de homens “normais” que, sob certas circunstâncias, abandonam toda “normalidade”.

Posteriormente, em seus Diários de Pensamento, ela se defronta com o caráter insatisfatório de sua abordagem, desta vez para reconhecer a sua limitação filosófica, restrita a uma análise moral, e não existencial, voltada para a natureza própria, positiva nela mesma, da maldade. Quando qualificamos cotidianamente uma pessoa ou uma ação como má, tal afirmação dá lugar a sentimentos morais como compaixão, comiseração e mesmo perdão. A relação com o outro se assenta em parâmetros morais tanto para o bem quanto para o mal, engendrando um terreno comum de entendimento e moralidade. Quando passamos, porém, para os fenômenos individuais ou coletivos que seriam nomeados pela expressão “mal radical”, tais parâmetros e sentimentos morais são implodidos, dando lugar a expressões de horror, de não reconhecimento, de alteridade absoluta, não ensejando nem compaixão nem perdão para os seus executores.

Ao pensarmos no Dr. Jairinho e em Monique, mulher e mãe, nos vemos na necessidade de recorrer a outro conceito de maldade, que transborda nossa forma habitual de pensar. E é esse transbordamento que se torna objeto de pensamento ao propiciar a reflexão sobre esta espécie de sem fundo da natureza humana.

Denis Lerrer Rosenfield é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Este artigo foi publicdo originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 26 de abril de 2021 | 03h00